Chopin (1810-1849): Prelúdios; Liszt (1811-1886) e Scriabin (1871-1915): Sonatas – Daniil Trifonov

Os prelúdios de Chopin são obras-primas das variações de humor, alternando entre a alegria, a melancolia e outros sentimentos típicos do romantismo. Os primeiros prelúdios seguem o contraste mais comum entre tom maior (alegre, expansivo, com uma simplicidade quase infantil) e tom menor (lento, calmo). Mas ao longo da obra, a partir do 7º “Andantino” e do 8º “Molto agitato“, as coisas vão ficando mais complicadas e há uma certa inversão de papéis, pois os de tom maior maior vão se tornando mais sutis e lentos – como o prelúdio nº 15, apelidado de gota d’água, e que é de certa forma o centro dramático desse arco narrativo – e os de tom menor vão ficando apressados, tensos, ansiosos, com a agitação nervosa típica de um Schumann, que aliás é o outro grande mestre desse tipo de obra de contrastes.

E na gravação de Daniil Trifonov, esses contrates são exacerbados: acho que nunca ouvi o prelúdio nº 3 “Vivace” tão vivo, ou o 8º e o 22º “Molto agitato” tão agitados por uma certa energia oculta, demoníaca, como bem perceberam Martha Argerich e Gilles Macassar:

O que ele faz com suas mãos é tecnicamente incrível. Mas também o seu toque – tem a delicadeza mas também um elemento demoníaco. – Martha Argerich sobre Daniil Trifonov
Daniil Trifonov dá vida as partituras de Liszt, Scriabin ou Chopin com um virtuosismo nas fronteiras do sobrenatural. – Gilles Macassar, revista Télérama

Em alguns dos prelúdios mais animados e virtuosísticos, Trifonov se apressa enormemente, correndo riscos ao vivo, e dá até a impressão de ser apenas mais um pianista ruso querendo mostrar sua técnica prodigiosa para o público nova-iorquino, que já idolatrou tantos outros pianistas russos… Mas em alguns prelúdios mais introspectivos, Trifonov desacelera e vai a passos lentos, apreciando a paisagem. Por exemplo no prelúdio 21, “Cantabile“, no qual a mão direita deve cantar como em uma ária, ele segue um ritmo bem mais lento que os de Argerich, Nelson Freire ou Rafal Blechacz, tocando com a tranquilidade similar à de Maria João Pires, embora não tão devagar quanto o sui generis Grigory Sokolov – lembrando que este último é bem diferente dos clichês sobre pianistas russos, e não por acaso, faz muito mais sucesso na Europa do que nos EUA.

Assim como Trifonov (3ª e 9ª sonata) e Freire (4ª sonata), que já postei aqui tocando Scriabin ao vivo, Trifonov faz uma interpretação brilhante do compositor russo, com uma certa energia que dificilmente se encontra nas gravações de estúdio. Publicada em 1898, essa sonata tem um pequeno programa escrito por Scriabin:

“A primeira seção representa a calma de uma noite à beira do mar; o desenvolvimento é a agitação do mar profundo. A seção central mostra a lua aparecendo após a escuridão do começo da noite. O segundo movimento representa o oceano agitado em uma tempestade.”

Quero lembrar aqui que Debussy compôs La Mer apenas em 1905, o que mostra uma das várias coincidências entre esses dois compositores que provavelmente se conheceram muito pouco, mas viveram o mesmo ‘espírito do tempo’ (zeitgeist).

A Sonata de Liszt é uma das obras tecnicamente mais difíceis do repertório para piano. Não vou me alongar sobre ela, apenas comentar que – enquanto a 5ª sinfonia de Beethoven supostamente começaria com o destino batendo à porta – Liszt inicia sua obra com uma nota solitária, uma nota sol, com a marcação sotto voce, um sussuro ou, alternativamente, uma chamada no escuro, do tipo: tem alguém aí? Após a sonata marítima de Scriabin, Trifonov inicia essa sonata de Liszt com toda a calma do mundo, deixando o sussuro de Liszt se projetar em meio ao silêncio, como aquelas aves marinhas que cantam em uma só nota em meio ao vento e às ondas, sem saber se alguém vai ouvir. Uma nota é só uma nota e ao mesmo tempo é muito mais.

Alexander Scriabin: Piano Sonata No. 2 In G Sharp Minor Op, 19 “Sonata-Fantasy”
1 Andante 7:05
2 Presto 3:26

Franz Liszt: Piano Sonata In B Minor S 178
3 Lento Assai – Allegro Energico 11:13
4 Più Mosso – Andante Sostenuto 7:37
5 Allegro Energico – Andante Sostenuto – Lento Assai 10:59

Frédéric Chopin: 24 Preludes Op. 28
6 Nr. 1 In C Major 0:38
7 Nr. 2 In A Minor 2:03
8 Nr. 3 In G Major 0:49
9 Nr. 4 In E Minor 1:40
10 Nr. 5 In D Major 0:32
11 Nr. 6 In B Minor 1:51
12 Nr. 7 In A Major 0:47
13 Nr. 8 In F Sharp Minor 1:40
14 Nr. 9 In E Major 1:30
15 Nr. 10 In C Sharp Minor 0:28
16 Nr. 11 In B Major 0:38
17 Nr. 12 In G Sharp Minor 1:11
18 Nr. 13 In F Sharp Major 3:08
19 Nr. 14 In E Flat Minor 0:32
20 Nr. 15 In D Flat Major 5:25
21 Nr. 16 In B Flat Minor 1:04
22 Nr. 17 In A Flat Major 5:58
23 Nr. 18 In F Minor 0:50
24 Nr. 19 In E Flat Major 1:06
25 Nr. 20 In C Minor 1:30
26 Nr. 21 In B Flat Major 2:15
27 Nr. 22 In G Minor 0:40
28 Nr. 23 In F Major 1:06
29 Nr. 24 In D Minor 2:43

Nikolai Karlovich Medtner (1880-1951) (Encore)
30 Skazki Op. 26 – Fairy Tales – No. 2 In E Flat Major 1:25

Daniil Trifonov – piano
Live at Carnegie Hall, New York, USA, February 2013

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Franz Liszt

Pleyel

Chopin (1810-1849): Scherzos, etc – Michelangeli, Richter

Centro e noventa anos atrás,  no dia 8 de setembro de 1831, os russos capturaram Varsóvia após a rebelião ocorrida na Polônia em meio a outras balbúrdias que sacudiram a Europa desde 1830. Chopin, ligado ao grupo que defendia a independência polonesa, jamais voltaria à sua terra natal. Ele estava em uma curta viagem pela Alemanha e, poucos dias depois, ainda em setembro, chegaria a Paris. “Coloco minha tristeza no piano”, escreveu ele em seu diário. Nesses primeiros meses de exílio ele escreveu seu primeiro Scherzo. A palavra italiana, que significa brincadeira, tem aqui um sentido enigmático, talvez de humor doentio e sarcástico, porque são as composições de Chopin mais ligadas ao que Nietzsche nomeia como estado de alma trágico. O Scherzo nº 1, em si menor, começa com acordes pesados, passa por um breve momento de paz com uma citação da canção natalina polonesa “Lulajże Jezuniu” (Dorme Jesus), canção brutalmente interrompida pelos acordes trágicos. Hoje trago dois pianistas da época do vinil, que considero até hoje os maiores intérpretes desse Scherzo.

A gravação dos quatro Scherzi por Richer era uma grande referência do Penguin Guide e outras enciclopédias musicais que deixaram de existir com a internet. Richter era um pianista de múltiplos talentos, mas provavelmente sua maior vocação era para a música mais “séria”, com uma certa solenidade, não era um homem de piadas e brincadeiras (para voltarmos à palavra italiana scherzo). Por isso ele é considerado um grande intérprete das últimas sonatas de Beethoven e de Schubert, bem como do Cravo Bem Temperado de Bach. A exceção que confirma a regra é o Concerto de Gerswhin, que surpreendeu o conselho consultivo do PQPBach por seu swing e leveza. Os Scherzi, gravados em 1977, recebem nessa edição em CD uma boa companhia com a série de miniaturas de Schumann. Aliás, Schumann era um grande admirador de Chopin e escreveu, sobre o primeiro scherzo: “Como se vestirão suas obras graves, se a piada já está sob véus negros?”

F. Chopin (1810-1849):
1. Scherzo No. 1 In B Minor, Op.20
2. Scherzo No. 3 in B-flat Minor, Op.31
3. Scherzo No. 3 in C-Sharp Minor, Op.39
4. Scherzo No. 4, E major, Op.54

R. Schumann (1810–1856):
5-18. Bunte Blätter, Op. 99 (Colorful Leaves – Folhas Coloridas)

Sviatoslav Richter, piano

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Chopin, por Eugène Delacroix

Depois da referência, a obscura gravação ao vivo. Michelangeli se notabilizou pela sua interpretação de um pequeno número de obras de Chopin: a Balada nº 1, a Sonata nº 2 “Marcha Fúnebre” e mais algumas. Perfeccionista, ele lapidava como diamantes as poucas obras de seu repertório. Era um frequente parceiro do maestro Sergiu Celibidache e compartilhava com ele o perfeccionismo e outras manias. Após as mortes dos dois ( Michelangeli em 1995, Celibidache em 1996), foram aparecendo gravações ao vivo disputadas pelos fãs, incluindo algumas dos dois juntos nos concertos de Ravel, Schumann e Beethoven.

Entre elas, essas gravações de Chopin, em recitais ao vivo entre 1962 e 1990. No Scherzo nº 1, a sonoridade de Michelangeli é aquela que os fãs conhecem: meticulosamente planejada, nada é por acaso: mesmo nos acordes mais fortes e intensos, cada nota é necessária para recriar a atmosfera sombria e trágica que passava pela cabeça de Chopin. O andamento bastante lento escolhido por Michelangeli faz parte dessa exposição transparente de todos os momentos, nada fica escondido, e nisso também, na lentidão, podemos lembrar de Celibidache.

Na Fantasia em Fá menor, obra que alterna entre momentos trágicos e outros de bravura virtuosística, Michelangeli mostra que sua técnica é realmente prodigiosa. Nas valsas e mazurkas que completam o álbum, Michelangeli tem concepções interessantes mas bastante excêntricas. Não temos aqui o ritmo dançante das mazurkas de Barbosa, de Novaes ou de Freire – esses pianistas brasileiros que parecem ter nascido para tocar esse Chopin mais dançante, onde o aspecto trágico também está presente mas apenas nas entrelinhas, mascarado pela dança.

1. Scherzo No. 1 in B Minor Op. 20 13:10
2. Fantaisie in F Minor Op. 49 14:30
3. Valse in A Minor Op. 34.2 7:23
4. Valse in A Flat Major Op. 34.1 5:40
5. Valse in A Flat Major Op. 69.1 4:18
6. Mazurka in A Minor Op. 68.2 3:07
7. Mazurka in F Minor Op. 68.4 3:41
8. Mazurka in A Flat Major Op. 41.4 1:45
9. Mazurka in G Sharp Minor Op. 33.1 2:50
10. Mazurka in D Flat Major Op. 30.3 2:58
11. Mazurka in G Minor Op. 67.2 2:34
12. Mazurka in B Minor Op. 33.4 8:06
Arturo Benedetti Michelangeli, piano

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Richter e Michelangeli em 1964

“Quanto precisou sofrer este povo para poder tornar-se tão belo! Agora,
porém, acompanha-me à tragédia e sacrifica comigo no templo de ambas as divindades!”
(Nietzsche – O Nascimento da Tragédia)

Pleyel

Chopin (1810-1849): Noturnos – Maria João Pires

A portuguesa Maria João Pires é frequentadora assídua do PQP Bach. Ela já esteve por aqui com Mozart e Beethoven (Sonatas e Concertos dos dois), Schumann (Cenas Infantis, Cenas da Floresta), Chopin (Concertos, Prelúdios, Fantasia). Vocês também já viram Pires fazendo música de câmara com o violinista Dumay (Beethoven, Mozart) e com os violoncelistas Meneses (Beethoven, Schubert, Brahms) e Gomziakov (Chopin, Lugubre Gondola de Liszt).

Mas faltavam os Noturnos de Chopin, talvez o CD mais aplaudido e lembrado de toda sua discografia. O que falar dessa gravação da década de 1990, além de dizer que combina a maturidade de uma artista já com uma carreira de sucesso e a naturalidade de uma pianista que evita arroubos performáticos? Há um documentário sobre Maria João – cito de memória – em que a origem desse disco é assim narrada: a gravadora perguntou se ela tocava todos os noturnos de Chopin, ela puxa pela memória e percebe que sim, que tocava todos… Uma constatação casual como a de uma jardineira que percebe que seu jardim tem – por acaso! – flores das sete cores do arco-íris. Maria João vive em Belgais, no interior de Portugal, onde ela cria galinhas, colhe azeitonas e assa pão.

