Um sanduíche de sonatas parrudas com recheio leve: as sonatinas Op. 49, que mal conseguem dar o ar de sua muita graça após o portento da “Waldstein”, e a pobre Op. 54, que já nasceu eclipsada pelas gigantes que aqui também a antecedem e a sucedem, embora seja uma ótima e primorosamente concisa composição. Dou-me conta de que faltou eu lhes sugerir aquilo que o patrão PQP sempre faz, que é começar a audição de uma série de sonatas justamente pela “Waldstein”, para saber se o resto vale a pena. Eu acho que PBS se sai muito bem, assim como o piano Broadwood de 1815 – que, se comparado ao instrumento de 1796 do mesmo fabricante que quase rompeu as costuras com a Sonata Op. 7, atesta a notável evolução que houve nos recursos do pianoforte concomitantemente à carreira de Beethoven.
Ludwig van Beethoven (1770-1827)
Sonata para piano em Dó maior, Op. 53, “Waldstein”
1 – Allegro con brio
2 – Introduzione. Adagio molto
3 – Rondo. Allegretto moderato. Prestissimo.
Duas sonatas para piano, Op. 49
No. 1 em Sol menor
4 – Andante
5 – Rondo. Allegro
No. 2 em Sol maior
6 – Allegro ma non troppo
7 – Tempo di menuetto
Sonata para piano em Fá maior, Op. 54
8 – In tempo d’un menuetto
9 – Allegretto. Più allegro
Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata”
10 – Allegro assai
11 – Andante con moto
12 – Allegro ma non troppo – Presto
Paul Badura-Skoda, piano (John Broadwood, Londres, ca. 1815)
Ontem, um piano boêmio. Hoje, o piano do morávio Georg Hasska. Tem cinco oitavas e meia, em vez das meras cinco a que Beethoven se acostumara desde que foi apresentado a um pianoforte, e nelas Ludwig se esbalda em algumas de suas obras mais originais. Embora haja no disco sonatas mais votadas – como aquelas alcunhadas “A Caça” e “Les Adieux” -, meu xodó será sempre a Op. 78, aquela de menos votada alcunha, “À Thérèse”, um primor de concisão e criatividade suprassumamente beethovenianas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três sonatas para piano, Op. 31
No. 3 em Mi bemol maior
1 – Allegro
2 – Scherzo. Allegretto vivace
3 – Menuetto. Moderato e grazioso
4 – Presto con fuoco
Sonata para piano em Fá sustenido maior, Op. 78, “À Thérèse”
5 – Adagio cantabile — Allegro ma non troppo
6 – Allegro vivace
Sonata para piano em Sol maior, Op. 79
7 – Presto alla tedesca
8 – Andante
9 – Vivace
Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 81a (“Lebewohl”/”Les adieux”
10 – Das Lebewohl: Adagio – Allegro
11 – Abwesenheit: Andante espressivo (In gehender Bewegung, doch mit viel Ausdruck)
12 – Das Wiedersehen: Vivacissimamente (Im lebhaftesten Zeitmaße)
Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
13 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
14 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
Paul Badura-Skoda, piano (Georg Hasska, Viena, ca. 1815)
Nem bem falamos ontem da parruda sequência de sonatas Opp. 26-28, e eis que “Pastoral” nos aparece para fechá-la. Este piano boêmio (porque de Praga, capital da Boêmia, e não porque da boemia), feito no ateliê de Caspar Schmidt, era muito popular pela riqueza de timbres e por algumas armas secretas, como os “efeitos turcos” – entre os quais chocalhos, pratos e tambores – acionados por um de seus seis pedais. Este espécime que ouviremos, que também pertencia a PBS, soluça em alguns registros, mas nada que não tire o deleite de ouvir a beleza da “Pastoral” e das duas primeiras sonatas do Op. 31 por seus martelinhos – seus efeitos de pedal, em especial o “una corda”, que nos podem soar de antemão estranhos, acabam por ser fascinantes, especialmente no movimento lento da Op. 31 no. 1 e na “Tempestade”.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Ré maior, Op. 28, “Pastoral”
01 – Allegro
02 – Andante
03 – Scherzo: Allegro vivace
04 – Rondo: Allegro ma non troppo
Para o quarto volume de sua beethoveniana em instrumentos antigos, PBS empresta de sua própria coleção um poderoso piano Walter, o preferido de Mozart, que se presta muito bem aos contrastes dinâmicos e ao cantabile da sonata “Patética”, bem como à miríade de necessidades das três sonatas que completam a gravação, frutos – juntamente com a Op. 28, “Pastoral” – daquele impressionante 1801 em que o procrastinador compulsivo da Renânia, e já locatário do apartamento mais caótico de Viena, completou e publicou quatro importantes sonatas para piano em sucessão, feito que jamais repetiria.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Dó menor, Op. 13, “Patética”
1 – Grave – Allegro di molto e con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Rondo: Allegro
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha Fúnebre” 4 – Andante con variazioni
5 – Scherzo. Molto allegro
6 – Marcia funebre sulla morte d’un eroe
7 – Allegro
Duas sonatas para piano, Op. 27
No. 1 em em Mi bemol maior, “Quasi una Fantasia” 8 – Andante
9 – Allegro molto e vivace
10 – Adagio con espressione
11 – Allegro vivace
No. 2 em Dó sustenido menor, “Quasi una Fantasia”, “Luar” 12 – Adagio sostenuto
13 – Allegretto
14 – Presto
Paul Badura-Skoda, hammerflügel (Anton Walter, Viena, ca. 1790)
Para nossa alegria, e possivelmente também a de PBS, o pianoforte Schantz em que tocou as sonatas Op. 2 volta para este terceiro volume, que inclui a primeira obra-prima de Beethoven no gênero, a magistral terceira sonata do Op. 10, com seu movimento lento belamente realizado no fortepiano que, pelo que consta no livreto, pertencia ao próprio PBS. Encerrando o volume, um tanto quanto anticlimaticamente, está a sonata remanescente do Op. 14, que raramente ouvimos apartada de seu singelo par.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Sonatas para piano, Op. 10
No. 1 em Dó menor
1 – Allegro molto e con brio
2 – Adagio molto
3 – Finale. Prestissimo
No. 2 em Fá maior
4 – Allegro
5 – Allegretto
6 – Presto
No. 3 em Ré maior
7 – Presto
8 – Largo e mesto
9 – Menuetto. Allegro
10 – Rondo. Allegro
Duas sonatas para piano, Op. 14 No. 2 em Sol maior
11 – Allegro
12 – Andante
13 – Scherzo. Allegro assai
Paul Badura-Skoda, fortepiano (Johann Schantz, Viena, ca. 1790)
O segundo volume da aventura fortepianística beethoveniana de Paul Badura-Skoda (que, prometêramos, seria doravante mencionado como PBS) traz algumas obras menos votadas do famoso rol das trinta-e-duas. O som deste piano Broadwood de 1796, mesmo fabricante que décadas depois presentearia Beethoven com o, bem, “piano de Beethoven” que já foi tantas vezes ouvido em gravações, não é tão fácil de escutar quanto o do volume passado. Ele quase estoura na “Grande Sonata”, op. 7, o que nos faz imaginar o que não seria de seus pobres martelinhos se PBS atacasse a brutal “Hammerklavier” com ele. O Broadwood tem melhor sorte com a relativamente pouco ouvida sonata Op. 22, uma das preferidas do compositor, e com a levinha Op. 14 no. 1, que ele próprio transcreveu para quarteto de cordas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Grande Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 7
1 – Allegro molto e con brio
2 – Largo, con gran espressione
3 – Allegro
4 – Rondo: Poco allegretto e grazioso
Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 22
5 – Allegro con brio
6 – Adagio con molta espressione
7 – Menuetto
8 – Rondo: Allegretto
Duas sonatas para piano, Op. 14 No. 1 em Mi maior
9 – Allegro
10 – Allegretto – Trio
11 – Rondo. Allegro comodo
Paul Badura-Skoda, fortepiano (John Broadwood, Londres, ca. 1796)
Daremos um tempo na nossa integral de Lud Van para postarmos… bem, uma integral de Lud Van.
