A sonoridade do primeiro concerto deste álbum é sen-sa-ci-o-nal! O Concerto à otto stromenti, composto por Veracini, no qual o violino é acompanhado por oboés, trompetes e tímpanos tem um som esplendoroso. É ouvir para crer… A violinista Chouchane Siranossian, que já gravou vários discos, não poderia ter encontrado um acompanhamento melhor do que o da excelente Venice Baroque Orchestra e seu maestro Andrea Marcon, como você poderá perceber neste disco no qual eles exploram o virtuosismo dos concertos para violino dos compositores italianos que mantiveram alguns laços com a sereníssima Veneza.
Mas o compositor mais popular para violino, assim como o mestre desse instrumento naqueles dias era Don Antonio Vivaldi. Se tons agudos e rápidos fossem maldades, Vivaldi teria muitos pecados pelos quais responder… como disse sobre ele o musicólogo inglês Charles Burney.
Veracini é conhecido por ter sido um dos solistas em Veneza nas missas de Natal na Catedral de São Marcos nos dias 24 e 25 de dezembro de 1711. Em fevereiro de 1712 ele interpretou um de seus concertos para violino, acompanhado de trompetes, oboés e cordas como parte das celebrações em honra do Embaixador Austríaco em Veneza do recém-eleito Imperador Sacro Romano Charles VI.
A lenda diz que quando Tartini ouviu Francisco Maria Veracini tocando o violino em 1716, ficou muito impressionado e insatisfeito com sua própria técnica. Ele fugiu para Ancona e trancou-se em um quarto para praticar o uso do arco com mais tranquilidade e mais convenientemente do que em Veneza, onde ele tinha um lugar na orquestra da ópera. De qualquer forma, ele certamente superou suas limitações, como atestam as dificuldades técnicas de suas obras, como a famosa sonata Il Trillo del Diavolo, que assim introduziu algumas diabruras ao violino e seria seguido atentamente depois pelo também virtuose Niccolò Paganini.
De Locatelli não se sabe o período em que esteve ativo em Veneza, mas ele certamente esteve lá. Uma das características que distinguia Locatelli era a sua técnica do uso do arco. Ele desenvolveu um estilo virtuosístico que explorava todas as suas possibilidades, incluindo arcos rápidos, saltos de corda e arcos duplos. Entre as principais contribuições de Locatelli para a literatura do violino estão suas VI Introduttioni teatrali e VI Concerti, publicadas em 1735, e seu conjunto de concertos para violino intitulado L’Arte del Violino; XII Concerti Cioè, Violino solo, con XXIV Capricci ad libitum, publicado em 1733.
[Parte desta postagem foi construída com ajuda do Chat PQP]
Francesco Maria Veracini (1690 – 1768)
Concerto à otto stromenti em ré maior
Allegro
Largo
Allegro
Pietro Locatelli (1965 – 1764)
Concerto em dó menor, Op. 3 No. 2
Andante – Capriccio
Largo
Andante – Capriccio
Giuseppe Tartini (1692 – 1770)
Concerto para violino em fá maior, D. 61
Allegro
Grave
Allegro
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto para violino em ré maior, RV 208 ‘Grosso Mogul‘
Vejam um trecho de uma crítica a um outro álbum gravado por esses mesmos artistas cujo programa é completo com música de Tartini: After several recordings with Anima Eterna and Jos Van Immerseel, the French violinist Chouchane Siranossian tackles a programme of extremely virtuosic concertos that few Baroque violinists dare to face. Thanks to her technical gifts and to partners ideally suited to this repertory – the Venice Baroque Orchestra and its conductor Andrea Marcon, a specialist in the Italian Baroque style – she takes up the challenge with brio.
O padre e professor de violino chegou ao Ospedale della Pietà para mais uma aula e não pode deixar de notar a jovem talentosa que praticava o violoncelo. Chamou-lhe a atenção a maneira como ela segurava o arco, com a mão invertida, por baixo da madeira. A moça tocava tão bem que logo a inspiração fez com que o prodigioso padre compusesse um lindo Concerto em sol maior para violoncelo e que foi gravado neste disco da postagem, com a intérprete usando exatamente a mesma técnica. Curioso, perguntou-lhe com quem havia aprendido aquela técnica e ouviu que fora com o Maestro Antonio, seu xará. Por pouco Antonio Vivaldi e Antonio Vandini não se encontraram nas salas de aula e de prática da instituição. Vandini já havia retornado a Pádua, onde era o violoncelista principal da ‘Veneranda Arca’, a orquestra da Basílica del Santo e mui amigo do compositor e violinista Giuseppe Tartini.
O Concerto para Violoncelo em lá maior muito certamente foi composto por Tartini para Vandini e é fácil acreditar que nas muitas ocasiões que os dois amigos se encontravam, o violoncelista interpretava em seu próprio instrumento movimentos de sonatas escritas pelo compositor para violino, como faz no disco a ótima violoncelista Elinor Frey.
Completam o disco concertos de Giovanni Battista Sammartini e Leonardo Leo.
João Batista nasceu em Milão, filho de um oboísta francês (Alexis Saint-Martin) e de Girolama de Federici. Assim como muitos de seus irmãos, J.B. estudou música com o pai e tornou-se bom compositor, assim como Giuseppe, um de seus irmãos, que também era oboísta. Você poderá ouvir mais alguma música composta eles, se acessar esta postagem aqui. A intérprete é a excelente Chiara Banchini.
Leonardo Leo nasceu no reino de Nápoles e pode ter estudado com Alessandro Scarlatti. Gostaria de imaginá-lo sentado em bancos ao lado de Domenico, arengando contra as muitas tarefas dadas pelo Alessandro. Entre suas composições encontram-se óperas sérias e cômicas, assim como música sacra. Se o concerto aqui gravado lhe despertou o interesse, poderá visitar esta postagem aqui para ouvir mais alguns, interpretados pelo ótimo Anner Bylsma.
Eu gosto bastante deste tipo de disco, com repertório de diferentes compositores, mas com um forte denominador comum, uma série de conexões entre as obras. A audição me fez buscar outras versões para comparações ou mesmo gravações de obras similares com outros intérpretes, fazendo-me concluir que não há uma única abordagem para cada peça. Espero que o disco lhe provoque boas reações e desperte muito a sua curiosidade.
Este disco é bem recente, foi gravado em setembro de 2021 e lançado este ano. A solista, a orquestra e seu regente são jovens e ainda não apareceram por aqui, mas suas credenciais são impecáveis, como você poderá ver caso leia as notas incluídas no arquivo. Não deixe passar mais um minuto e baixe este disco absolutamente (im)-PER-DÍ-VEL!
Giovanni Battista Sammartini (1700 – 1775)
Concerto em dó maior para Violoncelo, Cordas e Contínuo
Allegro
Andante sempre piano
Allegro
Antonio Vivaldi (1678 – 1756)
Concerto em sol maior para Violoncelo, Cordas e Contínuo, RV 414
Allegro molto
Largo
Allegro
Giuseppe Tartini (1692 – 1770)
Sonata para Violino No. 7 em lá menor, B.a1:
Adagio (Arr. para violoncelo: Elinor Frey)
Concerto em lá maior para Violoncelo, Cordas e Contínuo, GT 1.A28
Allegro
Larghetto
Allegro assai
Leonardo Leo (1694 – 1744)
Concerto No. 2 em ré maior para Violoncelo, Cordas e Contínuo, L. 10
Andante grazioso
Con bravura
Larghetto con poco moto – mezza voce
Fuga
Allegro di molto
Giuseppe Tartini
Sonata para Violino No. 6 em mi menor, B.e1
Andante cantabile (Arr. para violoncelo: Elinor Frey)
Os conturbados anos sessenta foram um turbilhão para Martha. Depois dum breve período a morar sozinha, longe do jugo da mãe, a viver la vida loca em Viena, desiludiu-se com a carreira de concertista e cogitou de tudo, até estudar Medicina (!). Insegura sobre sua capacidade como artista, resolveu dar um tempo ao piano e mudou-se para Nova York.
