Sem alcançar a mesma quantidade de fãs de Martha Argerich ou Maurizio Pollini, o pianista húngaro Zoltán Kocsis foi respeitado por colegas e especialistas como um dos grandes intérpretes do repertório da virada do século XIX para o XX: foram muitas gravações de Debussy, Ravel, Rach, Bartók e Liszt pela Philips nas décadas de 1980 e 90. A partir de 1997 se dedicou mais à regência, fazendo gravações orquestrais também elogiadas até a sua morte precoce em 2016.
Nesse álbum dedicado ao piano solo de Rachmaninoff, Kocsis faz um recital com obras de vários tipos, ao contrário de outras gravações que contemplam, por exemplo, o conjunto dos Etudes-Tableaux (estudos-quadros, em francês, nome que aponta ao mesmo tempo para Chopin e para os chamados impressionistas). Com uma intensidade que lembra a de Horowitz, Kocsis leva a sério indicações como allegro assai (muito alegre, no Etude-Tableau Op. 39 nº 4) e allegro agitato (alegre agitado, no 1º movimento da Sonata).
Há outras interpretações possíveis: por exemplo as gravações de Rach pelo pianista inglês Steven Osborne – Etudes-Tableaux em 2017, Sonata nº 1 em 2020 – são mais calmas, suaves e contemplativas. Um dia elas ainda aparecerão por aqui. Mas o prato de hoje é o Rach de Kocsis, servido bem quente e com pimenta.
Estreada em 1913, a 2ª sonata de Rach foi depois revisada pelo compositor, que cortou algumas passagens, reduzindo a duração em alguns minutos e simplificando certas passagens difíceis. Mas Kocsis toca aqui a versão original, com todos os exageros desse compositor romântico tardio.
Sergei Rachmaninoff (1873-1943):
1. Prelude for piano No.20 in A major, Op. 32/9
2. Prelude for piano No.2 in F sharp minor, Op. 23/1
3. Etudes-Tableaux, for piano, Op. 39: No. 4 in B minor
4. Morceaux de fantaisie (5), for piano, Op. 3: 3. Mélodie
5. Prelude for piano No.21 in B minor, Op. 32/10
6. Prelude for piano No.8 in C minor, Op. 23/7
7. Prelude for piano No.17 in F minor, Op. 32/6
8. Etudes-Tableaux, for piano, Op. 33: No. 1 in F minor
9. Etudes-Tableaux, for piano, Op. 39: No. 7 in C minor
10. Prelude for piano No.13 in B flat major, Op. 32/2
11. Morceaux de fantaisie (5), for piano, Op. 3: 5. Sérénade
12. Piano Sonata No. 2 in B flat minor, Op. 36: I. Allegro agitato
13. Piano Sonata No. 2 in B flat minor, Op. 36: II. Non allegro – Lento
14. Piano Sonata No. 2 in B flat minor, Op. 36: III. Allegro molto
É sempre uma tarefa complicada escrever sobre Carlo Gesualdo da Venosa (1566-1613) por conta de certos dados de sua biografia, um tanto quanto peculiares, que terminam por ser de alguma forma incontornáveis. O escriba então se vê frente ao dilema entre a omissão de fatos de grande magnitude, por um lado, e do risco perene de que esses temas contaminem de forma indevida a apreciação geral de sua obra, cuja excepcional qualidade por si só transcende e muito as discussões mais, digamos, folhetinescas de sua biografia.
O fato é que na noite de 16 de outubro de 1590 Gesualdo flagrou sua esposa, Maria D’Avalos, em flamejante adultério com Fabrizio Carafa, terceiro Duque de Andria e sétimo Conde de Ruovo. Os amantes foram assassinados a sangue frio no ato, no palazzo San Severo, em Nápoles. Após uma breve investigação, Gesualdo foi declarado inocente, já que teria apenas agido em legítima defesa da honra.
Seu segundo casamento, com Leonora D’Este, tampouco foi feliz. Ela o acusou diversas vezes de uma série de abusos, passando grande tempo longe. O passar dos anos fez com que Gesualdo mergulhasse no isolamento e na depressão e em acusações de envolvimento com ocultismo e bruxaria. Gesualdo morreu eu seu castelo em Avellino, na Campânia, em 8 de setembro de 1613.
Há um filme muito interessante sobre ele feito pelo brilhante cineasta alemão Werner Herzog. Gesualdo: Morte para Cinco Vozes (“Tod für fünf Stimmen”), de 1995, faz um entrelace interessantíssimo entre música e vida, biografia e encenação, documentário e ficção. Percursos por seu castelo e locais importantes de sua vida são entrecortados por performances de alguns de seus madrigais. Os madrigais, aliás, são o coração espiritual e estético de sua obra, que também compreende dois ciclos de canções sacras e uma coletânea de música destinada à Semana Santa.
Para comemorar o aniversário de Carlo Gesualdo da Venosa, neste dia 30 de março (e que, por uma singela coincidência, também é o aniversário deste que escreve estas linhas), o post traz a integral dos madrigais, com seis livros compostos entre 1594 e 1611. Esta integral foi reunida em uma caixa pelo selo Naxos, com interpretação do conjunto vocal Delitiaæ Musicæ sob regência de Marco Longhini.
