Se a Op. 78 é uma obra-prima de concisão, a singeleza da Op. 79 é tanta que os estudiosos da obra de Beethoven chegaram a pensar que ela fosse uma obra da juventude que foi à prensa tardiamente – sim, de novo o velho truque de Ludwig para descolar alguns groschen. Quando o manuscrito foi enfim encontrado, no mesmo caderno em que estavam o quarteto de cordas, Op. 74 e a magistral sonata “Lebwohl”, Op. 81a, entendeu-se que a simplicidade fora proposital. Subtitulada “Sonata facile” no primeiro manuscrito, e inicialmente esboçada na tonalidade repleta de teclas brancas de Dó maior – a mesma da “Sonata Fácil”, K. 545 de Mozart, publicada alguns anos antes -, a Op. 79 acabou escrita em Sol maior e chamada de “Sonatina”, conforme sugestão do próprio compositor. Ainda que esteja ao alcance dos amadores, é um desafio considerável fazer-lhe justiça sem recair em frugalidade. Para honrar essa missão, trago a gravação duma grande figura canadense do piano, que construiu sua fama com interpretações magistrais de obras de Bach – e que, para alívio dos tantos leitores-ouvintes que têm Glenn Gould inscrito em seus Livros do Ódio, não é ele, e sim Angela Hewitt. Nos dez minutinhos, se tanto, que ela leva para nos dar sua impressão da Op. 79, temos limpidez de fraseado, humor e muita energia contida entre o serelepe “Alla tedesca” da abertura, cheio de estridentes acciaccature, e o abrupto final, que dá até impressão de obra inconclusa. Não quero levar aqui mais tempo a contar-lhes da sonatina que Hewitt levará para tocá-la, então deixo vocês com ela e só aviso que a breve obra, aqui, soará como um despretensioso interlúdio entre as três obras-primas bem mais parrudas que a rodeiam na gravação.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Ré menor, Op. 31 no. 2, “Tempestade” Composta em 18 Publicada em 1803
1 – Largo – Allegro
2- Adagio
3 – Allegretto
Sonata “quasi una fantasia” em Mi bemol maior, Op. 27 no. 1 Compostas em 1801
Publicada em 1802
Dedicada à princesa Josephine von Liechtenstein
4 – Andante – Allegro – Andante – attacca:
5 – Allegro molto e vivace – attacca:
6 – Adagio con espressione – attacca:
7 – Allegro vivace
Sonata para piano em Sol maior, Op. 79 Composta em 1809 Publicada em 1810
8 – Presto alla tedesca
9 – Andante
10 – Vivace
Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 Composta em 1820 Publicada em 1821 Dedicada a Maximiliane Brentano
11 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
12 – Prestissimo
13 – Andante molto cantabile ed espressivo. Gesangvoll mit innigster Empfindung
Mais de quatro anos depois de compor a tonitruante “Appassionata”, Beethoven voltou à sonata para piano. O ínterim, como sabemos, foi ocupado por grandes obras, de amplos gestos – duas sinfonias, quatro concertos, importantes quartetos de cordas – e transtornado por desgraças. A progressão da surdez e o desespero com seu isolamento crescente somaram-se mais uma invasão napoleônica, que levou à fuga de muitos de seus patronos e ao agravamento de sua penúria material.
O difícil período até o armistício foi passado na propriedade dos Brunsvik/Brunszvik, família de aristocratas húngaros que foi de fundamental importância para Ludwig. Franz von Brunsvik foi um generoso patrono e dedicatário de várias obras do compositor, tinha duas irmãs para quem Beethoven lecionou piano e que imortalizou, cada qual à sua maneira: Josephine, que é a mais provável destinatária da famosa carta à “Amada Imortal”, e Therese, a quem dedicou a sonata que ouvirão a seguir.
O conturbado ínterim entre a “Appassionata” e a Op. 78 reflete-se no caráter dessa obra, praticamente o oposto de sua grandiloquente, pretensiosa predecessora. Concisa, direta e sem firulas, foi a única composição de Beethoven na incomum tonalidade de Fá sustenido maior – tão rara e cheia de sustenidos em sua armadura de clave que o compositor sonegou vários deles no manuscrito. A sonata resume-se a dois breves movimentos: o primeiro intensamente lírico, o segundo cheio de verve, e é quase só piscar os olhos que está tudo terminado. Apesar de sua brevidade, ela era, junto com a “Appassionata”, uma das sonatas favoritas de Beethoven, opinião que, do alto de minha desimportância, compartilho com o grande homem, por ser um microcosmos de sua genial capacidade de invenção ao piano.
A interpretação de Glenn Gould, para variar, ignora amplamente muitas das indicações do compositor. Nada há aqui, claro, que se compare à sua sabotagem contra a “Appassionata”, mas o lindo cantabile do primeiro movimento é apenas sugerido, e Gould passa quase sem pausas para o finale, a que atribui um ritmo frenético. Ainda assim, esta é uma de minhas interpretações favoritas da Op. 78, e é um mistério por que, mesmo gravada em estúdio, não tenha sido lançada durante a vida do pianista. Somente nos anos 90 ela foi posta em disco, pareada com uma “Hammerklavier” transmitida pela Canadian Broadcasting Corporation, pela qual não sinto o mesmo entusiasmo. O próprio Gould declarou, várias vezes, que não se impressionava com os grandes gestos da “Hammerklavier” e que a considerava antipianística. Mais que isso, ela foi a única obra que suscitou, até onde pude saber, uma sua reclamação pública acerca de seus desafios técnicos – ele a chamou de “horrendamente difícil”, e isso não era algo que se ouvia dele todo dia. A técnica impecável de Gould, claro, assegura uma limpidez incomum a esta mais transcendental das sonatas de Beethoven, mas seu pendor por escolher tempos mais ruminativos, que aumentava a medida em que colecionava grisalhos, acaba tirando muito do elã da obra, especialmente do primeiro movimento. O extraordinário Adagio, cerne da “Hammerklavier”, tem uma leitura muito bonita que, no entanto, nada tem da paixão e do sentimento prescritos na indicação do andamento, e a fuga do finale, apesar do esperado show-room da incomparável capacidade de Gould de realizar com clareza as mais intrincadas passagens contrapontísticas, acaba padecendo da mesma competente frigidez.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Fá sustenido maior, Op. 78, “À Thérèse” Composta em 1809 Publicada em 1810 Dedicada a Therese von Brunsvik
1 – Adagio cantabile – Allegro, ma non troppo
2 – Allegro vivace
Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Große Sonate für das Hammerklavier” Composta entre 1817-1818
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
3 – Allegro
4 – Scherzo. Assai vivace
5 – Adagio sostenuto. Appassionato e con molto sentimento
6 – Largo – Allegro risoluto
Ao longo dessa série repetimos um ‘cadinho de vezes que a fama de Beethoven como o melhor pianista de seu tempo antecedeu aquela como compositor, e mesmo com esta consolidada ainda havia muito interesse por um seu outro postulado à glória: o talento como improvisador.
Mais de um século antes da irrupção do jazz, e uma década antes do proto-jazz com que encerrou sua visionária Op. 111, Ludwig causava frisson ao exibir sua capacidade de improvisar tanto sobre temas próprios quanto sobre outros a ele sugeridos. Além das eventuais surras musicais que aplicava sobre o eventual incauto que o desafiava para um duelo – e já prometi anteriormente que o nocaute em Daniel Steibelt será objeto de postagem específica -, era muito comum que Beethoven pavoneasse sua criatividade durante seus concertos, tanto nos privados, nos salões da aristocracia que o patrocinava, quanto nos públicos.
Entre estes, um dos mais célebres – e infames – foram as quatro horas de música e hipotermia vividas por uma plateia vienense no gelado 22 de dezembro de 1808, em que o compositor estreou as sinfonias nos. 5 e 6, o concerto no. 4 para piano e a fantasia coral, e ainda achou disposição para apresentar dois movimentos da missa em Dó maior. Como se não fosse o bastante, houve por bem também apresentar uma improvisação ao piano que, segundo algumas fontes, foi anos depois posta em papel e publicada como seu Op. 77.
A Fantasia para piano, única composição de Beethoven assim intitulada, é muitas vezes descrita na tonalidade de Sol menor – o que só engana aqueles que abrem a partitura, olham a armadura da clave e não passam da primeira página. Depois duma abertura que entremeia escalas descendentes e tentativas de cantabile, há uma sucessão de modulações inesperadas para tonalidades não relacionadas – Lá bemol maior, Si bemol maior, Ré menor, e novamente Lá bemol – até chegar a Si menor e, por fim, a um episódio em Si maior em que um tema se segue a algumas variações. Quando tudo parece se encaminhar para um final convencional, as escalas descendentes da abertura retornam e, após uma última ilusão de uma coda em Si maior, Beethoven bem- (ou mal-?) humoradamente nega a resolução aguardada pelo ouvinte, finalizando com uma última escala muito abrupta e um lacônico, solitário Si grave.
É natural que uma peça tão livre abra amplas oportunidades para o intérprete, e que a discografia do Op. 77, dessa forma, comporte leituras extraordinariamente diferentes. Depois de muito refletir sobre qual deveria oferecer aos leitores-ouvintes, resolvi oferecer a primeira que conheci, com o incrível Rudolf Serkin. Além de todas as qualidades que fizeram dele um grande beethoveniano, há em sua interpretação tanto a valorização dos diferentes coloridos tonais e dos contrastes entre os episódios, quanto um senso de continuidade que faz com que os compassos finais também tenham humor, e não só desconcerto.
Infelizmente, o disco em que eu tinha a Op. 77 com Serkin – um saco de gatos em que atiraram também as sonatas “Patética” e a feroz “Hammerklavier” – sucumbiu a um, bem, ataque felino não provocado, de modo que tive que recorrer ao submundo das torrentes para encontrar esta alternativa, em que a Op. 77 tem o luxuoso prelúdio das Variações Diabelli e das bagatelas do Op. 119. As Diabelli com Serkin são tão magistrais que eclipsam a pobre fantasiazinha, mas insisto em que a escutem. Mesmo que sua origem não remonte ao concerto-mastodonte de 1808, as circunstâncias em que ela foi completada – na propriedade do dedicatário, von Brunsvik, e após um ano miserável permeado por penúria econômica, bombardeios napoleônicos e invasão de Viena – apontam para uma motivação muito especial do compositor em celebrar o armistício e preservar para a posteridade um instantâneo de sua capacidade como improvisador. Ouvi-la, pois, também é raro privilégio de abrir uma janela sonora para a mais livre das facetas do gênio de Beethoven.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 Compostas entre 1819-23 Publicadas em 1823 Dedicadas a Antonie Brentano
1 – Theme: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato
Onze Bagatelas para piano, Op. 119 Compostas entre 1820-22 Publicadas em 1823
35 – Allegretto – Andante con moto – A l’Allemande – Andante cantabile – Risoluto – Andante — Allegretto – Allegro, ma non troppo – Moderato cantabile – Vivace moderato – Allegramente – Andante, ma non troppo
Fantasia para piano, Op. 77 Composta em 1809 Publicada em 1810 Dedicada ao conde Franz von Brunsvik
De todos apelidos de obras de Beethoven, quase todos apócrifos, talvez um dos mais justificáveis seja o deste quarteto do Op. 74, em que o amplo e inovativo uso do pizzicato no primeiro movimento, seja em arpejos distribuídos entre todos os instrumentos, seja na engenhosa alternância entre pizzicati e notas sustentadas do arco, pode mesmo evocar uma harpa. Esse Allegro, introduzido por um Adagio com o qual não tem qualquer relação temática, é uma obra-prima em seu atraente desenvolvimento e construção do clímax, uma virtuosística cadência do primeiro violino, acompanhada pelos arpejos de cordas beliscadas. Atraente, também, é o contraste entre o sentido, sereno Adagio, que parece não terminar, e sim calar-se, com o Scherzo temperamental e impetuoso que se segue a ele. Para encerrar, o que parece ser um ortodoxo Allegretto com variações vai tomando rumos inesperados, numa demonstração do tremendo virtuosismo de Beethoven na transfiguração de temas, até que uma súbita explosão de temperamento, como se os instrumentos se rebelassem contra a necessidade de variar uma vez mais o tema, faz-nos esperar uma coda acelerada e nervosinha só para que, enfim, o quarteto conclua de maneira sem-cerimoniosa e lacônica.
