Guia de Gravações Comparadas P.Q.P. – J.S.Bach: 4 Orchestral Suites BWV1066-1069

As 4 Suítes (ou Aberturas) para orquestra de Bach são suas únicas obras escritas exclusivamente para conjunto orquestral, sendo todas as demais obras sacras, concertantes, sonatas e árias de câmara ou para instrumentos solo (cravo, órgão, lute, violino e cello). A origem do gênero é obscura, o Guia da Música Sinfônica aponta Johann Jakob Froberger (1616-1667) como seu criador, ao passo que Gudrun Becker cita Agostino Steffani (1654-1728) como sendo o primeiro a compilar trechos de danças de suas óperas em uma “Suíte”, fazendo-as preceder de uma “Overture”, que acabou consagrando o nome.

O fato é que a “Overture” se tornou extremamente apreciada, provavelmente por ter sido um dos primeiros gêneros a combinar danças folclóricas populares com o gosto erudito das cortes e da aristocracia, e logo surgiram inúmeras composições deste gênero por toda a Europa. Telemann gabava-se de ter escrito 200 delas, e Mattheson (rival de Haendel) escreveu longamente sobre ela em seu livro “Nova Orquestra”.

Johann Sebastian Bach, por sua vez, não quis ficar de fora e também presenteou o mundo com exemplos do gênero. Bach, sendo Bach, evocou suas características mais elementares: primou pela qualidade e não pela quantidade, e fez de suas únicas 4 Aberturas as mais famosas Suítes orquestrais barrocas da história da música ocidental.

A composição delas também é algo obscura: não foram escritas juntas, havendo indícios de que a primeira e a última datam da época de Köthen, ao passo que as intermediárias datam da época de Leipzig. Mas são dados controversos, e que os autores também não chegam a uma conclusão. Há quem a acredite, por análise da partitura autógrafa (sem datação), que todas foram escritas em intervalos de tempo grandes, mas já em Leipzig. De qualquer forma, o consenso é que elas não formam um conjunto fechado, pois foram escritas para ocasiões diversas (como comprovam as diferenças na instrumentação e nas danças), e Bach já estava bastante ocupado para ficar pensando em ciclos de obras. Mesmo assim, a unidade estilística de todas é marcante, como não poderia deixar de ser neste caso.

As aberturas seguem o padrão francês lento-rápido-lento, sendo, a nível de Bach, o andamento rápido sempre uma fuga. Elas são seguidas de uma série de danças, tradicionalmente partes formais da suíte que Bach também usou em diversas outras obras, como as Suites Francesas, Inglesas e as Suites para Cello.

Aqui apresento 4 gravações que considero fundamentais para a apreciação desta obra:

1.Karl Richter, Münchener Bach-Orchester DG (ARCHIV) 1960-62

bach orch suites richter

Essa é a versão mais clássica das Suítes: foram gravadas no início da década de 60, numa época em que as versões “autênticas” não estavam em moda, e Richter clamava para si o monopólio da interpretação “correta” de Bach. Com isso, ele se tornou uma espécie de Karajan para Bach: suas leituras são lineares, ao ponto de se tornarem insípidas, quase assépticas, mas também bastante convincentes pela limpidez dos contornos. Neste caso, entretanto, as Suítes soam como uma obra clássica. Os contrastes entre a introdução lenta e a fuga rápida das aberturas não chega a comover, aliás, quase não se nota diferença. Igualmente se pode dizer das dinâmicas, em que ele explora muito pouco o chiaroscuro barroco, e ficam com certa aparência mais clássica que barroca. A Ária da Suite 3 pelas mãos de Richter fica quase romântica. Entretanto, é uma leitura vigorosa e com a potência sonora de uma orquestra aumentada, típica das adaptações feitas nos anos 60. Se quiserem uma leitura sem surpresas, bem-comportada, estilo genérico de um fast-food, fiquem com esta.

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2.Karl Münchinger, Stuttgart Kammerorchester, DECCA 1985

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Karl Münchinger é um maestro enigmático: especialista também em música barroca, principalmente em Bach, insiste em leituras híbridas que mesclam, de certa forma, um barroquismo que se diz “autêntico” (instrumentação, andamentos), mas por outro lado abusa do classicismo, ao estilo de Richter, nas dinâmicas, por exemplo. Suas leituras são também “corretas” no mesmo sentido de “assépticas”, optando sempre por uma média confortável que não chega a chocar o ouvinte, mas também não empolga. É uma leitura correta e até menos afetada que a de Richter, mas ele não faz os ritornellos das aberturas, diminuindo assim o tempo e fazendo caber tudo num único CD. Inclusive há quem ache chato o excesso de repetições dos andamentos lentos e prefere esta versão. Eu não. Apesar de tudo isso, gosto dela genericamente.

