Assim como com os concertos para piano e orquestra, qualquer um que propusesse um quinteto para piano e sopros no final do século XVIII teria um imenso fantasma a assombrá-lo: o de Mozart, que compusera para o gênero uma obra-prima, em Mi bemol maior. Beethoven, sempre disposto a calcar-se em modelos do passado para buscar sua própria linguagem, não só se dispôs a escrever um quinteto para piano e sopros, como o fez para o mesmo conjunto e na mesma tonalidade que o do mestre de Salzburg, num gesto quase confesso de que nele buscava não só inspiração, mas que com ele pretendia ser cotejado.
A gravação que lhes apresento presta-se muito bem aos intentos de Lud Van: o quinteto de Mozart a abre, ao segue a contraparte de Beethoven. A comparação tenderia a ser bastante cruel com a obra do mestre mais jovem, pois o K. 452 é daquela sorte de eufonia mozartiana tão difícil de igualar que o próprio autor a considerou, em carta ao pai, uma das melhores coisas que já escrevera. O Op. 16, entretanto, é atraente pelo uso imaginativo dos sopros, prenúncio do uso revolucionário que Beethoven faria deles em suas obras orquestrais vindouras.
A maior atração deste registro de 1956, com som apenas razoável, são seus intérpretes. Os sopros – oboé, clarinete, trompa e fagote – são tocados pelos primeiros músicos de seus naipes na Philharmonia Orchestra sob a égide de Karajan, incluindo o legendário Dennis Brain, para muitos o mais influente trompista desde Giovanni Punto – de quem voltaremos a falar na postagem de amanhã -, que infelizmente morreria muito jovem no ano seguinte, deixando uma série de gravações paradigmáticas do repertório concertístico para seu instrumento. Ao piano, uma outra lenda: Walter Gieseking – que, assim como Karajan e Furtwängler, enfrentou sanções por seu envolvimento com o Partido Nazista e buscou guarida artística, como os outros dois, junto a Walter Legge, à EMI e à Philharmonia. No último ano de sua vida, o grande intérprete alemão dá-nos uma lição da elegância que marcou suas interpretações de Bach, Mozart e Beethoven. O álbum encerra com a sinfonia concertante que Mozart teria escrito (pois a autenticidade da obra é muito controversa) para o mesmo quarteto de sopros e orquestra, sob a direção de Karajan, que reforça a impressão que o colega Pleyel mui apropriadamente apontou acerca das interpretações dos quintetos: “a gravação tem a estética de Karajan transposta para a música de câmara: tudo suave, contínuo, sem cortes, quase pecando por excesso de brilho”.
Ditto.
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Quinteto para piano, oboé, clarinete, trompa e fagote em Mi bemol maior, K. 452
1 – Largo – Allegro moderato
2 – Larghetto
3 – Allegretto
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quinteto para piano, oboé, clarinete, trompa e fagote em Mi bemol maior, Op. 16 Composto entre 1796-1797 Publicado em 1801 Dedicado ao príncipe Joseph zu Schwarzenberg
4 – Grave – Allegro ma non troppo
5 – Andante cantabile
6 – Rondo: Allegro ma non troppo
Walter Gieseking, piano Philharmonia Wind Ensemble: Sidney Sutcliffe, oboé Bernard Walton, clarinete Dennis Brain, trompa Cecil James, fagote
Atribuída a Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Sinfonia Concertante em para piano, oboé, clarinete, trompa e fagote em Mi bemol maior, K. 297b
7 – Allegro
8 – Adagio
9 – Andante con variazioni
Sidney Sutcliffe, oboé Bernard Walton, clarinete Dennis Brain, trompa Cecil James, fagote Philharmonia Orchestra Herbert von Karajan, regência
Enfim, concertos para piano – e Ludwig deve ter pensado o mesmo quando publicou esses dois, em 1801. Ele já os vinha tocando havia algum tempo, em seu afã de consolidar-se em Viena como um compositor-virtuose ao feitio do jovem Mozart, cujos extraordinários concertos para piano pairavam intimidadoramente sobre qualquer desgraçado que se aventurasse pelo gênero. Era fundamental que um postulante ao panteão do teclado tivesse seus cavalos de batalha, e por isso Lud Van pariu cuidadosamente estes dois, após longa e insegura gestação. Percebam que eu não os numerei no título, enquanto lhes explico: além de nenhum deles ter sido o primeiro concerto escrito por Beethoven – distinção que cabe a um concerto em Mi bemol (WoO 4), composto ainda na adolescência e do qual restou apenas a parte para piano -, o primeiro a ser publicado foi o segundo a ser estreado, e vice-versa. Assim, o concerto Op. 15, composto em 1795, foi estreado nove meses depois do Op. 19, que marcou a estreia pública de Beethoven como pianista em Viena e já vinha sendo esboçado desde os tempos de Bonn. Embora baseiem-se firmemente em modelos de Haydn e Mozart, há amplos toques beethovenianos nas modulações inesperadas e mudanças bruscas de humor, e na escrita pianística, tão brilhante quanto a que se esperaria duma obra composta para pavonear sua capacidade ao teclado. O compositor legou-nos suas próprias cadências para as obras, que são as utilizadas na presente gravação e nos dão um sabor de seu talento improvisatório – que, junto com a prestidigitação pianística, era o que mais incensava a fama do rapaz antes de se firmar como compositor.
Cada vez que escuto Martha Argerich tocar esses concertos, fico pensando o quanto o Beethoven garotão não se reconheceria temperamento artístico sanguíneo e nas execuções exuberantes da deusa portenha do piano. Suas interpretações lideram minha preferência, ainda que reconheça suas idiossincrasias, e muito embora prefira suas gravações com Abbado, já publicadas aqui. A Philharmonia Orchestra sob Giuseppe Sinopoli, um regente muito especial, corresponsável por uma das mais belas gravações do concerto para violino do renano, aqui aparece meio apagada, sem muito brilho, sensação reforçada pelo som cavernoso da gravação. Mas Martha, asseguro-lhes, como sempre vale o download.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15
(cadências de Beethoven) Composto em 1795 Publicado em 1801 Dedicado à princesa Anna Louise Barbara Odescalchi
1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondo. Allegro scherzando
Concerto para piano e orquestra em Si bemol maior, Op. 19
(cadências de Beethoven) Composto em 1787-1789, revisado em 1795 Publicado em 1801 Dedicado a Carl Nicklas von Nickelsberg
4 – Allegro con brio
5 – Adagio
6 – Rondo: Molto allegro
Martha Argerich, piano Philharmonia Orchestra Giuseppe Sinopoli, regência
Marthita, nossa deusa, toca estes concertos desde que se conhece por gente: ei-la, aos oito anos, interpretando o concerto no. 1 sob a regência de Alberto Castellanos
#BTHVN250, por René Denon
Vassily
[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]
Depois de alguns de vocês transformarem-me em bonequinho de voodoo por ter trazido duas postagens em sequência com pianistas malditos na interpretação de Beethoven, redimo-me em alto estilo enquanto desinfeto as agulhadas. Ninguém me espetará, espero, por postar Murray Perahia. Sua seleção de repertório para esta gravação é perfeita: abre com a sonata em Lá bemol maior, com suas belíssimas variações iniciais e a marcha fúnebre, prossegue com o par de diminutas sonatas do Op. 14, e encerra com a majestosamente serena sonata Op. 28, alcunhada “Pastoral”.
Depois do sucesso da predecessora “Patética”, Beethoven publicou duas sonatas muito curtas e contrastantes. A primeira do Op. 14 é tecnicamente facílima – provavelmente pensada na execução por amadores – e de escritura muito transparente, e não surpreende que o autor a tenha transcrito para quarteto de cordas dois anos depois. A segunda é composicionalmente mais complexa, cheia de surpresas e mudanças harmônicas, e está distante das mãos dos diletantes. Já a belíssima e bem acabada sonata “Pastoral” (outra das alcunhas atribuídas por editores que não tiveram a anuência de Beethoven), assim chamada talvez por seu caráter idílico, sem grandes dramas e tensões, ou pelo uso de bordões no baixo, é uma das minhas favoritas. Concluída e publicada no mesmo 1801 que testemunhou a saída das prensas da sonata Op. 26 e das duas do Op. 27, é um encerramento apropriado para essa tetralogia incomum para o compositor, que nunca mais comporia tantas sonatas para piano em tão pouco tempo. Mais que isso, demonstra, pelos contrastes vivos entre quatro obras de tanta qualidade, que o melhor pianista de Viena também já era, com folgas, seu maior compositor.
A leitura de Perahia, que muito me agrada, atenua a dramaticidade de movimentos como a “Marcia Funebre” da Op. 26 em prol de humor, que permeia todo o recital e lhe instila um convincente senso de continuidade – uma proposta de interpretação totalmente diferente daquela de Horowitz, que foi muito próximo de Perahia na velhice e lhe serviu, como não poderia deixar de ser, de profunda inspiração.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha Fúnebre” Composta em 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky
1 – Andante con variazioni
2 – Scherzo. Molto allegro
3 – Marcia funebre sulla morte d’un eroe
4 – Allegro
Duas sonatas para piano, Op. 14 Compostas em 1798-1799
Publicadas em 1799
Dedicadas à baronesa Josefa von Braun
No. 1 em Mi maior
5 – Allegro
6 – Allegretto – Trio
7 – Rondo. Allegro comodo
No. 2 em Sol maior
8 – Allegro
9 – Andante
10 – Scherzo. Allegro assai
Sonata para piano em Ré maior, Op. 28, “Pastoral” Composta em 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao conde Joseph von Sonnenfels
11 – Allegro
12 – Andante
13 – Scherzo. Allegro vivace
14 – Rondo. Allegro ma non troppo
Prosseguimos com nossas homenagens postando esta maravilhosa Integral das Sonatas para Piano, interpretadas por Igor Levit. Neste vídeo ele explica o que torna a música de Beethoven tão atual, apesar de ter sido escrita há tanto tempo.
Beethoven compôs duas sonatas após a grande sonata que fecha o Opus 2, mas que foram publicadas mais tarde, como Opus 49. Vocês terão que esperar um pouco para ouvir estas duas sonatinhas, pois estamos postando a série na sequência “oficial” de publicação. Assim, neste álbum temos a Grande Sonata em mi bemol maior, Opus 7, e as três sonatas que formam o Opus 10.
Condessa Babette von Keglevics
A Sonata No. 4 foi escrita em 1796 e dedicada à Condessa Anna Louisa Barbara (Babette) von Keglevics, uma de suas alunas. Segundo Carl Czerny, enquanto escrevia esta sonata, Beethoven estava repleto de ternos sentimentos pela aluna, mas também muito emotivo devido aos avanços das tropas de Napoleão em direção à Viena. A sonata é grandiosa e seu primeiro movimento deixa claro que é uma explosão de paixão e vigor. Só a Hammerklavier alcançará proporções ainda maiores.