Os madrigais de Gesualdo são algumas das peças mais belas e extraordinárias já escritas para grupos vocais. São intrincadas construções harmônicas e cromáticas, complexos contrapontos que resultam em obras profundamente expressivas e sentimentais. São verdadeiros feitos da experiência humana neste planetinha azul que vaga cego pelo espaço, pequenas catedrais musicais em miniatura.
Ainda que sejam essencialmente seculares, os madrigais têm um efeito que acessa outros planos para além da pura experiência acústica e física. Em outras palavras, são composições tão poderosas que parecem ter a capacidade de fazer o ouvinte mergulhar em alguma espécie de oração durante o ato da escuta. É fácil perder-se no tempo e no espaço se escutamos esses discos com a atenção que eles, suavemente, exigem de nós.
São obras que carregam consigo uma beleza terrivelmente trágica, algo que cala fundo na alma e que é muito complicado de ser traduzido em palavras. Agradeço, desde já, aos que porventura quiserem dividir, nos comentários, um pouco das impressões e emoções causadas por essa poderosa obra.
Sempre penso nesses ciclos de madrigais de Gesualdo e de Claudio Monteverdi (1567-1643) como veementes exemplos do poder que a música tem sobre nós. Que grandeza o ser humano pode atingir com apenas cinco vozes! Quanta beleza, quanta paixão, quanta vida (e quanta morte) cabem em cada um desses madrigais. É música de uma grandeza infinita…
***
“ (…) Quase uma mania, Gesualdo. Pois eles o amavam, claro, e cantar seus às vezes quase incantáveis madrigais demandava um esforço que se prolongava no estudo dos textos, procurando a melhor forma de aliar os poemas à melodia, como o príncipe de Venosa fez, à sua maneira obscura e genial. Cada voz, cada tom devia encontrar aquele centro esquivo do qual surgiria a realidade do madrigal, e não uma das tantas versões mecânicas que às vezes escutavam em discos para comparar, para aprender, para ser um pouco Gesualdo, príncipe assassino, senhor da música. (…)
Este é um trecho do conto “Clone”, do livro Amamos tanto a Glenda, de Julio Cortázar, publicado em 1980 (aqui em tradução de Josely Vianna Baptista, Cia. das Letras, 2021). Os madrigais de Gesualdo são um protagonista desse interessante conto. Um pequeno indício material de como a vida e a obra do príncipe de Venosa influenciaram diversos artistas ao longo dos últimos séculos.
Para evitar um post gigantesco com uma lista imensa de faixas dos álbuns, elas serão reunidas em um arquivo de texto que integra o download. Grosso modo, os discos estão divididos da seguinte forma:
CD 1: Primeiro Livro de Madrigais
CD 2: Segundo Livro de Madrigais
CD 3: Terceiro Livro de Madrigais
CD 4: Quarto Livro de Madrigais
CD 5: Quinto Livro de Madrigais (parte um)
CD 6: Quinto Livro de Madrigais (parte dois) & Sexto Livro de Madrigais (parte um)
CD 7: Sexto Livro de Madrigais (parte dois)
Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 12/9/2012.
Se existe algo de sagrado pra você, é em nome disso que eu peço: por favor, nem uma palavra pra dizer que você gostava ou gosta de Killing me softly. Praticamente todo mundo gosta, até eu não acho ruim quando está tocando, mas se já é unanimidade, pra que comentar? Que tal falar de alguma das outras 31 faixas desta postagem?
Tá, desculpem a cena dramática… mas é que tenho uma razão muito forte para odiar o sucesso que Killing me softly não para de fazer há 39 anos: foi esse sucesso que atiçou a sanha mefistofélica da indústria do disco, que então acabou precocemente a carreira da talvez última grande dama negra da canção estadunidense, e lançou a primeira gralha da pseudo-black music ultracomercial: a “rainha da discotheque” – ai!
Cantora-pianista, arranjadora, por vezes compositora, Roberta dividiu seus três primeiros discos entre o que se pode chamar “música de dor-de-cotovelo americana”, e peças de protesto e ativismo político (Compared to what e Trying times no disco 1, Go up moses no disco 3, mas sobretudo o arrepiante grito contra a guerra do Vietnã que é Business goes as usual no disco 2) –
… e ainda explorações variadas do universo cultural da comunidade negra estadunidense, indo do protesto contra a dominação cultural disfarçado de spiritual que é I told Jesus (disco 1) e da tocante crônica Sunday and sister Jones (disco 3) ao escrachado humor erótico de Reverend Lee (disco 2).
No quarto disco, sintomaticamente, a vertente política desaparece – mas não por isso deixo de considerá-lo magistral (à parte aquela canção que não vou nomear de novo).
Enfim: esta Roberta que estou partilhando foi para mim uma paixão de adolescente ávido de descobrir tudo o que música podia ser, uma revelação de mundos sonoros e poéticos tão diferentes de tudo o que eu já conhecia… Criou um departamento para si dentro de mim; até hoje suas frases me habitam. Acho que poderia falar horas sobre este ou aquele detalhe desta ou aquela canção – mas prefiro apenas nomear (mais) algumas que aprecio de modo especial.
Do primeiro disco (que aconselho não julgar pela primeira faixa), repito a menção à estupenda I Told Jesus; no segundo acho curioso comparar a abordagem de Roberta a The impossible dream com a entre nós tão conhecida versão de Maria Bethania – além da faixa de protesto já citada.