Nem chegamos, enfim, aos idos de março, e não desejamos que nossa tarefa de postar a obra completa do rabugento renano se conclua muito antes da data máxima dos beethovenitas, em dezembro. Ainda que sua obra seja consideravelmente extensa, Beethoven não foi um Telemann – e ainda bem, pois a integral deste sim tomar-me-ia algumas décadas de postagens, quiçá até chegar minha aposentadoria, se minha triste carcaça durar até lá.
Antes tivesse eu levado a sério o piano, e chegado aos pés da aspiração de tocar como um Paul Badura-Skoda, outro que não chegou a saber o que é aposentadoria, por ter mantido a carreira de recitalista até meses antes de falecer no ano passado, dias antes de completar generosos noventa e dois anos. O grande mestre vienense foi o único pianista a legar-nos registros integrais das sonatas de Mozart, Beethoven e Schubert tanto em pianos modernos quanto em instrumentos históricos. Sua Beethoveniana em pianos contemporâneos ao compositor, gravada entre os anos 70 e 80 e lançada pelo interessante selo Astrée na década de 90, será nosso escopo nos próximos dias.
Começaremos, claro, pelo começo – pelo menos o começo que não leva em conta as diminutas sonatas dedicadas ao Eleitor de Colônia por um Ludwig menino, e sim a respeitável trinca publicada como Op. 2 e dedicada a seu professor, Joseph Haydn. Estas obras sempre me pareceram exigir o pianoforte, e Badura-Skoda (doravante referido como PBS) defende-as com muito brio no teclado de um instrumento vienense construído por Johann Schantz na década de 1790. Aos muitos entre vós outros que têm ranços quanto ao som às vezes inconsistente dos instrumentos antigos, eu peço um voto de confiança, e que me digam se este pianoforte bicentenário não está mesmo batendo um bolão.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Sonatas para piano, Op. 2
No. 1 em Fá menor
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Menuetto and Trio (Allegretto)
4 – Prestissimo
No. 2 em Lá maior
5 – Allegro vivace
6 – Largo appassionato
7 – Scherzo: Allegretto
8 – Rondo: Grazioso
No. 3 em Dó maior
9 – Allegro con brio
10 – Adagio
11 – Scherzo: Allegro
12 – Allegro assai
Paul Badura-Skoda, fortepiano (Johann Schantz, Viena, ca. 1790)
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 29/12/2019, REPOSTADO COM SOM MUITÍSSIMO MELHOR EM 6/3/2020
Algumas vezes nossos apelos são ouvidos, e recebemos em nossa caixa de comentários algo mais do que resmungos ou clamores pidões. Nosso leitor-ouvinte Luiz Euripedes alcançou-nos uma gravação de qualidade incomparavelmente melhor do que a que tínhamos, precariamente preservada em fita. Ficamos muito contentes com que a distinta versão de Parisot seja ouvida com a clareza que merece. Grato pela gentileza, Luiz!
O legendário violoncelista potiguar Aldo Parisot completou 100 anos em setembro de 2018, sessenta dos quais como professor na Escola de Música de Yale, posição da qual se afastara meros dois meses antes, sob aclamação e festividades. Nosso prolongado ostracismo no Hades impediu-nos de homenageá-lo tanto pelo natalício quanto por ocasião de seu desaparecimento, na antevéspera do Ano Novo. No primeiro aniversário de sua morte, entretanto, estamos de volta à ribalta blogueira para lembrar este grande concertista e pedagogo com a divulgação de sua gravação histórica das Suítes para violoncelo solo de J. S. Bach – que, salvo melhor juízo, foi a primeira feita por um brasileiro.
Os leitores-ouvintes certamente hão de perdoar a qualidade um tanto precária do som, que é uma cópia em fita de LPs lançados em 1977 que nunca tive em mãos, pelo privilégio de escutar Parisot em ação [atualização: nada mais precisarão perdoar, graças ao leitor-ouvinte Luiz Euripedes!]. Ainda que estes mais de quarenta anos tenham visto inúmeras gravações chegarem ao mercado, muitas das quais historicamente informadas, e que eu hoje já me tenha acostumado a ouvir estas suítes em cordas de tripa e com todos gostosos, como diz o PQP, “ruídos de marcenaria” inerentes à mecânica desses instrumentos, eu adorei a interpretação destemida e cheia de verve de Parisot. Espero que ela também lhes seja do agrado, enquanto espero, através dos comentários, que alguém nos alcance alguma fonte com melhor som [atualização: o que realmente aconteceu, e pelo que somos novamente gratos ao Luiz Euripedes].
Conheci esta gravação do carioca Jean Louis Steuerman através duma fita cassete – – por si só um atestado de vetustos martelos, bigornas e estribos – antes mesmo do célebre registro de Glenn Gould, e sempre a tive em alta estima. Depois de muito tempo sem ouvi-la, e um pouco receoso de constatar que ela não tivesse resistido à passagem do tempo, ou qualquer outro nome que se dê ao fenômeno de se ficar cada vez menos impressionável quanto mais velho se fica, bem, eu a reencontrei e fiquei muito contente com o que ouvi. O toque preciso de Steuerman continuava lá, articulando com verve e graça os movimentos rápidos, e com economia nos ornamentos nos lentos. Não percebera, em meus imberbes tempos, o quão pouco afeito ele era a aderir às repetições sugeridas por Bach, mas o que ouvi agora, com maduros ouvidos, ainda me agradou demais. Lembro, sem muitas saudades, daqueles tempos em que ganhava mesada em cruzados novos, mas tinha sonhos precificados em dólar, e dos habitués daquele templo ar-condicionado da (minha) cobiça, quase todos velhotes que, pelo jeito, ganhavam em dólar, discutindo se esta grande música realmente se prestava a ser tocada com cravo, e entrincheirando-se entre aqueles que consideravam a versão de Gould insuperável, e o pequeno pelotão daqueles que preferiam Schiff, Martins ou Steuerman. De lá para cá, surgiram tantas gravações maravilhosas (lembro-me das de Angela Hewitt e de Murray Perahia, sem nem entrar no mérito das tantas por excelentes cravistas) que este embate perdeu totalmente o sentido – mas, já que me tornei um próprio um velhote, embora ainda não ganhe em dólar, vou à forra e lhes digo, sem que me tenham perguntado isso, que prefiro as partitas ao piano, que adoro a versão de Gould, que a de Martins não envelheceu bem, e que a de Steuerman segue firme em meu desimportante conceito.
BACH – JEAN LOUIS STEUERMAN – THE 6 PARTITAS BWV 825-830
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Partita no. 1 em Si bemol maior, BWV 825
1 – Praeludium
2 – Allemande
3 – Courante
4 – Sarabande
5- Menuet I
6 – Menuet II
7 – Gigue
Partita no. 2 em Dó menor, BWV 826
8 – Sinfonia
9 – Allemande
10 – Courante
11 – Sarabande
12 – Rondeau
13 – Capriccio
Partita no. 3 em Lá menor, BWV 827
14 – Fantasia
15 – Allemande
16 – Corrente
17 – Sarabande
18 – Burlesca
19 – Scherzo
20 – Gigue
Não lhes faço mais delongas: apenas completo a série, conforme ontem lhes prometi. Mesmo com a vasta discografia para estes concertos, com solistas e orquestras de todas estirpes, estas gravações de Rubinstein sempre estarão entre as minhas favoritas. Deleitem-se!
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Concerto para piano no. 17 em Dó maior, K. 453 Cadências: Wolfgang Amadeus Mozart 1 – Allegro
2 – Andante
3 – Allegretto
Concerto para piano no. 23 em Dó maior, K. 488 Cadências: Wolfgang Amadeus Mozart 4 – Allegro
5 – Adagio
6 – Allegro assai
Concerto para piano no. 24 em Dó menor, K. 491* Cadências: Johann Nepomuk Hummel (1778-1837)
7 – Allegro
8 – Larghetto
9 – Allegretto
Postar-lhes uma hora de música para mostrar-lhes alguns minutos de Beethoven? Seria mais ou menos como trazer uma baleia à sala de visitas para apontar-lhe uma pequena craca no espiráculo – se, pô, a música não fosse a de Mozart e seu intérprete não fosse o insubstituível Arthur Rubinstein.