Estou tateando a admirável personalidade de Maria João Pires, ao invés de falar dos Noturnos de Chopin, mas o fato é que ela e os noturnos parecem feitos um para o outro. O toque delicado, a preocupação com os detalhes, os ornamentos e cantabile reminiscentes da música vocal e ao mesmo tempo a polifonia discreta mas sempre presente… Tudo isso combina com Maria João, da mesma forma que a dramaticidade mais pesada e trágica dos Scherzos combina com Richter.

Outra gravação muito aplaudida e premiada dos Noturnos foi a de Maurizio Pollini nos anos 2000. Mais do que Maria João, ele costuma dar peso igual às duas mãos, enfatizando a escrita polifônica de Chopin que, como sabemos, era um grande conhecedor do Cravo Bem Temperado de Bach. Em 2009, PQP postou esse disco de Pollini sem economizar nos elogios: “Abaixo os pianistas mela-cuecas! Aqui temos técnica, sabedoria, musicalidade e sentimento, não temos um lacrimoso deprimido fingindo-se de apaixonado com a bunda colada na frente do piano.”

O link para download dos Noturnos com Pollini estava fora do ar e recebemos pedidos de repostagem desde 2010. Vocês sabem que nossa fila de espera é mais longa e mais lenta do que a do judiciário brasileiro, mas hoje finalmente estou reativando os links dos Noturnos com Pollini, assim como a gravação de Nikita Magaloff, outro pianista cuja personalidade se encaixa como uma luva nessas obras.

F. Chopin (1810 – 1849): Noturnos, com o Deus do piano

Um Chopin franjudo no Parque Łazienki de Varsóvia

Frédéric Chopin – Noturnos – Nikita Magaloff

Magaloff tem uma tendência a tocar mais devagar, mostrando alguns detalhes escondidos em cada ornamento e cada mudança de pianissimo para forte, cada crescendo e cada diminuendo. Pollini, também enfatiza essas diferenças de forma bem marcada, mas com andamentos mais rápidos e em um sentido mais racional, mais de forma a mostrar a genialidade do compositor. O Chopin de Pires parece mais improvisado, menos deliberado e mais liberado. Em resumo, são três excelentes gravações dos Noturnos para vocês compararem e apreciarem em uma noite à luz das estrelas.

Frédéric Chopin (1810-1849)
Noturnos no.1 a 21
Maria João Pires – piano
Gravado em 1995-1996

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Maria João de quarentena em Belgais, Portugal (março de 2020)

Pleyel

Beethoven: Sonata “Kreutzer”; Debussy: Sonata para violino e piano; Bartók: Sonata Nº 2, Rapsódia Nº 1 (Piano – Bartók, Violino – Szigeti) #BRTK140

A sonata para violino e piano é um gênero que muitos grandes compositores cultivaram. Mozart compôs 36 sonatas para essa formação, Beethoven compôs 10… No auge do Romantismo, alguns compuseram grandiosas sonatas com um pé na emoção e um outro na razão: estou pensando em Cesar Franck e Brahms. Outros românticos se destacaram por suas obras para violino e orquestra, como os sentimentais e dramáticos concertos de Mendelssohn, Glazunov e Sibelius.

Essa tradição do violino romântico com seus lamentos agudos, é claro, era tudo que os modernistas do século XX queriam evitar. Debussy (Sonata – 1917), Prokofiev (Concerto n. 1 – 1917), Stravinsky (L’Histoire du Soldat – 1918) e Ravel (Tzigane – 1924) conseguiram, com muito sucesso, imaginar sonoridades não românticas para o violino. Mas Bartók… como dizer? O violino de Bartók parece um instrumento novo.

Novo é relativo, vocês sabem que nada se cria, tudo se copia: ele criou um mundo novo se baseando em sua pesquisa de campo na Hungria e países vizinhos. Como ele mesmo escreveu sobre a sua música e a de seu amigo Kodály: “sua arte, como a minha, tem raízes gêmeas: ela cresce a partir do solo camponês húngaro e da música moderna francesa.” São muitos aspectos de ritmo, de timbre, de melodias que soam inspirados por danças folclóricas, tanto nas duas sonatas para violino e piano (1921 e 1922), como nos dois concertos para violino (1908 e 1938) e também nas duas rapsódias, publicadas em versões para violino com piano ou com orquestra (1928).

As obras de Bartók que ouvimos neste recital com o compositor tocando piano, portanto, são da década de 1920. O recital tem também a sonata de Debussy (que Bartók provalmente já conhecia na década de 20) e a Sonata Kreutzer de Beethoven. Ou seja, e não por acaso, duas sonatas para piano que se situam fora do sentimentalismo romântico – uma logo antes e uma logo depois da chamada “era romântica” na música, embora essas periodizações sejam sempre imprecisas porque Beethoven já tem traços românticos, e porque houve compositores mais conservadores no século XX. O fato é que o programa do recital foge do romantismo exagerado, mas ao mesmo tempo são utilizados recursos tipicamente românticos, como o rubato, aqui reinventado a partir das melodias húngaras que os dois músicos conheciam muito bem.

O violinista Joseph Szigeti, que passou a infância em uma cidadezinha da Transilvânia e estudou violino em Budapeste, certamente tem um sotaque muito apropriado para tocar essas obras. A Rapsódia de 1928, aliás, foi dedicada a Szigeti. Em 1940, ele se reencontrou com Bartók, que havia acabado de chegar aos EUA para fugir dos horrores da guerra. Então o que ouvimos nesse recital é ao mesmo tempo o reencontro de dois amigos e a música como antídoto à violência e à xenofobia, pois dificilmente na Alemanha de Hitler se ouviriam dois húngaros (um deles, judeu) tocando Beethoven seguido de uma rapsódia húngara e de um compositor francês.

Ludwig van Beethoven: Sonata No. 9 in A Major, Op.47, “Kreutzer”
1. I. Adagio sostenuto; Presto
2. II. Andante con variazoni
3. III. Finale – Presto

Claude Debussy (1862-1918): Sonata For Violin And Piano In G Minor
4. I. Allegro vivo
5. II. Intermède [Fantastique et Leger]
6. III. Finale

Béla Bartók (1881-1945):
7. Second Sonata For Violin And Piano: Molto Moderato; Allegretto
8. Rhapsody No. 1 For Violin And Piano: Lassu; Friss

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Pleyel

Alessandro Scarlatti (1660-1725): Toccatas e Folia, na espineta oval de Cristofori

A estrela desse disco é o instrumento musical: a reconstrução da espineta oval criada por Bartolomeo Cristofori dez anos antes de começar a fabricar os ancestrais do piano moderno. A espineta é uma espécie de versão mais compacta do cravo e costuma ter um som mais leve, mas o instrumento de Cristofori tem algo da riqueza de tom do cravo, sendo um pouco como um cruzamento entre os dois.

O encarte do disco traz informações fascinantes sobre a relação dos Scarlatti pai e filho com Florença, cidade importante na carreira dos dois, embora tenham passado a maior parte de suas vidas em Nápoles, Roma (ambos) e Madrid (o filho). A família Medici começou com banqueiros que ficaram podres de ricos por volta de 1400. No período barroco, já eram Grão-Duques da Toscana e patrocinaram artistas como Alessandro Scarlatti e Händel. Porém, pelo jeito eles não mantinham compositores como mestres de capela ou outros cargos semelhantes, ao contrário dos reis em Paris, Madrid, e Berlim, dos duques em Weimar e Dresden… Usando palavras atuais – e, claro, tomando certa liberdade – podemos imaginar que os Medici, seguindo sua tradição de banqueiros, preferiam pagar seus artistas por projeto e depois mandá-los se virar, ao invés de mantê-los como funcionários estáveis por décadas… Sabe aquele patrão que não quer assinar a carteira? Isso para os artistas, porque o tratamento dado ao artesão Bartolomeo Cristofori (1655-1731) foi bem diferente. Em 1688 ele foi convidado pelo Príncipe Ferdinando de Medici para trabalhar para ele, construindo e restaurando cravos e espinetas e supervisionar o vai-e-vem de instrumentos entre os vários palácios dos Medici, posto que ocupou até a morte do príncipe (1713). Nesse período, a segurança financeira que ele tinha certamente contribuiu para que ele pudesse inventar o pianoforte. Como nos conta o encarte do disco, que traduzo aqui em parte, mas vale ser lido na íntegra:

Cristofori, nascido em Pádua (Padova), foi convidado a residir em Florença pelo Príncipe Ferdinando em 1688. Recebia um salário regular e foi admitido como um membro dos “virtuosi di camera” do Príncipe. Ali, Cristofori desenvolveu o pianoforte (descrito a partir de 1700) e inventou novas formas técnicas para outros instrumentos, experimentando com madeiras preciosas.

A espineta oval de 1690 é um instrumento notável por sua forma, pelas madeiras nobres e por sua inovação técnica. É o primeiro testemunho do gênio inventivo do homem. Ele construiu duas dessas espinetas para o Príncipe Ferdinando. Pela fatura mantida no arquivo dos Medici, sabemos que Cristofori calculou, para a espineta, o salário de dez meses de um ajudante, e que após calcular a soma de gastos com materiais, ele dobra o valor no final: “mia fattura“.

Desde 2001 a espineta oval de 1690 está à mostra no departamento de instrumentos musicais da Galleria dell’Academia de Florença. Nesses instrumentos, Cristofori combinou as vantagens do cravo – longas cordas de baixo e dois registros de oitavas – com a leveza da espineta, criando um instrumento esteticamente elegante e atraente.

O Príncipe Ferdinando de Medici tocava violino, cravo, cantava, e era um dos principais mecenas das artes de seu tempo. Ele manteve com Alessandro Scarlatti uma rica correspondência de cerca de 60 cartas conservadas em Florença. O primeiro contato foi em 1683, quando da produção de uma ópera de Scarlatti em Siena, montada depois em Florença em 1686. Até 1709, houve obras de A. Scarlatti (ópera, drama, oratório, comédias) em quase todas as temporadas musicais em Florença.

Foi em julho de 1702 que Alessandro Scarlatti chegou à cidade com seu filho Domenico, de 17 anos. Em agosto ele conduziu um moteto de sua autoria para o aniversário do Príncipe Ferdinando. Em setembro a sua ópera Flavia Cuniberto foi montada no Teatro Pratolino. Em outubro eles voltaram para Roma, sem conseguir obter o posto esperado na corte dos Medici. As cartas do compositor em 1702 fazem menções sutis a esse posto fixo que ele desejava. Em 1705, Alessandro escreveu ao príncipe elogiando as habilidades de seu filho, virtuoso cravista. Meses depois, Domenico Scarlatti visitou Florença, desta vez sem seu pai. Tudo indica ele também queria um posto fixo junto aos Medici e também ficou a ver navios. O máximo que Ferdinando de Medici lhe ofereceu foi uma carta de recomendação a um nobre de Veneza. Não se sabe os detalhes mas talvez tenha sido importante o carimbo de um Medici: Domenico viveu alguns anos em Veneza, voltando a Roma só em 1709.

É muito provável que em sua estadia de quatro meses em Florença os Scarlatti tenham visto e tocado na espineta oval de Cristofori. Nas décadas de 1720 e 30, Domenico Scarlatti chega a Portugal e Espanha e logo depois as cortes desses países encomendam pianofortes, o que atesta o papel de Domenico na difusão desse ainda raro instrumento. As toccatas de Alessandro combinam fragmentos da linguagem modal do renascimento italiano com modulações mais modernas. Elementos similares de improviso são encontrados nas composições de seu filho Domenico. E para quem gosta de obras de variações sobre um tema, é imperdível a “Toccata con Partite” de Scarlatti – em uma tradução literal: Toccata em várias Partes sobre a Folia de Espanha. Nas Partitas Corais de Bach, para órgão, a palavra partita mantém este significado de muitas partes variando um mesmo tema, embora nas Partitas para cravo, já seja outro o significado. Sobre a Folia de Espanha, que provavelmente teve origem no carnaval português, veja esta e esta postagem de PQP.