Se entre o Op. 74 e seus predecessores – os quartetos “Razumovsky”, compostos dois anos antes – há um considerável salto estilístico, há uma diferença do Op. 74 para o quarteto seguinte, dito “Serioso”, que conclui esta gravação. Nesta obra, à qual voltaremos mais adiante nesta série, há uma concisão que prenuncia aquela de sonatas como a Op. 109, e com a qual Beethoven não mais experimentaria: ao voltar a escrever para quarteto de cordas, uma década mais tarde, ele destruirá todos os precedentes do gênero, tanto em extensão, quanto em número de movimentos e em transcendência artística.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 74, “Harpa” Composto em 1809 Publicado em 1810 Dedicado ao príncipe Joseph Franz von Lobkowitz
1 – Poco adagio – Allegro
2 – Adagio ma non troppo
3 – Presto
4 – Allegretto con variazioni
Quarteto em Fá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 95, “Serioso” Composto entre 1810-11 Publicado em 1816 Dedicado a Nikolaus Zmeskall von Domanovecz
5 – Allegro con brio
6 – Allegretto ma non troppo
7 – Allegro assai vivace ma serioso
8 – Larghetto espressivo – Allegretto agitato – Allegro
Tokyo String Quartet: Peter Oundjian e Kikuei Ikeda, violinos Kazuhide Isomura, viola Sadao Harada, violoncelo
Depois de honrarmos as úlceras que “Fidelio” deu a Beethoven, concedendo-lhe dez dias de nosso ano do jubileu, e darmos de presente a vós outros alguns dias de ausência para que o colega FDP Bach lhes apresentasse a soberba integral das sonatas de Lud Van com Bavouzet, prosseguiremos a travessia de sua obra com um dos seus maiores blockbusters, o mais conhecido de seus concertos para piano, que dispensaria apresentações se não houvesse tanto para se escrever sobre ele.
Primeiramente, claro, sua alcunha, apócrifa como quase todos os apelidos dados às obras de Beethoven. O “Imperador” foi assim chamado por Johann Baptist Cramer, seu editor londrino. Muitos pensam que, assim como aquela sinfonia que seria “titolata Buonaparte”, o “Imperador” seria Napoleão, o que é uma tremenda bobagem, já que, em pleno 1809, o corso não era nem querido na Áustria, que derrotara naquele mesmo, tampouco em Londres, mesmo derrotado em Trafalgar anos antes. Cramer tão só apôs um título para descrever, e não sem felicidade, a pompa e imponência da obra, e com isso impressionar sua clientela. Funcionou tão bem que, bem, funciona até hoje.
Este foi o único dos cinco concertos para piano que Beethoven nunca tocou em público. Há quem pense que ele não o fez por conta da surdez, e ela certamente já estava muito avançada quando o concerto foi terminado. Ludwig, no entanto, continuou a apresentar-se como pianista até 1815, quando tocou para a nobreza reunida em Viena para o Congresso epônimo que refatiou a Europa pós-napoleônica. O “Imperador”, aliás, teve duas estreias. A primeira foi privada, na casa do príncipe Lobkowitz, e o solista foi o próprio dedicatário da obra, o arquiduque Rudolph. A estreia pública, com solo do também compositor Friedrich Schneider, aconteceu em Leipzig, onde o concerto foi publicado. A cidade saxã estava longe demais de Viena para que Beethoven, cada vez menos interessado em pegar estradas, se dispusesse a estrear a obra. Quando houve a oportunidade de fazê-la ouvir em Viena, Beethoven não tinha o melhor interesse em tocá-la em público, de modo que a estreia naquela cidade foi dada em 1812 por seu aluno Carl Czerny – o ano da famosa carta à “Amada Imortal”, de imensos problemas financeiros e do início de suas contendas pela tutela de seu sobrinho.
Mais uma barbeiragem factual, num oferecimento daquela baboseira
chamada “Minha Amada Imortal”
Enfim, a obra. De tão executada, gravada e repetida, pode-se até esquecer sua imensa originalidade. O plano geral é mesmo do concerto para violino, embora seja radicalmente diferente deste: um longo e elaborado movimento inicial, um expressivo movimento lento, e um finale impetuoso que resolve os movimentos anteriores. No imenso primeiro movimento, há tantas cadências para o piano solo – incluindo as três que abrem os trabalhos, com a entrada quase imediata do solista, entremeadas por majestosos acordes da orquestra em progressão harmônica – que Beethoven abriu mão, pela primeira vez em seus concertos, de designar um espaço para o executante improvisar livremente. Com um primeiro movimento tão extenso e imponente, é admirável que o cerne da obra, seu verdadeiro coração, esteja no contido, maravilhoso Adagio na remota tonalidade de Si maior, já anunciada por episódios do movimento inicial. Seu caráter hínico é realçado pelo silêncio dos instrumentos marciais (metais e tímpanos) e pelo acompanhamento das cordas em surdina, pelas madeiras, e de delicadas figurações do piano. O resultado é um dos pontos mais altos de toda obra de Beethoven, daqueles que um ludwigomaníaco como eu poderia escutar ad aeternum, e que a gente lamentaria que acabasse, se o genial compositor também não tivesse dado um jeito nisso: em vez de encerrar o Adagio impossivelmente belo, que parece suspender a passagem do tempo, ele prepara a transição ininterrupta para o movimento seguinte com sugestões do tema, e um simples semitom – um longo Si natural do fagote que dá lugar a um Si bemol – abre as comportas para o impetuoso finale que parece resolver tudo que a meia hora anterior deixou em aberto.
Por último, o solista. Não é segredo que Vladimir Horowitz, idolatrado por tantos grandes pianistas e certamente objeto de inveja de qualquer um que já tentou tocar piano, seja frequentemente criticado por suas idiossincrasias, em particular sua inclinação por subverter indicações da partitura para fazer ouvir seus fantásticos truques ao teclado. Esta gravação vem, então, como uma tentativa de desagravo. Ela mostra que Horowitz conseguia, sim, respeitar as intenções do compositor sem deixar de demonstrar seu fabuloso domínio do instrumento. Vá lá que seu parceiro nesta gravação ao vivo, o temido Fritz Reiner, certamente arrancar-lhe-ia a coluna vertebral pelas órbitas se ele tentasse botar as manguinhas de fora, mas é notável como o brilho de Horowitz não soçobra a cuidadosa realização do acompanhamento orquestral pelo húngaro. Se não é o “Imperador” para ouvir pela eternidade, é certamente um dos que mais gosto de revisitar.
A gravação encerra com uma outra notável parceria, aquela entre Horowitz e outro notório déspota do pódio, e ademais seu sogro, Arturo Toscanini. Também realizada ao vivo, no Carnegie Hall, com todas as limitações esperadas de uma gravação de 1943, ela mostra o recém-quarentão Volodya no auge de suas forças, numa interpretação elétrica de um de seus cavalos de batalha, o primeiro concerto de Tchaikovsky. O concerto em questão era destinada à arrecadação de bônus de guerra, numa época em que os soviéticos retomavam Stalingrado e o teatro de operações do Pacífico ficava cada vez mais encarniçado. Todos esperavam o inacreditável de Horowitz, e ele pelo jeito o entregou ao público, com direito a algumas de suas características traições à partitura para exibir sua incomparável técnica de oitavas. O resultado foi uma leitura única, inconfundível dessa obra popularíssima da qual, confesso, eu já gostei mais, mas que provavelmente agradará seus muitos fãs.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto em Mi bemol maior para piano e orquestra, Op. 73, “Imperador” Composto em 1809 Publicado em 1811 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria
1 – Allegro
2 – Adagio un poco mosso – attacca:
3 – Allegro ma non troppo
Vladimir Horowitz, piano RCA Victor Symphony Orchestra Fritz Reiner, regência
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Si bemol menor, Op. 23
4 – Allegro non troppo e molto maestoso – Allegro con spirito
5 – Andantino semplice – Prestissimo – Tempo I
6 – Allegro con fuoco – Molto meno mosso – Allegro vivo
Vladimir Horowitz, piano NBC Symphony Orchestra Arturo Toscanini, regência
Gravado ao vivo no Carnegie Hall, New York City, em 25 de abril de 1943.
Para arrematar a minissérie “Leonore/Fidelio” dentro dessa travessia a que nos propusemos da integral beethoveniana, abordaremos brevemente as aberturas que Ludwig compôs para o que deveria ter sido sua única ópera, mas que lhe deu o trabalho de várias e, nas suas próprias palavras, “uma coroa de mártir”.
A abertura das óperas, no ínicio do século XIX, buscava estabelecer, enquanto a plateia se aquietava, a devida atmosfera sonora para o que viria após o desfraldar das cortinas. Embora algumas aberturas não citem explicitamente temas da ópera – das quais aquela que Mozart deu para “Le Nozze di Figaro” é um dos mais maravilhosos exemplos, evocativa que é da comédia bufa que a ela se segue -, era bastante comum que os compositores citassem melodias para introduzir personagens ou evocar episódios significativos do enredo. Com tantas edições, podas e reformulações, é natural que Beethoven tenha mudado de ideia quanto à música que abriria “Leonore/Fidelio”. Assim, ele escreveu pelo menos cinco aberturas para sua complicada ópera – quis dar-lhe tantas aberturas quanto ela lhe deu úlceras, decerto -, das quais quatro sobreviveram: aquelas intituladas “Leonore” e numeradas de 1 a 3, e a abertura “Fidelio”.
Por muito tempo, pensou-se que a abertura Op. 138, publicada postumamente, fosse a primeira intenção do compositor para dar a partida em “Leonore”, e por isso ela ganhou o título de “Leonore no. 1”. Descobriu-se, no entanto, que embora tenha sido esboçada em 1804, um ano antes da fracassada estreia da ópera, ela só foi completada em 1808, dentro de planos enfim malogrados de apresentá-la em Praga. Assim como as três aberturas homônimas, ela cita o tema de Florestan na masmorra, antes da conclusão. Notória pelos crescendos quase rossinianos, ela parece entre todas a menos evocativa do restante da ópera – sinalizando, talvez, o desalento de Beethoven para com sua malfadada criatura.
A abertura seguinte, intitulada “Leonore no. 2”, foi aquela usada na fracassada estreia de 1805, ante uma plateia repleta de invasores franceses que entendiam tchongas de alemão. Logo no início, ouve-se um soturno tema em escala descendente, a representar a descida de Florestan à sua horrenda masmorra. Há uma evocação do casal de protagonistas, a citação à ária de Florestan, e um toque de trompete que prenuncia aquele outro, tão crucial para a trama, no último ato dela.
“Leonore no. 3”, a mais desenvolvida delas, foi escrita para o relançamento da muito mutilada “Leonore” em 1806. Elaborada, altamente dramática e muito complexa, é uma obra-prima que se sustenta sozinha, como se abertura de concerto fosse, ao feitio da “Coriolan”, composta no ano seguinte. Seu largo escopo e portentosa realização, no entanto, acabam por eclipsar o singelo início do primeiro ato, que, com os arrulhos e resmungos do triângulo amoroso entre Leonore, Marzelline e Jaquino, acaba soando anticlimático. Com o intuito de dar alguma finalidade dramática a essa grande música, Gustav Mahler iniciou, como já mencionamos anteriormente, a tradição de executar a “Leonore no. 3” como prelúdio para a cena final de “Fidelio”, a fim de permitir ao público algum repouso da trama enquanto a peonada faz as mudanças necessárias no cenário.
Por fim, a abertura da versão definitiva da ópera, chamada tão só “Fidelio” e ouvida junto com a obra toda em 1814, não tem qualquer relação temática com ela. Com os franceses expulsos e os vienenses novamente enchendo as galerias do teatro, celebrava-se a derrocada de Napoleão e, com ela, os novos ventos de libertação. A concisão da forma e a impetuosidade são bem característicos de um Beethoven mais velho, talvez já sem muita paciência para debruçar-se mais sobre sua conturbada criatura operística. Serve bem como introdução para a derradeira versão da obra, que é mais uma celebração do triunfo de Leonore que o melodrama original, e, talvez por isso mesmo, seja a abertura que menos apelo tenha numa audição em separado.