Ludwig, como sabemos, consolidou-se primeiramente em Viena como pianista virtuose e improvisador. Dessa forma, é muito natural que, além de cavalos de batalha criados por ele próprio, ele lançasse mão do manancial de concertos de Mozart para pavonear seu talento nos palcos. Muito provavelmente as dificuldades propostas pelo mestre de Salzburgo não lhe fizessem qualquer prurido nos dedos, então se entende que Beethoven pudesse soltar suas asinhas pianísticas durante as cadências que Mozart permitia improvisar nos primeiros e terceiros movimentos de seus concertos. De todas as cadências que ele imaginou e tocou, apenas duas – para o magnífico concerto em Ré menor, K. 466 – foram anotadas e chegaram aos nossos dias, e nos abrem uma janela para a experiência certamente extraordinária de ver o maior improvisador de seu tempo meditando lubricamente sobre temas de um de seus modelos. Enquanto eu buscava uma gravação para mostrá-las para vocês, dei-me conta de que, surpreendentemente, a mozartiana de Artur Rubinstein nunca tinha sido publicada por aqui. Assim, resolvi trazer-lhes, além das cadências de Beethoven no seio do concerto em Ré menor, outros quatro concertos do boquirroto salisburguense sob as mãos do magistral pianista que nasceu naquele lugar pitoresco cujo nome a gente escreve “Łódź” e lê como “uúdj”.
A postagem vai como agrado ao querido e incansável colega FDP Bach, que estava de aniversário e, como bem sei, aprecia e muito estas essenciais gravações, cuja série completarei amanhã.
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Concerto para piano no. 20 em Ré menor, K. 466 Cadências: Ludwig van Beethoven(WoO 58) 1 – Allegro
2 – Romance
3 – Allegro assai
Concerto para piano no. 21 em Dó maior, K. 467 Cadências: Arthur Rubinstein (1887-1982)
4 – Allegro maestoso
5 – Andante
6 – Allegro vivace assai
Mais um pacotinho de variações para piano, do mesmo naipe daquelas que acompanharam a obra de estreia, e pelo mesmo intérprete, o austríaco Rudolf Buchbinder. Quase todas seguem o script de tema (normalmente uma canção em voga na época, hoje fascinantemente obscura) e variações figurativas, sem alterações rítmicas ou harmônicas dignas de nota – todo um universo, portanto, a apartá-las das geniais Variações Diabelli que viriam quase quarenta anos depois. Para concluir, uma enigmática série sobre uma canção um pouco perturbadora em que um sujeito convida uma moça para entrar em sua cabaninha. Alguns estudiosos não se convenceram de que a peça é da lavra de Beethoven. Kinsky e Halm preferiram não lhe atribuir sequer um número de WoO, lançando-a no apêndice (Anh.) de seu catálogo. Outros, incluindo o intérprete, Rodolfo Encadernador, têm certeza em atribuir a obra ao mestre renano pelo simples fato de que ela parece ter seu estilo e não há prova bastante de que ele não a tenha escrito. Eu acho que ela é, sim, de Beethoven – e vocês, que acham?
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
1 – Nove variações em Lá maior sobre “Quant’e piu bello”, da ópera “La Molinara” de Giovanni Paisiello, WoO 69 (1795)
2 – Seis variações em Sol maior sobre “Nel cor più non mi sento”, da ópera “La Molinara” de Giovanni Paisiello, WoO 70 (1795)
3 – Doze variações em Lá maior sobre a Dança Russa do balé “Das Waldmädchen” de Paul Wranitzky, WoO 71 (1796–7)
4 – Oito variações em Dó maior sobre “Une Fièvre Brûlante”, da ópera “Richard Coeur-de-Lion” de André Ernest Modeste Grétry, WoO 72 (1795)
5 – Dez variações em Si bemol maior sobre “La stessa, la stessissima” da ópera “Falstaff” de from Antonio Salieri, WoO 73 (1799)
6 – Sete variações em Fá maior sobre “Kind, willst du ruhig schlafen”, da ópera “Das unterbrochene Opferfest” de Peter Winter, WoO 75 (1799)
7 – Oito variações em Fá maior sobre “Tändeln und scherzen”, da ópera “Soliman II” de Franz Xaver Süssmayr, WoO 76 (1799)
8 – Seis variações fáceis em Sol maior sobre um tema original, WoO 77 (1800)
9 – Oito variações em Si bemol maior sobre “Ich hab’ ein kleines Hüttchen nur”, WoO Anh. 10
O conjunto não existe sem as partes, e as grandes orquestras não existem, por óbvio, sem ótimos músicos. Vários são os exemplos de instrumentistas que marcaram época em seus conjuntos, como o Marcel Tabuteau, o grande solista de oboé da Philadelphia Orchestra sob Stokowski e Ormandy por mais de quarenta anos, e o fenomenal Dennis Brain, trompista da Philharmonia Orchestra, precocemente falecido. Também não é incomum que alguns deles embarquem em carreiras solísticas que nos levem a esquecer de seu passado em orquestras, como fizeram o flautista James Galway e a clarinetista Sabine Meyer, ex-integrantes da Filarmônica de Berlim. Não é raro, também, que haja encontros como o deste disco, em que três grandes músicos da Orchestre de Paris dividem a ribalta com seu então regente, e aqui pianista, Daniel Barenboim.
O trio para a combinação incomum de piano, fagote e flauta, composto aos quinze anos de vida de Beethoven, é uma de suas obras mais claramente mozartianas. Barenboim – no auge de sua forma ao piano, que hoje me parece relegado a um segundo plano em seus interesses – faz-se acompanhar de Michel Debost, expoente da grande escola francesa da flauta e sucessor de Jean-Pierre Rampal na cátedra do Conservatório de Paris, e do excelente fagotista André Sennedat, num registro que é um deleite de escutar. O disco conclui com uma rara oportunidade de ouvir Myron Bloom, legendário trompista da Cleveland Orchestra, tocando música de câmara. Tido como “imexível” e inegociável pelo generalíssimo George Szell, que sabia de sua importância não só para o naipe mas para todos os sopros de sua orquestra. Quando Szell morreu, e a orquestra passaria para a batuta de Lorin Maazel, Barenboim convidou Bloom para mudar-se de mala, cuia e trompa para Paris, onde assumiria a Orchestre local. Bloom arrependeu-se azedamente da escolha, por odiar os colegas da orquestra, apesar de toda rasgação de seda de Barenboim, que era tão fã de seu timbre que creditava os solos do trompista nas gravações e concertos que faziam juntos. Quanto a mim, depois de quase intoxicá-los com tantas versões da sonata para trompa escrita para o infame Punto, talvez vocês me mandem pra dentro de uma se ouvirem, uma vez mais, a fanfarra inicial. Myron Bloom, no entanto, vale a pena, e espero que os leitores-ouvintes também achem o mesmo ao ouvirem esta homenagem que prestamos ao distinto artista, falecido em 2019, aos 93 anos.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Trio em Sol maior para piano, flauta e fagote, WoO 37 (1786)
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Andante con variazioni
Michel Debost, flauta André Sennedat, fagote Daniel Barenboim, piano
Sonata em Fá maior para trompa e piano, Op. 17 (1800)
4 – Allegro moderato
5 – Poco adagio, quasi andante
6 – Rondo. Allegro moderato
