
Depois de parir petardos como a “Waldstein” (Op. 53) e a “Appassionata” (Op. 57) e romper todas as costuras da sonata para piano, Beethoven voltou-se bissextamente para seu meio favorito de expressão. Em franco contraste com as onze notáveis sonatas que lhe brotaram da pena nos cinco anos que antecederam a Op. 57, houve um hiato de cinco anos entre a “Appassionata” e a sonata seguinte, Op. 78. E, se é verdade que as três sonatas seguintes (Opp. 78, 79 e 81a) vieram ao mundo ao longo de meros dois anos, também não se nega que elas sejam, em duração e escopo, muito mais sucintas que suas antecessoras.
Pois entre o adeus ao arquiamigo Rudolph (Op. 81a) e a sonata seguinte, que lhes trago hoje, passaram-se quatro anos. Em seu retorno ao gênero, Beethoven manteve a concisão que dedicara às obras anteriores. No entanto, a Op. 90 parece-me melhor definida pela palavra concentração, tamanha a riqueza de ideias expressas pelo compositor em tão poucos minutinhos. Ainda que frequentemente incluída entre as últimas sonatas de Beethoven, não há na Op. 90 os gestos visionários das sonatas seguintes. Composta em 1814, mesmo ano em que a revisão de “Fidelio” foi concluída, ela me parece mais um retorno do compositor a um gênero que lhe era muito confortável do que uma busca de renovar um meio – ou, talvez, um grande ensaio-geral para desenferrujar e criar fôlego para as cinco últimas e transcendentais sonatas que comporia entre 1816 e 1821.
São apenas dois movimentos, todos com indicações de andamento e expressão em alemão, como seria quase sempre o caso nas sonatas seguintes. Especula-se que a preferência pelo alemão fosse um reflexo do espírito nacionalista que ressurgia nos povos de língua alemã naquela Europa sacudida por Napoleão – ou talvez nada disso, e apenas a vontade de se exprimir em sua língua materna. Apesar de descrita como uma obra em Mi menor e de fato começar nessa tonalidade, a Op. 90 seria melhor descrita como uma sonata em Mi, uma vez que o primeiro movimento desenvolve-se predominantemente em menor, e o segundo, em maior.
O primeiro, “com vivacidade, e sentimento e expressão do começo ao fim”, baseia-se praticamente num só tema e, em que pesem alguns momentos de tensão, deixa uma impressão de fluidez e constrita simplicidade. Alguns biógrafos atribuem a tensão supracitada a um conteúdo programático, que teria sido descrita pelo compositor como “a tensão entre a cabeça e o coração”, numa referência aos entreveros vividos pelo dedicatário, o conde Lichnowsky, em função duma paquera sua, mas o mais provável é que essa anedota seja mais uma atochada do factotum Schindler. Já o segundo, “não muito rápido, e para ser tocado de maneira muito cantável” é um cálido rondó com um tema que parece schubertiano, e que se resolve numa coda muito efetiva que não detrata a serenidade do movimento.
Ao nos encaminharmos para a reta final dessa travessia da integral beethoveniana, encontraremos obras tão transcendentais, tão ricamente abertas a seus intérpretes, que não teria como lhes alcançar uma interpretação favorita sem o pesar de preterir tantas e tão notáveis outras. Assim, preferi abordá-las individualmente em minhas postagens e, pelo mesmo motivo, alcançarei aos leitores-ouvintes, na medida do possível, uma série completa das últimas sonatas para cada postagem sobre elas.