Martha soube que sua gravação da Rapsódia Húngara no. 6 impressionara Volodya e achou que isso seria credencial bastante para tornar-se aluna do ídolo. Enganou-se: nunca se encontraram e, para desnortear ainda mais seus rumos, ela viu-se grávida de sua primeira filha, Lyda.
Depois de três anos sem tocar, Martha retornou ao piano. Seu objetivo é o Concurso Internacional Chopin, em Varsóvia, em 1965.
Logo na primeira etapa da competição, ficou óbvio que seu maior concorrente seria o brasileiro Arthur Moreira Lima, aluno do Conservatório de Moscou, que conquistou o público com suas interpretações e com sua semelhança física com o próprio Chopin, de quem se tornaria um dos mais distintos intérpretes. Arthur venceu a primeira etapa, Martha, as duas seguintes, e na grande final, com sua interpretação do concerto em Mi menor, ela acabou por conquistar o primeiro prêmio.
O resto, como dizem, é história.
ooOoo
A década de Martha, no entanto, começou numa posição até então inédita: a de camerista. Como nada em sua carreira indicara, até então, a importância que a música de câmara teria para os anos de sua maturidade, presumo que foram as prementes necessidades de juntar dinheiro e de afastar-se das saias de Juanita, sua mãe, que a levaram à União Soviética para duas apresentações em Leningrado (atual São Petersburgo). Ainda mais inusitado que o local foi seu parceiro de palco: o violinista Ruggiero Ricci (1918-2012), nascido Woodrow Wilson Rich (!) na Califórnia e, vinte e três anos mais velho que Martha, já mundialmente famoso. Quem não o soubesse percebê-lo-ia rapidamente pelo predomínio de peças repletas de pirotecnias para violino, algumas delas a dispensarem o piano – incluindo as cabeludíssimas variações de Paganini sobre “Nel cor non più me sento”, que estão entre as coisas mais difíceis jamais escritas para o instrumento. Exceto pelas duas sonatas do jovem Beethoven e por aquela de Franck – que ela viria a tocar com praticamente todo violinista com que fizesse duo -, o papel da Rainha resume-se a acompanhar o astro do arco em partes frugais, como a da peça de Sarasate ou a célebre sonata de Tartini. A dupla improvável, no entanto, deu liga tanto no palco quanto fora deles: Ricci não só seria seu amigo por toda longa vida (ei-los em 2009, nos noventa anos do mestre!), como também demonstrou inúmeras vezes orgulho de ter proporcionado à futura estrela seus primeiros passos fora da germanosfera.
1 – Anúncio (em russo)
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Das Três sonatas para violino e piano, Op. 12: Sonata no. 3 em Mi bemol maior 2 – Allegro con spirito
3 – Adagio con molta espressione
4 – Rondo: Allegro molto
Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953) Sonata em Ré maior para violino solo, Op. 115 5 – Moderato
6 – Andante dolce. Tema con variazioni
7 – Con brio. Allegro precipitato
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945) Sonata em Ré maior para violino e piano sobre canções folclóricas da Transilvânia
Arranjo da sonatina para piano, Sz. 55 (1915) por André Gertler (1907-1998)
8 – Dudások (gaitas de foles). Allegretto
9 – Medvetánc (dança do urso). Moderato
10 – Finale. Allegro vivace
Sonata para violino solo, Sz. 117
11 – Tempo di ciaccona
12 – Fuga: Risoluto, non troppo vivo
13 – Melodia: Adagio
14 – Presto
Pablo Martín Melitón de SARASATE y Navascués (1844-1908) Introdução e tarantela para violino e piano, Op. 43
15 – Introduction: Moderato – Tarantella: Allegro vivace
Ruggiero Ricci, violino
Gravado ao vivo em Leningrado, União Soviética, em 21 de abril de 1961
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Da Partita para violino solo no. 2 em Ré menor, BWV 1004: 1 – Ciaconna
Ludwig van BEETHOVEN Das Três sonatas para violino e piano, Op. 12:
Sonata no. 1 em Ré maior 2 – Allegro con brio
3 – Tema con variazioni: Andante con moto
4 – Rondo: Allegro
César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890) Sonata em Lá maior para violino e piano 5 – Allegretto ben moderato
6 – Allegro
7 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
8 – Allegretto poco mosso
Béla BARTÓK
Danças folclóricas romenas, para violino e piano
Transcrição do original para piano (Sz. 56) por Zoltán Székely (1903-2001)
9 – Jocul cu bâtă (Allegro moderato) – Brâul (Allegro) – Pe loc (Andante) – Buciumeana (Moderato) – Poarga Românească (Allegro) – Mărunțel
Niccolò PAGANINI (1782-1840)
10 – Introdução e variações sobre “Nel cor non più me sento”, de “L’amor contrastato”, de Giovanni Paisiello, para violino solo, Op. 38
Giuseppe TARTINI (1692-1770) Sonata para violino em Sol menor, “O Trilo do Diabo” (arranjo para violino e piano)
11 – Larghetto – Affettuoso
12 – Allegro
13 – Grave – Allegro assai
Gravado ao vivo em Leningrado, União Soviética, em 21 de abril de 1961
Tomo a liberdade de quebrar a ordem mormente cronológica dessa discografia para, com um salto de dezoito anos, mostrar-lhes o lugar especial que Ruggiero e Martha mantiveram na vida um do outro. Por ocasião do jubileu de ouro da carreira de Ricci, ele apresentou-se no mesmo Carnegie Hall em que estreara aos onze anos, e convidou a velha amiga – agora consagrada como a deusa maior do piano – para dividir o palco consigo. Em alusão, talvez, aos recitais de Leningrado, eles tocaram novamente a sonata de Franck e concluíram a colaboração com o arranjo para violino da bela sonata para flauta de Prokofiev, que Martha já gravara com James Galway. Como sobremesa, o sessentão Ruggiero serviu dois números cabeludos – a mais exigente das sonatas de Ysaÿe e as impressionantes variações de Paganini sobre o hino britânico – e encerrou a noite com uma refrescante gavota de Sebastião Ribeiro.