Essas três pequenas sonatas compostas em Bonn por um Beethoven menino (doze anos!) e dedicadas ao príncipe-eleitor de Colônia (em alemão, Kurfürst) são normalmente ignoradas no cômputo de suas sonatas para piano. Sou da opinião de que elas merecem ser conhecidas, nem que seja para perceber os primeiros lampejos de brilho do garoto que se aventurava ambiciosamente na sonata-forma, e reconhecer as manifestações mais precoces dos cacoetes de Ludwig em sua escrita para o teclado. Jörg Demus – o mais discreto dos integrantes da troika pianística vienense, completada por Friedrich Gulda e Paul Badura-Skoda – traz-nos uma leitura muito bonita, com sua característica precisão elegante, muito embora eu ache que estas sonatinhas exijam o som mais pungente, que eu sei que não é do gosto de todos, do pianoforte. A gravação prossegue com duas sonatinas, a segunda delas completada por Ferdinand Ries (1784-1838), aluno e amigo do compositor, e termina com mais uma fieira de pequenas peças avulsas para piano, incluindo uma écossaise (WoO 23) originalmente escrita para banda marcial, mas que sobrevive tão só num arranjo para piano feito por Carl Czerny (outro pupilo e amigo) e que fica menos estranha aqui que no meio de seus pares, que publicaremos oportunamente.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três sonatas para piano, WoO 47, “ao Eleitor” (Kurfürstensonaten) Compostas entre 1782-1783 Publicadas em 1783 Dedicadas a Maximilian Friedrich, Eleitor de Colônia
No. 1 em Mi bemol maior
1 – Allegro cantabile
2 – Andante
3 – Rondo vivace
No. 2 em Fá menor
4 – Larghetto maestoso – Allegro assai
5 – Andante
6 – Presto
No. 3 em Ré maior
7 – Allegro
8 – Menuetto – Sostenuto
9 – Scherzando: Allegretto, ma non troppo
Jörg Demus, piano
Sonata para piano em Fá maior, WoO 50 (1790-1792)
10 – Sem indicação de andamento
11 – Allegretto
Sonata para piano em Dó maior, WoO 51 (1790-1792), completada por Ferdinand Ries
12 – Allegro
13 – Adagio
14 – Allemande em Lá maior, WoO 81 (1793)
15 – Valsa em Mi bemol maior, WoO 84 (1824)
16 – Valsa em Ré maior, WoO 85 (1825)
17 – Écossaise em Mi bemol maior, WoO 86 (1825)
Gianluca Cascioli, piano
18 – Écossaise em Sol maior para banda marcial, WoO 23 (1810)
Arranjo de Carl Czerny para piano
Peso-plumíssima esse volume de nossa beethoveniana, completamente dedicada a obras para sopros menos votadas do compositor, muitas delas relegadas às pilhas de papel até depois de sua morte. Os duos para clarinete e fagote são tão fofinhos quanto estranhos, e não surpreende que haja seriíssimas dúvidas acerca de sua autoria (uma pista são as indicações de andamento, totalmente atípicas para Beethoven). O breve quinteto com a curiosa colaboração entre um oboé, um fagote e um trio de trompas dá a impressão de ter sido composto às pressas, sem muito tempo para desenvolver as ideias e explorar os timbres dos instrumentos. O Adagio para três trompas é ainda mais breve, e aqui serve como prelúdio para a obra de mais substância da gravação, os três curtos e solenes Equale (que, na incerteza sobre a denominação do gênero em português, resolvi chamar de “Iguais”, que são sua tradução em latim e italiano). Escritos para serem tocados da torre da catedral de Linz no dia de finados de 1812, têm desde então aparecido em várias exéquias – inclusive no funeral do próprio Beethoven, ocasião em que foram ouvidos tanto no original para quatro trombones quanto num arranjo vocal de Ignaz Seyfried (1776-1841), iniciado no dia em que se ministrou a extrema-unção ao compositor. Apesar da curiosidade de escutar a versão de Seyfried, nunca a ouvi, nem a encontrei em qualquer gravação – mas eu tenho a partitura e, se outros três barítonos se dispuserem, talvez possamos dar um jeito nisso. Se a ideia lhes apetece, deixem-me saber nos comentários.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Duos para clarinete e fagote, WoO 27
No. 1 em Dó maior
1 – Allegro comodo
2 – Larghetto sostenuto
3 – Rondo: Allegretto
No. 2 em Fá maior
4 – Allegro affettuoso
5 – Aria: Larghetto
6 – Rondo: Allegretto moderato
No. 3 em Si bemol maior
7 – Allegro sostenuto
8 – Aria con variazioni
9 – Allegro assai
Quinteto para oboé, três trompas e fagote em Mi bemol maior, Hess 19 (1793)
10 – Allegro
11 – Adagio maestoso
12 – Minuetto
Adagio em Fá maior para três trompas, Hess 297 (1815)
13 – Adagio
Membros do Ottetto Italiano
Três Iguais para quatro trombones (Drei Equale für vier Posaunen), WoO 30
14 – Andante (Ré menor)
15 – Poco adagio (Ré maior)
16 – Poco sostenuto (Si bemol maior)
Mais outro balainho, este com peças que, se deixadas soltas, ficariam à deriva e se perderiam em nossa integral.
O disco abre com uma reconstrução da instrumentação dos seis minuetos, WoO 10, que sobreviveram somente em versão para piano – incluindo aquele, em sol maior, que muitos entre nós conheceram porque o pai ouvia Ray Conniff em alta decibelagem (o de vocês não? Muito os invejo). A função segue com as ditas “danças Mödling”, de autoria duvidosa, para um conjunto misto de cordas e sopros. As coisas melhoram um pouco no final, se não com a música, pelo menos com os intérpretes. Os venerandos Yehudi Menuhin e Wilhelm Kempff juntam forças para interpretar duas peças juvenis para violino e piano: as variações sobre “Se vuol ballare”, a popularíssima ária de Fígaro nas “Bodas” de Mozart, e o diminuto rondó em Sol. Para finalizar, uma raríssima, quiçá única oportunidade por aqui ouvir as crinas de David Garrett, um bom violinista que se transformou num astro do crossover. Se as singelas alemandas que Ludwig lhe propõs não desafiam muito sua técnica de bom pedigree, trata-se de uma oportunidade rara de, aqui no PQP Bach, escutar alguém que, conforme asseguram especialistas, é muito gatão.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Seis Minuetos para orquestra, WoO 10 (1795)
1 – No. 1 em Dó maior
2 – No. 2 em Sol maior
3 – No. 3 em Mi bemol maior
4 – No. 5 em Si bemol maior
5 – No. 6 em Ré maior
6 – No. 7 em Dó maior
Capella Istropolitana Ewald Donhoffer, regência
Onze Danças para pequena orquestra, WoO 17, “Mödlinger Tänze” (1819)
7 – No. 1: Valsa em Mi bemol maior
8 – No. 2: Minueto em Si bemol maior
9 – No. 3: Valsa em Si bemol maior
10 – No. 4: Minueto em Mi bemol maior
11 – No. 5: Minueto em Mi bemol maior
12 – No. 6: Landler em Mi bemol maior
13 – No. 7: Minueto em Si bemol maior
14 – No. 8: Landler em Si bemol maior
15 – No. 9: Minueto em Sol maior
16 – No. 10: Valsa em Ré maior
17 – No. 11: Valsa em Ré maior
Kammerorchester Berlin Helmut Koch, regência
Doze Variações em Fá maior sobre a Ária “Se vuol ballare”, da ópera “Le Nozze di Figaro” de Wolfgang Amadeus Mozart, para violino e piano, WoO 40
18 – Thema – Variazioni I-XII
Rondó em Sol maior para violino e piano, WoO 41 (1793-1794)
19 – Allegro
Yehudi Menuhin, violino Wilhelm Kempff, piano
Seis Danças Alemãs para violino e piano, WoO 42 (1796)
20 – Sem indicação de andamento
Concluímos nosso minifestival Jandó com o último balaio de gatinhos pianísticos beethovenianos e uma pequena homenagem ao artista.
Lembro-me de, há alguns anos, ter lido uma reportagem sobre Jandó, focando em sua impressionante e variada discografia. O tom, se não deliberadamente desabonador, tendia a pintar o pianista como um músico de pouco brilho que teve que se contentar com a labuta obreira num selo de segunda linha. Além disso, era um compêndio de resmungos, como a alegação de que seus contemporâneos András Schiff e Zoltán Kocsis eram conhecidos internacionalmente porque foram privilegiados pelo governo, ou de que ele próprio, um interiorano, era discriminado por suas contrapartes em Budapest. Somando a tudo algumas cores anedóticas, como o feroz hábito tabágico e o costume de cantarolar ao teclado à la Glenn Gould, controlado pelo truque de lhe manter um cigarro apagado na boca, saía-se com a impressão de que Jandó, professor na conceituada Academia de Música Franz Liszt, seria um músico medíocre e, acima de tudo, uma criatura patética.
