
Um dos aspectos mais peculiares da parceria entre o editor George Thomson e Beethoven era que, com raras exceções, nosso herói desconhecia completamente as letras que seriam apostas aos arranjos que ele fazia das melodias enviadas da Escócia. Muito se especulou sobre os motivos que levaram Thomson a adotar esse expediente. Algumas das explicações passavam pelas letras originais: uma boa parte das canções folclóricas eram em escocês ou irlandês, ou nos dialetos locais de inglês, considerados pouco elegantes – isso quando não tratavam de temas chulos que, no mínimo, fariam corar as senhoritas nos pudicos salões em que, como queria Thomson, os arranjos seriam ouvidos. O mais provável, no entanto, era que ele não confiasse nem em Beethoven, que realmente se enrolou muito nas negociações originais, nem nas complicadas rotas que transportavam partituras, correspondência e rusgas entre Edimburgo e Viena. Por isso, então, teria decido procurar letras para os arranjos só depois que eles tivessem cruzado a Mancha.
Ludwig protestou reiteradamente contra esse modus operandi do escocês, alegando que não teria como fazer arranjos adequados sem conhecer pelo menos do que tratavam as letras. Presenteado com esse vácuo de informações, preencheu as lacunas da maneira que sua imaginação permitiu, exagerando nas cores: as canções em tonalidade menor, por exemplo, são bastante lamuriosas; aquelas de amor, carregadas de sentimentalismo. Em várias delas Beethoven representou a paisagem sonora que ele, que nunca deixara a Europa continental, tinha das ilhas britânicas: baixos permeados por bordões, imitando as gaitas de foles que tanto o impressionaram quando um regimento escocês visitou Viena. A despeito dessas limitações, é inegável que ele fez um esmerado trabalho, refletido não só nas introduções e codas instrumentais muitas vezes elaboradas, como também no capricho na apresentação das partituras e até na sua habitualmente medonha caligrafia. Esboços de trechos dos arranjos aparecem até em seus cadernos de rascunho – uma honra reservada em geral apenas para anotações para suas obras mais importantes, o que também atesta a seriedade com que ele encarou a tarefa.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Doze canções irlandesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 154
Arranjadas entre 1812-13
Publicadas em 1816
1 – No. 2: Oh harp of Erin. Andantino semplice espressivo
2 – No. 12: Duet – He promised me at parting. Allegretto con moto
3 – No. 4: The pulse of an Irishman. Vivace scherzando
4 – No. 3: The Farewell Song. Andantino con espressione
5 – No. 8: Save me from the grave and wise. Allegretto molto grazioso
6 – No. 9: Duet – Oh! would I were but that sweet linnet. Andante amoroso
7 – No. 10: Duet – The hero may perish. Andante con moto
8 – No. 6: Put round the bright wine. Allegretto quasi vivace
9 – No. 5: Oh! who, my dear Dermot. Andantino con espressione
10 – No. 7: From Garyone, my happy home. Allegretto amoroso
11 – No. 11: Duet – The Soldier in a Foreign Land. Andantino amoroso
12 – No. 1: The Elfin Fairies. Vivace
Janice Watson, soprano
Dame Felicity Lott, soprano
Ann Murray, mezzo-soprano
Ruby Philogene, mezzo-soprano
Sarah Walker, mezzo-soprano
John Mark Ainsley, tenor
Toby Spence, tenor
Thomas Allen, barítono
Marieke Blankestijn, violino
Elizabeth Layton, violino
Krysia Osostowicz, violino
Ursula Smith, violoncelo
Malcolm Martineau, piano
Doze canções de diversos povos, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 157
Arranjadas entre 1815-20
Publicadas entre 1816-39
13 – No. 1: God save the King. Maestoso con molto spirito
14 – No. 2: The Soldier. Maestoso risoluto ed eroico
15 – No. 3: Charlie is my Darling. Allegretto con anima
16 – No. 4: O Sanctissima. Andante con moto, ma con pietà
17 – No. 5: The Miller of Dee. Allegretto con brio
18 – No. 6: A Health to the Brave. Alla marcia
19 – No. 9: Highlander’s Lament. Espressivo
20 – No. 8: By the Side of the Shannon. Allegro più tosto, scherzando
21 – No. 11: The Wandering Minstrel. Andantino quasi allegretto
22 – No. 10: Sir Johnnie Cope. Marcia, Allegretto spritioso e semplice
23 – No. 7: Robin Adair. Andante amoroso
24 – No. 12: La gondoletta. Allegretto scherzando
Janice Watson, soprano
Dame Felicity Lott, soprano
Ann Murray, mezzo-soprano
Ruby Philogene, mezzo-soprano
John Mark Ainsley, tenor
Timothy Robinson, tenor
Thomas Allen, barítono
Marieke Blankestijn, violino
Elizabeth Layton, violino
Krysia Osostowicz, violino
Ursula Smith, violoncelo
Malcolm Martineau, piano