César FRANCK
1-4 – Sonata em Lá maior para violino e piano
Sergey PROKOFIEV Sonata em Ré maior para violino e piano, Op. 94a
5 – Moderato
6 – Scherzo: Presto
7 – Andante
8 – Allegro con brio
Eugène-Auguste YSAŸE (1858-1931) Das Seis sonatas para violino solo, Op. 27 9 – No. 3 em Ré menor, “Ballade”
Niccolò PAGANINI
10 – Variações sobre “God Save The King”, para violino solo, Op. 9
Johann Sebastian BACH
Da Partita para violino solo no. 3 em Mi maior, BWV 1006 11 – Gavotte en rondeau
Ruggiero Ricci, violino
Gravado ao vivo em Nova York, Estados Unidos, em 20 de outubro de 1979
Voltamos para a década de 60, e quase quatro anos depois de Martha voltar da turnê soviética com Ricci. Três deles foram passados completamente longe de qualquer teclado, boa parte deles em Nova York, tentando encontrar Horowitz e achar um novo rumo para sua vida, e outro bom naco desse tempo na Suíça, onde nasceria Lyda, sua primogênita. O entrevero entre nossa Rainha e seu instrumento – ou, mais acuradamente, entre ela e a vida de pianista – acabou graças à participação decisiva de Stefan Askenase, que lhe deu aulas e restituiu sua autoconfiança, e da esposa dele, Anny, que estimulou Marthinha a preparar-se para o Concurso Internacional Chopin de 1965. As Kinderszenen que abrem o upload seguinte, gravadas ao vivo em Colônia, são o primeiro registro de que se tem notícia da Rainha a tocar dessa coleção que lhe é tão cara que, hoje em dia, é praticamente a única coisa que ela toca sozinha no palco. Completam o arquivo um Gaspard de la Nuit despachado da costumeira e assombrosa maneira, aquela gravação do scherzo de Chopin que muitos de vocês já viram, feita para a televisão polonesa imediatamente após o triunfo no Concurso Chopin, e o primeiro registro de Martha a tocar aquele seu familiar cavalo de batalha, o terceiro concerto de Prokofiev.
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
1 – Kinderszenen, para piano, Op. 15
Joseph Maurice RAVEL (1875-1937) Gaspard de la nuit, três poemas para piano após Aloysius Bertrand), M. 55 2 – Ondine
3 – Le Gibet
4 – Scarbo
Gravado ao vivo em Colônia, Alemanha Ocidental, em 27 de janeiro de 1965
Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)
5 – Scherzo para piano no. 3 em Dó sustenido menor, Op. 39
Gravado em Varsóvia, Polônia, em março de 1965
Sergey PROKOFIEV Concerto para piano e orquestra no. 3 em Dó maior, Op. 26 6 – Andante – Allegro
7 – Tema con variazioni
8 – Allegro ma non troppo
WDR Sinfonieorchester Köln
Karl Melles, regência
Gravado ao vivo em Colônia, Alemanha Ocidental, em 10 de dezembro de 1965
Apresento-lhes agora todas as gravações que consegui recolher da trajetória de Martha no VII Concurso Internacional Chopin, em 1965 (e, a despeito de muito vasculhar a cyberesfera, nunca encontrei o estudo do Op. 25 que dizem que ela tocou). Elas deixam óbvio por que nossa Rainha conquistou o júri, atacando o teclado com a fúria e a paixão habituais, sem medo de correr riscos (ao que abdicam muitos participantes de concursos pianísticos). O mais impressionante, talvez, é que não fosse a qualidade medíocre do som, poderíamos jurar que as performances são de anteontem, tamanha era a maturidade da artista, então com 23 anos, e tão espetacular que é sua técnica hoje, depois dos oitenta.
PRIMEIRA ETAPA – 22 de fevereiro de 1965
1 – Apresentação (em polonês)
Fryderyk CHOPIN
Dos Três noturnos para piano, Op. 15
2 – No. 1 em Fá maior
Dos Doze estudos para piano, Op. 10:
3 – No. 1 em Dó maior
4 – No. 4 em Dó sustenido menor
Polonaise para piano em Lá bemol maior, Op. 53, “Heroica” 5 – Maestoso
Dos Vinte e quatro prelúdios para piano, Op. 28
6 – No. 19 em Mi bemol maior
7 – No. 20 em Dó menor
8 – No. 21 em Si bemol maior
9 – No. 22 em Sol menor
10 – No. 23 em Fá maior
11 – No. 24 em Ré menor
Para a grande final, Arthur e Martha escolheram concertos diferentes – ambos, felizmente, lançados pela primeira vez numa remasterização decente, publicada pelo Instituto Fryderyk Chopin, e que ora lhes apresento, tanto para lembrar o triunfo da Rainha, como também para homenagear nosso compatriota, um magnífico chopinista. A título de curiosidade, aponto que quase todos os vencedores do Concurso tocaram na final o concerto em Mi menor – o último a triunfar com o concerto em Fá menor foi Đặng Thái Sơn em 1980, edição que se celebrizou pela intempestiva saída de nossa deusa do júri, em protesto à eliminação a seu ver injustificada de Ivo Pogorelić, a quem chamou de “gênio”.
Fryderyk CHOPIN
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
1 – Allegro maestoso
2 – Romance. Larghetto
3 – Rondo. Vivace
Martha Argerich, piano
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Fá menor, Op. 21
4 – Maestoso
5 – Larghetto
6 – Allegro vivace
Arthur Moreira Lima, piano
Orkiestra Filharmonii Narodowej w Warszawie (Orquestra Filarmônica Nacional de Varsóvia) Witold Rowicki, regência
Gravações feitas ao vivo na Sala Filarmônica de Varsóvia, Polônia, durante o VII Concurso Internacional Fryderyk Chopin
Trailer do documentário “Martha Argerich in Warsaw 1965”, que aborda o marco zero do nascimento da superestrela. Notem a participação de Arthur Moreira Lima, um excelente artista que, convenhamos, teve pouca sorte de disputar a primazia na competição com uma das melhores pianistas de todos os tempos.
Ao triunfo no Concurso Chopin só poderia, naturalmente, se seguir demanda por mais Chopin. A EMI agiu rápido e trouxe a Rainha a Londres, onde colocou a serviço de Sua Majestade Marthínhica seus ótimos estúdios e excelentes engenheiros de som. Para profunda decepção dos ingleses, no entanto, um contrato que se descobriu vigente com a Polygram impossibilitou o lançamento da gravação, que só veio a público em 1999. Como atesta o depoimento a seguir, de Suvi Raj Grubb, que produziu o álbum, a espera valeu a pena:
“’Argerich foi, entre todos músicos, a mais formidável que já encontramos’, escreve o produtor do álbum, Suvi Raj Grubb, ‘Nada estava fora do alcance dessa mulher’ (…)”
“Quando comecei a me interessar por música, levei algum tempo para me acostumar com o piano. Mas, quando entrei na EMI (agora Warner Classics), eu já adorava música para piano e tinha muito conhecimento sobre ela. Assim, sempre que um novo pianista aparecia, eu era a primeira escolha como produtor.”
“Em 1966, eu já produzira um punhado de discos de piano, um dos melhores dos quais nunca viu a luz do dia. Quando Martha Argerich entrou no estúdio, foram seus olhares sombrios e ardentes que me impressionaram pela primeira vez. Assim que chegou, pediu café; quando lhe ofereci uma xícara, ela a engoliu de uma só vez e pediu mais. Sentei-a no estúdio com um grande bule de café e entrei na sala de controle.”
“No início, suas mãos se moviam despreocupadamente sobre o teclado enquanto ela testava o piano. Então ela despejou a Polonaise [Op.53] de Chopin. Sentei-me na minha cadeira com um longo ‘Jee-sus’ – e o engenheiro de som disse ‘Uau!'”