Do terceiro, repito Sunday and sister Jones e acrescento Will you still love me tomorrow? e Sweet bitter love – mas como não falar também da leitura personalíssima de Bridge over troubled water? Do quarto, digo que contém a faixa de dor de cotovelo mais rastejante que já ouvi em qualquer língua: Jesse – mas minhas preferidas são I’m the girl, When you smile, e finalmente Suzanne, de Leonard Cohen, na qual a grande cantora se despede para sempre com scats que pairam sobre um inquietante efeito de cordas que sugerem sirenes… escrito, talvez ironicamente, por um dos arranjadores mais caros dos EUA: o brasileiro Eumir Deodato.
E agora é com vocês!
ROBERTA FLACK – discos 1 a 4
1 FIRST TAKE (1969)
101 “Compared to What” (Gene McDaniels) – 5:16
102 “Angelitos Negros” (Andres Eloy Blanco, Manuel Alvarez Maciste) – 6:56
103 “Our Ages or Our Hearts” (Robert Ayers, Donny Hathaway) – 6:09
104 “I Told Jesus” (Traditional) – 6:09
105 “Hey, That’s No Way to Say Goodbye” (Leonard Cohen) – 4:08
106 “The First Time Ever I Saw Your Face” (Ewan MacColl) – 5:22
107 “Tryin’ Times” (Donny Hathaway, Leroy Hutson) – 5:08
108 “Ballad of the Sad Young Men” (Fran Landesman, Tommy Wolf) – 7:00
2 CHAPTER TWO (1970)
201 “Reverend Lee” (Gene McDaniels) 4:31
202 “Do What You Gotta Do” (Jimmy Webb) 4:09
203 “Just Like a Woman” (Bob Dylan) 6:14
204 “Let It Be Me” (Gilbert Becaud, Mann Curtis, Pierre Delanoë) 5:00
205 “Gone Away” (Donny Hathaway, Leroy Hutson, Curtis Mayfield) 5:16
206 “Until It’s Time for You to Go” (Buffy Sainte-Marie) 4:57
207 “The Impossible Dream” (Joe Darion, Mitch Leigh) 4:42
208 “Business Goes on as Usual” (Fred Hellerman, Fran Minkoff) 3:30
3 QUIET FIRE (1971)
301 “Go Up Moses” (Flack, Jesse Jackson, Joel Dorn)
302 “Bridge over Troubled Water” (Paul Simon)
303 “Sunday and Sister Jones” (Gene McDaniels)
304 “See You Then” (Jimmy Webb)
305 “Will You Still Love Me Tomorrow” (Carole King, Gerry Goffin)
306 “To Love Somebody” (Barry Gibb, Maurice Gibb, Sharon Robinson)
307 “Let Them Talk” (Sonny Thompson)
308 “Sweet Bitter Love” (Van McCoy)
4 KILLING ME SOFTLY (1973)
401 “Killing Me Softly with His Song” (Charles Fox, Norman Gimbel)
402 “Jesse” (Janis Ian)
403 “No Tears (In the End)” (Ralph MacDonald, William Salter)
404 “I’m the Girl” (James Alan Shelton)
405 “River” (Gene McDaniels)
406 “Conversation Love” (Terry Plumeri, Bill Seighman)
407 “When You Smile” (Ralph MacDonald, William Salter)
408 “Suzanne” (Leonard Cohen)
Desta vez apresentamos a vocês o inoxidável Lawrence Power, violista elogiado até pelo afiadíssimo ouvido de PQPBach, filho de Bach e pai deste Blog, que disse, sobre o rapaz: “Power é power mesmo, é genial” aqui, nessa postagem do concerto para viola de Walton.
Aqui o inglês Power (1977-) se dedica aos concertos dos seus conterrâneos Edwin York Bowen e Cecil Forsith. E não é pouca coisa, não, coisa de só homenagear os compositores de seu país. Bowen e Forsith, apesar de não serem muito conhecidos por estas plagas, nos brindam com obras de altíssima categoria, com todas aquelas tensões mal resolvidas (e instigantes e, por que não dizer, contagiantes) dos compositores do modernismo da primeira metade do século XX. Suas orquestrações são muito vibrantes e, no caso deste álbum, há um brilho extra: o polimento que Lawrence Power dá às peças, com tenacidade, expressão e precisão.
Nem vou falar muito mais! Apenas dê-se ao prazer de ouví-lo! É muito, mas muito bom!
Edwin York Bowen (1884-1961)
Concerto para Viola em Dó Menor 01. I. Allegro Assai
02. II. Andante Cantabile
03. III. Allegro Scherzando
Cecil Forsyth (1870-1941)
Concerto para Viola em Sol Menor 01. I. Appassionato – Moderato
02. II. Andante un poco sostenuto
03. III. Allegro con fuoco
Lawrence Power, viola
BBC Scottish Symphony Orchestra
Martin Brabbins, regente
Você não deve confundir Dido e Enéias com Dildo e Enéias. Dildo é outra coisa. Dido é filha de Mattan I, rei de Tiro, e irmã de Pigmalião, que mandou matar seu primeiro marido, Sicheus, de quem cobiçava a riqueza.