As duas primeiras sonatas do Opus 10 são em dó menor e fá maior, respectivamente, e são estruturadas em três movimentos. As tonalidades são significativas para Beethoven. Dó menor é a tonalidade do Concerto de Mozart que Beethoven tanto admirava e a sonata remete a este mundo dramático, assim como a uma das sonatas para piano de Mozart, também em dó menor. Não deixe de notar o lindo Adagio molto, o segundo movimento. Já a Sonata em fá maior tem um tom mais relaxado, de quem está caminhando ao ar livre, em contato com a natureza, como será também o caso da Sinfonia Pastoral.
A última sonata do disco, a terceira do Opus 10, é em ré maior e novamente se expande em quatro movimentos. Contraste é uma constante nesta sonata, que abre com um agressivo e dinâmico primeiro movimento, continua com um angustiado largo, um quase convencional minueto e termina em um caprichoso rondó. Sir Donald Francis Tovey escreveu que o primeiro movimento desta sonata “parece saltar sobre a gente como uma pantera”. Portanto, agarre-se na poltrona!
Certa vez, Beethoven ficou aborrecido com seus ouvintes em uma apresentação em Berlim, pois todos chegaram às lágrimas com sua interpretação. Ele teria reclamado com um amigo: Não é isto que nós artistas queremos. Nós queremos aplausos!
Pois então, batam palmas! Aplausos paro o artista!
Minha determinação em ganhar um lugar de honra no Livro do Ódio de vós outros certamente será premiada depois que eu lhes trouxer mais um entre os grandes pianistas mais malditos do século XX para tocar neste Festival Beethoven. E começo afirmando-lhes que, por tudo que sobre ele li, Horowitz detestava Beethoven – o que provou gravando-o pouquíssimo e banindo-o de seus recitais por uma boa parte da carreira. Não o entendia e tinha ranços em tentar imprimir sentido no que chamava de “bagunça sonora” do renano. Ademais, as obras principais do mestre alemão, ainda que tecnicamente muito difíceis, não lhe permitiam momentos de bravado para seduzir com seus muitos truques pianísticos as plateias. Não foi à toa, portanto, que uma das poucas obras de Beethoven que tocava com certa frequência e gravou mais de uma vez foi a sonata Op. 57, a “Appassionata”, que muito se presta àqueles momentos horowitzianos que seus admiradores tanto apreciam em obras de Rachmaninov e Scriabin.
Não há como saber se a recíproca, se Vladimir e Ludwig tivessem sido contemporâneos, seria verdadeira. Todavia, qualquer pessoa que já tentou produzir sons com um teclado admira a maestria de Horowitz em fazê-lo, por maiores que sejam as restrições que tenha ao restante de suas qualidades de intérprete. Não são poucos os pianistas do panteão que o consideram o maior de todos que ouviram – a deusa Martha Argerich, por exemplo -, embora seja igualmente fácil reconhecer que suas interpretações de boa parte do repertório, Beethoven incluso, pareçam priorizar o momento, o detalhe, e o colorido à estrutura das peças, qualidades que certamente o fariam cair em desgraça junto a Ludwig, que tinha profundo desdém por tal abordagem, manifesto muitas vezes acerca de virtuoses itinerantes que volta e meia tentavam, sem sucesso, arrebatar-lhe a posição de melhor pianista de Viena
Posto isso, e gasturas que vocês possam ter com Horowitz à parte, acredito que sua leitura para a sonata Op. 13, cognominada “Patética” pelo editor da obra, seja a melhor das que fez para o punhado de sonatas do renano que levou a disco. Acho que seu estilo é bem apropriado para o primeiro movimento, ao sublinhar seus contrastes, e acho difícil alguém fazer o teclado cantar como Horowitz o faz no célebre Adagio cantabile. Ademais, a peça é concisa o bastante para que a encerre convincentemente, sem incorrer nas inconsistências de andamento que tanto criticam nele. Completam o disco uma gravação muito boa da terceira sonata do Op. 10, em que as inconsistências supracitadas talvez apareçam (não que eu ligue para elas), e a já mencionada sonata “Appassionata”, em que Horowitz está um pouco mais próximo de seu quintal.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Dó menor, Op. 13, “Patética” Composta em 1798 Publicada em 1799 Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky
1 – Grave – Allegro di molto e con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Rondo: Allegro
Três sonatas para piano, Op. 10 – No. 3 em Ré maior Composta e publicada em 1798 Dedicada à condessa Anne Margarete von Browne
4 – Presto
5 – Largo e mesto
6 – Menuetto: Allegro
7 – Rondo: Allegro
Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata” Composta entre 1804-1805 Publicada em 1807 Dedicada ao conde Franz von Brunswick
8 – Allegro assai
9 – Andante con moto
10 – Allegro ma non troppo – Presto
Se apreciadas no contexto da evolução de Beethoven como compositor, muito evidente nas obras solo para piano, as melífluas sonatas para violino do Op. 12 podem parecer até um retrocesso: clássicas, bem no prumo das de Mozart, sem sobressaltos, soam até mais antigas que aquelas para violoncelo do Op. 5, compostas dois anos antes. Diferentemente destas, frutos do contato com virtuoses numa corte real, e das sonatas para violino Op. 47 (a “Kreutzer”) e a Op. 96, dedicadas a solistas ilustres, as Op. 12 não tinham intérpretes específicos em vista, tampouco grandes pretensões – como atesta seu frontispício, aliás, que as descreve sem-cerimoniosamente como “sonatas para o pianoforte ou cravo, com acompanhamento de um violino”. Dedicando-as ao ainda muito influente Antonio Salieri, com quem pretendia estudar, Beethoven provavelmente quis fazer bom cartaz, pisando terreno firme e não ferindo as sensibilidades do velho professor. Parece que funcionou: em dois anos, ele iniciaria seus estudos com Salieri, dentro de seu projeto de fazer fortuna escrevendo óperas em italiano.
Uma das poucas dificuldades de escrever aqui no PQP Bach é tentar trazer novidades relevantes a um acervo gargantuano alimentado cotidianamente diariamente por colegas com tão fino gosto quanto apetite pantagruélico por novidades fonográficas. Quase todas minhas versões preferidas das sonatas para violino já estavam aqui – mas faltava essa, com o ateniense de ouro, Leonidas Kavakos, e o riminese Enrico Pace, talvez de todas a mais lindamente burilada e de articulações mais trabalhadas, que ficam ainda mais notáveis em função dos andamentos mais lentos escolhidos pela dupla. Kavakos é capaz de todas virtuosidades, mas aqui prefere privilegiar o timbre – e o seu, em minha desimportante opinião, é o mais belo entre os de todos violinistas em atividade. O som de seu Stradivarius é tão lindo que a gente nem liga para a alegada banalidade que os críticos, que desde o final do século XVIII já esperavam novidades de Beethoven, apontaram nessas sonatas – nós as ouvimos entre sorrisos, e só capazes de pensar nas próximas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três sonatas para violino e piano, Op. 12 Compostas entre 1797-1798 Publicadas em 1798 Dedicadas a Antonio Salieri
Sonata no. 1 em Ré maior
1 – Allegro con brio
2 – Tema con variazioni: Andante con moto
3 – Rondo: Allegro
Vamos finalizar hoje essa série do grande pianista Claudio Arrau interpretando Beethoven, trazendo os quatro últimos cds das Sonatas.
Aqui teremos as imensas Sonatas ‘Waldstein’, ‘Appassionata’, ‘Hammerklavier’ entre outras obras primas. Na época destas gravações Arrau já era um pianista altamente reconhecido, e com uma imensa discografia. Iria retomar estas sonatas alguns alguns antes de sua morte, mas isso é assunto para outro momento.
CD 7
Piano Sonata No. 19 In G Minor, Op. 49, No. 1
1.1. Andante
2.2. Rondo (Allegro)
Piano Sonata No. 20 In G Major, Op. 49, No. 2
3.1. Allegro ma non troppo4:58
4.2. Tempo di Menuetto
Piano Sonata No. 21 in C Major, Op. 53 “Waldstein”
5.1. Allegro con brio
6.2. Introduzione (Adagio molto)
7.3. Rondo (Allegretto moderato – Prestissimo)
Piano Sonata No. 22 in F Major, Op. 54
8.1. In Tempo d’un Menuetto
9.2. Allegretto
10.3. Più Allegro
Piano Sonata No. 23 in F Minor, Op. 57 “Appassionata”
11.1. Allegro assai
12.2. Andante con moto
13.3. Allegro ma non troppo
CD 8
Piano Sonata No. 24 in F-Sharp Major, Op. 78 “For Therese”
1.1. Adagio cantabile – Allegro ma non troppo
2.2. Allegro vivace
Piano Sonata No. 25 in G Major, Op. 79
3.1. Presto alla tedesca
4.2. Andante
5.3. Vivace
Piano Sonata No. 26 in E-Flat Major, Op. 81a “Les Adieux”
6.1. Das Lebewohl (Adagio – Allegro)
7.2. Abwesenheit (Andante espressivo)
8.3. Das Wiedersehen (Vivacissimamente)
Piano Sonata No. 27 in E Minor, Op. 90
9.1. Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
10.2. Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
CD 9
Piano Sonata No. 28 in A Major, Op. 101
1.1. Etwas lebhaft und mit der innigsten Empfindung (Allegretto ma non troppo)
2.2. Lebhaft, marschmäßig (Vivace alla marcia)
3.3. Langsam und sehnsuchtsvoll (Adagio ma non troppo, con affetto)
4.4. Geschwind, doch nicht zu sehr und mit Entschlossenheit (Allegro)
Piano Sonata No. 29 in B-Flat Major, Op. 106 -“Hammerklavier”
5.1. Allegro
6.2. Scherzo. Assai vivace
7.3. Adagio sostenuto
8.4. Largo – Allegro risoluto
CD 10
Piano Sonata No. 30 in E Major, Op. 109
1.1/2. Vivace ma non troppo-Adagio espressivo-Tempo I – Prestissimo
2.3. Gesangvoll, mit innigster Empfindung (Andante molto cantabile ed espressivo)
Piano Sonata No. 31 in A-Flat Major, Op. 110
3.1. Moderato cantabile molto espressivo
4.2. Allegro molto
5.3a. Adagio ma non troppo
6.4. Fuga (Allegro ma non troppo)
Piano Sonata No. 32 in C Minor, Op. 111
7.1. Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8.2. Arietta (Adagio molto semplice e cantabile)
As duas obras para trio que hoje apresentamos são mais conhecidas em outras roupagens. O Op. 11 foi concebido para clarinete, na tonalidade de si bemol que lhe é tão confortável, mas rapidamente acomodado numa versão com violino, instrumento mais encontradiço, já publicada nesta série. Depois que o ouvimos com clarinete, entretanto, fica difícil escutar as passagens tão idiomáticas que Beethoven lhe escreveu em qualquer outro timbre. A alcunha “Gassenhauer” traduz-se, grosso modo, como “sucesso popular” (hit ou Schlager), no sentido das canções pegajosas cantaroladas por todos nas ruelas (Gassen, em alemão) – no caso, a ária “Pria ch’io l’impegno”, da ópera “L’amor marinaro ossia Il corsaro” de Joseph Weigl, um tremendo sucesso na Viena da época que foi amplamente usado como tema para obras com variações. O trio em si garante alguns minutos agradáveis, se não exatamente memoráveis – embora, e fica aqui a advertência, a tal “Gassenhauer” seja realmente MUITO grudenta.