Vassily























Ao encomendar os “temas variados” a Beethoven, George Thomson insistiu em que as peças devessem ser apropriadas à execução por amadores. Sua experiência prévia com profissionais como Haydn e Hummel, no entanto, jamais teria sido capaz de prepará-lo para o trato com alguém como Ludwig, que, embora precisasse do dinheiro, não tinha lá muito tino para compor para amadores. Nosso herói escreveu para Thomson doze séries de variações em 1818 e outras quatro em 1819, incluindo posteriormente alternativas mais simples para variações que Thomson considerou muito difíceis. Essas versões simplificadas ainda acabaram bem longe do alcance dos dedos dos diletantes, e o editor, temendo pelas vendas e erguendo uma bandeira branca, pediu a Beethoven que incluísse ao menos uma parte ad libitum para flauta ou violino, que nós já lhes apresentamos ontem e anteontem. Não adiantou: apenas nove dos doze temas variados foram publicados em Londres, com vendas mornas. O compositor não se importou muito com o insucesso de Thomson, pois planejava desde o início publicar as obras também na Europa continental, e assim levou à prensa seis dos temas variados em Viena como seu Op. 105, e os dez remanescentes (incluindo aqueles descartados por Thomson) em Bonn, com seu velho amigo Simrock e sob o Op. 107. Os temas britânicos foram sugeridos por Thomson, que legou a Beethoven a responsabilidade de escolher melodias continentais que fossem de seu agrado. De olho nas vendas, Beethoven escolheu temas muito populares dos Singspiele e comédias vienenses, bem como temas folclóricos de outros países. O interesse pela Rússia era grande, na época, de modo que várias canções nominalmente russas aparecem na coletânea, embora a maior parte dela tenha sua origem na Ucrânia – oficialmente chamada de “Pequena Rússia” nos tempos czaristas.

“Mustonen”, em finlandês, significa “adoro o sabor de meu lábio inferior”



Com o trio “Arquiduque”, que coroa aquilo que se convencionou chamar de período intermediário na produção de Beethoven, nossa travessia de sua obra aproximou-se da admirável guirlanda de obras-primas visionárias que ele compôs na última década e tanto de sua vida. No entanto, dentro da intenção de alcançarmos aos leitores-ouvintes a obra completa do renano turrão, nós não poderíamos – sob pena de criar um anticlímax – fazer os últimos quartetos de cordas serem seguidos, tão só por deveres completistas, por alguma outra composição menos inspirada. Assim, daremos uma guinada em nossa série em direção àquelas obras que, a despeito do menor valor artístico, ajudam a completar e melhor entender a incrível trajetória que transformou o garoto que escreveu uma 

Entre todos patronos de Beethoven, nenhum lhe foi mais querido que o arquiduque Rudolph, filho caçula do imperador. Apesar dumas poucas rusgas, a relação entre o compositor e a única pessoa a quem ensinou a sério composição foi de admiração mútua e, a despeito de todo desespero financeiro do primeiro e da fortuna do segundo, muito genuína. A correspondência entre ambos foi abundante e calorosa, e Beethoven retribuiu a generosa devoção do arquiduque com um rol de composições que, provavelmente, o tornam o dedicatário mais privilegiado da história. Contando somente as obras mais importantes, Rudolph recebeu as dedicatórias dos concertos nos. 4 e 5 para piano, da Grande Fuga para quarteto de cordas, das sonatas para piano “Lebewohl”, “Hammerklavier” e Op. 111, da Missa Solemnis e, por último mas não menos importante, o maravilhoso trio que hoje conhecemos como “Arquiduque”.
Trio em Si bemol maior para piano, violino e violoncelo, Op. 97, “Arquiduque”
Dois trios para piano, violino e violoncelo, Op. 70
Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:
Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:









A chegada de Mahler a Viena coincidiu com a eclosão, naquela capital, do movimento multicêntrico conhecido como Secessão, em que artistas plásticos, rompidos com o 

