Alessandro Scarlatti (1660-1725):
1-2. Toccata in re (Toccata / Fuga)
3. Allegro in sol
4-5. Toccata in Do (Toccata / Fuga)
6-8. Toccata in sol (Arpeggio / Fuga / Corrente)
9-12. Toccata in mi (Toccata / Fuga / Allegro / Minuet)
13-14. Toccata in la (Largo – Allegro / Corrente Allegro)
15-17. Toccata in Sol (Toccata / Spirituoso / Presto)
18. Fuga in Sol
19-21. Toccata in re (Toccata / Fuga / Fuga)
22-24. Toccata in Re (Toccata / Un poco largo / Allegro)
25. Fuga in re
26-48. Toccata con Partite sulla Follia di Spagna (in re)

Ella Sevskaya – spinetta ovale / espineta oval / oval spinet (copy of Cristofori, 1690)

Obs: nos títulos das obras, letra minúscula (ex: re) significa tom menor e maiúscula (ex: Re) é tom maior.

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Cópia (2003) da espineta oval feita por Cristofori em 1690

Pleyel

Olivier Messiaen (1908-1992): Méditations sur le Mystère de la Sainte Trinité (Colin Andrews – órgão)

Na única oportunidade em que escutei ao vivo a música para piano de Messiaen (Peter Donohoe interpretando lindamente os ‘Vingt regards sur l’enfant Jésus’ na Sala Cecília Meireles, Rio), dois homens conversavam na fileira à minha frente:

– Ele usa clusters, dissonâncias, uma loucura, pra terminar com um acorde em dó maior! Absurdo, né? (Peço que o leitor leia as palavras em itálico com o mesmo tom blasé que merece uma pintura de Romero Brito)

Estou frontalmente em discordância. Para mim, um dos méritos de Messiaen é seu ecletismo: sem pestanejar, ele alterna entre música tonal e atonal, cita melodias medievais e cantos de pássaros – estes últimos, obviamente, não costumam cantar em 4/4.

Nas “Nove meditações sobre o mistério da Santa Trindade”, compostas em 1969, ele utiliza trechos de canto gregoriano (sobretudo no 2º movimento), cantos de pássaros (4º movimento e un peu partout), serialismos pós-Schoenberg, cromatismos pós-Debussy, acordes potentes que foram pensados por alguém que sabe bem o que funciona no órgão…

E isso tudo, ele faz não com o objetivo de seguir aqui as leis da harmonia europeia ocidental, seguir ali as leis do dodecafonismo… Muito pelo contrário, ele não se importa com essas leis. Ele utiliza todos esses procedimentos sonoros com objetivos próprios, alheios a preocupações do tipo “será que vão me achar antiquado por usar um acorde maior? As regras do campeonato permitem? Vão me cancelar?”

Do meu ponto de vista, é desprezível o homem que jura cumprir a Constituição do seu país e não cumpre. E é pouco relevante o artista que segue estritamente algum cânone de leis estéticas. Porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. A História faz julgamentos diferentes para quem rasga as leis do país e para quem bagunça o coreto das leis estéticas. Sic transit gloria mundi.

Olivier Messiaen (1908-1992): Méditations sur le Mystère de la Sainte Trinité
Méditation I: “Le Père des étoiles” (“The Father of the Stars”)
Méditation II: “Dieu est Saint” (“God is Holy”)
Méditation III: “La relation réelle en Dieu est réellement identique à l’essence” (“The relation really existing in God is really the same as His essence”)
Méditation IV: “Je suis, Je suis !” (“I am, I am!”)
Méditation V: “Dieu est immense”, “Dieu est éternel”, “Dieu est immuable”, “le Souffle de l’Esprit”, “Dieu le Père tout-puissant”, “Notre Père”, “Dieu est amour” (“God is immense”, “God is eternal”, “God is immutable”, “The breath of the Spirit”, “God is Father all powerful”, “Our Father”, “God is love”)
Méditation VI: “Dans le Verbe était la Vie et la Vie était la Lumière…” (“In the Word was Life, and that Life was the Light…”) (Evangelho Segundo João, I.4)
Méditation VII: “Le Père et le Fils aiment, par le Saint-Esprit, eux-mêmes et nous” (“The Father and the Son love, through the Holy Spirit, each other and us”)
Méditation VIII: “Dieu est simple”, “Les Trois sont Un” (“God is simple”, “The Three are One”).
Méditation IX: “Je suis Celui qui suis” (“I am Who I am”)

Colin Andrews – órgão construído por C.B. Fisk
St. Paul’s Episcopal Church, Greenville, North Carolina, USA

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Messiaen sobre os pássaros: “Eles cantaram muito antes de nós. E inventaram a improvisação coletiva”

Pleyel

Baroque Twitter (Hasse, Scarlatti, Vivaldi, Albinoni, Fiorè, Vinci, Gasparini, Torri, Mancini, Dieupart)

Não, este disco não tem qualquer relação com a rede social criada em 2006, com valor de mercado estimado em uns 10 a 25 US$ bi, faixa similar ao valor da PQP Bach Corp., também criada em 2006.

O título faz referência ao som dos pássaros. Em um trabalho musicológico de primeira, juntaram oito árias barrocas para soprano com referência aos cantores que vivem em cima das árvores, algumas de compositores famosos como A. Scarlatti, Vivaldi, Albinoni. Outros um pouco menos conhecidos, como J.A. Hasse, que viveu mais de 80 anos entre Dresden, Veneza e Viena, onde chegou a conhecer o jovem Mozart (ao que parece, ambos tinham grande respeito pelo talento do outro), e Leonardo Vinci, um dos criadores do estilo galante, célebre por suas óperas de melodias mais simples, com menos contraponto, e que morreu aos 40 anos ao comer um chocolate envenenado – dizem as más línguas – por um parente de uma de suas várias amantes. E alguns são hoje praticamente desconhecidos, como os italianos Andrea Stefano Fiorè e Pietro Torri.

Na maioria dessas árias, a cantora divide o papel de solista com a flauta doce ou flautino, que imita os pássaros. Como vocês sabem, a imitação dos pássaros é uma constante na história da música. No século XX beberam dessa tradição Mahler, Stravinsky, Villa-Lobos e Messiaen.

O canto dos pássaros pode servir de metáfora para os mais diversos sentimentos, como a alegria pastoral da ária de Gasparini:

Bell’augelletto
che vai scherzando
sui verdi rami,
t’intendo: tu mi chiami,
e parla in te l’amor.

Belo passarinho
que vai brincando
sobre verdes ramos,
te entendo: tu me chamas,
e em ti, fala o amor

Os pássaros, soltos ou na gaiola, também podem representar a liberdade ou a falta desta, como na ária de Hasse:

L’augelletto in lacci stretto
perché mai cantar s’ascolta?
Perché spera un’altra volta
di tornare in libertà.

O passarinho na gaiola,
porque escutamos seu canto?
Porque ele espera em breve
voltar à liberdade.

E na ária de Alessandro Scarlatti – que faz parte da serenata Il giardino d’amore,  espécie de cantata para um público mais reservado e mais aristocrático do que o das óperas –  o canto do rouxinol aparece bem mais estilizado e rebuscado do que o estilo galante que surgiria algumas décadas depois. Assim como Hasse, Scarlatti trata de temas mais sombrios:

Rouxinol cantando (fonte: ebird.org)

Più non m’alletta e piace
il vago usignoletto

Já não me agrada e diverte
o charmoso rouxinol

Alguns desses compositores estão fazendo sua estreia no PQP hoje, por exemplo Francesco Gasparini, que foi Diretor do Pio Ospedale della Pietà em Veneza no começo do século 18, ou seja, foi patrão de Antonio Vivaldi. J.S. Bach copiou à mão a Missa Canonica de Gasparini em 1740, fez algumas mudanças na orquestração adicionando oboés, trombone e órgão, e regeu essa Missa provavelmente muitas vezes em Leipzig.

Três obras instrumentais para flauta doce e cordas completam o CD, incluindo um concerto de Vivaldi. É impressionante como sempre há novidades a se conhecer na música barroca!

ANDREA STEFANO FIORÈ (1686–1732)
1 “Usignolo che col volo”
Aria di Engelberta from the opera Engelberta (Milano 1708)
for soprano, flautino, strings & b.c.

LEONARDO VINCI (c.1690–1730)
2 “Rondinella che dal nido”
Aria di Ifigenia from the opera Ifigenia in Tauride (Venezia 1725)
for soprano, strings & b.c.

FRANCESCO GASPARINI (1661–1727)
3 “Bell’augelletto che vai scherzando”
Aria di Aurora from the serenata L’oracolo del fato (Venezia c. 1709)
for soprano, flautino & strings

FRANCESCO MANCINI (1672–1737)
Sonata 14 in G minor
Concerto for Recorder, two violins, viola & b.c.
from the Conservatory “San Pietro a Majella”, 24 concerti per flauto, Napoli 1725
4 Comodo
5 Fuga
6 Larghetto
7 Allegro

T. Albinoni

PIETRO TORRI (c.1650–1737)
8 “Amorosa rondinella”
Aria di Nicomede from the opera Nicomede (Munich 1728)
for soprano, strings & b.c.

TOMASO ALBINONI (1671–1751)
9 “Zeffiretti che spirate”
Aria di Epicide from the opera Eraclea (Genova 1705)
for soprano & b.c.

JOHANN ADOLF HASSE (1699–1783)
10 “L’augelletto in lacci stretto”
Aria di Araspe from the opera Didone abbandonata (Dresden 1742)
for soprano, flautino, strings & b.c.

CHARLES DIEUPART (1667–1740)
Concerto in A minor, for ‘small flute’, strings & b.c.
11 Vivace
12 Grave staccato
13 Allegro

Alessandro Scarlatti

ANTONIO VIVALDI (1678–1741)
14 “Quell’usignolo ch’al caro nido”
Aria di Barzane from the opera Arsilda regina di Ponto (Venezia 1716)
for soprano, strings & b.c.

ALESSANDRO SCARLATTI (1660–1725)
15 “Più non m’alletta e piace”
Aria di Adone from the serenata Il giardino d’amore (c. 1700–1705)
for soprano, flautino, strings & b.c.

ANTONIO VIVALDI
Concerto in F major, RV 442, for recorder, strings & b.c. Tutti gl’ Istromenti Sordini
16 Allegro mà non molto
17 Largo e Cantabile
18 Allegro

Nuria Rial, soprano
Maurice Steger, flautino & recorder
Kammerorchester Basel
Stefano Barneschi, violin & direction

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Caricaturas de F. Gasparini e Vivaldi, por Pier Leone Ghezzi (1674-1755). Curiosidade: a palavra caricatura tem origem no italiano ‘caricare’ – pois o desenhista exagera, carrega nos traços da pessoa

Pleyel

Alberto Ginastera (1916-1983): Cello Concertos

dizem que ainda tem até luar no sertão, até capivara e suçuarana — não, eu não sou contra o progresso (“o progresso é natural”) mas uma garrafinha de refrigerante americano não é capaz de ser como um refresco de maracujá feito de fruta mesmo (Rubem Braga, 1953).

Rubem Braga e Alberto Ginastera têm alguns elementos em comum: em primeiro lugar, o gosto pelas tradições e folclore de seus países em um século de acelerada modernização, urbanização e introdução do american way of life (american do norte, claro). Em segundo lugar, a oposição a governos que promoveram a mão de ferro essa modernização acelerada, oposição que lhes custou muitas oportunidades, não tenham dúvidas. Rubem Braga foi um crítico feroz de Getúlio Vargas e do regime de 1964, procurem a crônica “Os filhos dos torturadores”, onde ele lamenta a sorte das crianças que vão carregar “aquele rabo sujo de sangue”. Ginastera foi expulso do Conservatório de La Plata ao se opor quando o governo quis batizar o conservatório com o nome de Evita Perón. Depois, na década de 1960, a ópera Bomarzo foi censurada pelo regime militar argentino por motivos de depravação sexual. Ginastera, em resposta, proibiu todas as suas obras de serem tocadas em Buenos Aires naquele período.

É importante notar que Ginastera não se opunha a Perón ou aos generais torturadores porque era de outro partido político. Assim como Rubem Braga (e muito ao contrário de Villa-Lobos, mas isso é outra história), ele sempre se manteve longe da política, o que é bem diferente de ser um isentão em cima do muro. Não hesitava quando se tratava de condenar a censura ou o autoritarismo. Mas o que lhe interessava realmente não era o progresso (cinquenta anos em cinco… a que custo?), era a cultura popular sul-americana, que ele homenageou em obras como Danzas argentinas (1937), Obertura para el Fausto criollo (1943) e Popol Vuh, La creación del mundo maya (1975).

O primeiro concerto para violoncelo e orquestra de Ginastera, composto em 1968 e revisado em 1977, tem três movimentos mas, ao invés de seguir o formato usual de allegro/adagio/allegro, faz uma espécie de arco bartókiano, começando e terminando suave, com um Presto sfumato no meio, que por sua vez tem no centro um Trio notturnale com harpa, que evoca uma serenata, como na sétima sinfonia de Mahler. Como escreveu Ginastera, sua linguagem se caracterizava por “uso de ritmos frenéticos, melodias contemplativas e polifonias veementes, choques repentinos, complexos cromáticos e micro-cromáticos, elementos visionários e alucinatórios e um certo clima misterioso que poderia evocar um espírito associado com a América do Sul.”