“Se isso fora uma amostra de seu pianismo, então Argerich era a pianista mais formidável que já encontráramos. Os grandes acordes soaram enormes, as passagens entre eles, limpas; no trio, um grande espetáculo, as difíceis passagens em oitava à esquerda eram equilibradas, e o crescendo, controlado. Dei uma espiada no estúdio para ter certeza de que essa torrente de som era realmente originária do toque de uma garota sentada ao piano. Foi verdadeiramente inacreditável.”
“Sorri ao lembrar do comentário de Clara Schumann a Brahms sobre as ‘Variações Paganini’, lamentando que estivesse além da capacidade de uma pianista. Nada estaria fora do alcance daquela mulher.”
“Ela entrou na sala de controle, olhou para mim e sorriu, pois sabia que tivera um impacto devastador sobre mim. Nos dias seguintes, energizada por galões de café preto e forte, ela terminou um recital de Chopin que incluía a terceira sonata, o terceiro scherzo e, modelados como joias em miniatura, um grupo de mazurcas e noturnos. O último movimento da sonata foi feito num só take impecável. Ela disse que gostou das sessões; que gostou do som do piano no disco e que estava ansiosa para trabalhar comigo novamente.”
“Para minha amarga decepção, soubemos algumas semanas depois que seu compromisso com outra empresa não nos permitiria publicar o disco e, nem pela primeira nem pela última vez, desejei que não houvesse cláusulas de exclusividade. No devido tempo, um disco com o mesmo repertório foi lançado pelos nossos rivais – quando o ouvi, soube que nossa Argerich era a melhor das duas.”
Certeza de que era.
Fryderyk CHOPIN
Sonata para piano no. 3 em Si menor, Op. 58
1 – Allegro maestoso
2 – Scherzo: Molto vivace
3 – Largo
4 – Finale: Presto non tanto
Três mazurcas para piano, Op. 59 5 – No. 1 em Lá menor
6 – No. 2 em Lá bemol maior
7 – No. 3 em Fá sustenido menor
Dos Três noturnos para piano, Op. 15
8 – No. 1 em Fá maior
Scherzo para piano no. 3 em Dó sustenido menor, Op. 39 9 – Presto con fuoco
Polonaise para piano em Lá bemol maior, Op. 53, “Heroica” 10 – Maestoso
A alta demanda do planeta por sua nova superestrela do piano deu poucas oportunidades a Martha para ampliar seu repertório. Assim, às peças que ela preparara para o concurso Chopin, somaram-se aquelas que ela já aprendera antes de seus três anos sabáticos. O rol de obras resultante repete-se em quase todas as gravações até o final da década, que hemos de apresentar a seguir, e sem maiores comentários, que resultariam necessariamente repetitivos. Limitamo-nos a apontar, como adições mais notáveis ao repertório da Rainha, a impressionante Fantasia de seu queridinho Schumann, a toccata em Dó menor de J. S. Bach e, de Chopin, o outro queridinho, o segundo scherzo e a transcendental Polonaise-Fantaisie – além do já citado terceiro concerto de Prokofiev e dos primeiros concertos de Tchaikovsky e Liszt, já publicados anteriormente aqui no PQP Bach.
Sergey PROKOFIEV Sonata para piano no. 7 em Si bemol maior, Op. 83 1 – Allegro inquieto – Poco meno – Andantino
2 – Andante caloroso – Poco più animato – più largamente – Un poco agitato
3 – Precipitato
Franz LISZT (1811-1886)
Dos Três estudos de concerto para piano, S. 144:
4 – No. 2 em Fá menor, “La leggierezza”
Fryderyk CHOPIN
Dos Doze estudos para piano, Op. 10:
5 – No. 4 em Dó sustenido menor
Dos Três noturnos para piano, Op. 15
6 – No. 1 em Fá maior
Barcarola em Fá sustenido maior, Op. 60 7 – Allegretto
Três mazurcas para piano, Op. 59 8 – No. 1 em Lá menor
9 – No. 2 em Lá bemol maior
10 – No. 3 em Fá sustenido menor
Scherzo para piano no. 3 em Dó sustenido menor, Op. 39 11 – Presto con fuoco
Robert SCHUMANN Fantasia em Dó maior para piano, Op. 17 12 – Durchaus fantastisch und leidenschaftlich vorzutragen; Im Legenden-Ton
13 – Mäßig. Durchaus energisch
14 – Langsam getragen. Durchweg leise zu halten
Gravado ao vivo no Carnegie Hall, Nova York, Estados Unidos, em 16 de janeiro de 1966
Fryderyk CHOPIN 1-3 –Três mazurcas para piano, Op. 59
Sergey PROKOFIEV
4-6 – Sonata para piano no. 7 em Si bemol maior, Op. 83
Toccata para piano em Ré menor, Op. 11
7 – Allegro marcato
Maurice RAVEL
8-10 – Gaspard de la nuit, três poemas para piano após Aloysius Bertrand, M. 55
Sergey PROKOFIEV Sonata para piano no. 3 em Lá menor, Op. 28
11 – Allegro tempestoso – Moderato – Allegro tempestoso – Moderato – Più lento – Più animato – Allegro I – Poco più mosso
Maurice RAVEL
Sonatina para piano em Fá sustenido menor, M. 40 12 – Modéré
13 – Mouvement de Menuet
14 – Animé
Gravado em Colônia, Alemanha Ocidental, outubro de 1967
Os ebulientes concertos em Sol de Ravel e o no. 3 de Prokofiev, naquelas que são talvez suas gravações definitivas, sob a batuta de Claudio Abbado (1967)
Chega o dia em que o grande violinista — no caso a grande violinista — acha que tem que roubar repertório de outros instrumentos. E o faz bem, roubando (ou transcrevendo) a belíssima Partita para Flauta Solo, BWV 1013, de Bach. O restante do repertório deste Guardian Angel é original, mas tudo fica opaco perto da Partita de Bach e da Passacaglia de Biber. Eu amo a Passacaglia, uma daquelas peças que não requerem virtuosismo e sim sensibilidade. Em mãos mais duras, ela cai na vala das obras descartáveis, mas quando cai nas mãos de uma Podger, rende loucamente. Um CD aparentemente despretensioso que é uma joia. Confiram!
J. S. Bach, Biber, Montanari, Pisendel & Tartini: Guardian Angel (Rachel Podger)
Johann Sebastian Bach (1685 -1750)
Partita for flute in A minor, BWV 1013:
01. I. Allemande (04:07)
02. II. Corrente (03:41)
03. III. Sarabande (05:26)
04. IV. Bouree Anglaise (02:40)
Nicola Matteis (d. after 1713)
From: Other Ayrs, Preludes, Allmands, Sarabands etc. – The 2nd Part:
05. Passagio rotto (02:34)
06. Fantasia (01:51)
07. Movimento incognito (02:49)
Giuseppe Tartini (1692-1770)
Sonata in A minor, B: a3:
08. I. Cantabile (01:40)
09. II. Allegro (02:15)
10. III. Allegro (03:41)
11. IV. Giga (01:21)
12. V. Theme and variations (12:12)
Sonata in B minor, No.13, B: h1:
13. I. Andante (04:45)
14. II. Allegro assai (02:48)
15. III. Giga. Allegro affettuoso (02:48)
Johann Georg Pisendel (1687-1755)
Sonata per violino solo senza basso:
16. I. (02:45)
17. II. Allegro (05:16)
18. III. Giga (02:49)
19. IV. Varoatione (04:00)
Heinrich Ignaz Franz von Biber (1644-1704)
20. From: Mystery Sonatas: Passacaglia in G minor for solo violin (08:52)
Antonio Montanari (1676-1737)
21. Sonata Camera (Giga) — Bonus Track (02:27)
Espetacular CD dessa exímia e extraordinária violinista, em um repertório montado para ela mostrar a que veio. Não sobra pedra sobre pedra.