Já lhes apresentei essas quatro obras, que aqui vão em ordem cronológica, na muito recomendável versão dos filarmônicos de Viena sob Claudio Abbado. Ainda assim, achei interessante trazê-las de novo, depois de tantas gravações de “Leonore/Fidelio”, para que vocês as apreciem à luz das reminiscências da ópera e as julguem quanto a seus méritos para com ela. Tenho certeza de que a orquestra da Tonhalle de Zürich e o excelente David Zinman saberão granjear a atenção dos leitores-ouvintes para esse desfile sonoro das quatro irmãs tão próximas quanto diferentes, e assim podermos cerrar as cortinas sobre aquela que, entre todas crias de Beethoven, foi a que mais lhe trouxe amarguras.
Para encerrar nosso miniciclo “Fidelio/Leonore”, que honra o mais complicado de todos conceptos paridos por nosso herói em jubileu, trago uma sólida “Leonore”. Não por acaso, a Staatskapelle Dresden faz sua terceira aparição no miniciclo, tamanha é sua afinidade com a obra, bem como sua tradição ímpar na execução de óperas em alemão. O regente também é muito especial: Herbert Blomstedt, o decano dos maestros em atividade. As centenas de gravações brilhantes que ele produziu ao longo de sete décadas de carreira sempre são escolhas certeiras quando a gente quer conhecer uma obra ou construir uma discografia, e não quer nem correr o risco de arriscar as marcas-diabo, nem desembolsar nossas suas merrecas em discos “hypados” de astros ególatras inflacionados por marqueteiros. Por algum motivo, talvez tão só a própria discrição do austero Blomstedt, sua grande arte não é superfaturada, e foi graças a isso que pude conhecer o valor de “Leonore”, que considerava uma mera curiosidade, um zigoto de “Fidelio”.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (Leonora, ou o Triunfo do Amor Conjugal), ópera em três atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner, baseado em “Léonore, ou L’amour conjugal” de Jean-Nicolas Bouilly
1 – Abertura (Leonore no. 2)
PRIMEIRO ATO
2 – “Fidelio kommt nicht zurück!”
3 – No. 1, Aria: “O wär’ ich schon mit dir vereint”
4 – “Wenn ich diese Tür nicht”
5 – No. 2, Duet: “Jetzt, Schätzchen”
6 – “Höre, Jaquino”
7 – No. 3, Trio: “Ein Mann ist bald genommen”
8 – “Ist Fidelio noch nicht nach Hause gekommen?”
9 – No. 4, Canon (Quartet): “Mir ist so wunderbar”
10 – “Höre, Fidelio”
11 – No. 5, Aria: “Hat man nicht auch Gold beneiben”
12 – “Ihr könnt das leicht sagen”
13 – No. 6, Trio: “Gut, Söhnchen, gut”
SEGUNDO ATO
14 – No. 7: March
15 – “Drei Schildwachten auf den Wall”
16 – No. 8, Aria mit Chor: “Ha! Welch ein Augenblick!”
17 – “Rocco!”
18 – No. 9, Duet: “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
19 – “Nun ist es endlich entschieden”
20 – No. 10, Duet: “Um in der Ehe froh zu leben”
21 – “Sie doch, wie du so schnell”
22 – No. 11, Recitative & Aria: “Ach, brich noch nicht”
23 – No. 12, Finale: “O welche Lust!”
24 – No. 12, Finale: “Entfernt euch jetzt!”
25 – No. 12, Finale: “Wir müssen gleich zu Werk schreiten”
26 – No. 12, Finale: “Auf euch nur will ich bauen”
TERCEIRO ATO
27 – No. 13, Recitative & Aria: “Gott! Welch Dunkel hier!”
28 – No. 14, Melodrama & Duet: “Wie kalt ist es”
29 – “Er erwacht!”
30 – No. 15, Trio: “Euch werde Lohn in besser’n Welten”
31 – “Alles ist bereit”
32 – No. 16, Quartet: “Er sterbe!”
33 – “Die Waffe hab’ ich mir”
34 – No. 17, Recitative & Duet: “Ich kann mich noch nicht fassen”
35 – “O Leonore, sprich!”
36 – No. 18, Finale: “Zur Rache”
37 – No. 18, Finale: “O Gott! O welch ein Augenblick!”
38 – No. 18, Finale: “Wie lange habt Ihr sie getragen?”
39 – No. 18, Finale: “Preist mit hoher Freude Glut”
40 – No. 18, Finale: “Wer ein solches Weib errungen”
Edda Moser, soprano (Leonore) Helen Donath, soprano (Marzelline) Richard Cassilly, tenor (Florestan) Eberhard Büchner, tenor (Jaquino) Karl Ridderbusch, barítono (Rocco) Theo Adam, baixo (Pizarro) Hermann Christian Polster, baixo (Don Fernando) Reiner Goldberg, tenor (prisioneiro I) Siegfried Lorenz, barítono (prisioneiro II) Rundfunkchor Leipzig Staatskapelle Dresden
Herbert Blomstedt, regência
Qualquer lançamento de John Eliot Gardiner é um tremendo evento e, normalmente, ninguém perde por esperar.
Foi assim quando ele lançou sua “Leonore” em 1997, com a qual pude finalmente conhecer a versão original de “Fidelio” em todo seu esplendor de obra de próprio mérito, e não, como muitas vezes a consideram, uma crisálida imperfeita duma obra maior. Foi-me uma tremenda descoberta, em especial pelo tom impetuoso, revolucionário da trama e da música que a acompanha, muito mais afeito ao espírito do tempo e dos ventos então recentes da Revolução Francesa. “Fidelio”, em comparação, pareceu-me não só uma obra de maturidade, mas também um reparo – uma retratação. Havia uma espontaneidade e energia na “Leonore” de Gardiner que, até, me trouxe a ideia de que “Fidelio”, sim, fora um erro, e que a extensa poda e completa reformulação de libreto e música foram uma perda considerável, e não uma real melhoria.
Com o tempo, e com meus grisalhos, “Fidelio” foi crescendo em meu conceito. Reconheço que é uma obra melhor urdida, com narrativa fluida e música adequadamente poderosa e concentrada. Cada vez que revisito essa “Leonore” de Gardiner eu me admiro com a clareza e limpidez da execução da orquestra, reafirmo a certeza de que o Monteverdi Choir é o melhor coro do planeta, e aprecio o elã que Gardiner traz para o pódio, sem deixar cair a peteca da trama, ademais extensa e cheia de momentos supérfluos. Por outro lado, estranho cada vez mais o estranho híbrido que ele criou, juntando ao que é grosso modo a versão integral de 1805 alguns pedaços da remontagem abreviada de 1806 e, até mesmo, trechos de “Fidelio”, de nove anos depois. Nunca entendi o que levou um músico desse naipe, normalmente tão estrito em sua observância aos princípios da interpretação historicamente informada, a tal arbitrária colagem. Tampouco entendi a participação do narrador, o veterano ator alemão Christoph Bantzer, a comentar com textos de sua própria lavra a narrativa, entre leituras de outras obras, como a tradução alemã de William Wordsworth que abre as cortinas. Se permitirem a Gardiner a licença poética, sugiro então que programem somente a música de “Leonore” – numerada abaixo de 1 a 18, mais a abertura – e passem ao largo dos diálogos: apesar da estranheza, valerá a pena.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (Leonora, ou o Triunfo do Amor Conjugal), ópera em três atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner, baseado em “Léonore, ou L’amour conjugal” de Jean-Nicolas Bouilly
Textos da narração: Christoph Banzer
1 – Abertura (“Leonore II”)
PRIMEIRO ATO
2 – ‘…Twas in Truth’
3 – No.1, ária: ‘O war ich schon mit dir vereint’
4 – ‘Beharrlich bleibt auf dem Liebespfad’
5 – No.2, dueto: ‘Jetzt, schatzchen, jetzt sind wir allein’
6 – ‘Der Kerkermeister, Rocco, der Vater’
7 – No.3, trio: ‘Ein Mann ist bald genommen’
8 – ‘Fidelio kam – und niemand weiss woher’
9 – No.4, quarteto: ‘Mir ist so wunderbar’
10 – ‘Gefuhl ist gut, doch Geld ist besser’
11 – No.5, ária: ‘Hat man nicht auch Gold beineben’
12 – ‘Unantastbar klar birgt Leonores Brust’
13 – No.6, trio: ‘Gut, Sohnchen, gut’
SEGUNDO ATO
14 – No. 7: Introdução em Ré maior
15 – ‘Der Gouverneur ist da’
16 – No.8, ária com coro: ‘Ha! Welch ein Augenblick!’
17 – ‘Postiert eine Trompete auf dem Augenblick!’
18 – No.9, dueto: ‘Jetzt, Alter, hat es eile!’
19 – ‘Und Leonore Begegnet Marzelline’
20 – No.10, dueto: ‘Um in der Ehe froh zu Leben’
21 – ‘Die Ernsten und Arie’
22 – No.11, recitativo e ária: ‘Ach, brich noch nicht, du mattes Herz!…’
23 – No.12, finale: ‘O welche Lust, in freier Luft’
24 – No.12, recitativo: ‘Entfernt euch jetzt! Nun, konnt Ihr eilen?’
25 – No.12, dueto: ‘Wir mussen gleich zu Werke schreiten’
26- No.12, ária: ‘Auf euch nur will ich bauen
‘TERCEIRO ATO
27 – ‘Florestans not im Dunkel Tauber einsamkeit’
28 – No.13, recitativo e ária: ‘Gott! Welch Dunkel kier!…’
29 – No.14, melodrama e dueto: ‘Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewolbe!’
30 – Dueto: ‘Nur hurtig Fort, nur frisch Gegraben’
31 – ‘Dort, in der Tiefe’
32 – No. 15, trio: ‘Euch werde Lohn in bessern Welten’
33 – ‘Und Rocco eilt’
34 – No. 16, quarteto: ‘Er sterbe! Doch er soll erst wissen’
35 – ‘Oh Leonore! Alles was dein Mut gewagt – Verloren!’
36 – No.17, recitativo e dueto: ‘Ich kann mich noch nicht fassen’
37 – No.18, finale: ‘Zur Rache! Zur Rache!’
38 – No.18, finale: ‘O Gott! O welch ein Augenblick!’
39 – No.18, finale: ‘So mussen endlich aufgeklarte!’
40 – No.18, finale: ‘Doch hore erst, du Bosewicht’
41 – No.18, finale: ‘Dann Herrscht allgemeine Freiheit und Gleichheit der Geister’
42 – No.18, finale: ‘Nein, nein, nein! Er ist noch zu gering bestraft!’
43 – No.18, finale: ‘Ein hoherer Geist, vom Himmel gesandt’
44 – No.18, finale – recitativo: ‘Der Konig wird dein Richter sein!’
45 – No.18, finale: ‘Wer ein holdes Weib errungen’
46 – Leonore, apêndice: No.7a – Marcha (versão alternativa) em Si bemol maior
Hillevi Martinpelto, soprano (Leonore) Christiane Oelze, soprano (Marzelline) Kim Begley, tenor (Florestan) Michael Schade, tenor (Jaquino) Rob Burt, tenor (prisioneiro I) Colin Campbell, barítono (prisioneiro II) Franz Hawlata, barítono (Rocco) Matthew Best, baixo (Pizarro) Alastair Miles, baixo (Don Fernando) The Monteverdi Choir Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner, regência
É raríssima a oportunidade de ouvir a versão retrabalhada de Leonore, estreada em 1806: a única versão disponível em disco, com a regência de Marc Soustrot, eu só escutei na rádio, e nunca tinha assistido a uma montagem dela antes de encontrar esta aqui, levada à cena no próprio Theater an der Wien em que ela estreou, e com o Concentus Musicus Wien sob a regência de Stefan Gottfried (o fundador do CMV, conde d’Harnoncourt-Unverzagt, aparece numa breve entrevista no início do vídeo)
Encerramos essa semana de “Fidelios” com uma grata surpresa. Ou talvez não, porque a Naxos já vem há um bom tempo colocando, dentro de sua missão de proporcionar qualidade a baixo custo, ótimas gravações no mercado. Algumas, especialmente de ópera, são excelentes, e este “Fidelio” é sensacional. O veterano regente Hálasz dirige o que parece ser uma orquestra de câmara com tempos lépidos e muita atenção ao detalhe, sem deixar de causar sensação, especialmente nas grandiloquentes codas boladas por nosso herói Ludwig. E, falando em heróis, a dupla de protagonistas escandinavos faz muito bonito. A dinamarquesa Nielsen é uma Leonore com brilho e garbo, sem deixar de mostrar com delicadeza sua vulnerabilidade na arriscada (e, combinemos, inverossímil) operação de resgate, e o sueco Winbergh, infelizmente já falecido, é um dos melhores Florestans que já ouvi – sua sensível transição do torpor para a epifania, e dela para a redenção, soa-me impecável. A leveza de suas vozes orna muito bem com o sucinto conjunto orquestral, e o time de coadjuvantes – com destaque para um Kurt Moll que parece que vai engolir suas contrapartes cada vez que Rocco abre a boca – mantém o interesse das tramas secundárias. Os diálogos, que tantos ouvintes consideram indesejáveis, aqui são breves e muito atraentes, valorizando os timbres dos cantores. O único defeito desta gravação, felizmente pouco audível, e só no final, é um Don Fernando a que, parece, faltaram algumas colheradas de Biotônico. Nada que comprometa: ponto para a Naxos, que me proporcionou essa gravação há alguns anos por uns poucos pilas e me deu o “Fidelio” que mais sai de minha estante.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura
PRIMEIRO ATO
2 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein”
3 – “Armer Jaquino, ich war ihm sonst recht gut”
4 – “O wär ich schon mit dir vereint”
5 – “Marzelline, ist Fidelio noch nicht zuruckgekommen?”