O trio Op. 38, por sua vez, é uma versão do próprio compositor para o seu bem-sucedido septeto, Op. 20, arranjada para um conjunto instrumental mais econômico. O tal septeto fez tanto sucesso que Beethoven chegou a irritar-se com a imensa demanda por ouvi-lo em toda parte, e em diferentes arranjos, por considerar que compusera coisas muito melhores. Além da versão para clarinete, há outra para violino, violoncelo e piano, cujo dia também chegará por aqui.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Trio em Si bemol maior para clarinete, piano e violoncelo, Op. 11, “Gassenhauer” Composto em 1797 Publicado em 1798
Dedicado a Maria Wilhelmine von Thun
1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Tema con variazioni (“Pria ch’io l’impegno”: Allegretto)
Trio em Mi bemol maior para clarinete, piano e violoncelo, Op. 38 Composto entre 1799-1800 (versão original do septeto, Op. 20) Arranjado e publicado como trio em 1805 Dedicado à imperatriz Maria Theresia
4 – Adagio – Allegro con brio
5 – Adagio cantabile
6 – Tempo di menuetto
7 – Tema con variazioni: Andante
8 – Scherzo: Allegro molto e vivace
9 – Andante con moto alla marcia – Presto
Beethoven Trio Raffaele Bertolini, clarinete Silvano Fusco, violoncelo Marco Schiavo, piano
Começamos aqui nossas homenagens ao grande aniversariante do ano – Ludwig van Beethoven! Em 17 de dezembro ele completará 250 anos, vivo, vivíssimo! Sua música soará o ano todo com a mesma energia, vibração e encantamento de sempre.
Acreditem, datas como esta são apenas casualidades. Tivesse a Terra um pouco mais de pachorra ao girar em torno do Sol e teríamos anos mais longos e estaríamos comemorando talvez o centenário de nascimento de Beethoven. Caso nossos ancestrais tivessem quatro dedos em cada mão (como o Mickey e o Pato Donald) no lugar de cinco e contaríamos de oito em oito no lugar de dez em dez e pronto, de novo estas datas simbólicas estariam totalmente mudadas.
Eu já passei pelos 200 anos de nascimento de Beethoven, lá em 1970, pelos 200 anos da morte de Mozart, em 1991. Há muito de marketing sendo feito nestas ocasiões pelas gravadoras e pela mídia que vive de música, mas acabamos nos rendendo a isto tudo. Afinal, esta é uma boa desculpa para ouvir as músicas todas novamente.
Começaremos nossas homenagens postando esta maravilhosa Integral das Sonatas para Piano, interpretadas por Igor Levit. Neste vídeo ele explica o que torna a música de Beethoven tão atual, apesar de ter sido escrita há tanto tempo. Além disso, o vídeo serve como trailer das maravilhas que virão nesta série de postagens.
As sonatas serão postadas na ordem em que foram publicadas. No primeiro disco as três sonatas reunidas no Opus 2, são assim três jovens irmãs. Estas sonatas foram compostas por volta de 1795, resultados dos primeiros anos de Beethoven em Viena e refletem o arrojo, o ímpeto e a autoconfiança do compositor. Mas lembremos que Beethoven já estava então com 25 anos, era um virtuose do piano, excelente improvisador e não era exatamente inexperiente na arte de composição de sonatas para piano. Estruturadas em quatro movimentos, todas apresentam belíssimos movimentos lentos e apenas a primeira tem um minueto no terceiro movimento. As outras exibem já um scherzo e todas terminam com movimentos onde o solista pode exibir todo o seu virtuosismo.
Dedicadas a Haydn, estas peças mostram a qualidade do compositor e anunciam o escopo que ele alcançaria nas próximas sonatas.
O Largo appassionato da segunda sonata do grupo revela a capacidade de Beethoven produzir movimentos que nos tocam profundamente. O arrojo e as proporções da terceira sonata, em dó maior, a destacam do grupo e fizeram dela peça de repertório de muitos grandes pianistas.
A interpretação de Igor Levit evidencia tudo isto e nos prepara para uma viagem que, prometo, será espetacular.
Antes que me chovam tomates por trazer este mais controverso de todos os grandes pianistas, justifico-me: depois de Bach, Beethoven é o segundo compositor mais importante em seu legado discográfico. Ademais, e a despeito da fama de ludwigófobo que construiu por interpretações bizarras como as que deu para a “Appassionata”, Glenn reconhecia o gênio do renano e pôs seu domínio fenomenal do teclado e a heterodoxia nas escolhas interpretativas para legar-nos gravações muito recompensadoras àqueles que não consigam se deixar irritar por seus expedientes de costume, como o de propor alterações dinâmicas e agógicas a bel prazer, e, mais notoriamente, aquele de cantarolar ao teclado. Gould está especialmente canoro nos movimentos de abertura das sonatas, aos quais ele imprime andamentos frenéticos. A articulação impecável e clareza com que ele distingue as vozes, responsável por muito da mágica gouldiana a tocar Bach, aqui brilha com clareza, particularmente no último movimento da segunda sonata, um fugato matreiro. E a terceira sonata, que considero a primeira obra-prima de Beethoven no gênero, com seu belíssimo, sentido Adagio, é tão equilibrada que se pode facilmente esquecer do escândalo causado por Gould quando, em seguida ao terremoto do sucesso de sua gravação de estreia, escolheu levar a disco as três últimas sonatas para piano de Ludwig, com recepção que variou do pasmo a, claro, jorros de ódio. E, falando em ódio, já que vocês estão a esvurmá-lo por mim, convido-os a tentarem aplacá-lo ouvindo a sonata Op. 26, com suas maravilhosas variações de abertura e a marcha fúnebre, que o canadense despacha com elegância e sem qualquer bizarrice. Vocês quase não o reconhecerão tocando e, talvez, até me perdoem – pelo menos, claro, até a próxima postagem de Gould.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Sonatas para piano, Op. 10 Compostas entre 1796-1798 Publicadas em 1798 Dedicadas à condessa Anne Margarete von Browne
No. 1 em Dó menor
1 – Allegro molto e con brio
2 – Adagio molto
3 – Finale. Prestissimo
No. 2 em Fá maior
4 – Allegro
5 – Allegretto
6 – Presto
No. 3 em Ré maior
7 – Presto
8 – Largo e mesto
9 – Menuetto. Allegro
10 – Rondo. Allegro
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha fúnebre” Composta entre 1800-1801 Publicada em 1801 Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky
11 – Andante con variazioni
12 – Scherzo, allegro molto
13 – Maestoso andante, marcia funebre sulla morte d’un eroe
14 – Allegro
Dando continuidade à postagem da primeira integral das sonatas de Beethoven que Claudio Arrau gravou em 1964, trago algumas Sonatas fundamentais nestes três CDs, como a “Sonata ao Luar”, a “Pastoral” e a “Tempestade”. Se Beethoven só tivesse escrito estas três peças, com certeza seu nome já estaria inscrito no panteão dos grandes gênios da humanidade. Felizmente, para nós, ele viveu para escrever outras obras primas.
Admiro Claudio Arrau por seu pleno domínio do instrumento, e claro, da própria obra. Era um especialista neste repertório, e com certeza foi um dos maiores intérpretes do gênio de Bonn no século XX.
Então vamos ao que viemos.
CD 4
01. Piano Sonata #10 In G, Op. 14-2 – 1. Allegro
02. Piano Sonata #10 In G, Op. 14-2 – 2. Andante
03. Piano Sonata #10 In G, Op. 14-2 – 3. Scherzo Allegro Assai
04. Piano Sonata #11 In B Flat, Op. 22, ‘Grand’ – 1. Allegro Con Brio
05. Piano Sonata #11 In B Flat, Op. 22, ‘Grand’ – 2. Adagio Con Molta
06. Piano Sonata #11 In B Flat, Op. 22, ‘Grand’ – 3. Minuetto
07. Piano Sonata #11 In B Flat, Op. 22, ‘Grand’ – 4. Rondo Allegretto
08. Piano Sonata #12 In A Flat, Op. 26, ‘Funeral March’ – 1. Andante C
09. Piano Sonata #12 In A Flat, Op. 26, ‘Funeral March’ – 2. Scherzo
10. Piano Sonata #12 In A Flat, Op. 26, ‘Funeral March’ – 3. Marcia Fu
11. Piano Sonata #12 In A Flat, Op. 26, ‘Funeral March’ – 4. Allegro
CD 5
01. Sonata No. 13 in E flat major, op. 27 no. 1 – I. Andante – Allegro – Tempo I
02. Sonata No. 13 in E flat major, op. 27 no. 1 – II. Allegro molto e vivace
03. Sonata No. 13 in E flat major, op. 27 no. 1 – III. Adagio con espressione
04. Sonata No. 13 in E flat major, op. 27 no. 1 – IV. Allegro vivace – Tempo I –
05. Sonata No. 14 in C sharp minor, op. 27 no. 2 ”Moonlight” – I. Adagio sostenuto
06. Sonata No. 14 in C sharp minor, op. 27 no. 2 ”Moonlight” – II. Allegretto
07. Sonata No. 14 in C sharp minor, op. 27 no. 2 ”Moonlight” – III. Presto
08. Sonata No. 15 in D major, op. 28 ”Pastoral” – I. Allegro
09. Sonata No. 15 in D major, op. 28 ”Pastoral” – II. Andante
10. Sonata No. 15 in D major, op. 28 ”Pastoral” – III. Scherzo (Allegro assai)
11. Sonata No. 15 in D major, op. 28 ”Pastoral” – IV. Rondo (Allegro ma non tro
CD 6
01. Sonata No. 16 in G major, op. 31 no. 1 – I. Allegro vivace
02. Sonata No. 16 in G major, op. 31 no. 1 – II. Adagio grazioso
03. Sonata No. 16 in G major, op. 31 no. 1 – III. Rondo (Allegretto)
04. Sonata No. 17 in D minor, op. 31 no. 2 ”The Tempest” – I. Largo – Allegro
05. Sonata No. 17 in D minor, op. 31 no. 2 ”The Tempest” – II. Adagio
06. Sonata No. 17 in D minor, op. 31 no. 2 ”The Tempest” – III. Allegretto
07. Sonata No. 18 in E flat major, op. 31 no. 3 – I. Allegro
08. Sonata No. 18 in E flat major, op. 31 no. 3 – II. Scherzo (Allegretto vivace)
09. Sonata No. 18 in E flat major, op. 31 no. 3 – III. Menuetto (Moderato e grazi
10. Sonata No. 18 in E flat major, op. 31 no. 3 – IV. Presto con fuoco
Se havia quaisquer dúvidas de que Ludwig van Beethoven – pianista virtuoso de fama consolidada em Viena, professor de piano requisitado e compositor crescentemente reconhecido – pretendia romper com tradições para fazer ouvir sua voz altamente individual, elas dissiparam-se quando, aos 26 anos, ele publicou a Sonata em Op. 7. Composta durante uma visita a Pressburg (hoje Bratislava, Eslováquia), estava entre as obras preferidas de Beethoven, que quis deixar isso claro ao dar-lhe um número próprio de opus, lançando-a separadamente, e não em dupla ou trinca, que era a praxe da época. De lambujem, chamou-a de “Grande Sonata”, título que lhe é muito apropriado, tanto pela duração – a segunda mais longa entre suas sonatas, menor somente que a transcendental “Hammerklavier” – quanto pelo escopo grandioso da obra, especialmente se a comparamos às sonatas anteriores do Op. 2. Ainda que nela haja muito pouco que fizesse imaginar o que viria com as vinte e oito sonatas seguintes, o abismo que a separa das Op. 2 só não é menor que aquele entre ela e a três sonatas do Op. 10 – a terceira das quais abre esta gravação, e que serão objeto de uma postagem específica.