Para o Op. 90, começo como talvez devesse terminar: por Grigory Sokolov. Nada afeito aos estúdios, e certamente ainda menos simpático a gravação de integrais tão só pela necessidade de gravá-las, o genial petersburguense frequentemente inclui as últimas sonatas em seus longos e variados recitais. Trago-lhes, pois, além da Op. 90 – aqui abordada com moderação nos andamentos ainda maior que a prescrita por Beethoven, uma tradicional opção de Sokolov em prol da clareza e da atenção aos detalhes -, uma “Hammerklavier” extraordinária gravada na década de 70 (gravação diferente da que já foi publicada aqui) e uma Op. 111 à qual, talvez mais do que qualquer outra versão, só se possa seguir o silêncio.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky
1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
3 – Allegro
4 – Scherzo: Assai vivace
5 – Adagio sostenuto
6 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto
Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra
7 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
Grigory Sokolov, piano

Vassily


Já que nos debruçamos sobre a ótima música para instrumentos de sopro que Beethoven escreveu em sua juventude, permitam-me dar um salto em seu catálogo de obras para apresentar-lhes o Op. 103, seu único octeto.
Como mencionamos ontem, as duas peças que Beethoven dedicou ao incomum conjunto de dois oboés e um corne inglês tinham destinatários específicos. Sabendo que a instrumentação era tão atraente quanto esdrúxula, Ludwig escreveu sua composição em quatro pentagramas: um para cada oboé e outro para corne inglês, todos em clave de sol, e um em clave de Dó, com material muito semelhante à parte do corne inglês, mas mais desenvolvida. Assim, ao propor uma parte para viola e supor que os violinistas não teriam dificuldades de tocar as partes dos oboés, o compositor não só autorizou, como também prescreveu a execução da obra pelo conjunto muito mais encontradiço de dois violinos e viola.
Ao chegar a Viena em 1792 para estudar com Hadyn, Beethoven já tinha composto e esboçado obras em quase todos os gêneros frequentados pelo Mestre de Rohrau. Em poucos deles ele fora mais prolífico que na Harmoniemusik, a escritura para conjuntos de sopros a serviço de membros da aristocracia. A corte do Eleitor de Colônia em Bonn, em cuja orquestra Ludwig tocara viola, tinha um notável grupo de sopristas que certamente ajudou o compositor a familiarizar-se com os timbres e particularidades técnicas dos instrumentos, enquanto fermentava ideias, estudos e coragem para enfim escrever sua primeira sinfonia.
Ao aceitar em 1807 a encomenda do príncipe Nikolaus Esterházy II para compor uma missa para o onomástico da esposa, Beethoven receava ter que calçar, com pezinhos de criança, sandálias que lhe seriam por demais grandes. A casa de Esterházy, afinal, estava acostumada a ouvir uma missa nova composta para a princesa a cada 12 de setembro, e nos dez anos anteriores as obras lhe tinham sido providas por Johann Nepomuk Hummel e, claro, aquele com quem Beethoven mais temia ser comparado: Joseph Haydn, seu antigo professor, de quem Nikolaus tinha sido o último mecenas.
Já lhes falei que não sou um grande fã do único oratório de Beethoven, mas o fato é que, até agora, a melhor versão da obra não tinha sido publicada por aqui. Resolvido: se não será esta gravação a colocar Ludwig no patamar – posição que ele, aliás, nunca almejou – dos grandes oratoristas, acho que o canto impecável de James King e Elizabeth Harwood, ambos no auge de suas capacidades vocais, sob a condução segura do já veteraníssimo Bernhard Klee deixa o Christus am Ölberge tão bonito quanto ele pode ser. E mais não lhes conto, porque eu já lhes
Quando o Burgtheater de Viena, em 1809, decidiu fazer uma nova montagem do “Egmont” de Johann Wolfgang Goethe, estreado vinte anos antes, não poderiam ter feito melhor escolha para o autor de sua música incidental. Beethoven idolatrava Goethe e respondeu à encomenda com grande entusiasmo, dedicação e, no que lhe era realmente incomum, rigoroso cumprimento dos prazos combinados. A montagem foi um sucesso e, ainda mais importante para Ludwig, Goethe adorou a música, que, nas palavras do mestre das Letras, evocou o caráter de seu drama com “notável gênio”.