6 – “Mir ist so wunderbar”
7 – “Höre, Fidelio”
8- “Hat man nicht auch Gold beineben”
9 – “Ihr habt recht, Vater Rocco”
10 – “Gut Söhnchen, gut”
11 – Marsch
12 – “Drei Schildwachen auf den Wall”
13 – “Ha! Welch ein Augenblick!”
14 – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
15 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
16 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?”
17 – “Marzelline! Marzelline!”
18 – “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
19 – “Nun sprecht, wie ging’s”
20 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
21 – “Gott! Welch’ Dunkel hier!” – “In des Lebens Frühlingstagen”
22 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe”
23 – “Er erwacht”
24 – “Euch werde Lohn in bessern Welten”
25 – “Alles ist bereit”
26 – “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde” – “Meine Leonore”
27 – “O namenlose Freude”
28 – “Heil sei dem Tag”
29 – “Des besten Königs Wink und Wille… O Gott”
30 – “Wer ein holdes Weib errungen”
Inga Nielsen, soprano (Leonore)
Edith Lienbacher, soprano (Marzelline)
Gösta Winbergh, tenor (Florestan)
Herwig Pecoraro, tenor (Jaquino) Péter Pálinkás, tenor (prisioneiro I)
József Moldvay, baixo (prisioneiro II)
Kurt Moll, baixo (Rocco)
Alan Titus, baixo (Pizarro)
Wolfgang Glashof, barítono (Don Fernando)
Magyar Rádió Kórus
Budapest Nicolaus Esterházy Sinfonia
Michael Halász, regência
Vamos ao de Barenboim, que aprecio pela esquisitice. Não, nada de esquisito em seu seguro papel de regente ante uma orquestra e um coro que ele dirige há anos e conhece como ninguém, e que se saem maravilhosamente bem. A gravação baseia-se numa apresentação ao vivo para a qual Edward Said – amigo de Barenboim e cofundador da West-Eastern Divan Orchestra – escreveu os diálogos, e que acabaram em sua maioria podados do disco. Se isso soa como um alívio para os que querem só ouvir música, acaba por outro lado tirando toda linearidade da trama, que já foi muito abreviada, como sabemos, por ocasião da transformação da “Leonore” de 1805-6 no “Fidelio” de 1814. Barenboim é um músico muito inteligente, com uma autoconfiança inabalável, e costuma embasar muito bem suas decisões. Ainda assim, fica difícil de entender por que ele escolheu abrir este “Fidelio” com a abertura conhecida como “Leonore no. 2”, que foi ouvida na estreia de “Leonore” em 1805 e preterida em prol da “Leonore no. 3” e, por fim, da abertura “Fidelio” a que estamos acostumados. Talvez prevendo os tomates, Barenboim resolveu oferecer aos ouvintes um generoso apêndice no final da gravação com as demais aberturas da ópera, de maneira que podemos honrar as intenções do compositor, se as de Barenboim não nos convencerem (o que foi o meu caso).
Curiosas, também, são a inversão dos dois primeiros números – que está de acordo com a “Leonore” de 1805, e não com a versão definitiva de “Fidelio” – e a supressão da pequena, mas significativa parte do Primeiro Prisioneiro, normalmente cantada por um tenor, e sque Barenboim resolveu atribuir aos tenores do coro – o que não faz muito sentido, considerando o contexto da cena dos prisioneiros tomando sol. Os solistas estão bem, embora ache que eles são o ponto mais fraco dessa gravação. Isso poderia ser um cheque-mate para qualquer gravação de ópera, mas peço que deem uma chance a ela e tentem apreciar a pungente, agressiva abordagem de Waltraud Meier, que não canta tão belamente mas me convenceu muito como Leonore, e se divirtam com o vivo contraste entre o sotaque espanhol de Placido Domingo, até bem-vindo numa ação que, afinal de contas, se passa na Espanha, e todo fordunço teutão que se forma em função de seu resgate: seu Florestan mediterrâneo, mesmo após anos numa masmorra, soa incongruentemente ensolarado, e sua voz indubitavelmente maravilhosa a um só tempo traz uma das mais belas leituras para a ária de Florestan e, paradoxalmente, corrói todo o drama da cena,
Pela minha descrição, que parece a sessão de comentários do G1, os leitores-ouvintes poderão achar que lhes proponho uma cilada. Muito pelo contrário, é uma das gravações de “Fidelio” que mais gosto de revisitar. Ouçam-na, portanto, e deixem-me saber o que dela acharam nos comentários.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura Leonore no. 2 (Op. 72a)
PRIMEIRO ATO
2 – “O wär’ ich schon mit dir vereint”
3 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein” – “Armer Jaquino, ich war ihm sonst recht gut”
4- “Mir ist so wunderbar” – “Höre, Fidelio”
5 – “Hat man nicht auch Gold beineben” – ” Ihr könnt das leicht sagen, Meister Rocco”
6 – “Gut Söhnchen, gut”
7 – Marsch – “Drei Schildwachen auf den Wall”
8 – “Ha! Welch ein Augenblick!” – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
9 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
10 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?”
11 – “Komm, Hoffnung” – “Meister, Rocco”
12- “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
13- “Nun sprecht, wie ging’s” – “Ach Vater, eilt” – “Verwegner”
14 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
15 – “Gott! Welch’ Dunkel hier!
16 – “In des Lebens Frühlingstagen”
17 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe”
18 – “Nur hurtig fort, nur frisch gegraben” – “Er erwacht”
19 – “Euch werde Lohn in bessern Welten” – “Alles ist bereit”
20- “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde” – “Meine Leonore”
21 – “O namenlose Freude”
22 – “Heil sei dem Tag”
23 – “Des besten Königs Wink und Wille… O Gott”
24 – “Wer ein holdes Weib errungen”
Waltraud Meier, soprano (Leonore)
Soile Isokoski, soprano (Marzelline)
Placido Domingo, tenor (Florestan)
Werner Güra, tenor (Jaquino)
René Pape, baixo (Rocco)
Falk Struckmann, baixo (Pizarro)
Kwangchul Youn, baixo (Don Fernando) Klaus Häger, baixo (prisioneiro II)
Deutsche Staatsopernchor Berlin
Staatskapelle Berlin
Daniel Barenboim, regência
Esta gravação que lhes trago é muito diferente daquelas que lhes alcancei até aqui, nesse breve florilégio fideliano a homenagear a mais complicada das criaturas de Beethoven. Temo parecer idiota ao afirmar que uma montagem de ópera possa não soar “operística”, então tenho que primeiro esclarecer que considero – no que não estou sozinho, aliás – “Fidelio” uma obra sui generis, fruto dum genial criador de música instrumental, ele próprio um instrumentista virtuoso, que não tinha o menor interesse pelos palcos e nenhuma empatia com cantores (como pode fácil e dispneicamente atestar qualquer coralista que tenha cantado a Nona ou a Missa Solemnis) e que, ainda assim, resolveu parir uma ópera.
Posto isto, e por mais que aprecie as gravações de consumados operistas como Böhm, são coisas como esse álbum duplo da Philips que me fazem revisitar “Fidelio”. Bernard Haitink, o maior regente vivo (embora não mais em atividade), tremendo intérprete de Beethoven, empresta a costumeira elegância e atenção ao detalhe às partes instrumentais, enquanto as integra a um excelente time vocal. A impressão geral não é tanto de uma ópera, mas um oratório belissimamente burilado à perfeição.
Queria muito falar do Florestan de Reiner Goldberg e do Rocco de Kurt Moll, mas com Jessye Norman no papel-título, eu nada mais posso fazer senão, com as devidas desculpas, cumprir o devoto dever de falar da “ídola”. E Jessye dá maravilhosa vida à heroína Leonore, usando e abusando de seu poderoso instrumento vocal, e com a sabedoria de contê-lo quando necessário, como nos duetos com a delicada Marzelline de Pamela Coburn. Sua linda voz não encanta só nos números musicais, mas também nos diálogos – que aqui, diferentemente de outras gravações, são breves e interessantes. Chamaria de incrível a expressividade dessa filha de Augusta, Georgia, num idioma tão desafiador como o alemão, se já não a conhecesse tão bem e tanto a amasse em tantos outros idiomas. A lamentar, somente, é que Jessye – a despeito da pose com tricorno na capa – nunca tenha levado, até onde sei, sua Leonore aos palcos. Não é difícil imaginar justificativas baseadas no tal do physique du rôle, mas a própria premissa de “Fidelio” – uma soprano, com qualquer massa corporal e cor de pele, enganar a tudo e a todos num papel masculino – é um desafio à verossimilhança, e, convenhamos, ver a divina Jessye ludibriar Pizarro e libertar Florestan machucaria zero pessoas.
Dignas de nota, também, são as circunstâncias muito especiais desta gravação. Ela foi realizada em Dresden, na então Alemanha Oriental, com o coro e orquestra estatais, em novembro de 1989, aquele mesmo em que certo muro foi derrubado na capital do país. Um mês antes, os mesmos conjuntos tinham participado duma inesquecível montagem de “Fidelio” na magnífica Semperoper da capital da Saxônia. Estas récitas de “Fidelio” tinham sido concebidas como uma, er, “homenagem” aos quarenta anos da nada democrática República Democrática Alemã, enquanto protestos cada vez mais volumosos e violentos tomavam conta da cidade. Certamente os censores de Dresden já tinham desertado, ou estavam muito loucos de Schnapps para acharem que uma ópera cujo único cenário é uma prisão, e que se baseia tão só no embate entre a liberdade e a opressão, seria uma homenagem adequada a um odiado regime que fazia água por todos os lados. A diretora da montagem, Christine Mielitz, agradeceu a oportunidade e saudou o regime a pontapés, colocando o coro de prisioneiros para cantar com roupas contemporâneas, semelhantes àquelas das alemãs e dos alemães que, por todos os lados de Dresden, enfrentavam com voadoras e biabas os cada vez menos convictos cassetetes da Polizei. O público entendeu o recado e, numa corajosa quebra de decoro operístico, aplaudiu o coro por tanto tempo que quase inviabilizou a conclusão da récita. E a gravação que lhes apresento, realizada dessa circunstâncias, certamente rebrilha com esse poderoso Zeitgeist.
Trechos da histórica montagem de “Fidelio” na Semperoper, num curto vídeo em inglês
extraído do sítio oficial do belíssimo teatro.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72
Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura
PRIMEIRO ATO
2 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein”
3 – “Der arme Jaquino dauert mich”
4 – “O wär ich schon mit dir vereint”
5 – “Marzelline, ist Fidelio noch nicht zurück gekommen?”
6- “Mir ist so wunderbar”
7 – “Höre, Fidelio”
8 – “Hat man nicht auch Gold beineben”
9 – ” Ihr könnt das leicht sagen, Meister Rocco”
10 – “Gut Söhnchen, gut”
11 – Marsch
12 – “Drei Schildwachen auf den Wall”
13 – “Ha! Welch ein Augenblick!”