Para encerrar, uma “Appassionata” sem-cerimoniosa e atenta à partitura, carregando as marcas registradas da canadense Angela Hewitt, que, depois levar ao disco e às salas de concerto de todo mundo interpretações de Bach que já nasceram clássicas, voltou-se para as sonatas do renano com toda bagagem de clareza, respeito às intenções do compositor e rejeição ao bravado amealhados na larga experiência de interpretação das obras do Maior de Todos. Apesar de nunca ter prometido a integral das trinta e duas sonatas, Hewitt já está há mais de década e no oitavo volume deste afã e, através do bonito som de seus queridos pianos Fazioli, propõe-nos uma refrescante maneira de ouvir Beethoven.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Sonatas para piano, Op. 10 No. 3 em Ré maior Composta entre 1797-8 Publicada em 1798 Dedicada à condessa Anna Margaret von Browne
1 – Presto
2 – Largo e mesto
3 – Menuetto. Allegro
4 – Rondo: Allegro
Grande Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 7 Composta entre 1797-8 Publicada em 1798 Dedicada à condessa Babette von Keglevics
5 – Allegro molto e con brio
6 – Largo, con gran espressione
7 – Allegro
8 – Rondo: Poco allegretto e grazioso
Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata” Composta entre 1804-5 Publicada em 1807 Dedicada ao conde Franz von Brunsvik
9 – Allegro assai
10 – Andante con moto
11 – Allegro ma non troppo – Presto
Diferentemente da postagem anterior, com obras e performances eletrizantes, chego a um capítulo da obra do mestre renano que não me desperta muito entusiasmo. Suas peças para duo pianístico, que cabem todas num só disco, já foram postadas anteriormente no PQP Bach e mereceram, na ocasião, um meu comentário modorrento. Admito que talvez não esteja sendo justo com criações despretensiosas que não foram destinadas a causar estupor nos palcos, nas mãos de virtuoses, nem a estimular impulsos mecenáticos entre nobres endinheirados, e sim aos amadores em suas residências. Instrumentos de teclado eram crescentemente mais comuns nos lares, e a música para piano a quatro mãos – fosse ela original, ou arranjada para duo a partir de obras para conjuntos maiores – era um veículo importante de divulgação de composições naquela época em que o acesso a concertos ainda era mormente um privilégio e as gravações não estavam sequer na ficção científica, porque, talvez, nem ficção científica existisse.
A singela sonata Op. 6, uma das mais curtas entre as sonatas de Beethoven, com suas figurações simples que se dividem e repetem entre as quatro mãos, foi certamente dedicada ao estudo e à prática de conjunto. As simpáticas, despreocupadas Marchas, Op. 45, são de interesse um pouco maior, e ficam mesmo intrigantes quando se sabe que foram compostas em torno do período de desespero em Heiligenstadt, que culminou com o famoso testamento que algum dia abordaremos nesta série. Completam a gravação obras de fases contrastantes da carreira do compositor: aquela sobre um tema do Conde Waldstein (WoO 67), seu patrono em Bonn, datam, naturalmente, de seus últimos anos na cidade natal, e são interessantes pelas sugestões de colorido orquestral; as variações sobre sua canção “Ich denke dein” (WoO 74) foram dedicadas em Viena às condessas Therese e Josephine von Brunsvik, quase que certamente para o uso das moças (e, provavelmente, para impressioná-las); e a transcrição da Grande Fuga (Op. 134; originalmente o finale do quarteto de cordas, Op. 130, e editada em separado como Op. 133), que foi a última obra pianística que publicou. Muito me intrigam os motivos que levaram a este arranjo da mais radical e visionária das obras de Beethoven, recebida com reações que variavam entre a estranheza e as conjecturas de que o compositor enlouquecera, para um meio tão burguesmente doméstico como o do piano a quatro mãos. Enquanto o escutava, a preparar este texto, percebi pela primeira vez que a falta dos ataques furiosos às cordas, tão essenciais ao impacto da versão original, permitia uma percepção mais clara das vozes e da magistral transfiguração delas dentro do modo beethoveniano de tratar as leis da fuga. A obra futurística e iracunda para quarteto de cordas fica mais transparente e, voilà – 1 x 0 para você, velho Ludwig!
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata em Ré maior para piano a quatro mãos, Op. 6
1 – Allegro molto
2 – Rondo. Moderato
Três Marchas para piano a quatro mãos, Op. 45
3 – No. 1 em Dó maior
4 – No. 2 em Mi bemol maior
5 – No. 3 em Dó maior
Oito Variações em Dó maior para piano a quatro mãos sobre um tema do Conde Waldstein, WoO 67
6 – Thema. Andante con moto – Variationen I-VIII
Seis Variações em Ré maior sobre a canção “Ich denke Dein”, de Beethoven, WoO 74
7 – Thema. Variationen I-VI
Grande Fuga em Si bemol maior para piano a quatro mãos, Op. 134
8 – Overtura. Allegro – Fuga. Allegro – Meno mosso e moderato – Allegro – Allegro molto e con brio – Allegro molto e con brio
Meus desimportantes resmungos quanto à obra de Beethoven para duo pianístico não me permitiram a gentileza de apresentar os intérpretes da gravação no corpo do texto. Acredito que o ilustre Jörg Demus (1928-2019) recentemente falecido, dispense apresentações. Norman Shetler (1931) nasceu nos Estados Unidos, vive na Áustria há décadas, é recitalista, requisitado acompanhante de cantores e instrumentistas, e famoso marionetista. Ei-lo, com um amigo, nesta última função
“Claudio Arrau nasceu em Chillán, Chile, filho de Carlos Arrau, oftalmologista que morreu quando Cláudio tinha apenas um ano de idade, e Lucrecia León Bravo de Villalba, professora de piano. Ele pertencia a uma antiga e proeminente família do sul do Chile. Seu ancestral Lorenzo de Arrau, um engenheiro espanhol, foi enviado ao Chile pelo rei Carlos III da Espanha. Através de sua bisavó, Maria del Carmen Daroch del Solar, Arrau era um descendente dos Campbells de Glenorchy, uma família nobre escocesa. Arrau foi criado como católico, mas desistiu no final da adolescência.
Arrau era uma criança prodígio e sabia ler música antes de ler palavras, mas, ao contrário de muitos virtuosos, não havia um músico profissional em sua família. Sua mãe era uma pianista amadora e o apresentou ao instrumento. Aos 4 anos de idade, ele estava lendo as sonatas de Beethoven e fez seu primeiro concerto um ano depois.Quando Arrau completou 6 anos, fez um teste na frente de vários congressistas e do Presidente Pedro Montt, que ficou tão impressionado que começou a providenciar a educação futura de Arrau. Aos 8 anos, Arrau recebeu uma concessão de dez anos do governo chileno para estudar na Alemanha, viajando com sua mãe e irmã Lucrecia. Ele foi admitido no Conservatório Stern de Berlim, onde acabou se tornando aluno de Martin Krause, que estudara com Franz Liszt. Aos 11 anos, Arrau tocou o “Transcendental Etudes” de Liszt, uma das obras mais difíceis para piano, bem como as Variações Paganini de Brahms. As primeiras gravações de Arrau foram feitas em rolos de música para piano de jogadores eólios da Duo-Art. Krause morreu em seu quinto ano de ensino a Arrau, deixando o estudante de 15 anos arrasado pela perda de seu mentor; Arrau não continuou o estudo formal depois desse ponto.
Em 1935, Arrau rendeu-se à obra para teclado de Johann Sebastian Bach ao interpretá-la em 12 recitais. Em 1936, Arrau interpretou toda a obra pianística de Mozart em cinco recitais e seguiu com os ciclos completos de Schubert e Weber. Em 1938, pela primeira vez, foi a vez de Beehoven, vindo a apresentar toda a sua obra na Cidade do México. Arrau repetiu isso várias vezes em sua vida, inclusive em Nova York e Londres. Ele se tornou uma das principais autoridades de Beethoven no século 20.
Em 1937, Arrau casou-se com a mezzo-soprano alemã Ruth Schneider (1908–1989). Eles tiveram três filhos: Carmen (1938–2006), Mario (1940–1988) e Christopher (1959). Em 1941, a família Arrau emigrou da Alemanha para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Douglaston, Queens, Nova York, onde Arrau passou os anos restantes. Ele se tornou um cidadão norte-americano em 1979.
Arrau morreu em 9 de junho de 1991, aos 88 anos de idade, em Mürzzuschlag, na Áustria, devido a complicações de uma cirurgia de emergência realizada em 8 de junho para corrigir um bloqueio intestinal. Seus restos mortais foram enterrados em sua cidade natal, Chillán, Chile.”
Com esta pequena biografia, livremente traduzida e adaptada da WIKIPEDIA, do grande pianista chileno Claudio Arrau dou por iniciada as minhas postagens dedicadas aos 250 anos do nascimento de Beethoven. Esta integral das Sonatas para Piano que ora vos trago foi gravada em 1964.