Com o perdão do exagero, este talvez seja o melhor disco que ela gravou em toda sua carreira, daqueles que servem para mostrar que ela não era apenas mais um rostinho bonito. Os destaques são, é claro, as obras de Pablo de Sarasate, que ela toca com uma perícia e uma técnica absolutamente estonteante. A “Tzigane” de Ravel, também é imperdível, mostrando como Mutter definitivamente não temia desafios, alíás, até hoje não os teme. Ela passa da loucura de Sarasate para a delicadeza de Wieniawski, para logo em seguida nos levar ao devaneio de Massenet na “Meditation de Thais”, e à descontrução da “Carmen” de Bizet que Sarasate promoveu, enfim, ela transita nesse repertório incrível com a segurança e firmeza tipica dos grandes mestres.
Para ouvir e ouvir e ouvir e ouvir sem cansar.
1. Sarasate: Zigeunerweisen, Op.20
2. Wieniawski: Legende, Op.17
3. Tartini: Sonata For Violin And Continuo In G Minor, B. g5 – “Il trillo del diavolo”
4. Ravel: Tzigane, M.76
5. Massenet: Thaïs / Acte Deux – Meditation
6. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – Introduction. Allegro Moderato
7. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 1. Moderato
8. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 2. Lento assai
9. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 3. Allegro moderato
10. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 4. Moderato
11. Fauré: Berceuse, Op.16
Anne-Sophie Mutter – Violin
Wiener Philharmoniker
James Levine – Conductor
Apesar do italianíssimo nome, La Serenissima é um conjunto inglês fundado pelo virtuose Adrian Chandler. O grupo adota a prática de performances historicamente informadas, mas não temam nossos PQP-nianos amigos amantes do barroco italiano que preferem o som dos instrumentos modernos. Temos aqui o melhor dos dois mundos.
Este álbum reúne obras de compositores que vieram de quatro grandes e lindas cidades italianas.
Da sereníssima Veneza, temos Vivaldi, Albinoni e o menos conhecido Antonio Caldara, cuja deliciosa Sinfonia em dó maior abre o álbum, com o extravagante uso de trompetes, fagotes, oboés, violino solo e as outras cordas. O movimento lento, contrasta imensamente dos outros, devido a sua delicadeza e o uso de staccato.
De Roma, la Città Eterna, temos uma obra de Corelli que não é um de seus concerti grossi. A Sinfonia a Santa Beatrice d’Este é a peça mais séria do disco e foi composta para fechar um longo oratório de um outro compositor. Chandler e sua banda encontram a medida certa de energia e gravidade para apresentar propriamente a música.
De Padova, La dotta (a sábia Pádua), temos Tartini com o seu espetacular concerto para violino. Tartini foi um precursor do compositor-intérprete-virtuose, como seriam posteriormente Paganini e Vieuxtemps, entre outros. Nesta peça Adrian Chandler tem uma ótima oportunidade de exibir seus talentos de violinista.
Seguimos de volta para Veneza, com o Padre Vermelho e seu lindo concertinho alla rustica, seguido pelo não menos mavioso concerto para fagote.
O concerto para dois oboés de Tomaso Albinoni tem um lindíssimo adagio, para derreter o mais empedernido coração.
Para fechar este ótimo disco, mais uma sinfonia com molti instrumenti, de volta muitos instrumentos de sopros e tímpanos, na generosa obra de Giuseppe Torelli, cidadão de Bologna, la grassa (a gorda), a cidade das massas e da gastronomia.
De um inspirado crítico: O álbum The Italian Job tem todas as coisas que caracterizam La Serenissima:um tom fresco, tinindo, pleno de vitalidade e divertimento, tudo parece fácil e simples para o conjunto e para os solistas, e com fundamentada erudição, tanto na escolha do programa quanto na sua execução, sem perder nem de leve qualquer graça.
The Italian Job
Antonio Caldara (c. 1671-1753)
Sinfonia para dois oboés, dois fagotes, dois trompetes, tímpanos, violino, cordas e contínuo, em dó maior
Allegro
Andante, piano e staccato
Allegro
Arcangelo Corelli (1653-1713)
Sinfonia para o Oratório a Santa Beatriced’Este, para cordas e contínuo, em ré menor
Grave
Allegro
Adagio
Largo assai
Vivace
Giuseppe Tartini (1692-1770)
Concerto para violino, cordas e contínuo, em mi maior, D 51
Allegro
Grave “Tortorella bacie…”
Allegro assai
Antonio Vivaldi (1678-1741)
Concerto ‘alla rustica’ para dois oboés, cordas e contínuo, em sol maior, RV 151
Presto
Adagio
Allegro
Concerto para fagote, cordas e contínuo, em dó maior, RV 476
Allegro
Adagio
Allegro
Tomaso Albinoni (1671-1751)
Concerto à cinque, para dois oboés, cordas e contínuo, em fá maior, Op. 9, 3
Allegro
Adagio
Allegro
Giuseppe Torelli (1658-1709)
Sinfonia para quatro trompetes, tímpanos, dois oboés, dois fagotes, dois violinos, dois violoncelos, cordas e contínuo, em dó maior, G 33
Rachel Chaplin e Gail Hennessy, oboés
Peter Whelan, fagote
La Serenissima
Adrian Chandler, violin / diretor
Gravação: 23 – 26 de agosto de 2016, St John’s, Smith Square, Londres
Resumindo, um disco para ser ouvido numa ensolarada manhã de domingo, preguiçosamente escolhendo o cardápio do almoço, deixando a louça do café da manhã para mais tarde…
“Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo…” Assim se apresenta o Diabo através da pena de Machado de Assis no seu formidável conto A Igreja do Diabo. Satã, Arcano 15 do Tarot, o capeta, o cramunhão, o capiroto, o merda de galinha choca – como dizia minha avô Dona Nenê (que deus a tenha); eis a figura de maior destaque na cultura humana. Exagero? Mesmo os mais dados às crenças o citam de hora em hora e quanto mais devotos (ou fanáticos) mais assíduos em suas invocações. O nome mais comentado em toda Idade Média, que perpassa ao longo das eras através das penas dos literatos, dos compositores, dos pinceis dos artistas. Sempre renovado, desde o Pazuzu mesopotâmico que andou pintando o 7 em Nova York e virando a cabeça da Linda Blair; desde Arimã, gêmeo nefastíssimo do Ahura Mazda de Zoroastro. Asmodeus, Astarot, Azazel, Baphomet. Belial, Belzebu, Belphegor, Demogorgon, Íblis – para os árabes, Lúcifer, Legião – uma galera de chifrudos, Mephistofeles – compadre do Doutor Fausto, Moloch, Orobas, Samael, Súcubos e Íncubos, Brasinha (quem se lembra dele das HQs?), Xesbeth e Zulu-bango (pra completar a ordem semi alfabética). No mundo popularesco, o tinhoso, o rabudo, o coisa ruim, o tranca ruas, espírito de porco (único espírito no qual acredito), Marvi Talarica, Tio do Churrasco (sério!), Tutu de Gaianases, Inês Brasil (tá na pesquisa que fiz); Azelelé, Estácio de Padoka, Mãe de Pantanha, Rabo de Seta. No cordel “A chegada de Lampião no inferno” do cordelista José Pachêco temos três nomes sugestivos: Pilão Virado, Tromba Suja e Boca Insossa. Sem esquecer o Diabolus in música, na verdade o trítono proscrito dos ideais teóricos pitagóricos medievais e contrapontísticos