O segundo concerto para violoncelo, de 1981 – dois anos antes da morte de Ginastera – é dedicado à violoncelista Aurora Nátola, esposa do compositor, para comemorar seus dez anos de casamento. É um concerto de um homem apaixonado, a partitura tem epígrafes de grandes poetas no início de cada movimento. O coração do concerto é o terceiro movimento, um noturno com citação do poeta Apollinaire, inventor do termo “surrealismo” e morto de gripe espanhola em 1918. Com uma abundância de descrições de luares, sapos, brejos e florestas, esse terceiro movimento termina calmo, dando lugar a uma longa cadência para o violoncelo, com um lirismo que lembra Villa-Lobos, para depois arrematar tudo com um finale rustico.

Aurora Nátola-Ginastera recebeu este último sobrenome em 1971. Antes disso a violoncelista já havia feito seu nome no meio musical. Nascida em Buenos Aires e aluna de Pablo Casals, ela e a orquestra espanhola que a acompanha combinam com esse repertório como o luar combina com o sertão.

Alberto Ginastera (1916-1983)
Cello Concerto No.1,Op.36
1. Adagio molto appassionato
2. Presto sfumato
3. Assai mosso ed esaltato – Largo amoroso

Cello Concerto No.2,Op.50
4. Metamorfosi di un tema
5. Scherzo sfuggevole
6. Nottilucente
7. Cadenza e Finale rustico

Cello – Aurora Natola-Ginastera
Conductor – Max Bragado Darman
Orquesta Sinfónica de Castilla y Leon
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Alberto Ginastera e o gato que pegou emprestado de Edgar Allan Poe

Pleyel

Claude Debussy (1862-1918): Fantasia para piano e orquestra (Aimard/Salonen/Philharmonia)

Hoje trago uma gravação ao vivo que nunca foi lançada oficialmente, mas a qualidade do som do piano é excelente e a orquestra é ouvida um pouco mais distante, bem semelhante aliás à experiência nas salas de concerto. As gravações com dezenas de microfones, alguns na altura das cadeiras e outros lá no teto, nos dão um panorama sonoro diferente daquele de um concerto ao vivo (ai que saudades!). Sem falar nos tossidos…

Mas chega de papo sobre engenharia sonora. A intenção aqui é comparar a Fantasia de Debussy gravada por Pierre-Laurent Aimard/Esa-Pekka Salonen com o recente CD de Martha Argerich/Daniel Barenboim.

Aimard é um especialista na música moderna e contemporânea. Ele já apareceu aqui no PQPBach tocando Ravel, Bartók e Ligeti. Sobre as dificuldades de alguns ouvintes com a  música das últimas décadas, ele disse em uma entrevista: “Aprender a escutar essa música equivale a aprender uma nova língua. Você só vai admirá-la quando entender o que aquelas palavras querem dizer.”

Isso vale, por exemplo, para os dificílimos Estudos de Debussy e de Ligeti, dos quais Aimard é um dos maiores intérpretes. Para a Fantaisie de Debussy, nem tanto: composta entre 1889 e 1890, é uma obra da primeira fase de Debussy, já cheia das nuances típicas do compositor, mas ainda não tão vanguardista. As notas que fluem como cachoeiras, imitando os movimentos da água ou dos ventos, são comparáveis a momentos de suas obras de juventude mais famosas: os dois Arabescos (1891) e o Clair de lune, movimento da Suite Bergamasque (1890, com alterações do compositor em 1905).

Debussy se inspirou também nos ornamentos e arabescos da música barroca, sobre a qual ele escreveu: “Foi a era do ‘maravilhoso arabesco’ quando a música era sujeita às leis da beleza inscritas nos movimentos da própria Natureza.”

Pierre-Laurent Aimard usa um toque cheio de nuances nas teclas do piano para dar vida a esses arabescos, especialmente no movimento lento. Já Margerich Argerich faz alguns rubatos (mudanças no andamento) que dão uma vida diferente às frases, dão verdadeira fantasia à Fantasia. O Debussy dela lembra a gravação dos Preludios por Zimerman (Record of the year – Gramophone). Aimard, com toque cuidadoso e sonoridades delicadas, se inscreve na tradição de Novaes,  Gieseking, François, Michelangeli

É importante lembrar que a gravação de Argerich/Barenboim também foi ao vivo, com viradas de páginas e outras imperfeições típicas da vida real.

Qual versão é a melhor? Deixo para vocês decidirem.

Claude Achille DEBUSSY (1862-1918)

Fantaisie, para piano e orquestra, L. 73
1 – Andante ma non troppo
2 – Lento e molto espressivo
3 – Allegro molto

Salonen e Aimard

Esa-Pekka Salonen – conductor
Pierre-Laurent Aimard – piano
Philharmonia Orchestra
Royal Festival Hall, London, UK
4 May 2017 (Live Recording)

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Aimard agradecendo à plateia em Londres (Fonte: Twitter)

Pleyel

Franz Liszt (1811-1886): Concertos para piano com Andor Foldes/BPO

Ontem, trouxe aqui as antológicas gravações da música para piano de Bartók por Andor Foldes. Hoje, seguimos com o mesmo pianista interpretando música húngara.

Andor Foldes é acompanhado pela Orquestra Filarmônica de Berlim, com uma sonoridade romântica potente que se encaixa muito melhor nesses concertos do que, por exemplo, nos de Beethoven. Os concertos para piano de Liszt não seguem o esquema tradicional em três movimentos. Os temas vão se transformando de forma mais livre, liberdade característica do romantismo e que Liszt explicou assim: “vinho novo exige garrafa nova”.

Liszt, aqui, se distancia de seus contemporâneos Chopin, Mendelssohn e Schumann, que compuseram em formas inovadoras para piano solo, mas não alteraram significativamente a forma do concerto para piano e orquestra que Mozart havia levado à perfeição. Eu gosto especialmente do concerto nº 1, que já começa com um tema muito interessante, que vai aparecer até o final. O genro de Liszt, Hans von Bülow, dizia que as notas do tema podiam ser cantadas como “das versteht ihr alle nicht, haha! (“Vocês não entendem nada, haha!”, ou em inglês, de sonoridade mais próxima do alemão: You don’t understand a thing, haha!). Segundo von Bülow, tratava-se de um aviso aos críticos musicais, o que torna este concerto uma espécie de Roman à clef*. Estreado em Weimar em 1855, com Hector Berlioz na regência, o concerto abriu as portas para obras inovadores para piano e orquestra das gerações seguintes, como os concertos de Brahms, as Variações Sinfônicas de Franck, as Noites nos jardins de Espanha, de Falla, e a Bachianas nº 3 de Villa-Lobos.

O segundo concerto de Liszt, estreado em 1857, também em Weimar, tem uma forma ainda mais diferentona, em um movimento único, assim como a assim como a sua sonata para piano.

Franz Liszt (1811-1886): Piano Concertos
1–3 Piano Concerto No. 1 in E flat major, S.124
4–9 Piano Concerto No. 2 in A major, S.125

Andor Foldes, piano
Berliner Philharmoniker
Leopold Ludwig
Recording: Jesus-Christus-Kirche, Berlin, Germany, February 1953

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Sim, o cabeludo sentado é Liszt

* Roman à clef – romance com chave, que adquiriria um novo significado quando lido a partir de uma certa chave de entendimento ligada a pessoas e situações da vida real. Em um romance do escritor Will Self, o protagonista afirma: a única possibilidade de eu escrever um roman à clef seria se eu perdesse as chaves do carro. Ao longo do livro a chaves somem várias vezes.

Pleyel

Gustav Mahler (1860-1911): Symphony no. 7, Five Lieder – Christa Ludwig, Philharmonia Orchestra, Otto Klemperer

Dois de nossos leitores pediram homenagens à grande Christa Ludwig, falecida recentemente aos 93 anos. Com a lentidão habitual do nosso SAC, mas antes que vocês joguem tomates na sede da PQPBach S.A., trazemos hoje um disco com um verdadeiro dream team mahleriano que também gravou Das Lied von der Erde, postada em 2018 por FDP Bach.

A magnífica mezzo-soprano Christa Ludwig, com sua voz carregada de emoções, parece perfeita para essas canções de Mahler. Não consigo imaginá-la em papéis cômicos como por exemplo de opera buffa de Mozart, embora eu saiba que ela também os fez.

A sétima sinfonia de Mahler, apelidada Canção da Noite (subtítulo não atribuído por Mahler), tem seu miolo composto por dois movimentos noturnos e, bem no meio, um scherzo também sombrio, como antes Chopin já tinha imaginado seus scherzi… O primeiro movimento noturno (allegro moderato) foi comparado por Mahler ao quadro A Ronda Noturna, do pintor neerlandês Rembrandt. É uma espécie de marcha noturna, com alguns cantos de pássaros e outros detalhes típicos de Mahler. Em cartas, o compositor descreveu o segundo movimento noturno (andante amoroso) como uma serenata, com acompanhamento por instrumentos de cordas: harpas, violão e bandolim, sonoridades bem raras na tradição da música orquestral vienense. O último movimento é um rondo em que podemos sentir o sol nascendo após aquela longa noite, mesmo programa do movimento final da 5ª sinfonia de Mahler. Ele claramente estava de olho nas estrelas, nas fases da lua, nos pásssaros, no nascer e pôr do sol, preocupações estéticas bem diferentes dos microtextos do twitter, selfies do instagram e reality shows onde pessoas trancadas passam o dia brigando e olhando para seus umbigos, para entretenimento de outras pessoas trancadas.

Gustav Mahler (1860-1911): Symphony no. 7
1. Langsam (Adagio) — Allegro risoluto, ma non troppo
2. Nachtmusik. Allegro moderato
3. Scherzo. Schattenhaft
4. Nachtmusik. Andante amoroso
5. Rondo-Finale. Tempo I (Allegro ordinario)
Gustav Mahler (1860-1911): Five Lieder
6. Ich bin der Welt abhanden gekommen (Rückert-Lieder)
7. Um Mitternacht (Rückert-Lieder)
8. Das irdische Leben (Des Knaben Wunderhorn)
9. Ich atmet einen linden Duft (Rückert-Lieder)
10. Wo die schnen Trompeten blsen (Des Knaben Wunderhorn)

Christa Ludwig – Mezzo Soprano, Philharmonia Orchestra (Lieder, 1964)
New Philharmonia Orchestra (Symphony, 1968)
Otto Klemperer – Conductor

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Otto Klemperer (1885-1973) e Christa Ludwig (1928-2021) na capa do LP da His Master’s Voice

 

(From Amazon) This grand and brooding and mysterious symphony finally gets the performance it deserves. I have recordings of the Mahler Seventh (also known as “Lied der Nacht” or “Song of the Night”) conducted by Kubelik, Maazel, Abbado, and Michael Tilson Thomas, but my favorite by far is this performance by Klemperer leading the New Philharmonia Orchestra.
Perhaps this results from Klemperer’s special insights, since he was present in Prague in 1909 when Mahler rehearsed the premiere performance. (Bruno Walter and a number of other young conductors also were there.) Klemperer reported that Mahler held some 24 rehearsals before the first public performance.
According to Harry Neville’s liner notes of the Angel LP album Klemperer later wrote that Mahler’s “technique was remarkable. Each day after rehearsal he used to take the entire orchestral score home with him for revision, polishing and retouching. We younger musicians, Bruno Walter, Bodanzky, von Keussler and I, would gladly have helped him, but he would not hear of it and did it all on his own.” Klemperer was about 24 at the time, but he was about 84 when he conducted this recording.
Richard Q. Hofacker, Jr. – Basking Ridge, New Jersey, USA

Pleyel

W. A. Mozart (1756-1791): Trios para Piano K. 502, 542, 548

Eu ia postar um álbum de Alberto Ginastera rico em trechos misteriosos, noites cheias de estrelas e cenas impressionistas. Mas Ginastera vai ter que esperar. Após a morte de nosso colega de blog, o saudoso Ammiratore, que nos deixou chocados e indignados, não consigo postar nada que não seja Mozart. O mal tem vencido diariamente. Por isso mesmo, como diria Walter Benjamin (6ª Tese sobre a História), é preciso acender as centelhas, as faíscas da esperança.

Mozart é necessário em tempos de tristeza. A música dele não é sempre solar e esperançosa, é claro. Mas há inúmeras obras que nos deixam de queixo caído com a forma como tudo se encaixa positivamente e tudo se encaminha para a alegria. É o caso de alguns dos concertos para piano, algumas das sinfonias e também estes três trios. Mesmo os movimentos lentos aqui são um larghetto e dois andantes de uma beleza bucólica: um é grazioso, o outro é cantabile.