Piano Sonata No. 1 In F Minor, Op. 2, No. 1
1.1. Allegro
2.2. Adagio
3.3. Menuetto (Allegretto)
4.4. Prestissimo Piano Sonata No. 2 In A Major, Op. 2, No. 2
5.1. Allegro vivace
6.2. Largo appassionato
7.3. Scherzo (Allegretto)
8.4. Rondo (Grazioso) Piano Sonata No. 3 In C Major, Op. 2, No. 3
9.1. Allegro con brio
10.2. Adagio
11.3. Scherzo (Allegro)
12.4. Allegro assai
CD 2
Piano Sonata No. 4 In E Flat Major, Op. 7
1.1. Allegro molto e con brio
2.2. Largo, con gran espressione
3.3. Allegro
4.4. Rondo (Poco allegretto e grazioso) Piano Sonata No. 5 In C Minor, Op. 10, No. 1
5.1. Allegro molto e con brio
6.2. Adagio molto
7.3. Finale (Prestissimo)
CD 3
Piano Sonata No. 6 In F Major, Op. 10, No. 2
1.1. Allegro
2.2. Allegretto
3.3. Presto Piano Sonata No. 7 in D Major, Op.10, No.3
4.1. Presto
5.2. Largo e mesto
6.3. Menuetto (Allegro)
7.4. Rondo (Allegro) Piano Sonata No. 8 in C Minor, Op. 13 “Pathétique”
8.1. Grave – Allegro di molto e con brio9:04
9.2. Adagio cantabile
10.3. Rondo (Allegro) Piano Sonata No. 9 In E Major, Op. 14, No. 1
11.1. Allegro
12.2. Allegretto
13.3. Rondo (Allegro comodo)
Nas sonatas para violoncelo de quase todo o barroco até aquelas de Boccherini, o teclado limitava-se ao acompanhamento em baixo-contínuo de um solista que, normalmente, tentava aprontar algo no registro agudo do instrumento, sem que houvesse nelas, praticamente, uma parte para teclado independente. Os grandes Mozart e Haydn, modelos mais importantes para o jovem Beethoven, deram completamente de ombros ao violoncelo como solista em música de câmara, muito por conta das limitações dos instrumentos de antanho, cujo som tendia a ser abafado pelos pianos nos registros graves, o que desestimulava quaisquer intenções virtuosísticas. No entanto, os luthiers do final do século XVIII fizeram o violoncelo evoluir enormemente, de modo que, quando da visita de Beethoven à corte de Berlim em 1796, havia já um bom número de solistas de renome no instrumento outrora tido somente como um grave e modesto acompanhante. E, assim como aconteceria depois com o violinista Bridgetower e a sonata “Kreutzer”, foi um encontro de virtuoses a centelha para a criação intempestiva de uma obra revolucionária – no caso, de Beethoven com os irmãos Jean-Pierre e Jean-Louis Duport, primeiro e segundo violoncelistas da corte da Prússia, encabeçada ela própria por um violoncelista amador, o rei Friedrich Wilhelm II. Entusiasmado com o que ouviu dos irmãos, Ludwig escreveu com rapidez este par de sonatas, no que certamente contou com a consultoria dos virtuoses franceses, e estreou-as ainda na corte, tocando ele próprio a elaborada, independente parte do piano, inventando assim, praticamente sozinho, a sonata clássica para violoncelo e piano.
Se as sonatas têm tantos nomes e sobrenomes ilustres envolvidos em sua gênese, há bastante mistério sobre quem inspirou as três séries de variações para violoncelo e piano compostas por Beethoven, duas das quais estão incluídas neste disco. As exigências técnicas, bem menores que aquelas das sonatas, deixam-nas ao alcance de competentes amadores, e é bastante provável que tenham sido escritas por encomenda para alguns deles, inda mais por conta dos populares temas que lhes servem de base. A série mais interessante, aquela sobre o tema de “Judas Maccabaeus” de Händel, atesta o vivo interesse de Beethoven na música do saxão, que descobrira através de um de seus patronos, o barão von Swieten, e que o inspiraria ainda por muito tempo, como atesta a citação bastante conspícua e literal dum tema do “Messiah” na Missa Solemnis, já no final de sua carreira.
Cresci ouvindo essas sonatas com tantos ótimos duos (Rostropovich/Richter, Fournier/Gulda, Maisky/Argerich) que ficou difícil escolher um só deles para compartilhar com os leitores-ouvintes. Optei pelo que talvez é o menos conhecido entre os de excelência, o do violoncelista neerlandês Pieter Wispelwey e do pianista croata Dejan Lazić. Li em algum lugar que Wispelwey é um dos precursores da geração de generalistas-especialistas, por estar à vontade tanto com as cordas de tripa e a música antiga quanto com aquelas de aço na música moderna. Aqui, com um violoncelo Guadagnini e cordas de aço, ele dialoga maravilhosamente com o ótimo Lazić, que não nos deixa esquecer o apreço com que Beethoven, então mais conhecido como pianista do que como compositor, escrevia para brilhar nas partes destinadas a ele mesmo. Mesmo para quem já as conhece bem, as sonatas soam como novidades excitantes e equilibradas – e as variações, que mesmo sob arcos e mãos ilustres tendem a aborrecer um tanto, cintilam à altura de quem as escreveu.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5
No. 1 em Fá maior
1 – Adagio sostenuto
2 – Allegro
3 – Rondo: Allegro vivace
Doze Variações em Fá maior sobre “Ein Mädchen oder Weibchen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, Op. 66
4 – Thema
5-16 – Variationen 1-12
Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5
No. 2 em Sol menor
17 – Adagio sostenuto ed espressivo
18 – Allegro molto più tosto presto
19 – Rondo: Allegro
Doze Variações em Sol maior sobre “See the conqu’ring hero comes”, do Oratório “Judas Maccabaeus” de Händel, para violoncelo e piano, WoO 45
20 – Thema
21-32 – Variationen 1-12
#BTHVN250, por René DenonUma ótima interpretação do Op. 5 com instrumentos antigos: a de Alberto Kanji e Liliane Kans, uma produção independente lançada pela Tratore. Para acessar links para a compra, clique na imagem
Diferentemente dos trios para piano e quartetos para cordas, aos quais Beethoven dedicou-se ao longo de toda a vida, e ao breve surto de produção de trios para cordas no início da carreira, o quinteto para cordas não despertou muito o interesse do mestre. De suas três composições no gênero, todas com duas violas, apenas aquela do Op. 29 foi originalmente composta para a formação. As outras duas, que hoje apresentamos, são versões de obras anteriores – muito embora o número de opus do quinteto em si bemol maior, op. 4, publicado em 1796, não nos faça imaginar que ele seja uma adaptação bastante retrabalhada do octeto na mesma tonalidade, op. 103, editado somente em 1834, sete anos após a morte do compositor. Apesar da atraente variedade tímbrica da obra póstuma, o Op. 4 é melhor acabado que o original, especialmente nas transições de temas dos movimentos inicial e final. Com o Op. 104, ocorre o contrário: trata-se de uma transcrição mormente literal de um dos trios com piano do Op. 1, que foi uma das primeiras obras publicadas pelo compositor, e com bastante êxito, depois de chegar a Viena, e justamente aquele que foi mais criticado por Haydn, então seu professor. No final da carreira, Beethoven recorreu frequentemente ao expediente de publicar arranjos de obras antigas, contando com a boa acolhida por conta de sua já estabelecida fama como maior compositor vivo, especialmente nas épocas de vacas magras e de tormentas pessoais: em 1819, ano em que publicou o Op. 104, estava envolvido com a interminável composição da Missa Solemnis e, muito dolorosamente, com a disputa pela custódia do sobrinho Karl com a odiada cunhada Johanna, aquela mesma que foi designada como a incógnita “Amada Imortal” do compositor na película homônima de 1994, uma conclusão tão bizarra que só poderia ser produto do tubo digestivo de alguém – no caso, de um atochador como Anton Schindler, o factotum de Beethoven que faz as vezes de investigador no filme.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Schindler, o atochador
Quinteto para dois violinos, duas violas e violoncelo em Mi bemol maior, Op. 4 (adaptação do octeto para sopros, Op. 103)
1 – Allegro con brio
2 – Andante
3 – Menuetto: Allegretto – Trio I & II
4 – Finale: Presto
Quinteto para dois violinos, duas violas e violoncelo em Dó menor, Op. 104 (adaptação do trio para piano, violino e violoncelo, Op. 1 no. 3)
5 – Allegro con brio
6 – Andante cantabile con Variazioni
7 – Minuetto. Quasi allegro
8 – Finale. Prestissimo
Zürcher Streichquintett (Quinteto de cordas de Zurique)
A reação de Haydn aos Trios Op. 1 certamente emputeceu e muito Ludwig – conhecido pelos colegas da corte de Bonn como “espanhol louco”, pela cor negra dos cabelos, pelo temperamento irascível e, plausivelmente, pelas reações sanguinolentas ao bullying inerente à posição de violista -, mas não o impediu de dedicar seu Op. 2 em italiano ao “signore Giuseppe Haydn”. Também, pudera: desentender-se com o maior compositor vivo, inda mais na cidade que era a um só tempo seu quartel-general, uma capital imperial e, ainda mais importante, a Meca da Música Ocidental, não era uma opção ao compositor aspirante que já adquirira alguma fama como virtuose ao piano. Não por acaso, compôs para seu instrumento favorito essas sonatas que, embora calcadas na forma e estrutura (quatro movimentos, um scherzo no terceiro) das sonatas de Mozart e Haydn, já extrapolam em alguns aspectos seus modelos, especialmente na segunda, cheia de ousadias, e na terceira, bastante virtuosística.
Para interpretá-las neste longo festival Beethoven, para o qual prometi gravações inéditas aqui no PQP Bach, preferi não me fiar a uma série integral das 32 sonatas, algumas das quais pretendo publicar por aqui. Isso, inevitavelmente, inda mais num antro de melômanos com vastas discotecas beethovenianas como é este blogue, levar-me-á a recorrer a alguns intérpretes que, embora muito queridos a mim, são malditos neste recinto (sim, Glenn e Vladimir: estou olhando para vocês). Por ora, relaxem, pois quem lhes trago é o maravilhoso Murray Perahia, que gravou o Op. 2 bem na época em que enfrentava um grave problema numa mão que quase lhe encerrou a carreira. Quem o ouve nessas gravações, as minhas preferidas para essas sonatas, nem imagina as dores por que ele passava, e só consegue desejar o melhor em saúde para o mestre do Bronx, a fim de que, quem sabe, algum dia ele nos legue uma integral das míticas trinta e duas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Sonatas para piano, Op. 2 Compostas entre 1793-1795 Publicadas em 1796 Dedicadas a Joseph Haydn
No. 1 em Fá menor
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Menuetto and Trio (Allegretto)
4 – Prestissimo
No. 2 em Lá maior
5 – Allegro vivace
6 – Largo appassionato
7 – Scherzo: Allegretto
8 – Rondo: Grazioso
No. 3 em Dó maior
9 – Allegro con brio
10 – Adagio
11 – Scherzo: Allegro
12 – Allegro assai
Como sempre acontece nesta época do ano (estamos nos tórridos dias de dezembro), volto os meus olhos para meus incontáveis CDs em suas prateleiras e trato de passá-los em revista. É quase um ritual, considero que vou me livrar da metade deles. É fácil, a cada dois, decida: este fica, este vai. Começo a construção de pilhas, este sim, este não, bom… talvez não, quem sabe?