posteriores, chamando-se diabolus o elemento de cisão entre dois extremos – no caso, a oitava. Ufa, é demônio demais para uma página só, embora todos juntos jamais conseguiriam sobrepujar em asco e iniquidade qualquer dos nossos políticos. Ah, faltou o nome de certo ex-presidente, mas todos sabem. A figura diabólica, a princípio bela no angélico Lúcifer, depois esculhambada pelos cristãos (estes também diabos terríveis), que para proscreverem o culto ao doce Pã, nos primórdios da Igreja, trataram de emprestar-lhe os chifres, cascos e rabo de bode. O Diabo se encontra em profusão tal nas artes ao longo da história que seria impossível nesta singela postagem amealhar tantas citações; imaginemos que ele aparece até mesmo numa versão de Doutor Fausto nos programas do Chapolim Colorado, tendo por Fausto o Professor Girafales e por Margarida a Dona Clorinda. Demonologia é coisa seríssima, enfim. No presente caso, dos mais famosos dos bastidores da música, temos o celebérrimo encontro de Giuseppe Tartini (1692-1770) com o Príncipe das Trevas (não o Drácula, mas o Diabo mesmo, em pessoa). Tartini nos conta sobre este fascinante episódio:
“Uma noite sonhei que tinha feito um pacto com o diabo, o qual se dispôs a me obedecer, em troca de minha alma. Meu novo servo antecipava meus desejos e os satisfazia. Tive a ideia de entregar-lhe meu violino para ver se ele sabia tocá-lo. Qual não foi meu espanto ao ouvir uma Sonata tão bela e insuperável, executada com tanta arte. Senti-me extasiado, transportado, encantado; a respiração falhou-me e despertei. Tomando meu violino, tentei reproduzir os sons que ouvira, mas foi tudo em vão. Pus-me então a compor uma peça – Il Trillo del Diavolo – que, embora seja a melhor que jamais escrevi, é muito inferior à que ouvi no sonho”.
Claro que naqueles tempos não se podia andar por aí falando que se trocou figurinhas com o Cão sem problemas, assim, Tartini primeiro se confidenciou com o amigo astrônomo francês Jerôme Lalande. O diabo teria chegado a desafiá-lo: “Esta nem você é capaz de tocar! He He He”. Ok, a risada foi ideia minha, mas não imagino de outra forma. A coisa não ficou por aí, dois anos depois o capeta retornou trazendo o resto da peça e Tartini completou a obra, que atipicamente para seu momento histórico em matéria de sonatas para violino, traz quatro seções; também, sutilmente e ousadamente faz soar o trítono acima mencionado. Esta narrativa atravessou os tempos e dizem que até mesmo a patalógica Madame Blavatsky a citou em seus abstrusos escritos esotéricos. Se alguém teria de carregar por alter ego a figura do Tinhoso seria o próprio Tartini – um prato cheio para os analista junguianos. Dizem até que o grande Alexandre Dumas teria nele se inspirado para criar seus heróis capa espada, pois que Tartini teve uma vida aventuresca, entre românticos raptos noturnos, duelos nas sombras, esgrimindo tão bem seu florete quanto o arco do seu violino. Um casamento secreto e uma perseguição que o levou a disfarçar-se de frade em Assis. Tartini nasceu em Pirano, que era um povoado de Veneza, porém uma recente mudança de fronteiras fez com que a cidade passasse a ser considerada eslovena e isso gerou uma rusga entre os países que passaram a disputar-lhe a nacionalidade, esquecendo-se de que o planeta é o mesmo e que a música, que é de todos, é o que importa de fato. Tendo as suas tropelias perdoadas por um cardeal, o compositor foi para Pádua, onde reencontrou sua esposa e lá permaneceu até que o seu velho companheiro de virtuosismos oníricos viesse carrega-lo deste mundo. Ali se dedicou à composição, ao ensino de sua arte e à escrita de tratados.
Mas não é somente Tartini que seria o diabo em pessoa ao seu instrumento. Numa esquina do futuro outro endiabrado violinista esperava para executar com inusitada perfeição a obra diabólica: Roberto Michelucci. Soberbo artista, que foi durante anos solista no hierático I Musici; assim como Felix Ayo, Salvatore Accardo, Pina Carmirelli e outros. Conheci Tartini no vinil da Editora Abril, da série Mestres da Música, capa verde! Este disco trazia a deliciosa Sonata em Fá maior de opus 1 número 12, e um concerto para violoncelo também belíssimo. O violinista era Franco Gulli. Fiquei pasmo com o frescor daquela música, a riqueza melódica, a generosidade de um compositor que não sonega beleza em nome de ideias estéticas vigentes ou teóricas – uma das desgraças da música. Tartini é um compositor fronteiriço, não somente entre Itália e Eslovênia, mas entre o barroco e o clássico. Traz a leveza e a galanteria, mas não perdera ainda o sentido retórico e profundo do barroco. Rico em melodias surpreendentes e expressivas, pura beleza que na época só pude comparar com o magnífico Padre Ruivo, embora com audíveis diferenças. Uma música que para ser devidamente executada e compreendida exige um total comprometimento, entendimento e intensidade por parte do solista; e é precisamente isso que temos no formidável Roberto Michelucci. Além da sonata mefistofélica, o disco traz outra linda obra do mesmo gênero, a patética (no melhor sentido) Sonata Didone Abbandonata, evocação dos lamentos da princesa Dido, largada pelo ingrato Enéas (nada a ver com o Prona), literalmente a ver navios. As duas outras obras não ficam para trás como a pobre Dido. São também soberbas e de grande beleza. Até onde sei este disco não saiu em CD, e me parece que a explicação para isso só obteríamos junto ao amigo chifrudo de Tartini. Mas seja como for, por obra e graça seja de Deus ou do presente comensal, aqui temos Tartini por Michelucci. Um espetáculo que encantaria céus e infernos, sem dúvida.
Giuseppe Tartini – 4 Sonate per Violino
1 Sonata em Sol menor – Il trillo del Diavolo – Larghetto Affettuoso, Allegro, Andante e Presto.
2 Sonata em Sol menor – Didone Abbandonata – Affettuoso, Presto, Allegro.
3 Sonata em Lá menor – Andante Cantabile, Allegro, Allegro Assai.
4 Sonata em Lá maior – Largo, Allegro, Presto.
Roberto Michelucci – Violino
Marijke Smit Sibinga – Cravo
Franz Walter – Cello
Apesar do título feio — talvez seja uma citação erudita, sei lá — um belo CD do barroco italiano. Curti muito ouvir. O grupo Musica Pacifica toma o nome do oceano que banha os locais onde os membros da orquestra vivem, mas não há nada pacífico no desempenho desses seis concertos italianos. Em vez disso, por sua escolha de repertório e por suas decisões estilísticas, esses músicos parecem determinados a mostrar a alegria do barroco. Lembre-se, a Itália em torno de 1700 ainda era uma cultura de arrogância, onde os grandes personagens — reais e fingidos –, vestindo veludo preto, carregavam espadas e (pseudo) autoridade. As performances ardentes da Musica Pacifica são como aquelas lâminas nada pacíficas.