Quem ouvir a gravação seguinte perceberá que não. Tomem, por exemplo, o rondó que a abre, que Beethoven descreveu com o neologismo “ingharese” (mescla de “zingarese” e”ungherese”/”cigano” e “húngaro”) e que seu factotum, o atochador Anton Schindler, descreveu como “A Fúria pelo Tostão Perdido”. Em frenéticos seis minutinhos, carregados do mais explícito humor, Beethoven parece querer demolir toda reputação de pathos e heroísmo que lhe plugam – e Jandó realiza, com muita destreza, os intentos do mestre. Gosto muito também de sua interpretação para o dito “Andante favori”, o movimento lento inicialmente destinado à sonata alcunhada “Waldstein”, que acabou substituído por uma introdução mais concisa, provavelmente, porque o primeiro e último movimentos já exigiam músculo o bastante e, ainda, porque o andante, assim como o finale, também é um rondó. Se a vastidão do repertório de Jandó – e, mui provavelmente, também seu contrato – não lhe permite lapidar cada peça que grava ao ponto do memorável, esperamos que o que aqui ouviram possa inspirá-los a explorar sem preconceitos sua discografia em constante expansão. Se ele merece a prata, o ouro ou o mármore, vocês me contam depois.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
BAGATELAS E DANÇAS PARA PIANO, volume 3
Rondó alla ingharese, quasi un capriccio, em Sol maior, Op. 129, “Der Wut über den verloneren Groschen” (“A Fúria sobre o Tostão Perdido”) Composto em 1795 Completado por Anton Diabelli e publicado postumamente em 1828 1 – Allegro vivace
2 – Andante em Fá maior, WoO 57, “Andante favori” (1804)
3 – Duas Danças Alemãs, Hess 67 – Allegro e Da Capo (“Der Deutscher”) (1811)
Dois Rondós para piano, Op. 51 (1796-1798)
4 – No. 1 em Dó maior
5 – No. 2 em Sol maior
6 – Rondó em Lá maior, WoO 49 (1783)
Doze Minuetos, WoO 7 (1795)
7 – No. 1 em Ré maior
8 – No. 2 em Si bemol maior
9 – No. 3 em Sol maior
10 – No. 4 em Mi bemol maior
11 – No. 5 em Dó maior
12 – No. 6 em Lá maior
13 – No. 7 em Ré maior
14 – No. 8 em Si bemol maior
15 – No. 9 em Sol maior
16 – No. 10 em Mi bemol maior
17 – No. 11 em Dó maior
18 – No. 12 em Fá maior
O peculiar nome de Jenő (algo como “Eugênio”) Jandó chamou-me pela primeira vez a atenção pelas repetidas vezes que aparecia nas paredes das lojas de discos (para vocês verem como eu sou velhinho) tomadas por CDs da Naxos. Seu repertório parecia inesgotável: de Bach a Bartók, passando por concertos completos de Mozart, um catatau de obras de Liszt e integrais das sonatas de Haydn, Schubert e Beethoven. Cheguei a pensar que se tratasse de uma fraude, ao feitio da milagrosa série de gravações atribuídas aJoyce Hatto. Minhas investigações, muito pelo contrário, mostraram-me que não só Jandó realmente tinha feito todas aquelas gravações, com também tinha sido ele mesmo um dos muitos artistas cujas faixas tinham sido espuriamente atribuídas a Hatto por seu esposo, um produtor fonográfico e, como depois se viu, um tremendo aldrabão.
Fui escutá-lo, apesar das recomendações contrárias dos vetustos habitués das lojas de discos, e tive uma boa surpresa. Saía-se muito bem no repertório de seus compatriotas húngaros, e também em Mozart e Haydn. Embora talvez lhe falte algo de brilho e élan para gravar sonatas de Beethoven memoráveis, seu estilo se presta muito bem a este repertório de peças curtas que seguimos a lhes apresentar.
A gravação abre logo com a peça de maior fôlego, a Fantasia, Op. 77, a única peça para piano que Ludwig publicou e assim chamou. Nominalmente em Sol menor, ela modula amplamente ao longo de seus dez minutos, e seu estilo – livre na abertura e engenhoso nas variações que a concluem – é possivelmente a melhor janela que nos restou para a imensa habilidade de Beethoven como improvisador, que lhe trouxe fama, juntamente com o virtuosismo ao teclado, bem antes dele se fazer notar como compositor. Em meio a curtas bagatelas (uma delas alcunhada “Lustig-Traurig”, ou “Alegre-Triste” – praticamente Beethoven numa casca de noz) e graciosas séries de danças, algumas das quais já ouvidas nesta série com roupagem orquestral, duas outras obras se destacam: uma Polonaise, Op. 89, composta em 1814 para surfar na voga do ritmo entre os aristocratas da época e que acaba curiosamente evocando as polonaises da juventude de Chopin, então uma criança; e os Prelúdios, Op. 39, escritos ainda em Bonn, que modulam para todas as tonalidades maiores e são mais comumente executados ao órgão – instrumento que Neefe, seu professor, tocava na corte do Eleitor de Colônia, e que o próprio Ludwig tocava durante as muitas ausências do titular. As duas peças, frutos de períodos tão diferentes na vida do compositor, têm o comum o fato de terem sido publicadas pela necessidade do vil metal: a Polonaise foi dedicada à tzarina da Rússia, que recompensou o mimo com um bom punhado de bufunfa, e a obra adolescente acabou indo à prensa simplesmente porque precisava pagar o aluguel.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
BAGATELAS E DANÇAS PARA PIANO, volume 2
1 – Fantasia em Sol menor, Op. 77 (1810)
2 – Doze Danças Alemãs, WoO 13 (1792-1797)
3 – Sete Contradanças, WoO 14 (1791-1801)
4 – Seis Escocesas, WoO 83 (1806)
5 – Minueto em Mi bemol maior, WoO 82 (1803)
6 – Allegretto em Dó menor, Hess 69 (1795-1796)
7 – Polonaise em Dó maior, Op. 89 (1814)
8 – Bagatela em Dó menor, ‘Lustig-Traurig’, WoO 54 (1802)
9 – Rondó em Dó maior, WoO 48 (1783)
10 – Prelúdio em Fá menor, WoO 55 (1803)
11 – Dois Prelúdios em todas tonalidades maiores, Op. 39 (1789)
12 – Fuga em Dó maior, Hess 64
13 – Finale de concerto em Dó maior, Hess 65 (originalmente para o Op. 37)
O selo honconguês Naxos busca sempre expandir seu já vasto catálogo sem repetir repertório, normalmente gravando séries integrais com artistas e conjuntos menos célebres e lançando-as no mercado envoltas em projetos gráficos espartanos, sem firulas, e por preços camaradas. Naquelas priscas eras em que só se construía um acervo discográfico com a aquisição de mídias físicas, a Naxos era uma das melhores amigas dos melômanos que, como eu, tinham muita ambição e pouca bufunfa. Muito embora esta abordagem low cost e bastantona do repertório sempre tenha tido seus detratores, nunca me decepcionei com os discos da Naxos, talvez mesmo por saber o que esperar deles. Mais que isso, não foram raras as vezes que me surpreendi com as escolhas arrojadas de repertório e com a qualidade do que ouvi. Foi através da Naxos, por exemplo, que conheci artistas notáveis como a pianista turca İdil Biret, intérprete maravilhosa do repertório romântico, e a violoncelista alemã Maria Kliegel, que oferece interpretações muito marcantes para um repertório vasto, e muitas vezes desconhecido para mim. Enquanto lhes prometo que Biret e Kliegel participarão desta série, a fim de que nossos leitores-ouvintes possam tirar suas próprias conclusões sobre elas, peço licença para voltar os holofotes para o herói desconhecido da Naxos: o pianista húngaro Jenő Jandó, que contribuirá com os três próximos volumes desta nossa beethoveniana.