14 – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
15 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
16 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?” – “Komm, Hoffnung”
17 – “Meister, Rocco”
18 – “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
19 – “Nun sprecht, wie ging’s” – “Ach Vater, eilt”
20 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
21 – “Gott! Welch’ Dunkel hier!” – “In des Lebens Frühlingstagen”
22 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe” – “Nur hurtig fort, nur frisch gegraben”
23 – “Er erwacht”
24 – “Euch werde Lohn in bessern Welten”
25 – “Alles ist bereit”
26 – “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde” 27 – “Meine Leonore”
28 – “O namenlose Freude”
29 – “Heil sei dem Tag” – “Des besten Königs Wink und Wille… O Gott” – “Wer ein holdes Weib errungen”
30 – Abertura “Leonore” no. 3, Op. 72a
Jessye Norman, soprano (Leonore)
Pamela Coburn, soprano (Marzelline)
Reiner Goldberg, tenor (Florestan) Hans Peter Blochwitz, tenor (Jaquino) Wolfgang Millgramm, tenor (prisioneiro I)
Egbert Junghanns, baixo (prisioneiro II)
Kurt Moll, baixo (Rocco) Ekkehard Wlaschiha, baixo (Pizarro)
Andreas Schmidt, barítono (Don Fernando)
Staatsopernchor Dresden
Staatskapelle Dresden
Bernard Haitink, regência
“Eu lhe asseguro, meu caro Treitschke, que essa ópera me garantiu uma coroa de mártir”.
Foi assim que Ludwig van Beethoven descreveu a seu libretista, Georg Friedrich Treitschke, seus sentimentos para com sua obra, enquanto lhe agradecia pelo trabalho de reformulação do libreto, essencial para o êxito de “Fidelio”, nove anos após de sua estreia com “Leonore”, e não sem muita azia e desgosto para o compositor.
Ao que tudo indica, Ludwig não ficou nem satisfeito com a versão final de sua única ópera, nem teve estômago para cogitar outra. Seus planos de fortuna com a música para os palcos estavam devidamente sepultados, e seu foco era bem outro: como o mais célebre compositor vivo, choviam-lhe variadas encomendas de música instrumental, peças corais de ocasião, além da crescente atenção dedicada a seu ilustre aluno, o arquiduque Rudolph – filho do Sacro Imperador Romano-Germânico, sobrinho de Marie-Antoinette, e o mais generoso patrono de Beethoven.
Quando escutei essa gravação de “Fidelio”, feita em 1964 sob a direção de Lorin Maazel, cheguei a imaginar que ela talvez trouxesse algum alívio ao desgosto que Ludwig sentia por sua ópera. Acima de tudo e de todos, está Birgit Nilsson, que está em pleno uso de seu poderosíssimo instrumento vocal, cantando o papel-título com uma energia e facilidade que, imagino, eram as que Ludwig queria para sua corajosa Leonore. Sua interação com os colegas de elenco é excelente, com destaque para a química com a Marzelline de Graziella Sciutti. Magnífico também é James McCracken como o sofrido Florestan, talvez o mais expressivo de todos Florestans que lhes apresentarei nessa série. Seus duetos com Nilsson, no final da ópera, são daquelas coisas para guardar para a eternidade. Falando em final, o maravilhoso Hermann Prey aqui faz o pequeno e decisivo papel de Don Fernando, o que nos faz lamentar que o tenham desperdiçado a cantar tão pouco. E chamo a atenção para o tenor que vive o primeiro prisioneiro: Kurt Equiluz, que muitos de nós nos acostumamos a ouvir sob a batuta de Leonhardt e Harnoncourt na música sacra de Bach, mais notavelmente como o Evangelista nas duas Paixões. Lorin Maazel, que foi um menino-prodígio da regência e certamente conhecia todas malandragens que envolvessem a batuta, não só sabe acompanhar e valorizar a participação maiúscula de Nilsson como também dotar de muita energia e pujança a ópera, nem que para isso tenha que abrir mão da atenção ao detalhe. É uma ópera a 1000 volts, um dos “Fidelio” mais dramáticos disponíveis, uma de minhas gravações favoritas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura
PRIMEIRO ATO
2 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein” – Armer Jaquino, ich war ihm sonst recht gut”
3 – “O wär ich schon mit dir vereint” – “Marzelline, ist Fidelio noch nicht zuruckgekommen?”
4- “Mir ist so wunderbar” – “Höre, Fidelio”
5 – “Hat man nicht auch Gold beineben” – ” Ihr könnt das leicht sagen, Meister Rocco”
6 – “Gut Söhnchen, gut”
7 – Marsch – “Drei Schildwachen auf den Wall”
8 – “Ha! Welch ein Augenblick!” – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
9 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
10 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?”
11 – “Komm, Hoffnung” – “Meister, Rocco”
12- “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
13- “Nun sprecht, wie ging’s”
14 – “Ach Vater, eilt” – “Verwegner”
15 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
16 – “Gott! Welch’ Dunkel hier!
17 – “In des Lebens Frühlingstagen”
18 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe”
19 – “Nur hurtig fort, nur frisch gegraben” – “Er erwacht”
20 – “Euch werder Lohn in bessern Welten” – “Alles ist bereit”
21- “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde” – “Meine Leonore”
22 – “O namenlose Freude”
23 – “Heil sei dem Tag”
24 – “Des besten Königs Wink und Wille… O Gott”
25 – “Wer ein holdes Weib errungen”
Birgit Nilsson, soprano (Leonore)
Graziella Sciutti, soprano (Marzelline)
James McCracken, tenor (Florestan)
Donald Grobe, tenor (Jaquino) Kurt Equiluz, tenor (prisioneiro I)
Günther Adam, baixo (prisioneiro II)
Kurt Böhme, baixo (Rocco)
Tom Krause, baixo (Pizarro)
Hermann Prey, barítono (Don Fernando)
Wiener Staatsopernchor
Wiener Philharmoniker
Lorin Maazel, regência
“Um tiro, ou meu Dó agudo?” “UM TIRO, FRAU NILSSON! UM TIRO!”
Difícil, dificílimo deixarmos de trazer qualquer parte do legado discográfico de Ferenc Fricsay que possa ser do interesse de nosso projeto BTHVN250. O brilhante magiar foi um dos maiores, senão o melhor dos regentes do século XX, e ele o demonstra abundantemente neste seu “Fidelio” gravado em 1957. Escolhendo um conjunto orquestral menor e em nome do que parece ser uma diretriz geral rumo a leveza, ele leva a ópera e seus personagens com pulso rápido e preciso até o final. As vozes escolhidas também são bastante leves – Ernst Haefliger, inclusive, parece ser suave demais para o torturado Florestan. Todo Marlon Brando, no entanto, tem seu dia de Alberto Roberto, e foi uma ideia de jerico, sem dúvidas, escolher atores, e não os próprios cantores, para declamar os diálogos do Singspiel. Isso cria um contraste bizarro entre a voz que fala e aquela que canta, o que, no caso de Pizarro, é especialmente desconcertante, pois quem o canta é a voz inconfundível de Dietrich Fischer-Dieskau, aqui incomumente incorporando um vilão.
Não é o melhor “Fidelio”, nem meu Fricsay preferido, mas como não sabemos em quantos séculos teremos um gênio como ele sobre um pódio, espero que saibam aproveitar o privilégio de ouvi-lo numa leitura que deixa “Fidelio” mais próximo de uma “Flauta Mágica” do que do Beethoven heroico que tantos sempre esperam ouvir.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura
PRIMEIRO ATO
2 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein”
3 – “Armer Jaquino, ich war ihm sonst recht gut”
4 – “O wär ich schon mit dir vereint”
5 – “Marzelline, ist Fidelio noch nicht zuruckgekommen?”
6 – “Mir ist so wunderbar”
7 – “Höre, Fidelio”
8 – “Hat man nicht auch Gold beineben”
9 – ” Ihr könnt das leicht sagen, Meister Rocco”
10 – “Gut Söhnchen, gut”
11 – Marsch
12 – “Drei Schildwachen auf den Wall”
13 – “Ha! Welch ein Augenblick!”
14 – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
15 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
16 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?”
17 – “Aber Marzelline”
18 – “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
19 – “Nun sprecht, wie ..” – “Ach Vater, eilt” – “Verwegner”
20 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
21 – “Gott! Welch Dunkel hier! – In des Lebens Frühlingstagen”
22 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe” – “Nur hurtig fort, nur frisch gegraben”
23 – “Er erwacht”
24 – “Euch werde Lohn in bessern Welten”
25 – “Alles ist bereit”
26 – “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde”
27 – “Meine Leonore”
28 – “O namenlose Freude”
29 – Interlúdio – Abertura “Leonore No.3”
30 – “Heil sei dem Tag, heil sei der Stunde”
Leonie Rysanek, soprano (Leonore)
Irmgard Seefried, soprano (Marzelline)
Ernst Haefliger, tenor (Florestan)
Friedrich Lenz, tenor (Jaquino) Gottlob Frick, baixo (Rocco)
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono (Pizarro)
Kieth Engen, baixo (Don Fernando)
Chor der Bayerischen Staatsoper
Chor Der Bayerischen Staatsoper
Ferenc Fricsay, regência
“Fidelio” deu tanto trabalho e gastura para Ludwig que o mínimo que podemos fazer é lhe dedicarmos um pouco mais de tempo aqui em nossa travessia de sua obra, nesse ano da pandemia, da distopia e do ducentésimo quinquagésimo aniversário do renano.
A gravação que lhes trago hoje é excelente, das minhas preferidas. Difícil haver alguma bola fora com o veteraníssimo Karl Böhm no pódio e um time vocal como o que aqui se escuta. E, apesar de “Fidelio” ser, claro, uma ópera de Beethoven, não é sempre que ela me SOA beethoveniana como uma das sinfonias do mestre. À frente do afinadíssimo instrumento que é a Staatskapelle Dresden, Böhm consegue a proeza, assim como a de domar o portento wagneriano da galesa Gwyneth Jones, uma Leonore impressionante, talvez o melhor emblema sonoro dessa heroína que, na contramão de todas fórmulas folhetinescas, vem ao socorro de um homem destroçado.
Jurássico? Certamente – mas de primeiríssima linha.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura
PRIMEIRO ATO
2 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein”
3 – “Armer Jaquino, ich war ihm sonst recht gut”
4 – “O wär ich schon mit dir vereint”
5 – “Marzelline, ist Fidelio noch nicht zuruckgekommen?”
6 – “Mir ist so wunderbar”
7 – “Höre, Fidelio”
8 – “Hat man nicht auch Gold beineben”
9 – ” Ihr könnt das leicht sagen, Meister Rocco”
10 – “Gut Söhnchen, gut”
11 – Marsch
12 – “Drei Schildwachen auf den Wall”
13 – “Ha! Welch ein Augenblick!”
14 – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
15 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
16 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?”
17 – “Aber Marzelline”
18 – “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
19 – “Nun sprecht, wie ..” – “Ach Vater, eilt” – “Verwegner”
20 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
21 – “Gott! Welch Dunkel hier! – In des Lebens Frühlingstagen”
22 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe” – “Nur hurtig fort, nur frisch gegraben”
23 – “Er erwacht”
24 – “Euch werde Lohn in bessern Welten”
25 – “Alles ist bereit”
26 – “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde”
27 – “Meine Leonore”
28 – “O namenlose Freude”
29 – Interlúdio – Abertura “Leonore No.3”
30 – “Heil sei dem Tag, heil sei der Stunde”
Gwyneth Jones, soprano (Leonore)
Edith Mathis, soprano (Marzelline)
James King, tenor (Florestan)
Peter Schreier, tenor (Jaquino) Eberhard Büchner , tenor (prisioneiro I)
Günther Leib, barítono (prisioneiro II)
Franz Crass, barítono (Rocco)
Theo Adam, baixo (Pizarro)
Martti Talvela , baixo (Don Fernando)
Chor der Staatsoper Dresden
Staatskapelle Dresden
Karl Böhm, regência
Aqui está o vídeo da montagem regida por Böhm, com legendas em espanhol.
É ópera filmada, ao estilo de antanho, com todas jurássicas marcações pesadas e carões e bocas. A música, no entanto, é soberba.
Quem conhece “Fidelio” e ouve “Leonore” passa a concordar com os resmungos de Ludwig: reescrever a ópera para o triunfo de 1814 deu mais trabalho que daria escrever uma outra inteira. “Leonore” soa, com efeito, como uma obra diferente. Quem gosta de “Fidelio” tem um choque: a narrativa muito mais lenta, as árias mais cheias de floreios, tudo entremeado por longos diálogos em alemão. “Leonore”, afinal de contas, sempre foi um Singspiel, uma “peça-cantada” no feitio daquelas de Mozart: “O Rapto do Serralho” e, principalmente, “A Flauta Mágica”, o apogeu do gênero, sem o qual, parece-me, “Leonore” não teria sido possível.