As interpretações deste disco, em instrumentos de época por um músico holandês e dois japoneses, colocam os três instrumentos no mesmo nível, como três personagens de um diálogo. Mozart foi um dos maiores mestres da ópera (teatro com música) e conhecia a arte de fazer também os instrumentos dialogarem em réplicas e tréplicas mas, como falei logo acima, as discussões aqui sempre tendem para a paz e o entendimento. Todas as gerações têm algo a aprender com o gênio de Salzburgo.

W. A. Mozart (1756-1791): Trios para Piano K. 502, 542 & 548
1 Piano Trio in B-flat major, KV 502: I. Allegro
2 Piano Trio in B-flat major, KV 502: II. Larghetto
3 Piano Trio in B-flat major, KV 502: III. Allegretto

4 Piano Trio in E major, KV 542: I. Allegro
5 Piano Trio in E major, KV 542: II. Andante grazioso
6 Piano Trio in E major, KV 542: III. Allegro

7 Piano Trio in C major, KV 548: I. Allegro
8 Piano Trio in C major, KV 548: II. Andante cantabile
9 Piano Trio in C major, KV 548: III. Allegro

Stanley Hoogland, fortepiano (after Walter, Wien, ca.1795)
Natsumi Wakamatsu, violin (by Tononi, Bologna, 1700)
Hidemi Suzuki, violoncello (after Guadagnini, Parma, 1759)

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Em 1782 Mozart comprou um piano construído por Anton Walter. Este da foto é uma cópia idêntica ao original de Walter.

Pleyel

Igor Stravinsky (1882-1871): A História do Soldado

— 50 anos da morte de Igor Stravinsky —

A História do Soldado foi composta por Stravinsky em seu exílio na Suíça durante a 1ª Guerra Mundial. A partitura é tocada por um pequeno grupo de câmara com sete músicos, além de narrador(es). Normal naqueles tempos de guerra em que as grandes orquestras estavam paradas, isso quando seus músicos não tinha morrido. A primeira apresentação aconteceu em 28 de setembro de 1918, no Théâtre de Lausanne. Stravinsky ficou totalmente satisfeito, elogios chegaram de todos os lados.

Sua alegria, entretanto, durará pouco. A Suíça havia permanecido fora da guerra, mas não seria capaz de escapar da invasão invisível do vírus da Gripe Espanhola. Essa pandemia particularmente contagiosa e virulenta levou ao cancelamento da turnê prevista para o grupo de câmara que estreou a História do Soldado. A segunda apresentação ocorreria apenas em 1923, em Paris, segundo a RTBF(Bélgica).

É a primeira obra de Stravinsky que inclui elementos de jazz, ragtime e tango. Ele mesmo afirmou: “a História do Soldado marca meu rompimento final com a escola orquestral russa em que fui criado”.

A obra, inspirada no mito medieval de Fausto, conta a história do soldado que vende a própria alma, na forma de seu violino, ao Diabo. Ao descobrir a armadilha em que havia caído, ele passa a lutar de todas as formas para reaver seu instrumento. Como disse PQP há alguns anos: A História do Soldado nos mostra que na vida é possível fazer concessões, desde que não sejam fundamentais. Se vendermos o cerne, viramos “mortos-vivos”. A dificuldade está em discernir entre o que é dispensável e o que é vital.

1ª versão, em inglês: Rogers Waters e músicos do Festival de Bridgehampton

Roger Waters, ex-baixista e letrista do Pink Floyd, gosta de misturar música e temas políticos e sociais espinhosos, como bem sabem os brasileiros que foram em seus shows mais recentes. Não é o único de sua geração: Bob Dylan, John Lennon e Chico Buarque também não são do tipo que fica em cima do muro. Então não é surpreendente que Waters tenha gravado sua tradução da História do Soldado de Stravinsky. Não é que a obra de Stravinsky com libretto de Charles-Ferdinand Ramuz seja explicitamente militante ou mencione partidos políticos. Mas, tendo sido estreada na Suíça enquanto a 1ª Guerra Mundial ainda corria solta, são várias as indiretas pacifistas, como quando o soldado se senta:

And proceeds to do what a soldier does best:
He starts to complain.

Sem falar, é claro, no diabo, que manipula o soldado com promessas de riqueza. Como já sabia Paulo de Tarso, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (1ª carta a Timóteo 6:10).

Stravinsky: The Soldier’s Tale
Bridgehampton Chamber Music Festival Musicians
Narrated by Roger Waters. Libretto adapted by Waters from the translation by M. Flanders and Kitty Black, original text by Charles-Ferdinand Ramuz
Recorded at the Bridgehampton Presbyterian Church, 2014

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2ª versão, em italiano: Luigi Maio e I Solisti della Scala

Para os meus ouvidos, nada supera essa gravação narrada em italiano, com músicos do Teatro alla Scala de Milão.

O violino, instrumento do soldado, tem um grande destaque na mixagem e uma diabólica interpretação por Domenico Nordio. E ainda temos de brinde a Suíte para trio, um arranjo do próprio compositor que fez uma reunião de “melhores momentos” ou de “gols da rodada”.

Stravinsky: L’Histoire du soldat
Bonus: Suite dall’Histoire du soldat per trio (Clarinetto, violino e pianoforte)

I Solisti della Scala
Domenico Nordio – violino
Fabrizio Meloni – clarinetto
Giorgia Tomassi – piano
Musicattore Luigi Maio. Libretto: traduzione e adattamento in italiano di L. Maio
Registrazione: Studio Magister, Preganziol, Treviso, 2004-2005

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Pleyel

A Obra Completa de Bartók (1881-1945) – Miraculous Mandarin Suite, Piano Concerto no. 3 #BRTK140 + Stravinsky (1882-1971) – Firebird

Hoje, seguimos com as homenagens a Bartók e iniciamos uma série de postagens dedicadas a Igor Stravinsky, que morreu há 50 anos, em abril de 1971.

O russo Valery Gergiev foi maestro titular da Orquestra Sinfônica de Londres de 2007 a 2015. Eles gravaram, nesse período, todas as sinfonias de Mahler, de Prokofiev e de Scriabin. Tudo ao vivo. Além da ópera Barba-Azul, de Bartók. Stravinsky já faz parte do repertório de Gergiev há muito tempo, com a orquestra Mariinsky de São Petersburgo.

Nesta gravação ao vivo de 2015, muito bem captada, ouvimos um concerto inteiro da Orquestra Sinfônica de Londres, na turnê de despedida de Gergiev como maestro principal, antes de ele assumir a Filarmônica de Munique.

Na obra de abertura, a Suíte Mandarim Miraculoso, Sz. 73, a orquestra londrina mostra sua capacidade de criar as sonoridades mais diversas, da agitada e urbana introdução até as várias cenas noturnas de Bartók, um mestre em criar noturnos orquestrais com cordas graves misteriosas e sopros suaves. O ballet Mandarim Miraculoso (aqui reduzido pelo compositor a uma suíte, uma espécie de “melhores momentos”), tem como protagonista uma prostituta, apesar desse título que com certeza foi pensado para atenuar os escândalos (em 1947 por exemplo, Sartre estreava a peça de teatro La P… respectueuse, escrita assim porque a publicação da palavra p*** era proibida até 1962 na França). Normal, em uma obra desse tipo, que as cenas sejam quase todas noturnas.

O 3º Concerto para Piano de Bartók é o ponto mais fraco da noite. Há muitos momentos interessantes, mas no geral, o pianista Yefim Bronfman e os músicos londrinos não conseguem competir com gravações como a de Schiff/Fischer/Budapest Festival Orchestra. É uma obra de orquestração mais concisa com menos cordas, menos percussões, menos solos exuberantes de sopros, e que exige realmente uma grande sensibilidade dos músicos, apenas parcialmente atingida aqui.

No balé Pássaro de Fogo, de Stravinsky, voltamos às orquestrações exuberantes já desde o começo, com 8 contrabaixos, seguidos por 3 fagotes e dois contrafagotes, 3 harpas e por aí vai… Gergiev é um especialista nesse repertório e a qualidade dos músicos e da gravação completam o time vencedor. Um comentarista na Amazon descreve que, como a gravação foi realizada por uma estação de rádio, ele esperava qualidade de áudio não tão espetacular, mas se enganou, pois as dinâmicas captam bem desde os sons mais suaves aos mais barulhentos, e todos os instrumentos têm seus momentos para brilhar. Ele completa:

I was impressed with the recording quality, and it deserves to be in the well-engineered LSO series with no reservations. As for the Firebird, Gergiev doesn’t do anything radical: the tempi are fairly brisk compared to other favorite recordings, but not excessively so. What struck me every time through is how the work grabbed me: I wanted to hit the next track button to hear my favorite bits, but almost always got enthralled in the tension the LSO was building. The last few tracks are easily as good as any other recording of this work in my collection, and that covers over three dozen recordings. While there’s not the massive bass sound from the Telarc recording, for example, there’s no lack of bass here.

Para completar o concerto ao vivo, não podia faltar um bis, é claro. Gergiev traz mais um russo – na verdade ucraniano – com uma famosa melodia de Prokofiev.

CD1
Béla Bartók (1881–1945)
1-3. Suite from The Miraculous Mandarin, Op 19, Sz 73, BB 82 (1918–24)
4-6. Piano Concerto No 3 in E major, Sz 119, BB 127 (1945)

CD2
Igor Stravinsky (1882–1971)
1-9. The Firebird (complete ballet, 1910)
Sergei Prokofiev (1891–1953)
10. Suite No 2 from Romeo and Juliet, Op 64ter: “No 1: Montagues and Capulets” (1936)

London Symphony Orchestra
Valery Gergiev
Yefim Bronfman piano
Recorded live on 24 October 2015 at the New Jersey Performing Arts Center

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Quem desenhou esta ilustração presente em programas do Mandarim?

Pleyel

A Obra Completa de Béla Bartók (1881-1945) – Dance Suite, Hungarian Peasant Songs, Roumanian Folk Dances, 3 Rondos – András Schiff #BRTK140

Assim como a obra de Beethoven, a de Bartók também tem suas fases, ainda que talvez não tão nitidamente demarcadas.

Entre 1899 e 1903 ele estudou na Real Academia de Música de Budapeste. Estudou piano com um aluno de Liszt e composição com um compositor e organista alemão, primo de Max Reger. Mas o grande período de aprendizado talvez tenha sido de 1908 a 1914 quando, junto com Kodaly, ele se dedicou a estudar e coletar melodias folclóricas húngaras, romenas e de vários outros povos da Europa do leste. Uma inovação tecnológica foi essencial: Bartók gravava essas melodias in loco, ao invés de usar papel e caneta, única tecnologia disponível para os compositores do século XIX.

E como muitos gênios, ele precisou negar em bloco o passado, no caso, ele dizia que o grande compositor das rapsódias húngaras usava temas vagamente ciganos e italianizados, de forma que pouca coisa das Rapsódias Húngaras seria realmente húngara: “Devo frisar que as rapsódias – especialmente as húngaras – são criações perfeitas no gênero. O material que Liszt nelas utiliza não poderia ser tratado com maior arte e beleza. Que o material em si não seja dos mais ricos é outro problema” (Bartók em artigo de 1936). Bartók também não poupou o mais famoso compositor polonês: “As Mazurkas de Chopin são prova de que ele não conhecia a autência música folclórica polonesa”. Entendo nessas citações um certo ar sarcástico do mochileiro que rodou por tantos cantos e não consegue mais admirar aqueles compositores estabelecidos que ficaram na ponte Paris-Viena tomando bons vinhos em salões burgueses.

Com a 1ª Guerra Mundial, as viagens ficaram mais difíceis e Bartók, que tinha o piano como seu 1º instrumento, compôs muita música em movimentos curtos, baseados em música folclórica, como as Quinze Canções Populares Húngaras, Sz. 71 (1914-18) ou os Três Rondós sobre temas eslovacos, Sz. 84 (1916-1927).

São obras desse período – década de 1910 e começo da de 20 – que András Schiff escolheu gravar neste álbum. A partir da década de 1926, Bartók integraria os temas populares em movimentos mais longos, com mais dissonâncias e clusters como na Sonata para Piano (1926) e nos Concertos para Piano e Orquestra nº 1 (1926) e 2 (1931).

 

Béla Bartók (1881-1945) – Obras para piano

1. Dance Suite, Hungarian Peasant Songs, Sz.77   16:46
2. Roumanian Folk Dances Sz.56   4:44
3. Three Rondos On Folk Tunes Sz.   84 7:45
4. 15 Hungarian Peasant Songs Sz.71   12:43

András Schiff – Piano

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Béla Bartók

Pleyel

Francisco Mignone (1897-1986): Obras para Flauta – CD 3 de 3

IM-PER-DÍ-VEL!