Falaremos mais sobre Jandó nas postagens seguintes. Permitam-nos por ora apontar algo sobre as curtas peças desse álbum. Nenhuma delas foi publicada durante a vida do compositor, talvez porque ele próprio não lhes atribuísse qualquer importância – “bagatelas”, afinal, muito embora o termo “bagatelas” tenha sido a elas atribuído por editores, e não pelo próprio Beethoven, que assim intitulou três coleções de peças (Opp. 33, 119 e 126) que publicaria ao longo da vida. Poucas delas chegam a dizer ao que vieram, por consistirem de alguns poucos gestos, talvez a captura de alguma ideia que pareceu interessante, mas não o bastante para ser desenvolvida sobre uma partitura. E, ah, sim: a primeira delas é a celebrérrima Pour Elise, vítima primaz das mãos inábeis de estudantes, quiçá batida demais para não ser ouvida sem ranço, mas que se revela mais misteriosa que mimosa sob as falanges de um bom profissional. Apesar de sua fama extraordinária, este bombom musical não parece ser muito do gosto de Jandó e dos produtores, que não lhe destinaram sequer uma faixa própria no álbum, espremendo-a numa faixa com outras três peças. E, já que estamos no tópico “Peças Surradas pelos Diletantes”, cabe um outro aviso: o segundo entre os minuetos do WoO 10 será aterrorizantemente familiar a tanto aos tocadores de piano que persistiram até o estudo de terças quanto àqueles cujos pais ouviam Ray Conniff noite e dia – no meu caso, marco “sim” para ambas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
BAGATELAS E DANÇAS PARA PIANO, VOLUME 1
1 – Bagatela em Lá menor, WoO 59, “Für Elise” (1810) – Bagatela em Si bemol maior, WoO 60 (1818) – Allegretto quasi andante em Sol menor, WoO 61a (1825) – Allegretto em Si menor, WoO 61 (1821)
2 – Sete Ländler, WoO 11 (1799)
3 – Seis Ländler, WoO 15 (1795)
4 – Doze Danças Alemãs, WoO 8 (1795)
5 – Minueto em Dó maior, WoO 218
6 – Seis Minuetos, WoO 10 (1795)
7 – Bagatela em Dó maior, Hess 56 (esboço para as Bagatelas, Op. 126)
8 – Presto em Dó menor, WoO 52 (1795) – Bagatela em Dó maior, WoO 56 (1803)
9 – Duas Bagatelas para piano, WoO 216a e 216b
10 – Allegretto em Dó menor para piano, WoO 53 (1796-1797)
Mais um balaio de gatos que raramente ouvimos miar, em sua maior parte consagrado ao meio do quarteto de cordas – formação que preocuparia Beethoven desde o começo de sua carreira, muito em função dos modelos impressionantes deixados por Mozart e Haydn, e mantê-lo-ia ocupado até o fim da vida.
Os prelúdios e fugas que abrem a gravação (Hess 29-31) foram exercícios de contraponto e fuga escritos para o professor Albrechtsberger, e atestam o afinco com que Beethoven – tido, não sem razão, como um enfant terrible e aluno irascível – dedicava-se a seus estudos. Seus manuscritos autógrafos estão cheios de correções de Albrechtsberger, mas o que vocês ouvem aqui são as intenções do compositor – “erradas”, talvez, segundo os cânones da composição, mas inteiramente originais. O Hess 32 é uma versão preliminar do primeiro quarteto dos seis publicados como Op. 18. O quarteto seguinte (Hess 34), que já ouvimos nesta série, é um arranjo do compositor para a primeira sonata de seu Op. 14. Completam a gravação as transcrições para quinteto de cordas de duas fugas de grandes mestres, Bach e Händel, provavelmente feitas com finalidade de estudo técnico para composições próprias (a da Bach é uma transcrição apenas parcial, dando a entender que Beethoven debruçou-se sobre alguma questão contrapontística específica); um prelúdio com o fragmento de uma fuga (Hess 40), composto na mesma época da fuga do Op. 137; e um surpreendente, brevíssimo fragmento para quarteto de cordas (alcunhado “Schluss” ou “encerramento”), que chega a entusiasmar com sua verve digna de um dos quartetos do Op. 59, antes de sem-cerimoniosamente terminar.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Prelúdio e fuga em Mi menor para dois violinos e violoncelo, Hess 29 (1794)
1 – Prelúdio
2 – Fuga
Lukas Hagen e Rainer Schmidt, violinos Clemens Hagen, violoncelo
Prelúdio e fuga em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 30 (1795)
3 – Prelúdio
4 – Fuga
Prelúdio e fuga em Dó maior para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 31 (1795)
5 – Prelúdio
6 – Fuga
Mendelssohn-Quartett
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 32 (1799)
7 – Allegro con brio
8 – Adagio molto
9 – Scherzo. Allegro
10 – Allegretto
Minueto em Lá bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 33 (1792)
11 – Sem indicação de andamento
Hagen Quartet
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 34 (arranjo de Beethoven da sonata para piano em Mi maior, Op. 14 no. 1)
12 – Allegro moderato
13 – Allegretto
14 – Allegro
Amadeus Quartet
Allegretto em Si menor para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 35 (1817) (arranjo de Beethoven de trechos da fuga em Si menor, BWV 869, do primeiro volume de “O Cravo bem Temperado de J. S. Bach)
15 – Allegretto
Endellion String Quartet
Fuga da abertura do oratório “Solomon” de G. F. Händel, para dois violinos, viola e violoncelo, Hess 36 (1798)
16 – Sem indicação de andamento
Hagen Quartet
Prelúdio para doisviolinos, duas violas e violoncelo, Hess 40 (1817) 17 – Sem indicação de andamento
Perez Quintet
Fragmento em Ré menor para dois violinos, viola e violoncelo, “Schluss”
18 – Sem indicação de andamento
Dentro de nosso plano de postar a obra completa de Ludwig van Beethoven em gravações inéditas no blog, chegamos a uma questão de ordem.
Começamos por sua primeira obra publicada, ainda antes dos onze anos, e prosseguimos em ordem cronológica com aquelas a que o compositor atribuiu número de opus. Publicamos ontem seu extremamente bem-sucedido septeto, obra que antecede sua primeira sinfonia e a expansão de seus horizontes para projetos mais ambiciosos, enquanto a Europa caminhava outra vez para a guerra e Beethoven já confessava a seus amigos de Bonn a surdez crescente. E eis que se impõe a questão que supracitamos: prosseguimos nossa série em ordem cronológica, ou damos um tempo e retrocedemos a seus tempos na Renânia?
A pergunta é apenas retórica, pois a decisão já foi tomada, e eu a explico. A obra de Beethoven vai bem além das 137 composições publicadas com número de Opus. Há um imenso contingente de obras que, por diferentes motivos, nunca entraram neste, assim digamos, rol oficial de composições. O esforço de organizar este imenso saco de gatos de quase seiscentas peças de maneira temática ou cronológica tem ocupado musicólogos quase que desde a morte de Beethoven e pariu um bom número de catálogos. O mais importante deles, fruto dos esforços de Georg Kinsky e Hans Halm, veio à luz em 1955. Conhecido, naturalmente, como catálogo Kinsky-Halm, ele lista as composições sem número de opus (em alemão, Werke ohne Opuszahl) e lhe atribui um número sob a classificação, surpresa-surpresa, WoO. Posteriormente viriam catálogos complementares, em grande parte superpostos à amplamente aceita classificação de Kinsky e Halm, que incluíam obras descobertas ou atribuídas a Beethoven depois de 1955, dos quais os únicos dignos de nota são os de Willy Hess (com obras designadas por, ahn, Hess) e o de Giovanni Biamonti (vulgo Bia).