Ainda que Fidelio, na trama, seja sinônimo de Leonore – a Leonore de calças, digamos assim -, as diferenças entre as obras são muitas. Elas começam pelo título: “Leonore” era o preferido de Ludwig, que acabou por alterá-lo para “Fidelio” ao estrear a versão definitiva para que não houvesse confusão com outra ópera, da lavra do italiano Ferdinando Paer (1771-1839). A hoje esquecida “Leonora, ossia L’amore coniugale” – que, como já adivinharam pelo título, baseia-se na mesma peça de Bouilly que inspirou a “Leonore” de nosso herói – fez tanto sucesso na época que Beethoven tinha sua partitura e provavelmente a consultou para esboçar sua trama.
Em segundo lugar, mas não menos importante: “Leonore” tem três atos, em lugar dos dois de “Fidelio”. Essa reestruturação consolidou-se já na segunda versão de “Leonore”, cujo texto foi amplamente tosado por Stephan von Breuning, amigo de Beethoven, para o relançamento em 1806. A “Leonore” original, obviamente, é uma ópera mais longa – dura quase meia hora a mais que “Fidelio”, na maioria das gravações. Ela inicia com a abertura que ficou conhecida como “Leonore no. 2” (mais sobre a numeração das aberturas “Leonore” numa postagem vindoura, à qual se segue imediatamente uma ária de Marzelline (“O wär ich schon”), e não o dueto em que ela faz aquela longa D.R. com Jaquino e lhe revela a vontade de se casar com Fidelio. Como se não fosse humilhação bastante para Jaquino, Marzelline prossegue, num diálogo adicional (“Höre Jaquino, ich muß dir rein heraus sagen”), e lhe explica por que não se darão bem juntos, e ele ainda por cima tem que ouvir de Rocco – o homem que quer ter como sogro – que ele não deve se casar por impulso, no trio “Ein Mann ist bald genommen”. As duas peças, que não são ouvidas em “Fidelio”, tornam mais patética a saída pela linha de fundo do pobre Jaquino, e o primeiro ato se encerra – sem o escanteado Jaquino, obviamente – com um trio entre Rocco, Leonore e Marzelline (“Gut, Söhnchen, gut”).
O segundo ato começa com um prelúdio que, por muito tempo, foi associado à música incidental para a peça “Tarpeja” de Christoph Kuffner, para a qual Beethoven também escreveu uma marcha triunfal (WoO 2a). Estudos de marcas d’água sugeriram, no entanto, que ele foi escrito, e com um tanto de pressa, para abrir o segundo ato de “Leonore”, quando o compositor percebeu que o primeiro ato do libreto de Sonnleithner ficara extenso demais e resolveu dividi-lo em dois. Com a passagem da foice que a levaria a tornar-se “Fidelio”, a ópera voltou a ter dois atos e o prelúdio tornou-se supérfluo e foi abandonado na zorra da papelada de Ludwig.
Em seguida, ouve-se talvez o mais belo dos trechos suprimidos da versão final: o dueto entre Marzelline e Leonore (“Um in der Ehe froh zu leben”), em que a primeira fala de casamento enquanto a segunda – que, lembremo-nos, está disfarçada de homem – lamenta estar enganando a moça sonhadora. A ária seguinte de Leonore, “Ach, brich noch nicht”, foi transformada na “Abscheulicher! Wo eilst du hin?” de “Fidelio”: a original é consideravelmente mais longa e virtuosística e, embora pareça-me melhor música, acaba atravancando o fluxo da narrativa. O ato termina com uma peça para Pizarro e o coro (“Auf euch nur will ich bauen”), que também não se ouve em “Fidelio”.
O terceiro e último ato começa com a ária de Florestan na masmorra (“Gott! Welch Dunkel hier!”), com texto modificado: em tom sentimental, Fidelio relembra os bons tempos com Leonore, mas, diferentemente da versão final, não tem qualquer visão em que a imagina vindo em seu resgate. Há também um recitativo (“Ich kann mich noch nicht fassen”) antes do dueto do casal (“O namenlose Freude”) que não se ouve em “Fidelio”. O final de “Leonore” também é diferente, muito mais iracundo: quando Don Fernando propõe que Pizarro seja preso na mesma masmorra em que manteve Florestan, a turba protesta alegando que a punição lhe seria muito branda, ao que Don Fernando decide enviar Pizarro para ser julgado pelo rei. A turba de “Fidelio”, como se percebe, é muito menos vingativa.
Esses tantos cortes, se eliminaram muitas belezas, tornaram a ópera mais concisa e dramaticamente mais efetiva. Por muito tempo considerada o broto de uma grande ópera, ou um “Fidelio” imperfeito, “Leonore” merece ter vida própria. Não achei maneira melhor de apresentá-la a vocês que essa impetuosa versão de René Jacobs, que, além de todos os méritos musicais, acabou também escrevendo os diálogos usados no Singspiel (quem não os quiser ouvir pode programar somente as faixas musicais). O time vocal é competente, muito bem dirigido por Jacobs – ele próprio um cantor de primeiríssima linha -, e os barrocos de Freiburg fazem toda diferença. Há uma atenção ao detalhe e uma verve que garantem o brilho à pérola renegada de Beethoven, que – assim espero – vocês apreciarão tanto quanto eu a adorei.
Sinopse: Florestan é um inimigo pessoal do governador da prisão, Don Pizarro, e homem de confiança do
ministro Don Fernando. Florestan conhece uma falta grave da parte de Pizarro, que o enxerga como uma ameaça. Pizarro quer eliminá-lo, mas, como não pode cometer um assassinado descarado,
ele aprisiona Florestan para que este morra de fome lentamente. Depois de dois anos, Florestan
é declarado morto; apenas sua esposa Leonore está convencida de que ele ainda está vivo. Ela se disfarça de homem e, sob o nome ‘Fidelio’, entra ao serviço do carcereiro Rocco como sua assistente – ela suspeita de que
Florestan está na prisão que Pizarro administra e espera poder libertar o marido.
PRIMEIRO ATO
Marzelline, filha única de Rocco, apaixonou-se por Fidelio e espera que seus sentimentos sejam recíprocos.
Ela rejeita firmemente o casamento proposto pelo carcereiro Jaquino. Rocco também não encoraja
as esperanças de Jaquino a esse respeito. Ele é levado pelo entusiasmo do estranho jovem pelo
trabalho, e ele oferece a Fidelio a possibilidade de se casar com Marzelline. Leonore
tenta manter-se impávida na situação embaraçosa. Rocco diz ao casal que não apenas o amor, mas também dinheiro é importante a vida conjugal. Fidelio exorta seu futuro sogro a acompanhá-lo a uma
masmorra secreta onde Leonore suspeita que seu marido está sendo mantido. Rocco promete obter a autorização de Pizarro para isso.
SEGUNDO ATO
Música marcial anuncia a chegada de Don Pizarro. Ele descobre, por uma carta anônima, que o ministro Don
Fernando, fará uma inspeção sem aviso prévio da prisão, por suspeitar que nela estão vítimas
de arbitrariedade. Pizarro ordena que o guarda toque a corneta assim que o ministro chegar. Pizarro tenta convencer Rocco a executar um plano diabólico – assassinar o prisioneiro secreto. Rocco recusa, mas concorda em cavar um poço em desuso para lhe servir como sepultura. Pizarro então decide
matar Florestan sozinho. Leonore está deprimida pela situação em que se envolveu e que lhe permitiu obter acesso a masmorra, e somente seu amor e a esperança de em breve encontrar o marido lhe darão uma nova coragem. Marzelline força Fidelio a conversar sobre fidelidade e confiança no casamento. Rocco diz a Fidelio que Pizarro concorda com o casamento e pede que Fidelio o acompanhe à masmorra, para cavar uma cova junto com ele.
TERCEIRO ATO
Florestan está definhando numa cela escura, pensando em sua esposa e aguardando a morte, quando Fidelio e Rocco vêm cavar a cova. A princípio, Leonore não reconhece o prisioneiro. Profundamente comovida, ela decide salvar este homem, quem quer que seja. Quando Rocco fala com o prisioneiro, ela reconhece
a voz do marido. Florestan descobre, através de Rocco que Pizarro é o governador desta prisão. Ele tem agora
certeza de que vai morrer e pede que Rocco envie uma mensagem para sua esposa Leonore. O carcereiro recusa, mas por compaixão lhe dá alguns restos de vinho. Fidelio consegue convencer Rocco a permitir que o
prisioneiro um pedaço de pão também. Ao sinal de Rocco, Pizarro entra para realizar o assassinato. Quando está prestes a apunhalar o prisioneiro, Leonore se joga na frente de Florestan para protegê-lo, revela sua verdadeira identidade e mantém o governador afastado apontando uma pistola para ele. Ao mesmo momento, a trombeta sinal anuncia a chegada do ministro. Pizarro foge; Rocco pega a pistola de Leonore e segue Pizarro. Marido e esposa permanecem sozinhos. Sem uma arma, Leonore acha que toda a esperança está perdida. O casal não consegue acreditar no reencontro, mas ainda assim se sente em perigo extremo, porque creem que os gritos de vingança que escutam destinam-se a eles. Eles decidem encarar a morte juntos. Então, acompanhado por Rocco, o ministro aparece na masmorra com Pizarro capturado e a turba.
O ministro deixa Leonore remover as correntes de Florestan, e marido e mulher atiram-se aos braços um do outro. Todos celebram Leonore, o amor conjugal e a busca incessante pela justiça.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (Leonora, ou o Triunfo do Amor Conjugal), ópera em três atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner, baseado em “Léonore, ou L’amour conjugal” de Jean-Nicolas Bouilly
Diálogos por René Jacobs, baseados nas quatro versões do libreto de Sonnleithner e no texto original de Bouilly
1 – Abertura (Leonore no. 2)
PRIMEIRO ATO
2 – Diálogo: „Ich liebe dich, so wie du mich” (Marzelline, Jaquino)
3 – No. 1, Ária: „O wär’ ich schon mit dir vereint” (Marzelline)
4 – Diálogo: „Ich komme zu gar nichts mehr!” (Marzelline, Rocco, Jaquino)
5 – No. 2, Dueto: „Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein” (Jaquino, Marzelline)
6 – Diálogo: „Nein, nein und nochmals nein” (Marzelline, Jaquino) – „Schon wieder Krach, ihr Beiden?” (Rocco, Marzelline, Jaquino)
7 – No. 3, Trio: „Ein Mann ist bald genommen” (Rocco, Jaquino, Marzelline)
8 – Diálogo: „Ist Fidelio noch immer nicht zurück, Marzelline?” (Rocco, Jaquino, Marzelline) – „Das hat ewig gedauert” (Marzelline, Rocco, Leonore)
9 – No. 4, Quarteto:„Mir ist so wunderbar” (Marzelline, Leonore, Rocco, Jaquino)
10 – Diálogo: „Es ist klar, sie liebt mich” (Leonore, Rocco, Marzelline)
11 – No. 5, Ária: „Hat man nicht auch Gold beineben” (Rocco)
12 – Diálogo: „Es ist ein mächtig Ding: Das Gold!” (Marzelline, Leonore, Rocco)
13 – No. 6, Trio: „Gut, Söhnchen, gut” (Rocco, Leonore, Marzelline)
SEGUNDO ATO
14 – Alla marcia, ma non troppo presto (WoO 2b)
15- Diálogo: „Hauptmann, ich will drei Schildwachen auf dem Wall” (Pizarro, Hauptmann, Rocco)
16 – No. 8, Ária com coro: „Ha! Welch ein Augenblick!” (Pizarro, Die Wachen)
17 – Diálogo: „Hauptmann, kommen Sie!” (Pizarro, Hauptmann, Rocco)
18 – No. 9, Dueto: „Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!” (Pizarro, Rocco)
19 – Diálogo: „Ich bin zu feige, ihr die Wahrheit zu sagen” (Leonore, Marzelline)
20 – No. 10, Dueto „Um in der Ehe froh zu lebe” (Marzelline, Leonore)
21 – Diálogo: „Komm Fidelio, wir gehen spazieren” (Marzelline, Leonore) – „Wie grausam, dieses liebenswürdige Mädchen” (Leonore)
22 – No. 11, Recitativo e Ária: „Ach, brich noch nicht, du mattes Herz!” (Leonore)
23 – No. 12, Finale: „O, welche Lust, in freier Luft” (Gefangene)
24 – Diálogo: „Nun sprecht, wie ging’s?” (Leonore, Rocco)
25 — „Ach, Vater, eilt!” (Marzelline, Rocco, Jaquino, Leonore, Pizarro, Chor der Wachen)
TERCEIRO ATO
26 – Nr. 13, Introdução e Ária: „Gott! Welch Dunkel hier!” (Florestan)
27 – No. 14, Melodrama e Dueto: “Eiskalt ist es hier!” (Leonore, Rocco)
28 – Diálogo: „Er macht die Augen auf!” (Leonore, Rocco, Florestan)
29 – No. 15, Trio: Euch were Lohn in bessern Welten” (Florestan, Rocco, Leonore)
30 – Diálogo: „Alles ist bereit” (Rocco, Leonore, Florestan) – „Ist alles bereit?” (Pizarro, Rocco)
31 – No. 16, Quarteto: „Er sterbe!” (Pizarro) – Diálogo: „Folge mir Rocco!” (Pizarro) – „Die Waffe hab’ ich mir nehmen lassen” (Leonore)
32 – No. 17, Recitativo e Dueto: „Ich kann mich noch nicht fassen” (Florestan, Leonore)
33 – Diálogo: „Durch welches Wunder gelang es dir” (Florestan, Leonore)
34- No. 18, Finale: „Zur Rache, wir müssen ihn seh’n!” (Chor) – „Zur Rache, zur Rache!” (Chor, Rocco, Florestan, Leonore, Fernando, Jaquino, Marzelline)
“Originalmente preparado por Joseph Sonnleithner a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning e editado por Georg Friedrich Treitschke”.