Dido consegue fugir com alguns amigos e partidários, levando consigo as riquezas do marido. Chegam ao local onde Dido resolve ficar e formar sua nova pátria, e pedem que os nativos cedam um pedaço de terra cercado por couro de boi. O pedido é aceito e Dido logo manda cortar o couro de um boi em estreitas tiras e cerca uma extensão onde constrói uma cidade com o nome de Birsa (couro). Em torno dessa cidade começa a se formar outra, Cartago, que logo se torna próspera.
Enéias chega a Cartago com seus troianos depois de um naufrágio. Dido recebe-os muito bem, mostra-se muito hospitaleira já que ela mesma passara por um sofrimento parecido. Dido acaba se apaixonando por Enéias, que se mostra feliz ao ter a oportunidade de parar de uma vez por todas com suas aventurosas peregrinações, recebendo um reino e uma esposa. Passam-se meses e os dois vivem apaixonados. Enéias parece esquecido da Itália e do Império que estava destinado a fundar em suas terras. Quando Júpiter vê essa situação, manda o mensageiro Mercúrio lembrá-lo de sua missão e ordenar que parta imediatamente. Dido, numa tentativa frustrada de convencê-lo a ficar, acaba se apunhalando e se jogando numa pira funerária.
A ópera de Purcell é uma pequena joia, uma das maiores — talvez a maior — músicas compostas por um inglês. O Lamento de Dido e as participações das bruxas são momentos absolutamente notáveis.
Baita disco!
Henry Purcell (1659-1695): Dido and Aeneas (MusicAeterna, Teodor Currentzis)
1. Dido & Aeneas, Ouverture 2:08
2. Dido & Aeneas, Act I: Shake The Cloud 1:08
3. Dido & Aeneas, Act I: Ah! Belinda 4:48
4. Dido & Aeneas, Act I: Grief Increases 0:38
5. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): When Monarch Unites 0:13
6. Dido & Aeneas, Act I: Whence Could So Much Virtue 2:08
7. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): Fear No Danger 2:20
8. Dido & Aeneas, Act I: See, See 0:54
9. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): Cupid Only Throws 0:35
10. Dido & Aeneas, Act I: If Not For Mine 0:24
11. Dido & Aeneas, Act I: Pursue Thy Conquest 0:45
12. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): To The Hills 2:32
13. Dido & Aeneas, Act II: Prelude For The Witches 2:31
14. Dido & Aeneas, Act II (Chorus): Harm’s Our Delight 0:15
15. Dido & Aeneas, Act II: The Queen Of Carthage 0:30
16. Dido & Aeneas, Act II: Ho, Ho, Ho 0:10
17. Dido & Aeneas, Act II: Ruin’d Ere The Set Of Sun 0:56
18. Dido & Aeneas, Act II: Ho, Ho, Ho 0:10
19. Dido & Aeneas, Act II: But Ere We This Perform 1:06
20. Dido & Aeneas, Act II (Chorus): In Our Deep Vaulted Cell 2:03
21. Dido & Aeneas, Act II: Echo Dance Of Furies 0:57
22. Dido & Aeneas, Act II: Ritornelle 0:38
23. Dido & Aeneas, Act II: Thanks To These Lonsesome Vales 2:55
24. Dido & Aeneas, Act II: Guitar Chacone 2:32
25. Dido & Aeneas, Act II: Oft She Visits 1:54
26. Dido & Aeneas, Act II: Behold, Upon My Bending Spear 0:37
27. Dido & Aeneas, Act II: Haste, Haste To Town 0:45
28. Dido & Aeneas, Act II: Stay Prince 2:44
29. Dido & Aeneas, Act III: Prelude 1:15
30. Dido & Aeneas, Act III: The Sailor’s Dance 0:51
31. Dido & Aeneas, Act III: See, See The Flags 0:59
32. Dido & Aeneas, Act III: Our Next Motion 0:39
33. Dido & Aeneas, Act III (Chorus): Detruction’s Our Delight 0:29
34. Dido & Aeneas, Act III: The Witches’ Dance 2:09
35. Dido & Aeneas, Act III: Your Counsel 6:07
36. Dido & Aeneas, Act III (Chorus): Great Minds 1:02
37. Dido & Aeneas, Act III: Thy Hand, Belinda 1:03
38. Dido & Aeneas, Act III: Dido’s Lament 4:02
39. Dido & Aeneas, Act III (Chorus): With Drooping Wings 5:32
Recorded At – Novosibirsk Philharmonic Hall
Recorded By – Musica Numeris
Alto Vocals [Choir] – Anna Penkina, Anna Shvedova, Elena Rogoleva, Ludmilla Tukhaeva*, Marina Sokirkina, Marina Tenitilova
Baritone Vocals [Aeneas, Trojan Prince], Soloist – Dimitris Tiliakos
Bass Vocals [Choir] – Alexandre Nazemtsev, Evgeny Ikatov, Gennady Vasiliev, Pavel Palastrov, Sergey Mezentsev, Sergey Tenitilov, Vitaly Polonsky
Choir – The New Siberian Singers*
Chorus Master – Vyacheslav Podyelsky
Composed By [Opera Music] – Henry Purcell
Conductor – Teodor Currentzis
Contrabass – Dilyaver Menametov, Dmitry Rais
Ensemble, Orchestra – MusicAeterna*