Com raras exceções (como as importantes variações em Dó menor, WoO 80), Beethoven normalmente atribuía números de opus a todas composições que submetia à prensa. Assim, essas centenas de obras com números WoO, Hess ou Biamonti, entre as quais há um bom número de composições espúrias (ou seja, que não foram realmente escritas por Beethoven, ainda que atribuídas a ele) costumar incluir-se num desses três grupos: são fragmentárias ou incompletas; foram escritas sem intenção de publicação (tanto como presentes a pessoas próximas ou como homenagens a pessoas ilustres, frequentemente seus patronos aristocráticos); ou foram consideradas indignas de publicação pelo compositor. Por isso, e sem perder de vista nosso intuito de publicar a integral da obra do gênio de Bonn, decidi que essas criações, geralmente de menor relevância artística a despeito da importância histórica e musicológica, deveriam ser publicadas antes das obras-primas que começariam a vir em notável sequência após a primeira sinfonia, para não corrermos o risco de, sabe-se lá, interromper uma extraordinária série de quartetos de cordas por conta da obrigação contratual de publicar a bonitinha e ordinária “Pour Elise”.
Não que isso signifique que ouviremos má música. Tomem, por exemplo, estas séries de danças que agora publicamos. A primeira, que constitui o chamado “Ritterballett” (“balé de cavaleiros”, muitas vezes erroneamente traduzido como “balé sobre cavalos (!)”), foi escrita ainda em Bonn para um folguedo de Carnaval do conde Waldstein, patrono de Beethoven. Ainda que muito convencional, fica fácil de imaginar a aristocracia renana a mordiscar canapés e entreolhar-se, talvez com estranheza, em reação volumosas e esporádicas explosões de têmpera beethoveniana do modesto conjunto orquestral. Da mesma forma, enquanto talvez mastigavam faisão, conseguissem acertar o passo nas danças alemãs, contradanças e minuetos que vêm em seguida. O que me é difícil de entender é o porquê do pomposo poseur von Karajan ter decidido gravá-las com seus filarmônicos berlinenses e seu inconfundível, polido “toque Karajan”. A mesma pergunta aplica-se aos dois maestros notáveis que completam a gravação: Sir Neville Marriner e sua inseparável Academy of Saint Martin-in-the-Fields, e Lorin Maazel, também a reger os Karajan kinder.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Música para um Balé de Cavaleiros, para orquestra, WoO 1, “Ritterballett” Composta entre 1790-1791
1 – Marcha
2 – Canção alemã
3 – Canção de caça
4 – Canção alemã (da capo)
5 – Romance. Andantino
6 – Canção alemã (da capo)
7 – Canção de guerra: Allegro assai con brio
8 – Canção alemã (da capo)
9 – Canção de beber (‘Mihi est pPropositum‘): Allegro con brio
10 – Canção alemã (da capo)
11 – Dança alemã – Valsa
12 – Coda. Allegro vivace
Minueto para orquestra em Mi bemol maior, WoO 3, “Minueto de Felicitação” (“Gratulations-Menuett“) Composto em 1822 13 – Tempo di Menuetto quasi Allegretto
Berliner Philharmoniker Herbert von Karajan, regência
Doze Minuetos para orquestra, WoO 7 Compostos em 1795
14 – No. 1 em Ré maior
15 – No. 2 em Si bemol maior
16 – No. 3 em Sol maior
17 – No. 4 em Mi bemol maior
18 – No. 5 em Dó maior
19 – No. 6 em Lá maior
20 – No. 7 em Ré maior
21 – No. 8 em Si maior
22 – No. 9 em Sol maior
23 – No. 10 em Mi bemol maior
24 – No. 11 em Dó maior
24 – No. 12 em Fá maior
Doze Danças Alemãs para orquestra, WoO 8 Compostas em 1795
26 – No. 1 em Dó maior
27 – No. 2 em Lá maior
28 – No. 3 em Fá maior
29 – No. 4 em Si maior
30 – No. 5 em Mi bemol maior
31 – No. 6 em Sol maior
32 – No. 7 em Dó maior
33 – No. 8 em Lá maior
34 – No. 9 em Fá maior
35 – No. 10 em Ré maior
36 – No. 11 em Sol maior
37 – No. 12 em Dó maior – Coda
The Academy of Saint Martin-in-the-Fields Sir Neville Marriner, regência
Doze Contradanças para orquestra, WoO 14 Compostas entre 1791-1801
38 – No. 1 em Dó maior
39 – No. 2 em Lá maior
40 – No. 3 em Ré maior
41 – No. 4 em Si maior
42 – No. 5 em Mi bemol maior
43 – No. 6 em Dó maior
44 – No. 7 em Mi bemol maior
45 – No. 8 em Dó maior
46 – No. 9 em Lá maior
47 – No. 10 em Dó maior
48 – No. 11 em Sol maior
49 – No. 12 em Mi bemol maior
Ao estrear em 1800 seu septeto para violino, viola, violoncelo, contrabaixo, clarinete, trompa e fagote, Op. 20, o já célebre Beethoven coroou uma série de bem-sucedidas composições: dois concertos para piano estreados por ele próprio; um popular quinteto para piano e sopros; e seis inovadores quartetos de cordas. A repercussão do septeto, no entanto, superou com sobras a dos outros. Composto na tradição das serenatas de Mozart, mas peculiar em sua instrumentação sem pares e pelo toque concertístico, foi um sucesso inesperado que, nas décadas seguintes, muito aborreceria o compositor pelas repetidas demandas de reeditar e rearranjar a obra para outras combinações instrumentais (como fez, por exemplo, no trio Op. 38), eclipsando obras que considerava muito melhores. Hoje relativamente esquecido dentro do magnífico conjunto de criações de Beethoven, o septeto é sempre uma delícia de se escutar, em especial pelo colorido e virtuosismo da parte do clarinete e da elaborada parte do violino, que inclui uma cadenza no movimento final. Aprecio muito, também, das participações muito canoras do fagote e do violoncelo, normalmente relegados à tarefa do baixo, mas aqui desobrigados dela pela parruda presença do contrabaixo.
A gravação que lhes alcanço tem a distinta participação de Leonidas Kavakos, que já foi apresentado a vocês, e é parte dum álbum duplo que tem em seu primeiro volume o concerto para violino, Op. 61, em que ele conduz de seu instrumento a Orquestra da Rádio Bávara. Para o segundo volume, o solista teve a curiosa ideia de parear o concerto com o septeto, competentemente tocado e gravado com músicos da orquestra que regeu. Naturalmente, o violino de Kavakos tem aqui um destaque ainda maior do que a partitura lhe reserva, sem que isso comprometa o equilíbrio da peça. Ainda mais curiosa foi a escolha de concluir o disco com algumas das variações sobre árias nacionais, Opp. 105 e 107, compostas originalmente para flauta e piano, e publicadas na maturidade do compositor para fazer dinheiro. Não que lhes faltem brilho e graça, mas elas parecem anticlimáticas se escutadas após o irresistível septeto. Minha sugestão subversiva aos leitores-ouvintes? Invertam a ordem proposta pela Sony e concluam sua audição com o septeto.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Septeto em Mi bemol maior para violino, viola, clarinete, trompa, violoncelo, fagote e contrabaixo, Op. 20 Composto entre 1799-1800 Publicado em 1802 Dedicado à imperatriz Maria Theresa da Áustria
1 – Adagio – Allegro con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Tempo di menuetto
4 – Tema con variazioni. Andante
5 – Scherzo – Allegro molto e vivace
6 – Andante con moto alla marcia – Presto
Leonidas Kavakos, violino Christopher Corbett, clarinete Eric Terwilliger, trompa Marco Postinghel, fagote Wen Xiao Zheng, viola Hanno Simons, violoncelo Heinrich Braun, contrabaixo
Variações sobre Canções Folclóricas, Op. 105
7 – No. 3: A Schüsserl und a Reindl
Variações sobre Canções Folclóricas, Op. 107
8 – No. 1: I bin a Tiroler Bua
9 – No. 2: Bonny Laddie, Highland Laddie
10 – No. 6: Peggy’s Daughter
11 – No. 7: Schöne Minka