A convoluta descrição do libreto de “Fidelio” dá uma noção de quanta azia ela causou a Ludwig van Beethoven – o único responsável por sua música. Estreada com fracasso em 1805 sob o título “Leonore” e reencenada no ano seguinte com vários cortes e melhor acolhida, ela só teve êxito em 1814, amplamente reformulada e rebatizada de “Fidelio”. Todas essas roupagens, hoje, encontram-se sob o Op. 72.
Tentar escrever sobre “Fidelio”/”Leonore” aqui no PQP Bach foi uma tarefa considerável até o último aniversário de Ludwig, em dezembro passado, quando o colega Ammiratore fez uma postagem memorável sobre a ópera que a um só tempo pavimentou o caminho para novas publicações sobre “Fidelio” e deixou chinelas no guarda-roupas grandes demais para os infelizes pezinhos que depois as quisessem calçar. Eu, tsc, nem tentarei – limitar-me-ei a apontar que a reformulação, que deu tanto trabalho a Beethoven que ele declarou “preferir ter escrito uma outra ópera”, é preciosa não só pelo valor artístico como também por ser a única obra do período intermediário a ser retrabalhada em sua maturidade artística, e servir assim como material privilegiado para a análise de sua evolução como compositor.
Em relação à “Leonore” original, que compartilharei amanhã, “Fidelio” tem uma narrativa bem menos linear, em virtude do enorme naco de um ato que lhe foi ceifado. A abertura é muito mais concisa que as anteriores, evocando o espírito da obra sem citar-lhe qualquer um dos temas, sem criar a tensão dramática das aberturas para “Leonore” que acabariam invariavelmente contrastando com o levinho dueto inicial. Falando nelas, a chamada “Leonore no. 3” – certamente a mais robusta e dramática de todas as peças que Beethoven escreveu para abrir sua ópera – aparece aqui como um longo prelúdio para a última cena, um expediente adotado por Gustav Mahler para ganhar o devido tempo para os ajustes de cenário, e frequentemente repetido em montagens posteriores da obra.
A gravação que lhes apresento foi feita em Viena, em 1978, com um elenco estelar – começando pelo regente, Leonard Bernstein, que muito gravara com a Filarmônica local durante aquela década, numa colaboração que começara no bicentenário de Beethoven e culminaria com esta montagem de “Fidelio”. Sua leitura um tanto bombástica tem muito vigor e mantém maravilhosamente o pulso durante toda a ópera, muito embora lhe falte por vezes, dentro de seu afã de impressionar – o que não acho um defeito, e sim seu estilo -, alguma atenção ao detalhe. Adoro Gundula Janowitz e, embora sua voz impecável me soe um pouco delicada demais para a voluntariosa Leonore, sua expressividade transmite muito bem os sentimentos conturbados da heroína em sua trajetória na trama. Da mesma forma, o bonito timbre de René Kollo acaba sumindo nos momentos me que sua voz se soma à massa orquestral. Os demais cantores saem-se ainda melhor – Lucia Popp tem elã e doçura como Marzelline, Hans Sotin é um Pizarro emblemático, e a voz calorosa, inconfundível de Dietrich Fischer-Dieskau é tudo o que se esperaria ouvir dum Don Fernando que chega no final para tudo redimir.
O enredo: o nobre espanhol Florestan é preso por um nobre rival (Don Pizarro), depois de descobrir detalhes de seus crimes. Pizarro o mantém clandestinamente na prisão que comanda e espalhou boatos sobre a morte de Florestan.
No Ato I, a trama começa na referida prisão, onde vive o carcereiro (Rocco), que tem uma filha (Marzelline), por quem seu assistente (Jaquino) é apaixonado. Jaquino pede Marzelline em casamento, mas ela lhe diz que não casará com ele porque está apaixonada pelo jovem Fidelio – que, na verdade, é Leonore, esposa de Florestan, que não se convenceu de que seu marido está morto se infiltra entre o pessoal da prisão para descobrir seu paradeiro (“Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein“). Quando Jaquino sai, Marzelline descreve sua vontade de tornar-se esposa de Fidelio (“O wär ich schon mit dir vereint”). Seu pai entra, procurando por Fidelio, e que por sua vez entra em cena carregando correntes. Ao conversar com Fidelio, compreende sua discrição como uma atração reprimida por Marzelline. Os quatro juntam-se para falar sobre o amor de Marzelline por Fidelio (“Mir ist so wunderbar”).
Rocco diz a Fidelio que Marzelline poderá casar-se com ele quando Don Pizarro for para Sevilha, advertindo-os de que, se não tiverem como se sustentar, não serão felizes (“Hat man nicht auch Gold beineben”). Fidelio pergunta a Rocco por que este não o permite ajudar nas masmorras, de onde sempre volta exausto. Rocco conta-lhe que, na masmorra mais profunda, onde jamais poderá levá-lo, está um homem a definhar há dois anos. Marzelline pede a Rocco que poupe Fidelio de tanto sofrimento, mas Fidelio afirma-lhe que tem coragem para encará-lo (“Gut, Söhnchen, gut”). Rocco fica sozinho em cena, e ouve-se uma marcha anunciando a chegada de Pizarro e sua guarda. Rocco adverte Pizarro de que o ministro Don Fernando pretende visitar a prisão no dia seguinte para investigar acusações de tratamento cruel de prisioneiros. Pizarro reage dizendo que não pode deixar que Don Fernando descubra o paradeiro de Florestan, que todos consideram morto, e ordena que Florestan seja morto (“Ha, welch ein Augenblick”). Pizarro ordena que haja um toque de trompete para anunciar a chegada de Don Fernando. Oferece, também, dinheiro a Rocco para matar Florestan, o que Rocco recusa (“Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”). Pizarro diz, então, que ele próprio matará Florestan, e ordena que Rocco faça uma cova no chão da masmorra. Combinam que, assim que a cova estiver pronta, Rocco dará o alarme para que Pizarro vá à masmorra e mate Florestan. Fidelio, ao descobrir os planos de Rocco, angustia-se enquanto planeja resgatar Florestan (“Abscheulicher! Wo eilst du hin? “/”Komm, Hoffnung, lass den letzten Stern”). Jaquino implora novamente a Marzelline para que se case com ele, o que ela outra vez recusa. Fidelio, na busca por Florestan, tenta convencer Rocco a deixar os prisioneiros tomarem sol no jardim. Rocco aceita e distrai Pizarro enquanto os prisioneiros sobem ao jardim. Os prisioneiros alegram-se (“O welche Lust”), mas logo aquietam-se para não serem descobertos. Após encontrar-se com Pizarro, Rocco retorna e conta a Fidelio que Pizarro autorizou o casamento e que Fidelio se junte a ele na masmorra (“Nun sprecht, wie ging’s?”). Rocco e Fidelio preparam-se para descer a masmorra, sabendo que Florestan será morto e enterrado em breve. Fidelio está visivelmente perturbado, e Rocco tenta dissuadi-lo a descer, mas Fidelio insiste. Jaquino e Marzelline entram correndo e dizem para Rocco para fugir, pois Pizarro ficou furioso ao descobrir que os prisioneiros estão no jardim (“Ach, Vater, Vater, eilt!”). Pizarro então chega e exige uma explicação. Rocco responde-lhe que fez a concessão aos prisioneiros em homenagem ao dia de santo do rei da Espanha, e diz que Pizarro deveria guardar sua ira para o prisioneiro misterioso da masmorra. Pizarro manda-o fazer a cova logo e anuncia que os prisioneiros serão novamente recolhidos. Rocco, Leonore, Jacquino e Marzelline, a contragosto, levam os prisioneiros de volta às suas celas (“Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”).
O Ato II começa com Florestan, sozinho na masmorra, cantando sobre sua fé em Deus e tendo uma visão de que será salvo por sua esposa Leonore (“Gott! Welch Dunkel hier!”—”In des Lebens Frühlingstagen”). Florestan então cai ao solo e adormece, enquanto entram Rocco and Fidelio para fazer sua cova. Rocco pede a Fidelio para apressar-se (“Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe!” —”Nur hurtig fort, nur frisch gegraben”). Florestan desperta e Fidelio o reconhece. Quando Florestan descobre que a prisão em que se encontra é a de Pizarro, pede que uma mensagem seja entregue a sua esposa Leonore, mas Rocco diz-lhe que será impossível entregá-la. Florestan implora por um gole de água, e Rocco diz a Fidelio para dá-lo. Florestan não reconhece que Fidelio é Leonore, mas diz que ele será recompensado no além-vida pela boa ação (“Euch werde Lohn in bessern Welten”). Fidelio pede a Rocco para dar um pedaço de pão para Florestan, e Rocco assim lhe permite. Conforme combinado, Rocco dá o alarme para Pizarro, que surge e pergunta se tudo está pronto. Rocco confirma que tudo está pronto e manda Fidelio sair, mas este se esconde. Pizarro revela sua identidade a Florestan, que o acusa de assassinato (“Er sterbe! Doch er soll erst wissen”). Quando Pizarro brande uma adaga, Fidelio interpõe-se entre Pizarro e Florestan e revela que é Leonore, a esposa de Florestan. Quando Pizarro tenta atacá-la com a adaga, Leonore aponta-lhe uma pistola e ameaça atirar. Nesse instante, ouve-se o toque do trompete, anunciando a chegada de Don Fernando. Jaquino entra, acompanhado de soldados, anunciando que o ministro aguarda. Rocco diz aos soldados para escoltarem Pizarro para o térreo. Florestan e Leonore celebram sua vitória, enquanto Pizarro jura vingança, enquanto Rocco demonstra medo sobre o que lhes pode acontecer (“Es schlägt der Rache Stunde”), ao que o casal canta um dueto de amor. No pátio, os prisioneiros e os populares celebram a chegada do dia e da hora da justiça (“Heil sei dem Tag!”). Don Fernando anuncia o fim da tirania. Rocco chega com Florestan e Leonore e pede ajuda a Don Fernando (“Wohlan, so helfet! Helft den Armen!“). Rocco conta como Leonore disfarçou-se de Fidelio para salvar Florestan. Marzelline, que se apaixonara por Fidelio, fica chocada. Rocco descreve os planos de Pizarro, e este é levado à prisão. Leonore livra Florestan de suas correntes, e a turba canta em sua honra, a salvadora de seu marido (“Wer ein holdes Weib errungen”).
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Fidelio, ópera em dois atos, Op. 72 Libreto de Joseph Sonnleithner (1805) a partir do romance em francês de Jean-Nicolas Bouilly, posteriormente abreviado por Stephan von Breuning (1806) e editado por Georg Friedrich Treitschke (1814)
1 – Abertura
PRIMEIRO ATO
2 – “Jetzt, Schätzchen, jetzt sind wir allein”
3 – “Armer Jaquino, ich war ihm sonst recht gut”
4 – “O wär ich schon mit dir vereint”
5 – “Jaquino!” – “Ja, Meister Rocco?”