Harpsichord [Fred Bettenhausen, 2000, after Rückers-Taskin] – Elena Popovskaya
Lute – Vassily Antipov
Percussion – Dauren Orynbaev, Teodor Currentzis
Soprano Vocals [Belinda, Confidant Of Dido], Soloist – Deborah York
Soprano Vocals [Choir] – Alla Lebedeva, Arina Mirsaetova, Elena Kondratova, Irina Angaskieva, Linda Yarkova, Margarita Mezentseva, Valeria Safonova, Yulia Shats, Yulia Trubina
Soprano Vocals [Dido, Queen Of Carthago], Soloist – Simone Kermes
Tenor Vocals [Choir] – Alexandre Zverev, Dmitry Veselovsky, Sergey Kovalev (3), Stanislav Lukin, Vladimir Sapozhnikov
Theorbo, Guitar [Baroque Guitar] – Arkady Burkhanov
Viola – Dmitry Parkhomenko, Evgeniya Maximova (2), Oleg Zubovich
Viola [Echo] – Nail Bakiev
Viola da Gamba, Soloist – Alexander Prozorov
Violin [1] – Alfiya Bakieva, Inna Prokopeva, Nadezhda Antipova, Natalia Zhuk
Violin [1] [Echo] – Elena Rais
Violin [2] – Elena Yaroslavtseva, Olga Galkina, Yulia Gaikolova
Violin [2] [Echo] – Yulia Gaikolova
Violoncello – Alexander Prozorov, Ekaterina Kuzminykh, Marina Sergeeva
Violoncello [Echo] – Alexander Prozorov
Violoncello [Récits = Stories] – Ekaterina Kuzminykh
Vocals [Enchantress], Soloist – Elena Kondratova, Yana Mamonova
Vocals [Sailor], Soloist – Alexandre Zverev
Vocals [Sorceress], Soloist – Oleg Ryabets
Vocals [Spirit], Soloist – Valeria Safonova
Vocals [Two Women], Soloist – Margarita Mezentseva, Sofia Fomina
Words By [Opera] – Mr. Nahum Tate*
No mesmo período em que o jovem Milhaud vivia no Rio de Janeiro (1917-1919), servindo de secretário para o embaixador da França e aproveitando para escapar da terrível guerra, a primeira sociedade voltada para a proteção de direitos autorais de compositores era fundada na mesma cidade, muito por iniciativa da compositora homenageada aqui no último dia 8 de março:
“Chiquinha Gonzaga sofreu exploração abusiva de seu trabalho, o que fez com que tomasse a iniciativa de fundar, em 1917, a primeira sociedade protetora e arrecadadora de direitos autorais do país, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.” (Edinha Diniz)
Milhaud e muitos outros espertos – a julgar pela citação acima – roubaram melodias de Gonzaga, de Nazareth e de outros brasileiros sem citar os autores, o que realmente depõe contra seu caráter. Fica parecendo que ele colheu suas flores num campo de melodias populares e folclóricas, mas o fato é que a maioria das obras tinha autor conhecido e estava publicada em casas de edição de partituras.
Será que é assim que os povos indígenas se sentem ao verem fotos de Sebastião Salgado mostrando indivíduos genéricos e sem nome? Em ouvintes acostumados com uma certa sonoridade brasileira – e sobretudo carioca, pois não estamos falando de sanfonas do sertão nordestino nem de viola caipira – a música “brasileira” de Milhaud causa um verdadeiro estranhamento antropológico. A orquestração inclui um animado reco-reco, um pandeiro, mas tudo tocado de forma excessivamente parisiense, fica faltando uma pitada de malandragem.
Se faltava a Milhaud a humildade para citar suas fontes, se falta aos músicos de orquestra a síncope perfeita no reco-reco, isso não significa que não valha a pena ouvir a música. Não sei vocês, mas eu não faço questão de ouvir música só de gente sem defeitos e pecados. As contradições que abundam na música de Milhaud, presentes em outros aspectos também no ballet de Poulenc e na música futurista de Honegger, são contradições da mesma ordem daquelas que encontra qualquer um que pisar nas ruas.
Milhaud (1892-1974), Poulenc (1899-1963), Honegger (1892-1955):
1-9. Francis Poulenc – Les Biches (1923-24)
10. Darius Milhaud – Le boeuf sur le toit (1919-1920)
11. Arthur Honegger – Pacific 231 (1923-24)
Orchestre de Paris & Choeur de l’Orchestre de Paris
Semyon Bychkov
Philips 432 993-2 (1993)
O ano era 1988. O CD acabava de chegar ao Brasil, depois de uns 4 ou 5 anos de atraso em relação ao resto do mundo. Eu e meus amigos melômanos, no alto de nossos 14, 15 anos, ouvíamos entusiasmados sobre a novidade pelos noticiários da TV e reportagens nos grandes jornais, todos anunciando em letras garrafais: o LP morreu. O mundo se convertia gradativamente ao digital, os computadores pessoais entravam nos lares e se falava de uma grande e obscura rede de comunicação chamada internet.