Se Viena em 1810 estava uma baderna, imaginem então como estava a abadernada vida de Ludwig van Beethoven. Sem dinheiro, e com dificuldades de negociar a venda de suas obras, recorreu àquele velho golpe, que tantas vezes aqui apontamos, de requentar suas obras antigas e atingir novos editores. E se lhe faltava foco para as tarefas mais essenciais da vida, que se diria então das suas filigranas? Naturalmente, assim, o outrora meticuloso catálogo de suas composições publicadas também foi tragado pelo vórtex da zorra em que sua vida mergulhou. O resultado foi que Beethoven tocou o ficken Sie sich para seu próprio catálogo e acabou por publicar duas obras como Opus 81, o que levou a posteridade a considerar a sonata Lebewohl como Op. 81a, e o requentado sexteto para trompas e quarteto de cordas como o Op. 81b.
Beethoven ficou tiririca ao saber que seu editor resolveu dar à sonata para piano, Op. 81a, um subtítulo em francês. Apesar de ser amplamente conhecida como “Les Adieux”, em deferência ao compositor nós não a chamaremos assim. Bastaria mencionar que o título original, “Lebewohl” (“Adeus”), aparece acompanhando as três primeiras notas do movimento de abertura, mas vamos além: naquele turbulento 1809, o francês era provavelmente o último idioma que Ludwig gostaria de ouvir. Napoleão, que invadira novamente a Áustria, bombardeou Viena em 11 de maio, muito para o desespero de Beethoven, que passou a noite em claro, afogando-se em travesseiros, temendo que o ruído dos canhões detonasse ainda mais sua já precária audição. No dia seguinte, os franceses tomaram a capital austríaca, num déjà vu muito indigesto para quem já tinha visto sua única ópera fracassar na estreia porque o público era quase todo de invasores franceses. Ademais, o adeus a que o título se refere só poderia ser dito em alemão, pois foi certamente neste idioma que Beethoven despediu-se de seu aluno e patrono, o arquiduque Rudolph, que deixara Viena um mês antes para refugiar-se com a família imperial na Hungria. Instigado pelos sinceros sentimentos despertados pela partida daquele seu grande amigo, Ludwig dedicou-lhe uma sonata para piano, sob cujo primeiro movimento anotou “O Adeus (“Lebewohl”) – Viena, 4 de maio de 1809 – por ocasião da partida de Sua Alteza Imperial, o venerável arquiduque Rudolph”. Os dois movimentos restantes foram iniciados mais tarde, no mesmo ano, talvez até depois do armistício que levou os franceses a deixarem a Áustria, depois de abocanharem vários nacos de seu território. O arquiduque só voltaria a Viena em janeiro de 1810, e a sonata em sua homenagem iria a prensa um ano depois, com os subtítulos gálicos que enfureceram o compositor. Beethoven, que sempre se referiu à sonata como “Lebewohl, Abwesenheit und Wiedersehen” (“Adeus, Ausência e Reencontro”), assim expressou seu descontentamento ao editor:

Depois de tanto lhes escrever – e de tanto vocês me aguentarem -, permitir-me-ei ser muito sucinto e direto.
O terceiro ato da incrível trajetória de Leon Fleisher começou na década de 90, quando, após mais de trinta anos sem tocar com as duas mãos, a misteriosa condição que levou seus dedos da direita a desobedecerem-no ganhou um nome.
Quando aqueles dedos da mão direita começaram a curvar-se teimosamente, Leon Fleisher, então com trinta e poucos anos e a requisitada agenda cheia para talvez mais trinta, não imaginava que eles lhe davam os primeiros sinais de um então inominado problema que, eventualmente, o faria perder completamente o controle dos movimentos da mão direita.
Escrever sobre um artista tão universalmente amado como Leon Fleisher, que deixou nossa mascarada distopia no último 2 de agosto, sempre parecerá supérfluo. Suas credenciais para a fama são óbvias a todos os que o puderam conhecer, e seu imenso legado fala por si só. Ademais, o colega René Denon já lhe fez aqui uma
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré menor, Op. 15
Variações e fuga para piano sobre um tema de Händel, Op. 24
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 83
Se vivo estivesse, Charles Parker, Jr. teria feito cem anos ontem.