6 – “Mir ist so wunderbar”
7 – “Höre, Fidelio”
8 – “Hat man nicht auch Gold beineben”
9 – “Ihr habt recht, Vater Rocco”
10 – “Gut Söhnchen, gut”
11 – Marsch
12 – “Drei Schildwachen auf den Wall”
13 – “Ha! Welch ein Augenblick!”
14 – “Hauptmann! Besteigen Sie mit einem Trompeter…”
15 – “Jetzt, Alter, jetzt hat es Eile!”
16 – “Abscheulicher! Wo eilst du hin?”
17 – “Marzelline!” – “Nein, ich will nicht”
18 – “O welche Lust, in freier Luft den Atem leicht zu heben!”
19 – “Nun sprecht, wie ..” – “Ach Vater, eilt” – “Verwegner”
20 – “Leb wohl, du warmes Sonnenlicht”
SEGUNDO ATO
21 – “Gott! Welch Dunkel hier! – In des Lebens Frühlingstagen”
22 – “Wie kalt ist es in diesem unterirdischen Gewölbe” – “Nur hurtig fort, nur frisch gegraben”
23 – “Er erwacht”
24 – “Euch werde Lohn in bessern Welten”
25 – “Alles ist bereit”
26 – “Er sterbe! Doch er soll erst wissen” – “Vater Rocco! Der Herr Minister ist angekommen” – “Es schlägt der Rache Stunde”
27 – “O namenlose Freude”
28 – Interlúdio – Abertura “Leonore No.3”
29 – “Heil sei dem Tag”
Gundula Janowitz, soprano (Leonore)
Lucia Popp, soprano (Marzelline)
René Kollo, tenor (Florestan)
Adolf Dallapozza, tenor (Jaquino) Karl Terkal, tenor (prisioneiro I)
Alfred Šramek, barítono (prisioneiro II)
Manfred Jungwirth, barítono (Rocco)
Hans Sotin, baixo (Pizarro)
Dietrich Fischer-Dieskau, baixo (Don Fernando)
Wiener Staatsopernchor
Wiener Philharmoniker
Leonard Bernstein, regência
Para quem também quiser ver, e não só ouvir o “Fidelio”, eis o vídeo da mesmíssima produção regida por Bernstein em Viena, com quase o mesmo elenco – a notável diferença é Hans Helm no lugar de Dietrich Fischer-Dieskau no papel de Don Fernando
Quem vem acompanhando esta série conhece o velho expediente quando Ludwig precisava de grana e tinha que atender rapidamente uma encomenda: abrir a canastra de Bonn dela tirar qualquer coisa que pudesse polir para trocar por dindim.
Não foi diferente com o agradável sexteto para clarinetes, trompas e fagotes composto para o Eleitor de Colônia, que tinha um conjunto de sopros em sua sala de banquetes porque acreditava que essa música ajudava em sua digestão. Ludwig requentou-o, já em Viena, para um concerto beneficente em prol de seu amigo, o violinista Ignaz Schuppanzigh. Entre composição e publicação, passaram-se quatorze anos, o que explica o elevado número de Opus para a obra, tão antiquada que chegava a conter um minueto, em plena era dos temperamentais scherzi de Beethoven. O sexteto – elogiado pela crítica da época pelas “ideias novas”, certamente numa ironia com a velhacagem de Ludwig em ressuscitar uma velharia – é extremamente bem composto e deveras melífluo, relembrando a familiaridade do compositor com o meio, com os instrumentos e, principalmente, com as peças que seu ídolo Mozart compusera para os sopros.
Por coincidência, a mesma formação de instrumentos seria usada mais tarde numa obra sem qualquer relação com sexteto: a pequena marcha (WoO 29) que escreveu para o príncipe Esterházy quando o visitou em Eisenstadt, e sobre a qual nada mais sei para lhes escrever.
As peças que completam o disco atestam a breve e bem sucedida carreira de Beethoven como compositor para banda militar. A primeira delas (WoO 18) é a mais famosa de todos: composta para a “Milícia Boêmia” do exército austríaco, ganhou fama com o nome do general prussiano Yorck, é até hoje a primeira a tocada nas cerimônias da Bundeswehr alemã, como marcha oficial de suas tropas de elite. Juntamente com uma outra marcha composta para o regimento de Baden (WoO 19), foi tocada nas festividades de aniversário da imperatriz, a italiana Maria Ludovica, em 1810. Em rápida sucessão seguiram-se a escocesa em Ré (WoO 22), uma outra escocesa em Sol (WoO 23, que nos chegou só em redução para piano), uma polonesa em Ré (WoO 21) e uma marcha em Dó (WoO 20, chamada de “Tattoo” não porque tenha relação com tatuagem – palavra que, assim como “motel“, devo ter sido o primeiro a escrever aqui no PQP Bach – e sim porque este é o nome duma elaborada cerimônia militar acompanhada de música).
Ludwig ainda comporia uma última marcha (WoO 24) em 1816, para atender uma encomenda de “música turca” – o que, na época, não significava música autêntica da Turquia, e sim peças de ritmos bem marcados por pratos e outros exóticos instrumentos de percussão. O sucesso de suas obras marciais levaria ainda, no final de sua vida, a sondagens para tornar-se o compositor oficial das bandas das forças armadas da Prússia, que Beethoven, já severamente enfermo, infelizmente não conseguiu responder.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sexteto em Mi bemol maior para dois clarinetes, duas trompas e dois fagotes, Op. 71 Composto em 1796 Publicado em 1810
Ennio MORRICONE (1928-2020), em colaboração com Andrea MORRICONE (1964)
Trilha sonora original para o filme “Nuovo Cinema Paradiso” (“Cinema Paradiso”) de Giuseppe Tornatore (1988)
1 – Cinema Paradiso (Main Theme)
2 – Maturity
3 – Love Theme
4 – Childhood and Manhood
5 – While Thinking About Her Again
6 – Cinema On Fire (Extended Version)
7 – Love Theme (2nd Version)
8 – Toto and Alfredo
9 – After The Destruction (Extended Version)
10 – Love Theme For Nata
11 – Visit to the Cinema
12 – First Youth
13 – Four Interludes
14 – Runaway, Search and Ritorno
15 – From American Sex Appeal to the First Fellini
16 – Love Theme (3rd Version)
17 – Projection For Two
18 – Toto and Alfredo (2nd Version)
19 – Bicycle Theme
20 – Visit to the Cinema (2nd Version)
21 – Maturity (2nd Version)
22 – For Elena
23 – Cinema Paradiso – Finals
“Un saluto pieno intenso e profondo ai miei figli, mia nuora e i miei nipoti. Spero che comprendano quanto li ho amati”
“Uma saudação intensa e profunda aos meus filhos, minha nora e meus netos. Espero que entendam o quanto os amei”
Ennio MORRICONE (1928-2020)
Trilha sonora original para “Marco Polo”, de Giuliano Montaldo (1982)
1 – Marco Polo (Titoli)
2 – Saluto alla Madre
3 – Nostalgia del Padre
4 – Adolescenza
5 – I Sogni (Versione Estesa)
6 – Il Lungo Viaggio Inizia
7 – I Crociati
8 – Tema di Marco (Morte nel Vento)
9 – Al Santo Sepolcro (Versione Estesa)
10 – Marco Chiede la Sepoltura di Guido
11 – Verso L’oriente (Viaggio)
12 – Marco Polo (Ornuz)
13 – I Mongoli
14 – Marco Polo e i Mongoli
15 – Tema di Marco (Dialogo)
16 – Verso L’oriente (Ripresa Viaggio)
17 – Risceglio Nel Tempo Tibetano
18 – Tema di Marco (Un Nuovo Mondo)
1 – Musica di Corte (Arpe)
2 – Tema di Marco (Nel Palazzo Imperiale)
3 – Festeggiamenti a Palazzo
4 – Una Nuova Civiltà
5 – Canzone di Mai-Li
6 – Tema di Marco (Nuove Sensazioni)
7 – Canzone di Mai-Li (Ripresa)
8 – Musica di Corte (Ripresa)
9 – Ricordo della Madre
10 – Il Sud Brucia
11 – La Città Proibita
12 – Tema di Marco (Nostalgia Di Venezia)
13 – Verso la Grande Muraglia
14 – La Leggenda della Grande Muraglia
15 – Kublai Khan
16 – La Grande Marcia di Kublai
17 – Tema di Marco (Ritorno Verso Casa)
18 – Primo Amore (Finale)
“Saluto con tanto affetto Ines, Laura, Sara, Enzo e Norbert per aver condiviso con me e la famiglia gran parte della mia vita”
“Saúdo com muito carinho Ines, Laura, Sara, Enzo e Norbert por terem compartilhado comigo e com minha família grande parte de minha vida”
Ennio MORRICONE (1928-2020)
Trilha sonora original para “Novecento” (“1900”), de Bernardo Bertolucci (1976)
1 – Romanzo
2 – Estate – 1908
3 – Autunno – 1922
4 – Regalo di Nozze
5 – Testamento
6 – La Polenta
7 – Il Primo Sciopero
8 – Padre e Figlia
9 – Tema di Ada
10 – Apertura della Caccia
11 – Verdi e’ Morto
12 – I Nuovi Crociati
13 – Il Quarto Stato
14 – Inverno – 1935
15 – Primavera – 1945
16 – Olmo e Alfredo
“Ma un ricordo particolare è per Peppuccio e Roberta, amici fraterni molto presenti in questi ultimi anni della nostra vita”
“Mas uma lembrança especial vai para Peppuccio e Roberta, amigos fraternos muito presentes nos últimos anos de nossa vida”
Ennio MORRICONE (1928-2020)
Trilha sonora original para o filme “Baarìa”, de Giuseppe Tornatore (2009)
1 – Sinfonia per Baarìa
2 – Ribellione
3 – Baarìa
4 – Il Corpo e la Terra
5 – Lo Zoppo
6 – Brindisi
7 – Un Gioco Sereno
8 – La Visita
9 – Un Fiscaletto
10 – Racconto di una Vita
11 – La Terra
12 – Verdiano
13 – Baarìa [Versione per Banda]
14 – Oltre
15 – Prima e Dopo
16 – I Mostri
17 – L’Allegro Virtuoso di Zampogna
18 – A Passeggio Nel Corso
19 – Il Vento, il Mare, i Silenzi
“Lo annuncio così a tutti gli amici che mi sono stati sempre vicino e anche a quelli un po’ lontani che saluto con grande affetto. Impossibile nominarli tutti”
“Assim o anuncio a todos os amigos que sempre estiveram próximos e também àqueles que estão um pouco distantes, que saúdo com muito carinho. Impossível nomeá-los todos”
Ennio MORRICONE (1928-2020)
Trilha sonora original para o filme “Uccellacci e Uccellini” de Pier Paolo Pasolini (1966)
1 – Uccellacci e uccellini – titoli di testa (feat. Domenico Modugno)
2 – Aforismi
3 – Teatrino all’aperto
4 – Nidi di rondine
5 – Scuola di ballo al sole
6 – San Francesco parla agli uccelli
7 – Il corvo professore
8 – Teatrino all’aperto
9 – Scarpe rotte
10 – Uccellacci e uccellini – strumentale
11 – Funerale
12 – Uccellacci e uccellini – titoli di coda (feat. Domenico Modugno)
Trilha sonora original para o filme “Il Fiore delle Mille e Una Notte” de Pier Paolo Pasolini (1974)
1 – Tema di Aziza
2 – Tema di Dunja
3 – Tema del Demone – Primo
4 – Tema del Demone – Secondo
5 – Tema di Dunja – Seconda
6 – Tema della Battaglia
7 – Misterioso
8 – Tema di Aziza – Secondo
9 – Tema della Mounting di Pietra Nera – Primo
10 – Tema Del Demone – Terzo
11 – Mistico
12 – Tema di Dunja – Terzo
13 – Tema della Montagna di Pietra Nera – Secondo
14 – Tema del Demone – Quarto
15 – Rituale
16 – Tema di Dunja – Quarto
17 – Rituale – Secondo
18 – Tema del Demone – Quinto
19 – Tema della Montagna di Pietra Nera – Terzo
20 – Tema di Dunja – Quinto
21 – Tema del Demone – Sesto
22 – Rituale – Terzo
23 – Tema del Demone – Settimo
24 – Tema di Aziza – Terzo