Para nós, o pacote era realmente convidativo e não tínhamos nenhum saudosismo, pois significava, como decorrência, o fim dos chiados e dos riscos do disco. Justamente um dos chamarizes de marketing: o CD era indestrutível, som puro para toda a vida. Não demorou muito tempo para que percebêssemos que essa historia estava mal contada, o CD não era eterno, mas realmente tinha duas enormes vantagens: não tinha chiado e não se desgastava em cada reprodução.
Nossos olhos se enchiam quando começamos a ver as primeiras prateleiras das lojas de discos acomodando CDs, e mais: muita música clássica, como nunca tínhamos visto antes. Um paraíso. Talvez pela questão da novidade, mudança de hábitos, e tal, os lojistas começaram pelos clássicos, que justamente levantava a bandeira do scratch-free. A empolgação era tamanha que nem me dei conta de que muitas daquelas gravações não eram as mesmas que comprávamos em LP ou K7. Na verdade, nem atinei para a apresentação dos discos. Como seriam suas capas? Iguais à dos LPs? Capas genéricas iam surgindo e, cegos pela avidez, nem nos tocamos que estávamos comprando budget-price.
Comecei comprando uma gravação do Concerto no.3 de Beethoven, e percebi que aquele som era bem diferente do que estava acostumado. Não era ruim a interpretação, mas como vivíamos em lojas de discos, sabíamos todos os grandes intérpretes. Pollini, Argerich, Michelangeli, Arrau, Weissenberg, Brendel, Kempff, e não era nenhum deles. Para usar uma expressão da época, as fichas começaram a cair: fui conferir e não tinha o nome dos intérpretes na capa! Isso nunca tinha acontecido. Olhei a contracapa (foi difícil achar), e vi que a (ou o, não dava para dizer naquela situação) pianista era uma tal de Dubravka Tomsic e o maestro era um certo Sr. Anton Nanut com uma Sinfõnica da Rádio de Ljiubjana, que sei lá onde era, nem como se pronunciava.
Pouco depois, com o aumento das vendas dos CDs, começaram a chegar também as gravações dos grandes selos, DG, PHILIPS, DECCA, SONY e EMI. Mas este? MOVIEPLAY?? Que diabos?? E por fim as diferenças de preços, não deixavam mentir: eram gravações low budget price, ou como começamos a chamar, CDs de “Baciada”, já que eram oferecidos em grandes lotes como ofertas e pontas de estoque.
Qual era a mágica? Basicamente, uma gravadora espanhola e portuguesa chamada Sonoplay, fundada em meados dos anos 1960 por um dissidente da PHILIPS, teve acesso a fonogramas originais de orquestras e solistas obscuros, principalmente do leste europeu, que, depois da 2a.Guerra, ficaram à mercê de contratos irrisórios para aumentar o orçamento, sem garantia de que seriam lançados algum dia. Em 1968, a gravadora se tornou MOVIEPLAY, e gravava nada além de música folclórica portuguesa e pot-pourris de disco-dance.
O golpe veio com a mudança de suporte. Com o CD, a reciclagem desse material se tornava possível e legítima. Pegaram esses velhos fonogramas, digitalizaram e começaram a vender como produtos novos, em série, alterando os nomes dos intérpretes, omitindo as datas de gravação e afirmando que se tratavam de gravações digitais (a sigla DDD estava sempre presente). Chegaram a inventar alguns nomes: Henry Adolph e Alberto Lizzio são personagens fictícios, este ultimo deliberadamente um pseudônimo do maestro e produtor musical Alfred Scholz, que provavelmente vendeu alguns desses fonogramas. Um disco com o Concerto para Flauta e Harpa de Mozart, regido por esse sr. Lizzio (provavelmente Scholz), e tendo à harpa uma tal Renata Modron – que também não possui NENHUMA referência na internet inteira – ganharia facilmente o prêmio de pior gravação desse concerto. Nível amador. A festa era tamanha que um mesmo fonograma circulava por vários selos de baixo orçamento, e como ninguém sabia ao certo de quem eram os detentores dos direitos, lançavam e relançavam sem nenhum pudor. A gravadora NAXOS começou fazendo algo muito semelhante, mas tomou o caminho da aprovação crítica e busca pela consagração de qualidade. No caso desses budgets, isso não era sequer cogitado.
Outros maestros e solistas, talvez por ainda estarem vivos e atuantes, acabaram exigindo contratos e direitos sobre as gravações, mas mesmo assim, sendo desconhecidos do circuito Star System dos grandes selos, faziam ou vendiam suas gravações por preços bem mais baixos. O leste europeu às vésperas da Perestroika era um mercado imenso a se explorar.