Não tentem isto em casa sem os devidos equipamentos de segurança. As fotos são meramente ilustrativas…
Vocês já adivinharam, todos eles voltam para os seus lugares e eu deixo o grande projeto de reduzir todos os meus pertences a o que couber em um metro cúbico para o próximo ano.
No entanto, uma nova componente se meteu nesta arrumação de fim de ano: vaga ideia de postar sistematicamente meus discos ‘mais queridos’. Sei, vaga pois o critério é subjetivo e, desde que comecei fazer as postagens aqui no PQP Bach, tenho usado deste critério – os discos mais queridos.
É claro, os maledicentes de plantão vão dizer – desculpas esfarrapadas para ouvir novamente estes velhos amigos a contar mais uma vez as antigas e adoráveis histórias…
Não importa, o que detonou de vez esta iniciativa foram os primeiros acordes da Sonata para Piano em mi bemol maior, Op. 31, 3, do Ludovico, interpretada pelo (jovem) Stephen Kovacevich. Não a segunda gravação, para a EMI, que também é ótima, mas a primeira, para a Philips, feita em dezembro de 1971, no Town Hall, Wembley, Londres.
A Philips bobeou feio em não ter conseguido que ele gravasse todas as sonatas, mas não sou de ficar olhando para a metade vazia do copo.
Quem adivinhar o nome destas cinco pessoas ganha uma cocada…
Assim, aqui vai esta postagem de um dos meus discos mais queridos, o Volume 60 da série ‘Great Pianists of the 20th Cetntury’, featuring Stephen KOVACEVICH, tocando algumas sonatas para piano de Beethoven. Entre elas, amigos, as três (maravilhosas) últimas.
Provavelmente este álbum já foi postado por algum de meus ‘parças’ aqui do PQP Bach, pode estar enterrado em uma destas caixas com muitos discos, pois que o lançamento de caixas com ‘todas’ as gravações de ‘fulano’ pelo selo ‘beltrano’ tornou-se prática corrente com as modernas estratégias de marketing… Mas, alguma repetição pode até ser benéfica, especialmente quando a música é tão espetacular.
As sete sonatas do disco são bem representativas, tanto da arte de Beethoven quanto da arte do intérprete, o então jovem Stephen Kovacevich. No primeiro CD a ‘Pathétique’ com seu maravilhoso movimento lento ‘Adagio cantabile’ e seu último movimento virtuosístico. Duas sonatas das três que formam o opus 31, entre elas a ‘Tempest’, com seu perpetuum mobile no final. A já mencionada Sonata em lá maior, op. 101, que é uma prova dos poderes mágicos que o Ludovico tinha de criar uma obra prima assim que vontade surgisse. Como se não bastasse tudo isto, as três últimas sonatas, reinvenção de tudo, a forma sonata levada ao limite.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
CD1
Sonata para piano No. 8 em dó menor, Op. 13 – ‘Pathétique’
Grave – Allegro di molto e com brio
Adagio cantábile
Allegro
Sonata para piano No. 17 em ré menor, Op. 31, 2 – ‘Tempest’
Largo – Allegro
Adagio
Allegretto
Sonata para piano No. 18 em mi bemol maior, Op. 31, 3 – ‘Hunt’
Allegro
Allegretto vivace
Moderato e grazioso
Presto con fuoco
Sonata para piano No. 28 em lá maior, Op. 101
Etwas lebhaft und mit der innigsten Empfindung. Allegretto ma non troppo
Lebhaft, marschmässig. Vivace alla marcia
Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio ma non troppo, com affetto
Geschwind, doch nicht zu sehr und mit Entschlossenheit. Allegro
CD2
Sonata para piano No. 30 em mi maior, Op. 109
Vivace ma non troppo – Adagio expressivo – Tempo I
Prestissimo
Gesangvoll, mit innigster Empfindung. Andante cantabile ed expressivo
Sonata para piano No. 31 em lá bemol maior, Op. 110
Moderato cantabile molto expressivo
Allegro molto
Adagio ma non troppo – Fuga. Allegro ma non troppo
Uma palavra sobre os arquivos. No álbum original, com dois CDs, uma das sonatas com quatro movimentos ficou dividida, dois movimentos no primeiro, os outros dois no segundo CD. Aproveitei o espaço de CD virtual dos arquivos para colocar esta sonata completa no primeiro CD-arquivo, evitando assim a sua divisão. Além disso, os dois últimos movimentos foram ‘unidos’ em uma única faixa, para evitar a desagradável interrupção, uma vez que eles são tocados em seguida, quando ouvimos os CDs diretamente do CD player. Ao fazer isto, renomeei a faixa, mas subtrai as indicações em alemão (que podem ser lidas aqui, no texto). Desculpe-me, Ludovico, por esta ousadia, mas se o nome do arquivo ficar muito longo, certos leitores de arquivos flac ou mp3 ficam confusos e não conseguem decidir qual é o formato.
Então, quem já tem, aproveite para ouvir de novo, e quem ainda não tem, não perca tempo, aproveite, pois é difícil ficar melhor do que isto.
Quando da publicação destes trios para piano, violino e violoncelo, em 1795, o jovem Beethoven, que deixáramos na publicação anterior de malas prontas para sair de sua Bonn natal e não mais voltar, já se encontra estabelecido em Viena e confiante o bastante para, mesmo tendo outrora publicado obras diversas, atribuir à trinca de trios o título de primeira obra – seu Opus 1. A estreia aconteceria na casa do dedicatário, o príncipe Lichnowsky, e na presença de Haydn, que voltara à cidade após sua temporada com os Esterházy e suas bem-sucedidas viagens a Londres e gozava da reputação inconteste de maior compositor vivo. Beethoven, que estudara brevemente com ele ao chegar de Bonn, ficara decepcionado com o pouco interesse que percebia em seu professor, muito ocupado com seus projetos londrinos. Não obstante, aguardava com muita expectativa sua impressão acerca dos trios. Haydn, que chegaria havia pouco de viagem, estava exausto e, aparentemente, não teve muita paciência para com as obras. Criticou-as muito, principalmente a terceira – justamente o preferido de Beethoven, a que melhor repercutiria e aquela na tonalidade que lhe seria tão típica em Dó menor -, e recomendou que Beethoven não a publicasse. O jovem renano, no que lhe era bem típico, deu de ombros e, talvez mordido pela crítica, insistiu na publicação, que foi um sucesso.
Na interpretação que lhes alcanço, do excelente Castle Trio, foram utilizados instrumentos originais do acervo do Smithsoniam Museum. Mesmo aqueles que entre vós outros torçam o nariz para o uso de instrumentos de época provavelmente apreciarão o trabalho do trio, que inclui o pianista Lambert Orkis, conhecido por sua longa parceria com a divíssima violinista Anne-Sophie Mutter, que não o troca por ninguém mais. Completando a gravação, estão a versão com violino do trio op. 11, alcunhado “Gassenhauer”, que é mais conhecido em sua roupagem com clarinete, que também postaremos em breve; o trio WoO 38, publicado postumamente e escrito provavelmente nos últimos meses em Bonn, e o Allegretto WoO 39, composto em 1812 e dedicado como presente a Maximiliane Brentano, filha de sua grande amiga Antonie.
A foto ruim, trio ótimo
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
CD 1 Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1 Publicados e estreados em 1795 Dedicados ao príncipe Karl von Lichnowsky
No. 1 em Mi bemol maior
1 – Allegro
2 – Adagio cantabile
3 – Scherzo. Allegro assai
4 – Finale. Presto
No. 2 em Sol maior
5 – Adagio – Allegro vivace
6 – Largo con espressione
7 – Scherzo. Allegro
8 – Finale. Presto
Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1
No. 3 em Dó menor
1 – Allegro con brio
2 – Andante cantabile con variazioni
3 – Minuetto. Quasi allegro
4 – Finale. Prestissimo
Trio em Si bemol maior para clarinete, piano e violoncelo, Op. 11, “Gassenhauer” Composto em 1797 Publicado em 1798
Dedicado a Maria Wilhelmine von Thun
5 – Allegro con brio
6 – Adagio
7 – Tema con variazioni (“Pria ch’io l’impegno”: Allegretto)
Trio para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, WoO 38 (?1791) 8 – Allegro moderato
9 – Scherzo: Allegro ma non troppo
10 – Rondo: Allegretto
Allegretto para piano, violino e violoncelo em Si bemol maior, WoO 39 (1812) 11 – Allegretto
Inauguramos, com esta postagem, uma série que ocupará quase todo este ano da graça do ducentésimo quinquagésimo aniversário do nascimento de Ludwig van Beethoven. Se o colapso não bater antes à minha porta, ou se a marota artéria cerebral obliterada que me levou a esta proposta não desentupir em desespero, deverei alcançar-lhes toda a obra conhecida e publicada do genial renano já posta em disco, em gravações inéditas aqui no PQP Bach, até a data magna dos ludwigomaníacos, em dezembro.
Será, claro, um trabalho mastodôntico e doidivano, mas nenhum sofrimento para mim, ludwigomaníaco desde moleque. Não exagero: meu primeiro contato com Beethoven (descontando a musiquinha de espera do telefone lá de casa, que era “Pour Elise”) foi aos seis para sete anos, quando me chegou às mãos uma revista da Disney sobre, bem, Beethoven.
Sim, não lhes minto
Naturalmente, pouco se poderia esperar de beethoveniano de um cachorro antropomórfico esmerilhando, de pernas cruzadas, um piano. Lembro-me, no entanto, de não ter compreendido como um músico podia ser surdo. Tampei minhas pequenas orelhas e tentei me imaginar ouvindo e fazendo música daquele jeito, e não consegui. Acudi-me com meu pai:
– Pai, Beethoven é surdo?
– Sim, ele era surdo.
– Era?
– Sim, ele já morreu há muito tempo.
– Mas como é que ele era músico se ele era surdo?
– Ele imaginava a música e colocava no papel, filho.
– Ele não ouvia música?
– Não, a música estava na cabeça dele.
– Mas como ele não escuta se ele tem as orelhas do Pateta?
– Isso é só uma historinha. Ele era uma pessoa como a gente. Vem cá que vou te mostrar o Beethoven.
E aí abriu um espesso volume da enciclopédia para apontar-me uma gravura de um tio sério e descabelado. Meu diagnóstico sumário:
– Ele deve estar bem brabo por ser surdo, né?
ooOoo
Pano rápido. Passam-se cinco anos e o velho piano de minha avó, desamparado desde a venda e demolição da abandonada casa no interior, chega até a minha. Sobre o tampo empoeirado, e sem muita cerimônia, o rapaz do caminhão de mudanças coloca um busto.