Vivaldi / Tartini / Sammartini: Música de Câmara (Fire Beneath My Fingers)
Vivaldi, Antonio
Chamber Concerto in F Major, RV 98, “Tempesta di mare”
1. I. Allegro 00:02:24
2. II. Largo 00:01:38
3. III. Presto 00:02:18
Tartini, Giuseppe
Violin Concerto in A Major, Op. 1, No. 8, D. 91
4. I. Allegro 00:07:27
5. II. Adagio 00:05:18
6. III. Presto 00:04:24
Vivaldi, Antonio
Trio Sonata in A Minor, RV 86
7. I. Largo 00:02:41
8. II. Allegro 00:02:31
9. III. Largo cantabile 00:01:57
10. IV. Allegro molto 00:02:11
Sammartini, Giuseppe
Recorder Concerto in F Major
11. I. Allegro 00:03:55
12. II. Siciliano 00:05:17
13. III. Allegro assai 00:03:56
Vivaldi, Antonio
Chamber Concerto in G Minor, RV 106
14. I. Allegro 00:02:51
15. II. Largo 00:02:39
16. III. Allegro 00:02:27
Bassoon Concerto in B-Flat Major, RV 503
17. I. Allegro non molto 00:04:44
18. II. Largo 00:03:36
19. III. Allegro 00:03:36
Um CD imensamente agradável. Enquanto realizo algumas atividades aqui em casa, estou a ouvir essa música alegre, bela, simples, cheia de uma poesia comovente. Destaco o Concerto para cello de Mozart. Revela aquele aspecto mais essencial de Mozart: dizer de forma singela aquilo que nos comove, envolvendo-nos por completo. Mozart sempre me faz sentir bem. Tenho uma relação de prazer com a beleza e com a alegria todas as vezes que o escuto. Consigo identificar a música e as peculiaridades tão características do compositor à distância. No CD ainda temos Haydn, Boccherini e Tartini. Boa apreciação!
Joseph Haydn (1732-1809) – Divertimento for Cello and String Orchestra in D major
01. Adagio
02. Minueto & Trio
03. Allegro di molto
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Concerto for Cello and Orchestra in D major K.447
04. Allegro
05. Romanze
06. Rondo
Luiggi Boccherini (1743-1805) – Adagio and Allegro for Cellor and String Orchestra in A major
07. Adagio
08. Allegro
Giuseppe Tartini (1692-1770) – Concerto for Cello and String Orchestra in D major
09. Poco Largo. Pomposo
10. Allegro Moderato
11. Grave espressivo
12. Allegro
Yuli Turovsky, cello
I Musici de Montréal Chamber Orchestra
“Uma noite sonhei que tinha feito um pacto com o diabo, o qual se dispôs a me obedecer, em troca de minha alma. Meu novo servo antecipava meus desejos e os satisfazia. Tive a ideia de entregar-lhe meu violino para ver se ele sabia tocá-lo. Qual não foi meu espanto ao ouvir uma Sonata tão bela e insuperável, executada com tanta arte. Senti-me extasiado, transportado, encantado; a respiração falhou-me e despertei. Tomando meu violino, tentei reproduzir os sons que ouvira, mas foi tudo em vão. Pus-me então a compor uma peça – Il Trillo del Diavolo – que, embora seja a melhor que jamais escrevi, é muito inferior à que ouvi no sonho”.
Giuseppe Tartini
Este é um dos CDs mais loucos que você vai ouvir. Mas é uma loucura inspirada. Andrew Manze, seguindo uma sugestão que está em uma das cartas de Tartini, livra-se de qualquer acompanhante e toca estas peças — normalmente executadas no mínimo com cravo contínuo — no violino solo. E Manze se utiliza de grande liberdade, improvisando, afastando-se do texto e voltando à partitura original. É um belo pesadelo e uma grande performance, altamente barroca. Se é “autêntica” ou não, eu não tenho a menor ideia. Manze não parece preocupado com isso. São execuções fluidas e livres, de bela sonoridade. Um CD inesquecível.
A vida de Tartini foi um tanto louca. Mesmo proibido pela família, casou-se secretamente com Elisabetta Premazzone, sobrinha de um cardeal que se opôs ao casamento. O feito rendeu-lhe uma ordem de prisão, o que levou Tartini a fugir para Assis, onde, disfarçado de Frade, se exilou no mosteiro da cidade.
Em Assis, Tartini se entregou ao estudo do violino, pesquisando novas metodologias e possibilidades sonoras do instrumento. Ali ele fez a descoberta do “Terzo Suono”, o terceiro som, um “fantasma sonoro” que pode ser percebido quando dois sons são intensos o suficiente para chegarem simultaneamente ao ouvido e gerar um terceiro som.
É um efeito semelhante ao dos sons binaurais. No violino, é comum executar este som, basta que o violinista toque notas duplas, se seu ouvido for sensível o suficiente ele ouvirá um terceiro tom, também conhecido como “Tons de Tartini”. Foi em seu livro Tratado de música segundo a verdadeira ciência da harmonia, que Tartini tornou o tema público.
Passados dois anos, Tartini foi perdoado e voltou imediatamente à companhia da esposa. Neste período, Tartini deu início a carreira de concertista.
Tartini não tem a alegria de Vivaldi nem a categoria de Corelli. Está no segundo escalão do barroco italiano, mas de modo algum deve ser desconsiderado pelos melômanos, principalmente por aqueles que sofrem, como eu, de hipobarroquemia, isto é, de baixo teor de música barroca nos ouvidos, o que causa tremores, suores frios e profunda irritação. A interpretação dos solistas e do Ensemble 415 é uma coisa de louco. Mesmo! Vale a pena ouvir este disquinho!
Giuseppe Tartini (1692-1770): Concertos
1. Concerto grosso No.3 en – C Major: Grave
2. Concerto grosso No.3 en – C Major: Allegro – Adagio
3. Concerto grosso No.3 en – C Major: Allegro assai
4. Concerto pour violon et orchestra en – A Minor ‘Lunardo Venier’: Andante cantabile – Allegro assai
5. Concerto pour violon et orchestra en – A Minor ‘Lunardo Venier’: Andante cantabile
6. Concerto pour violon et orchestra en – A Minor ‘Lunardo Venier’: Presto
7. Concerto pour violoncelle et orchestre en – D Major: Largo
8. Concerto pour violoncelle et orchestre en – D Major: Allegro (assai)
9. Concerto pour violoncelle et orchestre en – D Major: Grave
10. Concerto pour violoncelle et orchestre en – D Major: Allegro
11. Concerto pour violon et orchestre en – G Major: Allegro
12. Concerto pour violon et orchestre en – G Major: Largo – Andante
13. Concerto pour violon et orchestre en – G Major: Presto
14. Concerto grosso No.5 en – E Minor: Largo
15. Concerto grosso No.5 en – E Minor: Allegro – Adagio
16. Concerto grosso No.5 en – E Minor: Allegro assai
É óbvio que eu amo Anne-Sophie Mutter, que a acho linda e que adoraria tê-la comigo em todas as noites após seus concertos e não-concertos. É óbvio que ela é uma extraordinária violinista, mas nada vai me impedir de dizer que este CD é uma porcaria, apesar do excelente repertório. O primeiro problema é o andamento marcial dado à obra de Vivaldi. Há pássaros e borboletas marchando em fila indiana sobre o arvoredo. Parece desenho animado. Em segundo lugar, há um fato pessoal. Eu não consigo mais ouvir música barroca tocada em instrumentos de hoje. Ao vivo, ainda dá para engolir, mas em disco não dá mais, me desculpem. Neste disco, parece que estão serrando Vivaldi em dois. Uma pena. Qualquer um pode discordar sem problemas, mas só depois de ouvir, tá?