Em 1916, aos 19 anos de idade, Mignone concluiu os cursos de composição, piano e flauta no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, tendo como colega de turma uma personalidade que o influenciou bastante em relação à busca de uma estética brasileira: Mário de Andrade. Em 1933, o compositor se muda para o Rio de Janeiro, onde residirá até sua morte cinco décadas mais tarde. A partir de 1938, começa a escrever suas valsas de esquina para piano.

Mignone declara que decisão de escrever a série de doze valsas de esquina resultou da constatação, em conversa com Mário de Andrade, de que a valsa brasileira tinha recebido a menor carga de influência da música americana, permanecendo, apesar da origem européia comum, genuinamente brasileira. Algumas dessas valsas de esquina foram adaptadas para formações de câmara e mesmo para orquestra. Manuel Bandeira descreveu Mignone como o “rei da valsa”.

Segundo o pianista e musicólogo José Eduardo Martins essas composições são o reflexo da elaborada técnica de composição pianística de Mignone: “As valsas de esquina representam, possivelmente, o que de mais sonoro-natural-improvisado – mas finamente elaborado – se fez na produção pianística brasiliera. (…) melodismo debordante, acompanhamento tantas vezes pontuado lembrando o violão, toda essa música que se ouve como a mais agradável das improvisações, é fruto de técnica segura.”

Filho de um flautista, Francisco Mignone teve uma vasta produção para esse instrumento tão característico das rodas de choro. A música de Mignone tem uma fase fortemente nacionalista, uma outra fase em que o compositor tenta soar mais cosmopolita e se aproximar da linguagem das vanguardas, e uma fase final em que, idoso, ele faz como uma síntese desses dois lados da moeda. As obras para flauta incluem isso tudo: valsas de esquina, modinhas e serestas deliciosamente brasileiras, algumas de forte apelo popular, outras parecendo usar melodias indígenas à maneira de Villa-Lobos; atonalismo como o de um Schoenberg (1874-1951) e obra neoclássicas em que o compositor se aventura em gavotas como as de um Rameau (1683-1764) e minuetos como os de um Mozart (1756-1791) mas sem perder, lá no fundo, uma certa linguagem brasileira.

Na década de 1960 ou um pouco antes, Mignone adotou um estilo mais atonal, com o nacionalismo aparecendo de forma bem mais suave. Mas na década de 1970 a maré virou novamente e em entrevista ao Jornal do Brasil em 1977, Mignone afirmava: “Em geral, condeno toda a minha música atonalista. Quanto a mim, continuo dentro do nacionalismo, tão forte quanto antes, pois nele há uma mensagem de riqueza, de variedade, de ambiente e de cor local. É nosso.”

Nos dois trios para flauta, violoncelo e piano, de 1981, Mignone mergulha com força nos temas e formas populares como as danças e modinhas, mas com esse material tipicamente brasileiro sendo usado de modo menos óbvio e mais complexo que antes. O retorno do velho compositor à flauta e ao piano, instrumentos com os quais tinha uma longa relação afetiva e profissional, pode ser comparados aos concertos da maturidade de Villa-Lobos, o Concerto para violão (1951) e o 2º Concerto para violoncelo (1953), todos mostrando uma grande familiaridade do compositor com o instrumento. São coisa fina.

Mignone descreve as circunstâncias da composição dos trios como “uma suposta paródia verdiana: ‘voltemos ao passado, talvez seja um progresso.’ Uma volta ao que já fui depois de ter vencido barreiras dentro e fora do pentagrama.”

Francisco Mignone (1897-1986): Obras para Flauta – CD 3
1-3. Trio nº 1 para flauta, violoncelo e piano (1980) I. Andante, II. Modinha: devagar e romântico, III. Festança sem boi: Molto vivo
4-6. Trio nº 2 para flauta, violoncelo e piano (1981) I. Lento ma non troppo, II. Outra modinha, III. Roda – Intermédio e Fugato: Allegro non troppo
7. Valsa Choro flauta e piano (1956) 2:56
8. Valsa de Esquina nº 2 (1938) (arranjo 1947)
9. Valsa de Esquina nº 7 (1940) (arranjo 1951)
10. Valsa de Esquina nº 10 (1943) (arranjo 1949)

Músicos participantes: Sérgio Barrenechea, flauta (flute), flauta em sol e piccolo – Lúcia Barrenechea, piano – Hugo Pilger, violoncelo (cello)

 

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O Trio Barrenechea / Barrenechea / Pilger em ação

Pleyel

Francisco Mignone (1897-1986): Obras para Flauta – CD 2 de 3

As cinco peças para duas flautas doces, que aparecem aqui em um arranjo para flauta transversa e oboé, fazem parte da produção de cunho pedagógico do compositor. As peças têm títulos que remetem ao universo infantil. A flauta como instumento de iniciação musicali infantil é coisa muito antiga em terras brasileiras. Em carta do Padre Antônio Blasquez de 1565, ele relata como a flauta era usada pelos jesuítas na instrução das crianças indígenas de São Vicente, atual estado de SP:

Na grande festa de Jesus, celebrada no último dia do ano, foi sentida e ouvida muita devoção e música religiosa. Houve nestas vesperas tres coros diversos: um de canto de orgão, outro de um cravo e outro de flautas de modo que, acabando um, começava o outro, e todos, certo, com muita ordem quando vinha a sua vez. E dado que o canto do órgão deleitava ouvindo-se e a suavidade do cravo detivesse os animos com a doçura da sua harmonia, todavia quando se tocavam as flautas se alegravam e se regozijavam muito mais os circunstantes, porque, além de o fazer mediocremente, os que as tangiam eram os meninos Brasis, a quem já de tempo o padre Antonio Rodrigues tem ensinado.

Além das obras mais didáticas, temos também neste volume o atonalismo da Sonata para flauta e oboé e o nacionalismo das duas obras que abrem o álbum, originalmente para outras formações e transcritas pelo compositor. Como diria FDP, vamos ao que viemos.

Francisco Mignone (1897-1986): Obras para Flauta – CD 2
1. 3ª Seresta para flauta, oboé, clarineta e fagote (1951)
2. Baianinha para flauta, oboé, clarineta e fagote (1951)
3-5. Sonata para flauta e oboé (1970)
6-10. Cinco Peças para duas flautas (1976) I. Brejeiro, II. Uirapuru, III. Dona aranha, a fiandeira, IV. Cantiga de ninar, V. Pica-pau, o baterista da floresta
11. Ária para quatro flautas (1984)
12-16. Cinco Peças para quatro flautas (1984) I. 5/8 tem vez, II. Pausa, III. Minueto irriquieto, IV. Gavotta, V. Divertimento
17. Gavotta all´antica (1931)
18. Passarinho está cantando (1952)
19. Modinha (1939)
20. Cantiga de ninar (1925)

Músicos participantes: Sérgio Barrenechea, flauta, flauta em sol e piccolo – Lúcia Barrenechea, piano – Luís Carlos Justi, oboé – Carlos Prazeres, oboé – Fernando Silveira, clarineta – Elione Medeiros, fagote –  José Benedito Viana Gomes, flauta – Nilton Antonio Moreira Jr., flauta – Felipe Braz da Silva, flauta

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Francisco Mignone nos tempos da brilhantina

Pleyel

Francisco Mignone (1897-1986): Obras para Flauta – CD 1 de 3

As flautas e outros instrumentos de sopro dos mais diversos tipos têm uma longa história na música brasileira. Comecemos pelo começo.

O padre Cardim, no fim do século XVI, relata seu encontro com os índios em aldeia jesuíta no Espírito Santo:

Chegamos à aldeia à tarde; antes dela um bom quarto de légua, começaram as festas que os índios tinham aparelhadas […]
Os cunumis meninos, com muitos molhos de flechas levantadas para cima, faziam seu motim de guerra e davam sua grita, e pintados de várias cores, nuzinhos, vinham com as mãos levantadas receber a benção do padre, dizendo em português, “louvado seja Jesus Cristo”. Outros saíram com uma dança d’escudos à portuguesa, fazendo muitos trocados e dançando ao som da.viola, pandeiro e tamboril e flauta [1]

A flauta também era utilizada pelos índios chamados (pelos portugueses) Botocudos, etnia diferente dos Tupis e praticamente sem qualquer contato com os portugueses ainda no começo do século 19, como descreve Hippolyte Taunay em livro de 1822. Entre os “diferentes utensílios que sua indústria selvagem lhes garantiu”, Taunay descreve potes grosseiros, linhas de pesca e “flautas de bambu e uma corneta usada para se chamarem na floresta, fabricada com o couro de um tatu”.

Taunay relata também que após as refeições os homens botocudos cantavam expressando sentimentos guerreiros e as mulheres tocavam nessas flautas de bambu “sons que não têm nada de muito melodioso”, ao menos para os ouvidos daquele francês. Obviamente eu, em 2021, não subscrevo as opiniões de Taunay, e muito menos acho que essa divergência seja motivo para jogar no lixo suas obras e privar-nos de ler esses relatos.

[1] Darcy Ribeiro. O Povo Brasileiro. 1995. p.182
[2] Hippolyte Taunay. LE BRESIL, HISTOIRE, MOEURS, USAGES ET COUTUMES DES HABITANS DE CE ROYAUME. Paris, 1822. Tomo IV. p.222; p.234. Disponível no link.

Francisco Mignone, compositor brasileiro conhecido por fazer música nacionalista, ao compor para flauta, estava dialogando com a rica e multicultural tradição deste instrumento em nosso país. A predileção pelo instrumento, para o qual ele compôs mais de trinta obras de música de câmara, se deve também ao seu pai: Alfério Mignone, flautista italiano radicado em São Paulo, foi membro fundador da Orquestra do Teatro Municipal de SP, atuando na cena paulista de 1896 até os anos 1950.

A música de Mignone, porém, não se resume ao nacionalismo influenciado por Ernesto Nazareth e Villa-Lobos. Há também, como o encarte deste CD explica com mais detalhes, uma fase de atonalismo radical, representada neste álbum pela Sonata para flauta e piano, escrita em 1962, que usa procedimentos seriais aliados a um grande conhecimento idiomático desses dois instrumentos, que de fato foram muito próximos de Mignone ao longo de toda sua vida.

O álbum se encerra com obras de juventude, publicadas sob o pseudônimo Chico Bororó e gravadas por seu pai em 1930. Nessas valsas e valsas-choros, já aparecem traços das obras mais célebres de Mignone, as valsas de esquina, algumas das quais foram transcritas para flauta pelo compositor e aparecerão no CD3.

Francisco Mignone (1897-1986): Obras para Flauta – CD 1
1-3. Três Peças (arranjo: 1977)
1. No fundo de meu quintal (1945)
2. Lenda Sertaneja nº 8 (1938)
3. Cucumbizinho (1931)
4-8. Suíte para flauta e piano (1949-50)
9- 11. Sonata para flauta e piano (1962)
12. Céo do Rio Claro (gravada em 1930)
13. Assim Dança Nhá Cotinha (gravada em 1930)
14. Saudades de Araraquara (gravada em 1930)
15. Celeste (1923)

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Pleyel

Sergei Prokofiev (1891-1953): Suíte Chout (O Bufão) op.21 e Suíte de Valsas op. 110

Sergei Prokofiev é uma unanimidade aqui na redação do PQP Bach. Só em 2020, entre outras postagens, René trouxe as sonatas para piano, ele e FDP trouxeram os concertos para piano, PQP trouxe 3 intérpretes diferentes para os concertos para violino, Vassily trouxe “Pedro e o Lobo – Conto de Fadas Sinfônico para Crianças”.

Prokofiev também compôs muita música para os palcos: ópera, balé, música incidental… E ele tinha o hábito de criar suítes que eram uma espécie de ‘melhores momentos’, para serem tocadas em concertos puramente sinfônicos, como também fazia seu contemporâneo Igor Stravinsky (cf. Suíte Pássaro de fogo, Suíte L’histoire du soldat, etc.) Fica inclusive a dica para os novatos na música clássica: se na época de Rameau e Bach a palavra suíte tinha outro significado, no século XX ela às vezes lembra aqueles CDs de greatest hits ou, mais recentemente, playlists de melhores momentos de uma ou várias obras anteriores. No caso, o DJ é o próprio compositor, que publica a playlist com um número de opus.