– Quem é, Pai?
– É Beethoven, filho.
Claro que era Beethoven! Um pouco mais de ordem nos cabelos, sim, mas a mesma seriedade no semblante, por demais apropriado ao longo dos muitos anos em que eu maltrataria o pobre teclado subjacente tentando tocar alguma coisa. Sempre que errava (o que era, bem, quase sempre), pedia desculpas ao sisudo busto branco, enquanto quase comemorava o fato dele, por ser uma escultura – inda mais de Beethoven -, nada poder ouvir.
Junto com o piano, muita poeira e artrópodes sortidos, veio um punhado de discos bem prejudicadinhos. Um deles, imediatamente, chamou-me a atenção, por estampar na capa exatamente o retrato descabelado e seriíssimo que meu pai me mostrara anos antes: Beethoven, sempre ele.
Soprando para longe uns bons nacos de poeira, coloquei o disco na vitrola e o que ouvi, e que me marcou a ferro pelo resto da vida, foi isso:
Escutei, extático, os dois lados do compacto, enquanto a janta esfriava. Lembro de minha mãe chamando-me, furibunda. Veio à sala e, ao me ver daquela maneira, tão absorto, deixou-me lá. Eu, o mesmerizado garoto que perderia o sorteio do bife, só tinha sentidos para aquela música. Então era isso que ele ele tinha na cabeça! Afinal, fora isso que ele colocara sobre o papel! E foi assim, na miudeza de meus onze anos, que Ludwig van Beethoven estreou na minha vida para nunca mais deixá-la.
ooOoo
Frontispício da primeira edição das Variações sobre uma Marcha de Dressler, publicada em Mannheim em 1782. Notem tanto a grafia errada do sobrenome do jovem “Louis van Betthoven” quanto a idade inexata do “jovem amador de dez anos”. Johann van Beethoven, desde cedo determinado a explorar o filho como criança-prodígio, sonegava-lhe um ano de idade desde seu primeiro concerto público, aos sete anos, para que pensassem que fosse ainda mais jovem. Ludwig, então com onze anos, completaria doze em dezembro.
Nem sequer suspeitaria que, duzentos e três anos antes, um outro menino de onze anos, na distante Bonn, capital do Eleitorado de Colônia – curiosamente muito próxima da cidade de meu avô, o proprietário daquele soturno busto de Beethoven que tanto sofreu com minha precária desenvoltura ao piano -, tinha sua primeira obra publicada em Mannheim. Filho de uma família de músicos com raízes flamengas pela parte do pai, e de cozinheiros do lado da mãe, Ludwig tinha dois irmãos mais jovens e já perdera outros tantos em tenra idade. Seu talento musical era tão evidente que, versado já em piano, viola e violino, fizera seu primeiro concerto público aos sete anos. Seu pai, um tenor na corte do arcebispo de Colônia, via no filho mais velho um potencial filão de fortuna, se ele viesse a ser um novo Mozart e, ele próprio, seu Leopold. Johann, no entanto, era um alcoolista violento que espancava Ludwig com frequência e o deixou sob a tutela de professores abusivos, incluindo um que, insone, arrastava o menino para fora da cama a fim de lhe ensinar de madrugada. As coisas melhorariam um pouco quando, aos nove anos, iniciou seus estudos de piano e composição com Christian Neefe, o organista da corte de Bonn, que providenciou a publicação das Nove Variações sobre uma Marcha de Dressler, que vocês ouvirão a seguir.
Ludwig aos treze anos, já com os malares vermelhos que o acompanhariam por toda vida.
A obra, que provavelmente teve colaboração de Neefe, segue as convenções das variações figurativas da época e não deixa de impressionar, fruto que foi da pena de um menino de onze anos. Embora nada que se ouça nelas dê pistas de um criador genial, é curioso notar que nessa diminuta peça já estão presentes três elementos cruciais na futura obra de Beethoven: a tonalidade de Dó menor, a forma da variação e o ritmo de marcha. Outras séries de variações, também inclusas nesta gravação, surgiriam ainda nos anos de Bonn – e é notável a evolução do jovem compositor quando comparamos as Variações Dressler com, por exemplo, aquelas sobre uma ária de Righini, compostas alguns anos depois. Ludwig, então, já tinha feito sua primeira viagem a Viena para tentar estudar com Mozart, mas teve que voltar a Bonn por conta da doença que mataria a mãe e o levaria a assumir a tutela dos irmãos mais novos, posto que o pai se afundava cada vez mais em seus charcos de etanol. A despeito de algumas anedotas, não se sabe ao certo se chegou a se encontrar com o célebre colega – e Mozart, já doente e endividado, provavelmente não tinha tempo nem recursos de assumi-lo como pupilo. De qualquer maneira, enquanto tocava viola na corte do Eleitor e cuidava dos irmãos, o rapazote já sabia que seu norte era Viena (a sudeste). Aos vinte e dois anos, deixaria a provinciana Bonn para estudar com Haydn na capital austríaca. Entre as recomendações, estava uma nota de seu patrono, o conde Waldstein, que escrevera:
Durch ununterbrochenenFleiß erhalten Sie: Mozarts Geist aus Haydns Händen” (“Através da diligência ininterrupta, obterá o espírito de Mozart pelas mãos de Haydn”)
Mozart morrera, e Haydn mostrar-se-ia um professor pouco dedicado. Não faltaria a Ludwig, no entanto, a diligência ininterrupta, nem a implacável autocrítica que o levariam, através de enormes dificuldades, à mais impressionante e bem documentada evolução artística entre os grandes compositores. E será esta trajetória magnífica – das Variações Dressler até os últimos retoques nos derradeiros, visionários quartetos de cordas do final de sua vida – que reconstruiremos ao longo do ano do jubileu dum dos mais geniais filhos da Humanidade.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1882)
1 – Nove Variações sobre uma Marcha de Dressler, WoO 63
2 – Seis Variações sobre uma Canção Suíça, WoO 64
3 – Vinte e quatro Variações sobre “Venni Amore” de Righini, WoO 65
4 – Treze Variações sobre “Es war einmal ein alter Mann” de “Das rote Käppchen” de Dittersdorf, WoO 66
5 – Doze Variações sobre “Menuett à la Viganò” de Haibel, WoO 68
A primeira vez que ouvi falar da pianista chinesa Zhu Xiao-Mei (Zhu é o nome de família e Xiao-Mei é seu nome) foi ao assistir um documentário sobre a vida dela, seu retorno para uma turnê na China após uma ausência de trinta anos e sua relação com a peça musical que tornou-se sua pièce de résistence – as Variações Goldberg, de Bach.
Há também um livro autobiográfico – O Rio e Seu Segredo (La rivière et son secret) que pretendo ler em breve.
Fiquei muito impressionado com essa artista, mesmo sem nunca haver ouvido um de seus álbuns. Ela teve que enfrentar tantas dificuldades e apesar disto (e talvez por isto) alcançou um nível de profundidade artística que transcende a música, a arte, e transborda em direção ao que, na falta de palavras mais adequadas (ao aqui tosco redator) chamo de filosofia e espiritualidade.
Mas o disco desta postagem não trata das Variações Goldberg ou mesmo outra música de Bach, e sim das duas últimas sonatas para piano de dois geniais compositores que viveram em Viena, sob condições muito diferentes, um deles morrendo perto de um ano depois do outro.
O que faz uma pianista reunir em um disco as sonatas destes dois compositores tão próximos mas tão distintos em um só álbum? Ela escolheu de cada um deles a última sonata: de Beethoven a Sonata No. 32 em dó maior, Op. 111 e de Schubert, a Sonata em si bemol maior, D. 960. Ela explica isto no livreto que acompanha os arquivos de música, pois em ambas as sonatas os compositores abordam o tema de completar, terminar os ciclos. Pois é, uso de rodeios mas é dela mesmo que estamos falando, a indesejada das gentes. Inevitabilidade é a palavra. A inevitabilidade vem com um consolo, que é a ausência de seu conhecimento, digamos assim, pleno. Ah, sábio e bondoso é o Senhor. Mas há momentos, se você ainda não os experimentou é por que é jovem ou sortudo, nos quais mergulhamos mais na consciência desta inevitabilidade. Leiam o livreto, a Xiao-Mei (ouso chama-la pelo primeiro nome) explica de maneira mais simples e direta do que eu.
A ideia é que estes compositores, ao trabalharem nestas obras já estavam neste estágio avançado de sabedoria. É verdade, Beethoven compôs a sonata em 1822 e ainda viveria um bom tempo, enquanto Schubert tinha apenas dois meses ainda de vida. De qualquer forma, essas condições certamente tornaram o momento criativo de cada um deles muito especial.
A sonata de Beethoven com apenas dois movimentos, inicia com um movimento que, segundo Xiao-Mei, simboliza luta, combate. ‘É a mensagem de Beethoven – você deve lutar pela vida’. Enquanto o primeiro movimento trata de gerar constantemente tensão, o segundo movimento se resolve em um ciclo de variações, que como as Goldberg, termina voltando a apresentar o tema inicial, fechando o ciclo, e depois dissolvendo-se, com uma nota de aceitação, de entrega. Xiao-Mei usa a palavra délivrance, na entrevista em francês.
A Sonata de Schubert apresenta outra abordagem do tema. Enquanto Beethoven resolve sua sonata e a termina com uma certa aceitação, Schubert é bem mais relutante. Isto fica aparente nos dois dolorosos e hesitantes primeiros movimentos da sua sonata. A morte deve ser bem mais assustadora para alguém de 32 anos, mesmo que seja alguém com tantos problemas quantos os que Schubert enfrentava.
No entanto, os dois últimos movimentos trazem mais luminosidade e uma certa leveza, mesmo que ainda haja momentos de silêncio e hesitação.
A entrevista que você poderá ler no livreto do disco foi feita por Michel Mollard, o produtor do documentário que mencionei no início e que também aparece neste vídeo, ao lado de Zhu Xiao-Mei.