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3.Frans Brüggen, Orchestra of the Age of Enlightenment, PHILIPS 1994

bach_4_orchestral_suites_bruggen_coverBrüggen faz a interpretação autêntica mais exagerada que conheço, quase datada a Carbono-14. As dinâmicas barrocas ficam extremamente evidenciadas e a instrumentação é quase uma viagem ao tempo de Bach. Os contornos melódicos se mesclam com os timbres de forma quase orgânica, e os ritmos parecem germinar espontaneamente sabe-se lá de onde. Se você quiser uma versão chocante, diferente de tudo o que já ouviu, fique com esta. Nunca imaginei um barroco tão barroco, e nem sei se era mesmo assim. Mas é uma leitura extraordinária, vívida e de sonoridade vigorosa, que se contrapõe diretamente às leituras clássicas de Richter e Münchinger. Coisa fina.

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4.Trevor Pinnock, The English Concert, DG (ARCHIV) 1979-80

front coverEntre o ultra-romantismo de Richter e o mega barroco de Brüggen, Pinnock se revela de um equilíbrio estupendo. Não é um barroco autêntico exagerado, mas também não é uma leitura clássica. É a versão que considero mais equilibrada, e a mais convincente do ponto de vista estilístico. Seu conjunto The English Concert é um dos melhores grupos instrumentais de época do mundo, tendo gravado uma enorme quantidade de títulos barrocos com um apuro técnico e estético altamente elaborados. A versão dele para os Concertos de Brandenburgo é uma das mais precisas e bem gravadas da história da música. As suítes não ficam para trás. Poderão estranhar, se ouvirem primeiro a versão de Richter ou Münchinger, os andamentos mais rápidos das introduções das Aberturas. Mas é aí que ele mostra a que veio, contrapondo o tom solene à animação irresistível das fugas no desenvolvimento, revelando um barroco talvez até mais autêntico que o de Brüggen. Para todos os efeitos, esta é a escolha do Chucruten.

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CHUCRUTEN

11 comments / Add your comment below

  1. mais um grande presente que Chucruten nos faz. muito grato pelos comentarios.

    fiquei curioso em saber porque nao foram incluidos Harnoncourt, Leonhardt e Hogwood… que sao uma especie de referencia – para mim – para grupos instrumentais de época.

    na verdade nao sei se Leonhardt e Hogwood tambem gravaram as aberturas… meu arquivo esta uma bagunça precisando de index (se alguem souber como organizar o arquivo por favor me avise)… mas acho que o Bach 2000: The Complete Bach Edition é com o Hannoncourt.

    1. Caro Mario,
      a resposta mais simples para estas perguntas é: não tenho essas gravações. Particularmente, admiro muito Leonhardt e Hogwood, mas tenho sérias reservas a Harnoncourt. Outro motivo é que preferi um contraste entre interpretações de época e outras mais estilizadas, e por isso, optei por essas 4, já que todos estes que vc mencionou sao leituras de época. Mas se tiver as demais, e quiser contribuir, serão muito bem-vindas! Obrigado!

      1. Chucruten…. eu fico muito grato em entrar em contacto com estas gravações que vc disponibilizou porque nao as conhecia… ainda mais podendo ler seus comentarios.
        essa do Harnoncourt tem aqui no site mesmo, mas eu gostaria de ler seus comentarios sobre o Harnoncourt… porque, por exemplo, as ‘serias reservas’?
        nao encontrei essas gravaçoes, no meu mais que bagunçado acervo, com o Pinnock e Leonhardt… se encontrar te aviso. eu ainda estou ouvindo as gravacoes do Mahler que vc colocou ontem… daquelas eu tenho a do Bernstein com o Concertgebouw.
        ontem, talvez pela qualidade do CD, a orquestra parecia mais viva… os timpanos se destacam bastante tambem. (esta disponivel, caso queira… so me passar um email para enviar o link)

        obrigado pela sua iniciativa e disponibilidade… tem me feito ouvir ainda mais.

        1. encontrei neste emaranhado acervo, com o Freiburger Barockorchester (2011) (apresentada pelo PQP).

          da interpretacao:
          Este pacote de dois discos de Harmonia Mundi oferece cores de tom cintilantes, ritmos vivos e ornamentação espontânea que as performances historicamente informadas produzem, e a música de Bach é tocada com o entusiasmo e a experiência que os melhores especialistas em música antiga podem oferecer. (AllMusic Review by Blair Sanderson)
          (muita coisa para ouvir… mas vamos la)

  2. Chucruten. Também dou nota 10.
    Gostaria de ver um Guia de Gravações Comparadas P.Q.P. – de Rite of Spring de Stravinsky. Tenho várias gravações, mas as minhas preferidas são as interpretações de Esa-Pekka Salonen com a Philharmonia Orchestra e a de Mariss Jansons com a Royal Concertgebouw Orchestra (esta última peguei com vocês aqui no PQP.
    Um abraço.

  3. Estes comentários comparando versões são preciosos: parabéns e obrigado! acrescento dois outros nomes, para aumentar a confusão: Savall e Picket. O páreo é duro!

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