Frédéric Chopin (1810-1849): Ballades, Fantaisie Op. 49, Prélude no. 25 (Pollini)

Tive um colega no saudoso Jornal da Tarde que costumava dizer: “escrever sobre quem a gente admira é a coisa mais fácil do mundo; escrever sobre quem a gente ama e idolatra é a coisa mais difícil”. Sentado na frente do computador para tentar botar pra fora algo sobre Maurizio Pollini (1942-2024), que nos deixou ontem, só posso concordar contigo, meu caro Eduardo. Pollini sempre esteve lá, desde o começo, meu big bang particular, quando o tempo e o universo nasceram. Se a chama da música foi acesa na minha vida por dois outros pianistas, Vladimir Horowitz e Glenn Gould, em um par de CDs que meu irmão trouxe de uma viagem a Nova York, Pollini foi o primeiro amor, o primeiro herói, um símbolo daquilo de mais belo e precioso que a humanidade produziu nesse rochedo que vaga pelo Sistema Solar. Se comecei a entender o que era o mundo pelas doces vozes de meus pais e irmãos me acalentando, foi com os discos de Pollini que comecei a entender o que era a música, esse Mistério de beleza e verdade que expressa aquilo que não se pode colocar em palavras (e, muitas vezes, também aquilo que se pode).

E, puxa, que sorte imensa poder passar o resto da vida navegando e mergulhando no oceano de gravações que maestro Pollini deixou, num arco que perfaz uns bons quatrocentos anos de música — grande artista que é — eu ia escrever “foi”, mas a verdade é que um ser iluminado como Pollini sempre “é”, nunca deixará de “ser” —, explorou um universo que foi do barroco a compositores do nosso tempo.

Claudio Abbado, Luigi Nono e Maurizio Pollini: che trio!

Uma vida e uma carreira marcadas por integridade artística, respeito aos compositores, generosidade para com os colegas e, dando corpo a tudo isso, uma humildade de alguém que compreendeu que a arte é aquilo que nos salva da barbárie, que nos dá asas e nos torna imortais. Quando Pollini tocava, não era sobre ele, era sobre a música. Uma lição tão essencial, tão básica, e também tão esquecida nesses tempos de likes, engajamentos e que tais.

Sem querer escorregar e fazer desse texto um detestável “eubituário”, conto que tive a sorte de vê-lo algumas vezes, em diferentes salas na capital alemã, ao longo de nove anos. Sempre, em todas elas, me pegava olhando em volta, para a Philharmonie enchendo aos pouquinhos, ou sentindo o cheiro das novíssimas poltronas das Pierre Boulez Saal, e pensando: cacete, vou ver o Pollini! Era sempre um sonho virando realidade. E foi sempre absolutamente excepcional.

Pollini na Pierre Boulez Saal, em Berlim, 2019. Foto deste blogueiro

Dito tudo isto, que gravação escolher para homenageá-lo? É quase como se perguntar “qual tijolo escolho para mostrar a beleza e a grandiosidade da Muralha da China” ou qualquer coisa que o valha. Resolvi seguir o coração e trazer as Quatro Baladas do mestre polonês. Se de alguma forma Chopin personifica em sua obra o que é o piano, a beleza e as possibilidades desse maravilhoso instrumento, Pollini também o faz com o estupendo repertório de gravações que deixou. Não existe maior testemunho do que se pode fazer com essas 88 teclas do que o legado fonográfico de Maurizio Pollini.

E aqui Pollini voa pelas harmonias chopinianas como um condor cruzando a Cordilheira dos Andes! Que maravilha são essas baladas, que coisa assombrosa é o pianismo desse homem, e quanta beleza, quanta poesia… Pollini mostra que a dicotomia entre técnica e sensibilidade é uma falácia, é um dilema que simplesmente não existe quando se trata dos grandes mestres. Sua técnica é um negócio de outro planeta, mas nada soa como virtuosismo superficial.  A arquitetura de uma sonata de Beethoven, de uma Mazurka de Chopin ou de um Klavierstück de Stockhausen ganha, em suas mãos, uma expressão límpida e viva, prenhe de sentido e de verdade. Se existe aquilo que chamam de Deus, é com certeza Pollini que ele(a) escuta quando chega do trabalho e se senta em sua nuvem preferida para ouvir algo belo e esquecer que deu merda com essa tal de humanidade.

Grazie, maestro!

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Frédéric Chopin (1810-1849)

1.  Ballade No. 1 in G minor, Op. 23
2. Ballade No. 2 in F major, Op. 38
3. Ballade No. 3 in A flat major, Op. 47
4. Ballade No. 4 in F minor, Op. 52
5. Prelude Op. 45 in C sharp minor, No. 25
6. Fantasia in F minor, Op. 49

Maurizio Pollini, piano

Pollini em Varsóvia, logo após vencer o VI Concurso Internacional de Piano Chopin, em 1960

Karlheinz

8 comments / Add your comment below

  1. MP3?! Ninguém mais usa MP3, o som é inferior. MP3 destrói parte da música. Sim, é sutil, mas você pode ouvi-lo claramente no piano, na percussão e, muitas vezes, na música de trompa ou violino. E o MP3 cria artefatos audíveis. E se alguém quiser editá-lo, os MP3s são inúteis.

    Espero que você possa se juntar a todos os outros compartilhando arquivos e usar formatos sem perdas. Obrigado!

    1. Grato pela sugestão, Quincy. Muita gente ainda usa mp3 sim, ainda é um formato muito prático e de boa usabilidade, sobretudo para quem não é muito versado em tecnologia, gerações mais velhas etc — que formam um bom contingente de leitores deste blog, que também não desejo deixar desassistidos. Lamento que te incomode tanto, mas creio que não será difícil encontrar esse disco no formato que mais lhe aprouver. Um abraço!

      PS: já experimentou ouvir mp3 com um bom DAC? Recomendo! A minha experiência é ótima.

  2. Adorei seu texto, Karlheinz!
    Obrigado pela postagem. Já a ouço, para participar da homenagem.
    Uma beleza, difícil de traduzir em palavras. Você fez um lindo texto, que ajuda a apreciá-la.
    A propósito, eu, laico que sou de todas as artes, amo ouvir o mp3.
    É reproduzível por todos os aparelhos, um verdadeiro Mickey Mouse em tempos de domínio público!
    Viva Pollini, em todos os formatos que sirvam à beleza!
    😉

  3. A lembrança e o legado de Pollini sempre vão me remeter a coisas genuínas e caras, ao cultivo e reverência plena à arte. De Schumann, Beethoven, Schubert, Prokofiev e tantos outros. Em tudo dele parece que há harmonioso liame entre técnica e humanismo. Essa coisa de executar bem uma música e o ganho de lisonja pelo mundo parecem algo secundário, pois a arte é o altar. Que descanse em paz!
    Obrigado pelo texto.

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