Padre Antonio Soler (1729-1783) – Villancicos (Camerata e Coro A. Soler, Gustavo Sánchez)

A música de Soler desafia as periodizações usuais e coloca problemas para aquelas generalizações como “em 1750 o barroco acabou”. Como se o assim chamado estilo barroco tivesse tido as mesmas características e cronologia na Itália, França, Alemanha (falar de um barroco protestante já é estranho por outros motivos que não vêm ao caso hoje), na Península Ibérica e nas colônias de ultra-mar onde as cartas demoravam meses para chegar e as modas, muito mais.

O Padre Soler viveu toda a vida na Espanha mas, leitor voraz e também escritor, acompanhava as novidades musicais impressas e manuscritas dos países vizinhos. Suas obras mais famosas são as sonatas e o fandango para teclado: tendo conhecido bem o cravo e o piano, ele viveu a transição entre esses dois instrumentos e usou práticas então recentes como o “baixo de Alberti”, muito comum nas sonatas de Mozart. Mas, se me perguntarem, as sonatas de Soler são mais variadas e originais do que as de Mozart, que atingiu momentos pianísticos mais sublimes sobretudo nos concertos.

Soler, por sua vez, não compôs concertos para piano e orquestra, talvez pela ausência de orquestras regulares na região de Madrid. Mas ele é o autor dos primeiros quintetos com teclado de que se tem notícia (1776). Para quarteto de cordas e cravo (ou piano ou órgão, há controvérsias), eles inauguram uma formação na qual Schumann e Shostakovich criariam obras-primas.

Além dessas obras instrumentais, há missas e outras coisas menos conhecidas até hoje, como os villancicos, que são música vocal não litúrgica, tradicional em festas populares na Espanha desde o fim da idade média. Em sua forma portuguesa, o vilancete foi cultivado por Camões. Soler compôs diversos villancicos de Natal, mas neste disco foram gravados apenas villancicos compostos para a festa de São Lourenço, padroeiro do gigantesco Monastério de El Escorial, próximo a Madrid e onde a família real passava parte do ano, sendo assim, junto com o Palacio de Aranjuez, uma espécie de “Versalhes espanhol”. Essa festa ocorria a cada mês de agosto e os seis vilancicos foram cantados entre 1753 e 1770. As partituras não circularam pelo mundo: modesto, Soler as guardou na Biblioteca do monastério (foto abaixo).

Real Biblioteca del Escorial, fundada em 1565

A orquestração dos villancicos de Soler é bem simples – apenas violinos e baixo contínuo no primeiro de 1753, aos quais se somam duas trompas nos outros, oboé em um -, refletindo a ausência de grandes orquestras em Madrid, onde os instrumentos de teclado reinavam na preferência da elite (lembrem-se que, quando Soler era jovem, a Rainha Maria Bárbara encomendou cinco pianofortes de Florença para sua corte).

Então se por um lado o clima festivo e o canto com coro SATB e solistas lembram algumas cantatas de J.S. Bach ou o Gloria de Vivaldi, por outro lado a orquestração mais simples para cordas (sem partes para viola e com o violoncelo inserido no contínuo) e a predominância das trompas em alguns trechos dá um clima que em termos genéricos podemos chamar de medieval/renascentista ou, se quisermos ser mais precisos, associaremos à música coral da Veneza de G. Gabrieli, um século antes de Vivaldi e talvez ainda influente na Espanha na época. Ou ainda, em uma extrapolação por analogia, poderíamos relacionar à alegria das festas de interior como as de São João no Brasil – que ocorrem fora da igreja mas são festas de santo como esses villancicos.

Em todo caso, não imaginemos Soler compondo obras corais em castelhano pensando em competir com Bach, Vivaldi ou Gabrieli. Era um homem de cultura cultivada, rato de bibliotecas, talvez em suas obras em latim – missas, réquiem, salmos – ele quisesse impressionar bispos e arcebispos, mas em seus vilancicos em castelhano ele estava fazendo música para festa de santo. Isso talvez dê pistas sobre o inclassificável estilo de Soler: fez sonatas para ouvidos de aristocratas e fez música coral que o povo espanhol queria ouvir e cantar durante as festas. E, como lembra o Luiz Simas, quem faz o santo é o povo, bem mais que o Vaticano.

Padre Antonio Soler (1729-1783) – Villancicos a San Lorenzo

1. En la plaza de Roma. Villancico a 8 con Violines y Trompas, 1756 (10:53)
2 El laurel lleno de amor. Villancico a 8 con Violines y Trompas, 1759 (15:26)
3 En consonancias de guerra. Villancico a 8 con Violines, 1753 (9:09)
4 El sufrimiento más noble. Villancico a 8 con Violines, Oboe y Trompas, 1765 (7:59)
5 Al Que de Dios templo vivo. Villancico a 8 con Violines y Trompas, 1769 (16:25)
6 Flores, vientos, aves, fuentes. Villancico a 8 con Violines y Tromplas, 1770 (8:07)

Camerata e Coro Antonio Soler, Gustavo Sánchez
Recorded: El Escorial, España, 2017
1ª gravação mundial – as partituras se encontram em cópia única na Real Biblioteca del Escorial

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Detalhe de uma pintura de El Greco (1580) no Monasterio de El Escorial

Pleyel

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