Vivaldi (1678-1741): As Quatro Estações / Tartini (1692-1770): O Trilo do Diabo
1. Concerto for Violin and Strings in E, Op.8, No.1, R.269 “La Primavera” – 1. Allegro 3:36
2. Concerto for Violin and Strings in E, Op.8, No.1, R.269 “La Primavera” – 2. Largo 3:14
3. Concerto for Violin and Strings in E, Op.8, No.1, R.269 “La Primavera” – 3. Allegro (Danza pastorale) 4:21
4. Concerto for Violin and Strings in G minor, Op.8, No.2, R.315 “L’estate” – 1. Allegro non molto – Allegro 6:17
5. Concerto for Violin and Strings in G minor, Op.8, No.2, R.315 “L’estate” – 2. Adagio – Presto – Adagio 2:20
6. Concerto for Violin and Strings in G minor, Op.8, No.2, R.315 “L’estate” – 3. Presto (Tempo impetuoso d’estate) 2:33
7. Concerto for Violin and Strings in F, Op.8, No.3, R.293 “L’autunno” – 1. Allegro (Ballo, e canto de’ villanelli) 6:19
8. Concerto for Violin and Strings in F, Op.8, No.3, R.293 “L’autunno” – 2. Adagio molto (Ubriachi dormienti) 2:59
9. Concerto for Violin and Strings in F, Op.8, No.3, R.293 “L’autunno” – 3. Allegro (La caccia) 3:52
10. Concerto for Violin and Strings in F minor, Op.8, No.4, R.297 “L’inverno” – 1. Allegro non molto 3:39
11. Concerto for Violin and Strings in F minor, Op.8, No.4, R.297 “L’inverno” – 2. Largo 2:49
12. Concerto for Violin and Strings in F minor, Op.8, No.4, R.297 “L’inverno” – 3. Allegro 3:50
13. Sonata for Violin and Continuo in G minor, B. g5 – “Il trillo del diavolo” – 1. Larghetto affettuoso 3:56
14. Sonata for Violin and Continuo in G minor, B. g5 – “Il trillo del diavolo” – 2. Allegro 3:25
15. Sonata for Violin and Continuo in G minor, B. g5 – “Il trillo del diavolo” – 3. Andante – Allegro 1:12
16. Sonata for Violin and Continuo in G minor, B. g5 – “Il trillo del diavolo” – 4. Allegro assai 8:26
Anne-Sophie Mutter (violin & conductor)
Trondheim Soloists
Num CD de uma das novas estrelas do barroco especialista em instrumentos originais – o violinista Andrew Manze – trazemos a famosa Devil`s Sonata ou a Sonata Il Trillo del Diavolo de Giuseppe Tartini. O curioso desta excelente gravação é que Manze a interpreta, assim como às outras obras de Tartini que constam no neste CD da Harmonia Mundi France, em versão solo.
Tal postura não é nada diabólica, nem do outro mundo. Afinal, o próprio Tartini escreveu:
“Em minhas pequenas sonatas às vezes utilizo o baixo contínuo apenas per cerimonia. O correto é tocá-las sem o baixo contínuo.”
Mas o habitual é ouvir-se a Sonata acompanhada – até ostensivamente! – por cravo ou viola da gamba mais cravo ou por piano.
A seguir, em itálico, deixo uma notícia biográfica de Tartini retirada daqui.
Giuseppe Tartini nasceu em Pirano d’Istria (Itália) a 8 de abril de 1692. Muito cedo recebeu as primeiras lições de música e violino. Mas até os vinte anos pouco se interessou pela arte, dedicando-se ao estudo de direito na universidade de Pádua. Sua vida de jovem aristocrata sofreu brusca mudança ao casar-se secretamente com a sobrinha de um cardeal, o que lhe valeu ordem de prisão. Disfarçado de frade, Tartini conseguiu evadir-se, encontrando refúgio no convento dos franciscanos de Assis.
Perdoado pelo cardeal, Tartini voltou em Pádua à companhia da esposa, iniciando então a carreira de concertista. O sucesso enorme atraiu-lhe inúmeros discípulos de vários países, fundando ele uma escola de violino em Pádua (1728), logo denominada Escola das Nações. Adquiriu grande reputação como virtuoso e professor, onde teve Nardini com aluno. Tartini morreu em Pádua a 26 de fevereiro de 1770.
Durante o seu retiro, Tartini entregou-se intensamente ao estudo do violino, inclusive pesquisando novas possibilidades sonoras do instrumento. Ao mesmo tempo dedicado à composição, escreveu a célebre Sonata n.º 2 Op. 1 – Trilos do Diabo, cujo apelido provém do espantoso encadeamento de trilos no terceiro movimento. Segundo depoimento que o compositor fez a Lalande – e que este reproduziu durante a sua Viagem à Itália (1790) – a realização dessa sonata teria sido sugerida em sonho pelo próprio demônio. Até hoje a obra permanece como “peça de resistência” no repertório dos virtuoses.
Seu devotamento ao ensino resultou na feitura de trabalhos didáticos, entre os quais o Tratado de música segundo a verdadeira ciência da harmonia (1754). Além de ser o maior violinista do século XVIII, Tartini distingui-se como compositor responsável pela evolução do concerto e da sonata. São as sonatas que mais lhe valem a dupla glória de intérprete e criador. Entre elas se destacam a Sonata n.º 11 em sol menor Op. 11 – Didone, a Sonata n.º 1 em si bemol maior Op. 6 – Imperador, além da já mencionada Sonata n.º 2 Op. 1 – Trilos do diabo. Também são notáveis as Variações sobre um tema de Corelli.
P.Q.P. Bach, de volta.
1. La Sonata del Diavolo in G Minor – Largo 2. La Sonata del Diavolo in G Minor – Allegro 3. La Sonata del Diavolo in G Minor – Andante, Allegro, Adagio
4. L’arte del Arco – Theme & variation 1 5. L’arte del Arco – Variations 2 & 4 6. L’arte del Arco – Variations 9, 15, & 12 7. L’arte del Arco – Variatios 10 & 20 8. L’arte del Arco – Variation 29 9. L’arte del Arco – Variation 30 10. L’arte del Arco – Variation 33 11. L’arte del Arco – Variation 34 12. L’arte del Arco – Variation 23 13. L’arte del Arco – Variation 38
14. Sonata in A minor – Cantabile 15. Sonata in A minor – Allegro 16. Sonata in A minor – Andante 17. Sonata in A minor – Giga 18. Sonata in A minor – Aria (with variations) 19. Sonata in A minor – Variation 1 20. Sonata in A minor – Variation 2 21. Sonata in A minor – Variation 3 22. Sonata in A minor – Variation 4 23. Sonata in A minor – Variation 5
24. Pastorale for violin in scordatura – Grave 25. Pastorale for violin in scordatura – Allegro 26. Pastorale for violin in scordatura – Largo, Presto, Andante