Neste momento final dos anos 80, a Movieplay começou a lançar essas gravações por toda a Europa e também no Brasil, numa divisão de clássicos que envolvia uma série chamada ‘Digital Concerto’, e uma outra, composta basicamente de coletâneas ao estilo dos pot-pourris antigos, chamada ‘Romantic Classics’, todas com o mesmo design padrão, cuja única variação possível era a pintura de fundo. No meio de um monte de fonogramas genéricos, alguns sem dono e/ou sem registro de intérprete, combinados com outros legítimos, começam a aparecer verdadeiras pérolas: gravações de baixo custo, com esses maestros/orquestras/solistas pouco festejados, mas que se destacam como leituras e interpretações que, não fosse o descaso do marketing envolvido, poderiam sem problemas situarem-se entre os grandes selos e as performances lendárias. Ok, um pouco exagerado, mas quero dizer que sim, há boas gravações no meio da baciada. ‘Barganhas’ como se costuma dizer. Trouxe algumas aqui, que considero realmente registros de excelência que valem a pena divulgar:
1.Haydn: String Quartets – op.1 no.1 ‘Hunting quartet’, op.64 no.5 ‘The Lark’ & op.76 no.3 ‘ Emperor’ – Caspar da Salo Quartet Este é um caso típico dessas apropriações para evitar pagamento de direitos. O Quarteto ‘Caspar da Salo’, nomeado em função de um famoso Luthier do séc.XVI, Gasparo de Saló, é um embuste, um conjunto fictício, criado por Alfred Scholz para vender fonogramas alheios na onda do digital. Felizmente, a leitura desses quartetos é límpida e precisa, o conjunto tem um equilíbrio sonoro incrivelmente coeso, com uma técnica segura e clara que destaca todo o esplendor das abundantes invenções melódicas de Haydn. Infelizmente jamais saberemos quem está realmente tocando ou quando a gravação foi feita.
2.Beethoven: Piano Concerto no.3, Pathétique Sonata – Dubravka Tomsic, piano – Anton Nanut, Radio Symphony Orchestra Ljubljana Sim, Dubravka Tomšič Srebotnjak existe mesmo, nasceu na Eslovênia em 1940 e ainda está viva (Wikipedia). Infelizmente, ficava muito difícil, no meio de um monte de nomes eslavos desconhecidos, saber quem era quem. Foi preciso um amigo, o saudoso pianista e professor Antonio Bezzan, para nos chamar a atenção para seu talento. E realmente, ao ouvirmos com mais atenção, seu acento eslavo realça uma interpretação bastante pessoal e nada frívola. Técnica e esteticamente, Tomsic demonstra sensibilidade e desenvoltura. Se não chega a impressionar, também não faz feio, e nos revela uma interessante verve russa em Beethoven.
3.Dvórak: Symphony no.9 ‘From the New World’; Smetana: Die Moldau – Anton Nanut, Radio Symphony Orchestra Ljubljana No fim das contas, Anton Nanut, que também existe e é real (Norman Lebrecht, em seu blog, até publicou uma nota sobre seu falecimento), acaba se mostrando um regente de primeira grandeza. Comprometido com uma tradição sonora imponente, que mescla reminiscências do império Austro-Húngaro com a verve russa, essa é uma das mais contundentes versões da Sinfonia Novo Mundo. Se não soubéssemos quem está regendo, poderíamos facilmente tomar esta como uma gravação de Szell ou Doráti. Mas o grande destaque deste disco é o Moldau. Sim, nem Kubelik fez um Moldau tão sensível e autêntico. Recomendo sem restrições.
A parte ruim é que também não temos certeza de quem está realmente regendo e nem quando foi feita a gravação. Há vários selos e edições que usam esse mesmo fonograma, e há indicações dúbias nos sites de streaming e lojas virtuais, de que esse Moldau talvez tenha sido regido por Alfred Scholz. Mas uma pesquisa exaustiva nos dá mais referências (e também referências mais antigas) indicando ser de Nanut. Ficamos com ele, por enquanto. O descaso do selo budget inclui também a indicação errada de uma Dança Eslava de Dvorak. Ao invés da op.72 no.1, é na verdade a op.46 no.1. O fato é que é um disco memorável, bom e barato, apesar disso fazer pouca diferença hoje em dia.
4.Mahler: Symphony no.6 – Hartmut Haenchen, Philharmonia Slavonica Esta é uma gravação realmente legítima. Haenchen (nascido em 1943) é um maestro relativamente conhecido na Europa, que tem referências autênticas e um site próprio, com uma discografia imensa e um invejável currículo, que inclui até mesmo participações recentes no Festival de Bayreuth. Talvez seja mais conhecido no Brasil por ser especialista em C.P.E. Bach, mas suas incursões na música romântica e pós-romântica são bastante relevantes, tendo sido recentemente apontado como um destaque de profunda conexão com Bruckner e Mahler. É curioso que um regente dessa estatura nunca tenha assinado contratos fixos com grandes selos (aparece de vez em quando na SONY), mas de qualquer modo, essa gravação não nos deixa mentir: é a mais convincente Sexta de Mahler que já ouvi. A fúria com que destaca a sonoridade das angústias mahlerianas é irresistível, ao mesmo tempo que contrabalança o lírico Andante com uma doçura tocante. A percussão é onipresente, as pratadas são épicas, e os golpes do martelo e do tam-tam do último movimento, os mais sonoros que já ouvi. Devastador. A gravação é realmente surpreendente, não apenas pela contundência da leitura, mas também pelo equilíbrio das forças maciças que Mahler evoca. Provavelmente foi o CD de melhor relação custo/benefício que já comprei.
Haenchen gravou outras vezes essa sinfonia, até com a Netherlands Philharmonic, mas essa me parece a mais relevante. Conforme uma crítica que recebeu na Amazon, “an energetic, dinamic, colourful interpretation in only one CD, in a bargain collection. Haenchen is an inmense conductor and I think the appropiate conductor for (for example) Philadelphia or NY orchestras in USA. ” Fica a dica.