O brontossáurico concerto de 22 de dezembro de 1808, ao qual já nos referimos várias vezes ao longo da série e que será objeto duma postagem específica, foi certamente um dos mais memoráveis de todos os tempos. Beethoven, não satisfeito com as três horas e meia de sua música que já programara, incluindo as estreias públicas das sinfonias nos. 5 e 6, do quarto concerto para piano e de dois movimentos da missa em Dó maior, decidiu oferecer à já assoberbada audiência um grand finale que reunisse as forças vocais e instrumentais envolvidas nos números pregressos – ainda que tivesse, como de fato aconteceu, que lhes raspar com vigor o fundo do tacho da energia, certamente quase toda despendida na execução de tanta e tão exigente música.
Se a Op. 78 é uma obra-prima de concisão, a singeleza da Op. 79 é tanta que os estudiosos da obra de Beethoven chegaram a pensar que ela fosse uma obra da juventude que foi à prensa tardiamente – sim, de novo o velho truque de Ludwig para descolar alguns groschen. Quando o manuscrito foi enfim encontrado, no mesmo caderno em que estavam o quarteto de cordas, Op. 74 e a magistral sonata “Lebwohl”, Op. 81a, entendeu-se que a simplicidade fora proposital. Subtitulada “Sonata facile” no primeiro manuscrito, e inicialmente esboçada na tonalidade repleta de teclas brancas de Dó maior – a mesma da “Sonata Fácil”, K. 545 de Mozart, publicada alguns anos antes -, a Op. 79 acabou escrita em Sol maior e chamada de “Sonatina”, conforme sugestão do próprio compositor. Ainda que esteja ao alcance dos amadores, é um desafio considerável fazer-lhe justiça sem recair em frugalidade. Para honrar essa missão, trago a gravação duma grande figura canadense do piano, que construiu sua fama com interpretações magistrais de obras de Bach – e que, para alívio dos tantos leitores-ouvintes que têm Glenn Gould inscrito em seus Livros do Ódio, não é ele, e sim Angela Hewitt. Nos dez minutinhos, se tanto, que ela leva para nos dar sua impressão da Op. 79, temos limpidez de fraseado, humor e muita energia contida entre o serelepe “Alla tedesca” da abertura, cheio de estridentes acciaccature, e o abrupto final, que dá até impressão de obra inconclusa. Não quero levar aqui mais tempo a contar-lhes da sonatina que Hewitt levará para tocá-la, então deixo vocês com ela e só aviso que a breve obra, aqui, soará como um despretensioso interlúdio entre as três obras-primas bem mais parrudas que a rodeiam na gravação.
Ao longo dessa série repetimos um ‘cadinho de vezes que a fama de Beethoven como o melhor pianista de seu tempo antecedeu aquela como compositor, e mesmo com esta consolidada ainda havia muito interesse por um seu outro postulado à glória: o talento como improvisador.
De todos apelidos de obras de Beethoven, quase todos apócrifos, talvez um dos mais justificáveis seja o deste quarteto do Op. 74, em que o amplo e inovativo uso do pizzicato no primeiro movimento, seja em arpejos distribuídos entre todos os instrumentos, seja na engenhosa alternância entre pizzicati e notas sustentadas do arco, pode mesmo evocar uma harpa. Esse Allegro, introduzido por um Adagio com o qual não tem qualquer relação temática, é uma obra-prima em seu atraente desenvolvimento e construção do clímax, uma virtuosística cadência do primeiro violino, acompanhada pelos arpejos de cordas beliscadas. Atraente, também, é o contraste entre o sentido, sereno Adagio, que parece não terminar, e sim calar-se, com o Scherzo temperamental e impetuoso que se segue a ele. Para encerrar, o que parece ser um ortodoxo Allegretto com variações vai tomando rumos inesperados, numa demonstração do tremendo virtuosismo de Beethoven na transfiguração de temas, até que uma súbita explosão de temperamento, como se os instrumentos se rebelassem contra a necessidade de variar uma vez mais o tema, faz-nos esperar uma coda acelerada e nervosinha só para que, enfim, o quarteto conclua de maneira sem-cerimoniosa e lacônica.