Mesmo que você não se impressione tanto com este papo, baixe os arquivos e ouça a música. São duas obras primas interpretadas por uma artista que fica longe da superficialidade e do brilho fácil. Alguém que realmente conviveu longos períodos com as peças e as reverencia de maneira profunda.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Sonata para piano No. 32 em dó maior, Op. 111
Maestoso – Allegro con brio e appassionato
Arietta – Adagio molto, semplicie e cantábile
Franz Schubert (1797 – 1828)
Sonata para piano No. 23 em si bemol maior, D. 960
Molto moderato
Andante sostenuto
Scherzo – Allegro vivace com delicateza
Allegro, ma non troppo
Zhu Xiao-Mei, piano
Gravação realizada na Igreja Saint Pierre, Paris, em 2004
O último dia 5 teria sido o centésimo aniversário daquele gélido e sensacional colosso do piano que atendia pelo nome lapidar de Arturo Benedetti Michelangeli. Notoriamente recluso e pouco afeito a manifestar-se de maneiras diferentes de música (e olhe lá!), ele provavelmente não estaria nem aí para seu centenário, e sequer nos abriria a porta de sua amada propriedade às margens do lago de Lugano para lhe alcançarmos os parabéns, de modo que sobraria para algum de nós outros celebrar a data. É isso o que fazemos, trazendo-lhes um LP em que o Concerto no. 5 de Beethoven soa nobre, mas sem pompa imperial, dentro daquela precisão elegante e sem arroubos responsável por boa parte do mito de ABM, muitas vezes criticado pela estreiteza do diminuto repertório, que burilava à perfeição. No pódio, o também mítico Sergiu Celibidache rege a orquestra do ORTF num acompanhamento impecavelmente talhado ao feitio do solista. O extraordinário regente romeno, notório pela abordagem sui generis da interpretação musical, avesso a gravações e um dos últimos condutores que eu imaginaria lidando com um virtuoso, tinha Michelangeli, com quem colaborava frequentemente, na mais alta consideração. Espero que a qualidade do som, infelizmente bastante abaixo do ideal, não os afaste da oportunidade de apreciar essa peso-pesadíssima parceria.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto no. 5 para piano e orquestra em Mi bemol maior, Op. 73, “Imperador”
1 – Allegro
2 – Adagio un poco mosso
3 – Rondo: Allegro
Arturo Benedetti Michelangeli, piano Orchestre national de l’Office de Radiodiffusion-Télévision Française (ORTF) Sergiu Celibidache, regente
Gulda arremata a integral das sonatas para piano de Beethoven com excelentes interpretações para as três derradeiras. Gosto especialmente da Op. 110, e admiradores de sua versão antológica para o “Cravo bem Temperado” ouvirão seus ecos na incrível fuga final. Já quem esperava que o também jazzista Fritschi fosse botar as manguinhas de fora nos trechos do assim chamado “proto-jazz” nas sublimes variações que concluem a Op. 111 vai se surpreender com o pulso que ele mantém ao longo de todo movimento, coroando sem arrebatamentos a série que é um dos pináculos da literatura pianística. E espero que quem conhece Gulda somente como o tiozão excêntrico de barrete na cabeça, imagem que ele consolidou na maturidade e velhice, possa admirar o consumado mestre que ele era e, em que pese a má qualidade de som de suas gravações de juventude (pois Gulda é, disparadamente, o mais mal gravado dos grandes pianistas), explorar um pouco mais sua vasta e muito variada discografia.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
1 – Sonata para piano no. 30 em Mi maior, Op. 109 (1820)
– Vivace ma non troppo – Adagio espressivo – Prestissimo
– Andante – molto cantabile ed espressivo
– Moderato cantabile – Molto espressivo
2 – Sonata para piano no. 31 em Lá bemol maior, Op. 110 (1821)
– Allegro molto
– Adagio ma non tropo – Fuga – Allegro ma non troppo
3 – Sonata para piano no. 32 em Dó menor, Op. 111 (1821-2)
– Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
– Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
Cada vez que, numa integral das sonatas para piano de Beethoven, se chega à tiranossáurica “Hammerklavier”, eu falto com educação para com as pobres sonatas que dividem o disco com a avantajada Op. 106. Não será o caso nesta série de Gulda, pois a peça que abre o CD é uma obra-prima consumada, a Op. 101, normalmente considerada a primeira obra do visionário período final da produção do compositor, e que termina, assim como sua vizinha de disco, com um magistral movimento contrapontístico.
Falando em contraponto… Bem, eu lhes falei que me é muito difícil não falar da Op. 106 – e talvez melhor seja chamá-la assim, pois a denominação “Hammerklavier” que a consagrou também foi aplicada por Beethoven à Op. 101. O que mais me intriga nela nada tem a ver com o movimento de abertura, que chega-chegando, mostrando que o que vem em seguida é algo sem precedentes na história da música, nem com o lilliputiano Scherzo que antede do transcendental Adagio, o mais longo e sentido movimento de uma sonata para piano até então. O que me faz sempre voltar a ela é o complicadíssimo finale, uma fuga colossal que abre com longuíssimo e bizarro tema, toma várias liberdades em relação às regras canônicas, e que impõe dificuldades nababescas ao executante, e de tal maneira que mesmo grandes pianistas deixam nele transparecer suas humanas limitações e, não raro, seu alívio ao martelar aquele acorde de Si bemol final (aos que duvidam de mim, sugiro procurarem o vídeo de Brendel tocando esse acorde para verem que não exagero). Talvez não exista uma interpretação totalmente satisfatória deste Leviatã, mas o fato é que Gulda é dos poucos que conheço que conclui a travessia sem aparentar dificuldades técnicas, e despacha os compassos finais com uma secura de quem, sem se impressionar com tantos trinados e semicolcheias, parece já estar pensando na Op. 110.
FRIEDRICH GULDA SPIELT BEETHOVEN – SÄMTILCHE KLAVIERSONATEN (8/9)
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
1 – Sonata para piano no. 28 em Lá maior, Op. 101 (1816)
– Allegretto ma non troppo
– Vivace alla Marcia
– Adagio ma non troppo – Con affetto – Presto – Allegro
2 – Sonata para piano no. 29 em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” (1817-8)
– Allegro
– Scherzo – Assai vivace – Presto
– Adagio sostenuto
– Largo – Allegro risoluto – Fuga a tre voci con alcune licenze
PUBLICADO POR FDP BACH EM 21/7/2013, RESTAURADO POR VASSILY EM 22/1/2020, DENTRO DAS CELEBRAÇÕES DOS 250 ANOS DE LUDWIG VAN BEETHOVEN – o #BTHVN250
NOTA DE VASSILY: o colega FDP Bach publicou os três últimos discos da integral das sonatas para piano de Beethoven com Gulda numa só postagem. Tomei a liberdade de dividi-la em três partes, uma para cada disco – e, quando vocês ouvirem a “Appassionata” de Gulda, talvez me deem razão, querendo algum sossego para os ouvidos inquietos. Ainda assim, guardem um pouquinho de tímpanos para a Op. 78 – uma das melhores de toda a série, e das preferidas do próprio Beethoven – e para uma Op. 81a com uma constrição e expressividade que refutam alguns dos estereótipos que atribuíam à consumada arte do doidão vienense.
POSTAGEM ORIGINAL DE FDP BACH ACERCA DOS TRÊS ÚLTIMOS DISCOS:
Muito bem, vamos acabar com esta coleção. Nem preciso dizer que são imperdíveis, e Gulda se consolida definitivamente como um grande intérprete de Beethoven.
O sétimo cd começa apenas com a “Apassionata“, um marco da linguagem pianística, e também uma prova de fogo para qualquer pianista. Começa a 150 km/h e termina a 300 km/h, com uma das mais sensacionais páginas do piano. Simplesmente fantástico o que Ludwig conseguiu fazer aqui. Eis o que meu biógrafo favorito de Beethoven, Maynard Solomon, escreveu esta sonata e sobre a Waldstein:
“Com as Sonatas Waldstein e Appassionata op. 53 e 57, compostas principalmente em 1804-1805, Beethoven transpôs irrevogavelmente as fronteiras do estilo pianístico clássico, criando sonoridades e tessituras que nunca haviam sido antes obtidas. Ele deixou de limitar as dificuldades técnicas de suas sonatas para permitir a execução por amadores competentes mas, pelo contrário, dilatou as potencialidades do instrumento e da técnica até os seus limites exteriores. As dinâmicas foram grandemente ampliadas; as cores são fantásticas e luxuriantes, aproximando-se de sonoridades quase orquestrais. Por esta razão, Lens chamou Waldstein “uma sinfonia heróica para piano“. A Apassionata – a qual a par de op. 78 foi a sonata favorita de Beethoven até o seu op. 106 – suscitou comparações com o Inferno de Dante, com o Rei Lear e Macbeth, e com as tragédias de Corneille, Cada uma das sonatas é em três movimentos, mas em ambos os casos _especialmente no op. 53 – os movimentos lentos estão organicamente ligados aos finales, de modo a dar a impressão de obras em dois movimentos ampliados. Enquanto a Waldstein fecha sobre a típica nota beethoveniana de jubilosa transcendência, a Apassionata mantém do começo ao fim uma incomum atmosfera trágica. (…)” Este mesmo sétimo cd ainda traz outra pintura, a Sonata Les Adieux .
Alguém talvez possa estranhar a leitura de Gulda, que explora outras possibilidades em sua interpretação, principalmente aqueles que, como eu, são absolutamente viciados na Apassionata e que conhecem diversas outras versões, como os clássicos Kempff, Brendel e Gilels, falando dos antigos, ou mais recentemente, Paul Lewis. Mas basta prestarem atenção que os senhores entenderão a proposta deste grande pianista, Friedrich Gulda.
A partir do oitavo cd o bicho pega, e aí definitivamente é coisa de gente grande. Hammerklavier”, op. 106, nas palavras de Solomon citadas acima a favorita do próprio Beethoven, e as últimas três, de op. 109, op. 110 e op. 111.
Sem temer ser redundante, tratam-se de três cds absolutamente “IM-PER-DÍ-VEIS” !!!
CD 7
1 Sonata No.23 in F minor Op.57 ”Appassionata” (1804-05) – 1. Allegro assai
2 Sonata No.23 in F minor Op.57 ”Appassionata” (1804-05) – 2. Andante con moto
3 Sonata No.23 in F minor Op.57 ”Appassionata” (1804-05) – 3. Allegro ma non troppo – Presto
4 Sonata No.24 in F-sharp major Op.78 ”A Thérèse” (1809) – 1. Adagio cantabile – Allegro ma non troppo
5 Sonata No.24 in F-sharp major Op.78 ”A Thérèse” (1809) – 2. Allegro vivace
6 Sonata No.25 in G major Op.79 (1809) – 1. Presto alla tedesca
7 Sonata No.25 in G major Op.79 (1809) – 2. Andante
8 Sonata No.25 in G major Op.79 (1809) – 3. Vivace
9 Sonata No.26 in E-flat major Op.81a ”Les Adieux” (1809-10) – 1. Adagio – Allegro
10 Sonata No.26 in E-flat major Op.81a ”Les Adieux” (1809-10) – 2. Andante Espressivo
11 Sonata No.26 in E-flat major Op.81a ”Les Adieux” (1809-10) – 3. Vivacissimamente – Poco andante
12 Sonata No.27 in E minor Op.90 (1814) – 1. ”mit Lebhaftigkeit und majorchaus mit Empfindung und Ausdruck”
13 Sonata No.27 in E minor Op.90 (1814) – 2. ”nicht zu geschwind und sehr singbar vorzutragen”