Composto entre 1941 e 1944, durante a 2ª Guerra Mundial, e estreado alguns meses após o armistício de 1945, o balé Cinderella tem ao mesmo tempo uma grande leveza e beleza de conto de fadas e um clima pesado, com aquela história de família cheia de inveja e maldade… A ópera Guerra e Paz, também composta durante a guerra, é explicitamente uma exaltação patriota do povo russo. Gennadi Rozhdestvensky e sua orquestra russa se equilibram fantasticamente entre o lado bucólico e o lado sombrio da música inspirada no conto de Perrault e no romance de Tolstoi. Alguns timbres, sobretudo os metais, garantem um ar sempre um pouco sério, bem diferente da tranquilidade aristocrática de valsas tocadas com sotaque austríaco ou britânico.

O Esboço de Outono, op.8, é uma obra de juventude, de um compositor que ainda buscava sua voz própria. O Balé Chout, ou “O Bufão”, se inspira no folclore russo e foi estreado em Paris em 1921 pelos Ballets Russes, que anos antes haviam estreado os grandes balés de Stravinsky e Jeux de Debussy. Em 1924, a Suíte foi estreada em Bruxelas.

Sergei Prokofiev (1891-1953): Suíte Chout (O Bufão) op.21 e Suíte de Valsas op. 110
Tale Of The Buffoon, “Chout” – Concert Suite From Ballet Op. 21a
1 The Buffoon And His Wife
2 Dance Of The Buffoons’ Wives
3 The Buffoons Kill Their Wives (Fugue)
4 The Buffoon Disguised As Young Woman
5 Entr’acte No. 3
6 Dance Of The Buffoons’ Daughters
7 Arrival Of The Merchant – Dance Of Greeting – Choosing The Bride
8 In The Merchant’s Bedroom
9 The “Young Woman” Is Transformed Into A Nanny Goat
10 Entr’acte No. 5 – The Burial Of The Nanny Goat
11 Quarrel Of The Buffoons And The Merchant
12 Final Dance
13 Autumnal Sketch Op. 8
Waltz Suite Op. 110
14 Since We Met (War And Peace)
15 In The Place (Cinderella)
16 Mephisto Waltz (Lermotontov)
17 End Of The Fairy Tale (Cinderella)
18 New Year’s Eve Ball (War And Peace)
19 Happiness (Cinderella)
Conductor – Gennady Rozhdestvensky
Orchestra – Grand Symphony Orchestra of Radio and Television – Moscow
Recorded 5 June 1962 (Tale Of The Buffoon), 7 January 1962 (Autumnal Sketch) and 15 June 1967 (Waltz Suite)
CD remaster: 1997

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Pleyel

.: interlúdio :. McCoy Tyner with Stanley Clarke and Al Foster

O ano está acabando e quem não perdeu uma tia, um professor, uma cunhada ou um irmão querido, de sangue ou não, em 2020? Para homenagear tantos idosos e idosas que se foram, eu dedico uma segunda postagem ao pianista McCoy Tyner (11 de dezembro de 1938 – 6 de março de 2020).

McCoy Tyner ganhou três prêmios Grammy de melhor álbum de jazz instrumental, em 1988, 1995 e 2004, em cada um desses álbuns ele estava acompanhado de grandes músicos, como o trompetista Terence Blanchard e os saxofonistas Pharoah Sanders e Michael Brecker. Mas na opinião do aspirante a pianista que escreve essas linhas, os mais importantes álbuns de McCoy Tyner como líder são na formação de trios. Sem instrumentos de sopro, a imensa ausência de John Coltrane não pesa tanto e podemos ouvir com mais atenção um dos pianistas mais originais do último século.

Na década de 1970, McCoy gravou alguns excelentes álbuns no formato de trio, incluindo um grande disco ao vivo no Japão com o onipresente baixista Ron Carter (parceiro de Miles Davis, Chet Baker, Wayne Shorter, aliás díficil é citar alguém que não tocou com ele!) e o quase onipresente baterista Tony Williams. Há também um, chamado Supertrios por incluir duas duplas diferentes de baixistas/bateristas (Ron e Tony estão lá, é claro), com uma bela interpretação de Wave (Tom Jobim) e de outros standards. Esses dois álbuns podem ser encontrados na homenagem que McCoy recebeu logo após sua morte no blog jazz-rock-fusion-guitar, que assim como o PQP Bach, existe desde os tempos da internet discada, com algumas mudanças de endereço porque ninguém é de ferro.

No ano 2000, já com mais de 60 anos, McCoy lançou um CD em trio com dois grandes nomes um pouco mais jovens: Stanley Clarke se revezando entre o baixo acústico e o elétrico, Al Foster na bateria. Eles começam com um tema em homanegam a Coltrane (Trane-like), com os acordes um tanto percussivos de McCoy Tyner fazendo progressões harmônicas mais ou menos no estilo dos álbuns My Favorite Things e Olé Coltrane. Mas após essa homenagem o trio percorre muitos outros caminhos: um flerte animado com a música latino-americana (Carriba), momentos em que o baixo de Stanley Clarke flerta com o fusion e o funk (I want to tell you ‘bout that) e momentos mais calmos, em que o pianista, mais do que na década de 1960, se sente à vontade para improvisar em um clima mais intimista, suave, de quem não precisa mais provar nada pra ninguém e pode calmamente valorizar o swing das melodias do standard Never let me go e da autoral Memories.

Também em 2000, McCoy Tyner explicou em uma entrevista que Stanley e Al já tinham tocado com ele algumas vezes desde os anos 70, e que cada vez que se encontravam novamente a conexão era muito forte. Ele prossegue: “gosto de fornecer espaço suficiente para que a pessoa se sinta confortável para fazer o que faz. Eu não gosto de algemar pessoas. Mas, ao mesmo tempo, ele precisa entender que, quando está tocando comigo, ele também precisa ouvir. Ouvir e responder são coisas muito importantes.”

Sobre a presença do jazz no dia a dia dos EUA, ele compara:

Minha mãe sabia quem eram Billie Holiday, Count Basie e Duke Ellington. Ela sabia quem eles eram porque faziam parte da comunidade e tínhamos orgulho dessas pessoas. Esse tipo de acessibilidade não parece mais existir nesse nível – o nível em que a dona de casa, encanador ou carpinteiro comum conhece dessa música. Lembro de entrar em um ônibus em Chicago uma vez e o motorista do ônibus disse “Ah, você toca com Coltrane! Vocês estão por aqui? Eu vou assistir!” Era o motorista do ônibus! A música era acessível. Tínhamos nosso quinhão de tempo de rádio. Mas agora está tão inundado de coisas que não estão no mesmo nível de qualidade, mas vendem. Isso dá uma ideia geral do estado de espírito do público. Eu não estou descartando isso, a música comercial tem seu lugar. Naquela época havia gospel, jazz, blues, rock e pop. O jazz não era promovido como as estrelas do pop, mas o público tinha mais acesso do que hoje.

McCoy Tyner with Stanley Clarke and Al Foster (2000)
1. Trane-Like – 9:12
2. Once Upon a Time – 5:31
3. Never Let Me Go (Evans, Livingston) – 4:19
4. I Want to Tell You ‘Bout That – 5:19
5. Will You Still Be Mine? (Adair, Dennis) – 6:46
6. Goin’ ‘Way Blues – 6:31
7. In the Tradition Of (Clarke) – 7:38
8. The Night has a Thousand Eyes” (Bernier, Brainin) – 4:53
9. Carriba – 5:41
10. Memories – 3:43
11. I Want to Tell You ‘Bout That [alternate take] – 5:57
All compositions by McCoy Tyner except as indicated

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“This lovely album seems to have a little bit of everything – ballads and blues, standards and originals, subtle swing and funky dance rhythms.” – Donald Elfman

McCoy Tyner em 2005
(Foto: Joe Mabel, wikipedia)

Pleyel

Jean-François Dandrieu (1682-1739): Música de Natal e Suítes para órgão

Jean-Philippe Rameau (1683-1764), um dos maiores compositores franceses de todos os tempos, foi contratado como organista por cerca de 30 anos em igrejas em Dijon, Avignon, Clermont-Ferrand, Lyon e Paris. É surpreendente que ele não tenha publicado uma única página de música para órgão, se destacando como compositor para o cravo e sobretudo em obras para o palco: óperas cômicas, tragédias e outros gêneros como ballet bouffon, pastorale héroïque

Ainda assim, chegou até nossos tempos uma série de obras que testemunham sobre como era a arte do órgão francês nesses tempos contemporâneos de J.S. Bach, de Luís XIV (idoso) e de Luís XV.

As missas instrumentais de François Couperin (1668-1733) e as suítes de Louis-Nicolas Clérambault (1676-1749) e de Jean-François Dandrieu (c. 1682-1739) mostram como os organistas franceses costumavam compor cada movimento de forma muito idiomática para registros como plein jeu (pleno – aquele som mais grandiloquente de órgão), basse de trompette (baixo de trompete), flûtes (flautas), basse de cromorne (baixo de cromorno, um instrumento com palheta, semelhante ao oboé, típico do renascimento).

Dandrieu também é famoso por seus Noëls, obras para o Natal, publicadas postumamente em 1759 e que ainda hoje são ouvidos em dezembro em algumas igrejas francesas. Baseados em canções populares, eles também utilizam amplamente o colorido instrumental do órgão em variações curtas e frequentemente de um caráter pastoral, que combina com a festa do Natal.

J.F. Dandrieu – Pieces d’orgue, Noëls
1. Noël – “Une bergère jolie”
2. Suite en ré mineur: Plein jeu, Fugue sur Ave Maris Stella, Duo, Trio, Basse de trompette, Flûtes, Basse de cromorne, Offertoire
3. Noël – “Chantons de voix hautaine”
4. Suite en sol: Offertoire, Fugue, Cromorne en taille, Récit de Nazard, Tierce en taille, Basse de cromorne, Dialogue
5. Noël – “Chantons je vous prie”
6. Suite en La: Plein jeu, Duo, Fugue, Basse et dessus de trompette, Musette, Dialogue
7. Noël – “Or nous dites Marie”
8. Suite en ré majeur: Plein jeu, Trio, Duo sur la trompette, Trio avec la pédale, Flûtes, Duo en cors de chasse sur la trompette
9. Noël – “Joseph est bien marié”

André Isoir – organista
Órgão de Saint-Michel-en-Thiérarche (construído em 1714)

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Publicados sob autorização do Rei. Senão, o livro ia direto pra fogueira

Pleyel

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonias – CDs 5 e 6 de 6 (Haitink/LSO) #BTHVN250

Muita tinta já foi usada para descrever as rápidas mudanças na forma “Sinfonia para orquestra”, cristalizada por Haydn e enriquecida por Mozart e Beethoven poucos anos depois.

Menos lembrada é a semelhança do mestre de Bonn com a música de C.P.E. Bach (1714-1788). Não na forma (as sinfonias deste último, curtas e em 3 movimentos, podem ser conferidas aqui, aqui e aqui) mas no temperamento e retórica. Não me peçam para explicar, é apenas uma impressão. Como disse seu irmão P.Q.P. Bach: “Segundo filho de papai e Maria Barbara, Carl é considerado o fundador do estilo clássico na música erudita”, com uma “maneira única de combinar uma marca muito digna de seriedade e uma concentração e originalidade muitas vezes perturbadora pelas surpresas nos momentos dramáticos, tudo isso sem perder o foco na simetria e na organização formal.”

Sobre o interesse de Beethoven por C.P.E. Bach mais ou menos no período em que compôs o Concerto Tríplice e a 7ª Sinfonia:

beginning in 1809 Beethoven expressed renewed interest in Bach’s works and asked Breitkopf for more scores, saying “I have only a few samples of Emanuel Bach’s compositions for the clavier; and yet some of them should certainly be in the possession of every true artist, not only for the sake of real enjoyment but also for the purpose of study.” Over a year later he was still asking, with a broader request (“I should like to have all the works of Carl Philip Emanuel Bach, all of which, of course, have been published by you”), and two years later he asked again with some asperity (“I fancy you could make me a present of C.P.Emanuel Bach’s works, for surely they are rotting with you”)
Fonte: Elaine R. Sisman. After the Heroic Style: Fantasia and the Characteristic Sonatas of 1809

Como já falei na postagem anterior, as percussões brilham especialmente nessas gravações ao vivo realizadas no Barbican Centre em Londres. Em um breve mergulho no túnel do tempo, conferi que de fato as gravações Jochum, Szell, Karajan etc. dão um destaque muito maior para as cordas, com o naipe de percussões lá no fundo, meio tímido. A surpresa entre os jurássicos foi Klemperer com a Orquestra Philarmonia, também em Londres, em 1957-1959. Por exemplo no segundo movimento da 9ª Sinfonia, Klemperer usa um andamento muito diferente do de Haitink, mais calmo, descritivo, mas curiosamente o balanço entre percussões e cordas é muito semelhante ao que se usa hoje em dia. Voltar aos grandes mestres como Beethoven e Klemperer sempre nos traz algumas surpresas, mesmo em obras tão famosas como a Nona Sinfonia. No futuro (se houver futuro), creio que Haitink/LSO estará entre essas gravações de referência.