Admitamos que, apesar de agradável, a sonata que Beethoven escreveu para Stich-Punto-Dot-Ponto não é lá uma obra-prima, o que talvez lhes torne um pouco duro o afã de escutá-la outras vezes. No entanto, com0 eu talvez insensatamente me propus a apresentar-lhes a obra integral de nosso casmurro favorito, não me posso furtar a obrigação de alcançar a vocês a Op. 17 tocada em violoncelo, pois assim nosso herói permitiu (“para o fortepiano com uma trompa ou um violoncelo”, diz o frontispício). A versão para violoncelo tem uma parte mais elaborada para o instrumento solista, porque decerto havia mais cellistas capazes de tocá-la do que o único mortal apto a fazê-lo na trompa: justamente Punto, aquele com quem “Beethovener” teve um de seus corriqueiros arranca-rabos depois de apresentar a obra em Pest. Para completar a publicação, recorri ao expediente que não aprecio de fatiar outras gravações e amalgamá-las num só pacote. Como se isso não bastasse, ainda tive a ideia talvez infeliz de reunir a mesma obra tocada em outros instrumentos, para que os leitores-ouvintes cheguem a um veredito de qual melhor a faz soar. Não me culpem – nem culpem os sopristas, tampouco, pela intenção bem justificada de se apropriarem da única sonata para instrumento de sopro que Beethoven publicou em vida. Apresentá-la-emos com fagote, com flauta e com, pasmem, basset horn ou corno de bassetto (pois não sei qual o nome que isso tem em português – alguém me ajuda?). Sim, eu já até me antecipei a vocês e lhes disse lá em cima que não será moleza, e talvez lhes dê até gastura escutar tantas vezes a mesma peça. Acredito que aqueles que conseguirem possivelmente concluirão que qualquer uma das versões alternativas soa melhor até que a trompa – e não me espantaria se preferissem aquela com cor de basset/cuerno de bajete (será que poderia chamá-la “corne de baixete” em nossa língua?), na qual soa surpreendemente idiomática.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata em Fá maior para piano com uma trompa ou violoncelo, Op. 17 Composta em 1800 Publicada em 1801 Dedicada à baronesa Josefine von Braun
I – Allegro moderato
II – Poco adagio, quasi andante
III – Rondo – Allegro moderato
Em quatro versões:
Para violoncelo e piano (faixas 1-3) David Geringas, violoncelo Ian Fountain, piano
Para fagote e piano (faixas 4-6) Rie Koyama, fagote Clemens Müller, piano
Para flauta e piano (faixas 7-9) Emmanuel Pahud, flauta Éric Le Sage, piano
Para basset horn e piano (10-12) Geert Baeckelandt, basset horn Maiko Inoue, piano
Confesso que nunca tinha ouvido o quarteto Op. 16 – que considerava, em minha imensa ignorância, um mero arranjo do quinteto para piano e sopros que tanto aprecio. Ao escutá-lo, e muito apreciá-lo, aprendi que as duas obras foram publicadas quase que simultaneamente (o que a mim, mau sapão, deveria ter sido óbvio, por terem o mesmo número de Opus), dentro da praxe beethoveniana de tentar atingir todos os públicos para lucrar mais com suas edições, pois o quinteto, que foi um sucesso, demandava um conjunto instrumental bem mais difícil de reunir do que um quarteto com piano. Se a versão com sopros tem obviamente mais colorido timbrístico, o quarteto destaca mais a faceira parte do piano, tocada pelo próprio Beethoven na estreia e em muitas outras ocasiões. De algum modo, também, na versão sem sopros me pareceu mais evidente um grande efeito humorístico do rondó, em que as cordas parecem atrasar-se na entrada do tema.
Mesmo que não tivesse gostado do quarteto, e ainda que não me obrigasse a postá-lo por conta da proposta, da qual ainda não me arrependi (frise-se o ainda), de lhes alcançar tudo o que Ludwig publicou até do Beethoven-Tag em dezembro, eu o faria por conta dos intérpretes desta gravação, uma legião estrangeira estelar que parece divertir-se bastante com essa obra do mestre. Ao violino, o legendário Isaac Stern, nascido numa região disputada entre Polônia e Ucrânia e criado nos Estados Unidos. Seu compatriota Emanuel Ax, nascido em Lviv, então polonesa Lwów, toca a parte para piano que tanto apetecia a Beethoven. O conjunto se completa com Yo-Yo Ma – nascido de família chinesa na França, e também cidadão dos Estados Unidos – e o cochabambino Jaime Laredo, que aqui toca viola, mas distinguiu-se como violinista e, entre tantas proezas, por conseguir cair nas graças de Glenn Gould, que o escolheu como parceiro na gravação das sonatas para violino e teclado de Bach. O disco encerra com o belo quarteto que Schumann escreveu, para a mesma formação e na mesma tonalidade, naquele extraordinário 1842 em que produziu febrilmente tanta ótima música de câmara, incluindo o Quinteto, Op. 44, que, se não é gêmeo do quarteto como as duas versões do Op. 16 de Beethoven, é estreitamente próximo.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Mi bemol maior para piano, violino, viola e violoncelo, Op. 16 1 – Grave – Allegro ma non troppo
2 – Andante cantabile
3 – Rondo: Allegro ma non troppo
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Quarteto em Mi bemol maior para piano, violino, viola e violoncelo, Op. 47 4- Sostenuto assai – Allegro ma non troppo
5 – Scherzo: Molto vivace – Trio I – Trio II
6 – Andante cantabile
7 – Finale: Vivace
Isaac Stern, violino Jaime Laredo, viola Yo-Yo Ma, violoncelo Emanuel Ax, piano
Seis quartetos… de uma só vez?
Sim, era precisamente o que Ludwig planejava fazer em sua estreia no gênero mais nobre da música de câmara, sobre o qual, outra vez, faziam sombra numerosas obras-primas de Mozart e Haydn. O número de quartetos no Op. 18, logicamente, não foi por acaso: seis tinham sido os grandes quartetos que Mozart dedicara a Haydn, e que ficaram associados ao nome do dedicatário; e assim também, em grupos de seis, Haydn publicou uma boa parte de suas sessenta e quatro composições no gênero. Assim como já fizera com as sonatas para piano e os trios para piano, violino e violoncelo, calcando-se sobre modelos dos mestres para buscar uma linguagem própria, Beethoven preparou meticulosamente seus primeiros quartetos de cordas ao longo de dois anos. Quando os publicou, em 1801, através da firma daquele cidadão de incrível nome Tranquillo Mollo, a boa repercussão convenceu-o de que já tinha os dois pés firmes para galgar o último degrau de suas ambições como compositor, no qual, outra vez, trabalharia sob a sombra intimidante de Haydn e Mozart: compor uma sinfonia.
Apesar de um tanto eclipsados pelos grandes, visionários quartetos da maturidade de Beethoven, eu aprecio muito essas obras muito bem trabalhadas, especialmente a primeira – a minha favorita – e a última da série. O ótimo Tokyo String Quartet, naquela que considero ser sua melhor formação, com Peter Oundjian no primeiro violino, dá-nos uma interpretação luminosa, arejada e nada constrita, que nada fica a dever aos conjuntos de maior renome, que muitas vezes erram a mão, a meu ver, por carregarem muito na dinâmica e no individualismo das vozes, em detrimento do equilíbrio do conjunto. Completam o álbum triplo o arranjo para quarteto de cordas da Sonata Op. 14 no. 1 e o imponente quinteto para cordas, que será objeto de postagem específica, no qual ao quarteto de Tokyo se une a viola de Pinchas Zukerman.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Seis quartetos para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 18
No. 1 em Fá maior
1 – Allegro con brio
2 – Adagio affettuoso ed appassionato
3 – Scherzo: Allegro molto
4 – Allegro
No. 2 em Sol maior
5 – Allegro
6 – Adagio cantabile
7 – Scherzo: Allegro
8 – Allegro molto quasi presto
Quarteto em Fá maior, Hess 34 (arranjo de Beethoven para a Sonata para piano em Mi maior, Op. 14 no. 1)
9 – Allegro moderato
10 – Allegretto
11 – Allegro
No. 5 em Lá maior
1 – Allegro
2 – Menuetto
3 – Andante cantabile (Variazioni)
4 – Allegro
Quinteto em Dó maior para dois violinos, duas violas e violoncelo, Op. 29*
5 – Allegro moderato
6 – Adagio molto espressivo
7 – Scherzo: Allegro
8 – Presto