Depois de honrarmos as úlceras que “Fidelio” deu a Beethoven, concedendo-lhe dez dias de nosso ano do jubileu, e darmos de presente a vós outros alguns dias de ausência para que o colega FDP Bach lhes apresentasse a soberba integral das sonatas de Lud Van com Bavouzet, prosseguiremos a travessia de sua obra com um dos seus maiores blockbusters, o mais conhecido de seus concertos para piano, que dispensaria apresentações se não houvesse tanto para se escrever sobre ele.
Concerto em Mi bemol maior para piano e orquestra, Op. 73, “Imperador”
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Si bemol menor, Op. 23
Para arrematar a minissérie “Leonore/Fidelio” dentro dessa travessia a que nos propusemos da integral beethoveniana, abordaremos brevemente as aberturas que Ludwig compôs para o que deveria ter sido sua única ópera, mas que lhe deu o trabalho de várias e, nas suas próprias palavras, “uma coroa de mártir”.
Para encerrar nosso miniciclo “Fidelio/Leonore”, que honra o mais complicado de todos conceptos paridos por nosso herói em jubileu, trago uma sólida “Leonore”. Não por acaso, a Staatskapelle Dresden faz sua terceira aparição no miniciclo, tamanha é sua afinidade com a obra, bem como sua tradição ímpar na execução de óperas em alemão. O regente também é muito especial: Herbert Blomstedt, o decano dos maestros em atividade. As centenas de gravações brilhantes que ele produziu ao longo de sete décadas de carreira sempre são escolhas certeiras quando a gente quer conhecer uma obra ou construir uma discografia, e não quer nem correr o risco de arriscar as marcas-diabo, nem desembolsar nossas suas merrecas em discos “hypados” de astros ególatras inflacionados por marqueteiros. Por algum motivo, talvez tão só a própria discrição do austero Blomstedt, sua grande arte não é superfaturada, e foi graças a isso que pude conhecer o valor de “Leonore”, que considerava uma mera curiosidade, um zigoto de “Fidelio”.
Qualquer lançamento de John Eliot Gardiner é um tremendo evento e, normalmente, ninguém perde por esperar.
Encerramos essa semana de “Fidelios” com uma grata surpresa. Ou talvez não, porque a Naxos já vem há um bom tempo colocando, dentro de sua missão de proporcionar qualidade a baixo custo, ótimas gravações no mercado. Algumas, especialmente de ópera, são excelentes, e este “Fidelio” é sensacional. O veterano regente Hálasz dirige o que parece ser uma orquestra de câmara com tempos lépidos e muita atenção ao detalhe, sem deixar de causar sensação, especialmente nas grandiloquentes codas boladas por nosso herói Ludwig. E, falando em heróis, a dupla de protagonistas escandinavos faz muito bonito. A dinamarquesa Nielsen é uma Leonore com brilho e garbo, sem deixar de mostrar com delicadeza sua vulnerabilidade na arriscada (e, combinemos, inverossímil) operação de resgate, e o sueco Winbergh, infelizmente já falecido, é um dos melhores Florestans que já ouvi – sua sensível transição do torpor para a epifania, e dela para a redenção, soa-me impecável. A leveza de suas vozes orna muito bem com o sucinto conjunto orquestral, e o time de coadjuvantes – com destaque para um Kurt Moll que parece que vai engolir suas contrapartes cada vez que Rocco abre a boca – mantém o interesse das tramas secundárias. Os diálogos, que tantos ouvintes consideram indesejáveis, aqui são breves e muito atraentes, valorizando os timbres dos cantores. O único defeito desta gravação, felizmente pouco audível, e só no final, é um Don Fernando a que, parece, faltaram algumas colheradas de Biotônico. Nada que comprometa: ponto para a Naxos, que me proporcionou essa gravação há alguns anos por uns poucos pilas e me deu o “Fidelio” que mais sai de minha estante.