Ludwig van Beethoven:
CD5
1-4. Symphony No. 7 in A major, Op. 92 (1811-12)
5-7. Triple Concerto for Piano, Violin, and Cello in C major, Op. 56* (1803-04, rev.1808)

London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
*Tim Hugh (cello), Gordan Nikolitch (violin), Lars Vogt (piano)
Recorded live, 2005

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CD6
1-4. Symphony No. 9 in D minor, Op. 125 ‘Choral’ (1822-24)

John Mac Master (tenor), Karen Cargill (mezzo-soprano), Twyla Robinson (soprano), Gerald Finley (bass)
London Symphony Orchestra, London Symphony Chorus
Bernard Haitink
Recorded live, 2006

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Encarte dos 6 CDs – Covers/Booklet

Haitink em sua turnê de despedida (2019) – Foto por Priska Ketterer/Festival de Lucerne/Instagram

In Sixty Years of Listening: One of the Very Best
I have been listening to Beethoven performances, both recorded and live, for the past 60 years. I’ve heard and have on disc many, many performances. When I want to hear a recording for the past 5 years I don’t reach for Toscanini, Karajan, Klemperer, Walter, Szell, Furtwangler, or Bernstein -to name a few of those I have on the shelf – I reach for this box.
It’s nonsense to dislike this set because the tempos are fast. Beethoven’s tempos are fast! It’s nonsense to dislike this set because it’s aggressive: Beethoven’s music, albeit not all of it, is aggressive! How anyone can give these performances a low rating is beyond my comprehension.
And, in case you’re wondering, I have not been an uncritical fan of Haitink, but now that I do think of it he has made great recordings of Debussy, Mahler, Strauss and others.
I certainly am not saying that the other conductors named above don’t have excellent performances of this most universally appealing music. But, in sum, I believe it would be a very big missed opportunity to go through the rest of life without being able to hear this set.
Oh yes, did I mention: the sound is wonderful. (Amazon Review)

This recording has impressed every one of the CD Review team – there is a feeling of immediacy and drama tempered with vision and maturity as though Haitink’s long career has been leading towards this time where he can combine impetuosity and youthful enthusiasm with the wisdom of age and experience (BBC Radio 3 CD Review)

#BTHVN250, por René Denon

Pleyel

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonias – CDs 3 e 4 de 6 (Haitink/LSO) #BTHVN250

A Quinta Sinfonia e a Pastoral de Haitink/LSO são excelentes, é claro. Mas hoje prestei mais atenção nas ovelhas negras da série, as duas primeiras sinfonias, inseridas na primeira fase de sua vida como compositor. A bem da verdade, há uma fase zero, da adolescência até os 24 anos, pois ele só publicou sua primeira obra “oficial”, opus 1, em 1795, quando já morava em Viena. Na primeira fase das obras com opus, ainda seguia modelos típicos de Haydn e Mozart, mas já com algumas características próprias, como as frases assertivas, acabando no tempo forte – comparem com Mozart e suas melodias frequentemente acabando no tempo fraco.

Muitas vezes consideradas agradáveis, tranquilas, mas pouco originais, essas sinfonias assumiram outro aspecto em gravações mais recentes. Entre as integrais mais associadas ao movimento de práticas ditas historicamente informadas (HIP em inglês), Harnoncourt/Chamber Orchestra of Europe é minha referência absoluta. O som da orquestra de Harnoncourt, assim como o da de Londres com Haitink, tem percussões potentes, muito diferentes daquele tímpano discreto das gravações antológicas de meados do século passado. Comparando por exemplo os momentos mais agitados do Allegro molto e vivace (muito alegre e vivo) da 1ª sinfonia e o Allegro com brio (alegre com brilho) da 2ª sinfonia, me parece que os técnicos que gravaram Haitink/LSO fizeram um trabalho que deu ainda mais destaque à percussão do que os técnicos de Harnoncourt. Nestas gravações ao vivo, os percussionistas em alguns momentos roubam a cena com pancadas quase tão violentas quanto as dos bateristas de bandas de rock como Rush ou Led Zeppelin.

Nas sinfonias mais célebres, como a 5ª e a 6ª, as percussões também soam poderosamente e Haitink usa andamentos bastante rápidos em comparação com a velha guarda. No segundo movimento da Pastoral – “cena à beira do riacho”, a música flui, balança como a água, muito diferente das gravações de Karajan (que faz uma Pastoral rápida, mas com uma fluência bem diferente) e as águas bem mais lentas de Jochum, de Celibidache e de Furtwangler. Ao mesmo tempo, há algo indefinível no Beethoven do velho Haitink que remonta à concepção desses maestros de tradição romântica.

Ludwig van Beethoven:
CD3
1-4. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67 (1807-08)
5-8. Symphony No. 1 in C major, Op. 21 (1799-1800)

London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
Recorded live, 2006

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CD4
1-4. Symphony No. 6 in F major, Op. 68 ‘Pastoral’ (1807-08)
5-8. Symphony No. 2 in D major, Op. 36 (1799-1802)

London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
Recorded live, 2005

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Beethoven aos 32 anos, antes da Sinfonia Heroica, da surdez e tudo mais

Pleyel

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonias – CDs 1 e 2 de 6 (Haitink/LSO) #BTHVN250

Bernard Haitink, nascido em Amsterdam, é um dos maestros mais célebres da nossa época. Ele esteve à frente da Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam de 1961 – com apenas 32 anos de idade – até 1988, e gravou com essa e outras orquestras ciclos completos das sinfonias de Beethoven, Brahms, Schumann, Tchaikovsky, Bruckner, Mahler, Shostakovich e Vaughan Williams. Também sou fanático pela gravação que ele fez dos Concertos de Brahms com Claudio Arrau (1970). Em 2019, com 65 anos de carreira e 90 de idade, ele aposentou a batuta e foi gozar seu merecido descanso.

Haitink já tinha gravado as nove sinfonias nos anos 1970 (London Philharmonic – LPO) e nos anos 80 (Concertgebouw Amsterdam). Nos anos 2000, Haitink voltou a estas sinfonias, agora com outra orquestra londrina, a Sinfônica – LSO. Nessa sua última integral, o maestro mostra ter aprendido muito com as interpretações historicamente informadas: os andamentos são um pouco diferentes, o balanço entre os naipes da orquestra também, com notável destaque para as percussões em alguns momentos. Na Marcha Fúnebre da 3ª Sinfonia, por exemplo, Haitink usa praticamente o mesmo andamento de Harnoncourt/COE e Abbado/BPO, unindo o caráter sério com um movimento constante, sem muitas pausas dramáticas (afinal é uma marcha). Com 14 minutos, a marcha anda mais depressa que as de Monteux, Toscanini, Karajan, Jochum, Böhm, Thielemann e muito mais do que o lento passo das marchas de Celibidache e Furtwangler, que caminham monumentais como uma manada de elefantes.

Nesses dois primeiros CDs, a ordem não é cronológica: todas as obras aqui pertencem à segunda fase de Beethoven. A segunda fase começa “oficialmente” com a 3ª Sinfonia, “Heroica” (1804), e é o Beethoven mais grandioso, que já se mostrava um pouco antes em obras como a Sonata Patética em dó menor (1799) e o Concerto Para Piano em dó menor (1803). Esta fase, associada à época das revoluções e guerras napoleônicas, vai mais ou menos até a 8ª sinfonia, opus 93 (1812) ou talvez até o Trio Arquiduque, opus 97.

Ludwig van Beethoven:
CD1
1-4. Symphony No. 3 in E flat major, Op. 55 ‘Eroica’ (1803)
5. Leonore Overture No. 2, Op. 72a (1805)

London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
Recorded live, 2005
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CD2
1-4. Symphony No. 4 in B flat major, Op. 60 (1806)
5-8. Symphony No. 8 in F major, Op. 93 (1812)

London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
Recorded live, 2006
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Haitink e Arrau ensaiando em Amsterdam, 1964

Pleyel

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Prometheus; Aberturas Leonore, Coriolanus (Marriner/Stuttgart) #BTHVN250

Neste 2020 dedicado à memória de Beethoven, nosso colega Vassily já abordou em detalhes as obras que aparecem neste disco, mas vou me arriscar a tecer mais alguns comentários sobre essas obras programáticas em que, ao contrário da maioria das sinfonias e sonatas, Beethoven expressou para as plateias de seu tempo a sua adesão a uma série de valores do Iluminismo alemão, em resumo: o conhecimento trazendo a luz e libertando da escuridão.

Otto Maria Carpeaux resumiu assim o enredo da única ópera de Beethoven, inicialmente chamada Leonore, depois Fidélio:

No calabouço sombrio de uma fortaleza, o tirânico governador Pizarro mandou encarcerar o nobre Florestan, que ousara manifestar ideias de liberdade. O infeliz parece perdido. Nem o salvariam os heroicos esforços de sua mulher Leonore que, disfarçada em homem, sob o nome suposto de Fidélio, tentava libertar o marido. Só no último momento, quando na escuridão noturna do cárcere já se preparava o assassínio, ressoam longe as cornetas que anunciam a chegada do ministro e a libertação.

Para Carpeaux, a abertura Leonore nº 3 é no fundo uma grandiosa sinfonia, intensamente agitada como a luta pela liberdade, até ressoar o toque de corneta, tocada fora da sala de concerto, iniciando-se o desfecho jubiloso. É uma verdadeira sinfonia de programa, tão grande, que não serve bem para abrir uma noite de ópera.

A abertura Coriolanus se baseia na trágica história de um general romano, transformada em teatro pelo inglês William Shakespeare e pelo austríaco Heinrich Joseph von Collin (1771–1811). Exilado de Roma, Coriolanus organiza os exércitos de seus antigos inimigos para atacar a capital. Às portas de Roma, a mãe e a esposa de Coriolano, usando ao mesmo tempo para a emoção e a argumentação racional, conseguem convencê-lo a desistir de atacar sua cidade natal. Como em Leonore/Fidélio, mais uma vez, as mulheres fogem do tradicional papel de donzelas em busca de um marido.

Como bem lembrou Vassily, apesar de ter recebido o nome de “abertura” (ouverture), Coriolanus é uma peça independente: não há registro sequer da intenção de fazê-la seguir-se de outros números de música incidental, como era a praxe da época. Assim, ao escrever uma obra musical autônoma inspirada por uma outra, literária, Beethoven inaugurava um novo gênero: a abertura de concerto, pedra fundamental da tradição de música programática que, em algumas décadas, ganharia corpo com o trabalho de Schumann, Berlioz, Brahms, dando origem aos poemas sinfônicos de Liszt e Strauss que são outro nome para a mesma coisa.

Escrita para um conjunto orquestral pequeno e notavelmente mais leve que as outras obras para o palco de Beethoven, Prometheus era originalmente um ballet cheio de cenas bucólicas mostrando os primórdios da humanidade livremente inspiradas no mito grego do titã que presenteia a humanidade com o fogo e as “artes da civilização”. A partitura é a única em que Beethoven escreveu para a harpa.

Nesta gravação, Marriner selecionou os pontos mais emblemáticos de Prometheus: a abertura e algumas cenas mais bucólicas onde a harpa e as madeiras brilham sob a batuta deste regente que é sobretudo um grande mozartiano. E, é claro, a dança final, uma contradança reaproveitada de uma composição da juventude e que ressurgiria também nas variações para piano, Op. 35 e no colossal finale da sinfonia Eroica.

 

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Prometheus; Aberturas Coriolanus, Leonore 2 e 3
1. Overture Coriolanus, Op. 62
2. Overture Leonore No. 2, Op. 72a
3. Overture Leonore No. 3, Op. 72b
Die Geschopfe des Prometheus (The Creatures of Prometheus), Op. 43:
4. Overture
5. Act I: Allegro vivace
6. Act II: Adagio
7. Act II: Pastorale
8. Act II: Andante
9. Act II: Finale: Allegretto
Orchestra: Stuttgart Radio Symphony Orchestra
Conductor: Sir Neville Marriner

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

 

Deixo ainda um bônus: a mais grandiosa, épica e triunfal de todas as gravações da abertura Leonore nº 3, com Sergiu Celibidache e a Filarmônica de Munique:

Baixe aqui – Download Bonus Here – Leonore 3 (Celibidache/Munich)

Estátua de Beethoven na casa onde ele viveu em Bonn
#BTHVN250, por René Denon

Pleyel