Este álbum, que guardo como um pequeno tesouro em minha coleção (apenas por uma ligação afetiva e pessoal, sem critérios lá muito objetivos), traz o registro de algumas das composições pianísticas do compositor Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993) na interpretação daquele que talvez seja o intérprete mais natural de suas obras: o paulistano Caio Pagano. É um pequeno mosaico composto por seu opus magnus para piano e orquestra – o Choro, de 1956 – e algumas peças solo, entre elas a Sonatina nº 4 e Em memória de um amigo, dedicada a Caio por ocasião da morte de seu pai.
Dedicado ao pianista Arnaldo Estrella, solista da estreia em 1957, o Choro para piano e orquestra encontrou na interpretação de Caio Pagano uma serenidade fluida, com traquejo para as constantes mudanças rítmicas e sensibilidade melódica para desenho das frases musicais. A obra é um dos melhores exemplos do grande melodista que Camargo Guarnieri foi.
Assim descreveu a obra o professor César Buscacio (UFOP): “No primeiro movimento, Cômodo, em caráter seresteiro, Guarnieri adota o princípio da variação temática. O piano dialoga com a orquestra, atingindo grande expressividade ressaltada pela dinâmica, do pianíssimo ao fortíssimo, para, em seguida, retomar a atmosfera intimista inicial, que encerra o Cômodo e prepara o movimento central, Nostálgico. Esse movimento, inspirado numa melancólica canção sertaneja, é marcado por uma atmosfera obscura provocada por harmonização expressiva e dinâmica muito suave. Uma sentida melodia é introduzida pelo clarinete e, em seguida, reafirmada e ampliada pelo piano. A parte central desse movimento atinge grande dramaticidade no discurso musical, pela densidade da massa orquestral, até voltar a acalmar-se com a retomada do tema inicial e a finalização por uma coda conduzida pelo piano. Já o terceiro movimento, Alegre, evoca o caráter dançante recorrente na música brasileira. Observa-se o predomínio de uma rítmica contundente, na qual o compositor reafirma humor e vivacidade por meio dos ritmos sincopados, e da ênfase na orquestração, que coloca em destaque os instrumentos de metal e percussão.”
Entre as peças para piano solo que completam o álbum, gosto especialmente dos seis Ponteios, executados aqui com elegância refinada – o tipo de refinamento que emerge da clareza e da simplicidade, desprovido de qualquer espécie de afetação. Uma concepção pianística que honra a linhagem em que Pagano foi formado: ele foi discípulo de Magdalena Tagliaferro, cujas interpretações eram muito marcadas por essas ideias.
O disco ainda promove um curioso e interessante encontro globalizado: regida pelo norte-americano Paul Freeman, a orquestra que acompanha Pagano no Choro é a Orquestra Sinfônica Nacional Checa. A obra foi gravada, inclusive, na Sala de Concertos da Rádio Nacional em Praga (as peças para piano solo, por sua vez, foram registradas no Arizona, onde Pagano leciona e reside).
Piano music of Camargo Guarnieri
Choro para piano e orquestra
1. Cômodo
2. Nostálgico
3. Alegre
Orquestra Sinfônica Nacional Checa Paul Freeman, regência Caio Pagano, Piano
Sonatina nº 4 4. I – Com Alegria
5. II – Melancólico
6. III – Gracioso
7. Dança Negra
8. Ponteio nº 22
9. Ponteio nº 24
10. Ponteio nº 30
11. Ponteio nº 45
12. Ponteio nº 46
13. Ponteio nº 49
14. Em memória de um amigo (dedicada a Caio Pagano)
Eu ouço Concertos para Piano de Mozart desde sempre, desde o século passado. Comecei com o disco de Maurizio Pollini e depois o de Emil Gilels, ambos acompanhados pela imensa Wiener Plhilharmoniker, regida por Böhm. Depois desses vieram os discos da série do Murray Perahia, especialmente o disco com os Concertos Nos. 19 e 23, que repete o repertório do disco de Maurizio Pollini. Há uma notável gravação dos Concertos Nos. 21 e 25, com o espetacular pianista Stephen (Bishop) Kovacevich, acompanhado pela London Symphony Orchestra regida por Colin Davis. E tantos outros que é impossível mencionar nem a terça parte: Uchida/Tate, Brendel/Marriner, Brendel/Mackerras…
Nestas páginas tenho postado várias gravações, incluindo a integral gravada pela Naxos com o incansável Jenö Jandó, cuja coleção mantenho sempre bem à mão.
Confesso ter tido algumas dificuldades com as gravações HIP desses maravilhosos concertos. A gravação pioneira feita por Malcolm Bilson, The English Baroque Soists e John Eliot Gardiner tem capas encantadoras e o início dos concertos revela todos os aspectos que eu considero positivos do movimento dos instrumentos de época, transparência na textura orquestral, maior presença e clareza do som dos instrumentos de sopros, andamentos a tempo justo. Mas, quando aparece o piano, meu coração fica frio. Algo parecido ocorre com as gravações de Melvyn Tan, acompanhado pelo London Classical Players regido por Roger Norrington. A série feita por Jos van Immerseel com a orquestra Anima Eterna renovou minhas esperanças, mas eu continuava relutante, inclusive com as gravações feitas pelo pianista e eminente musicólogo Robert Levin, acompanhados pela Academy of Ancient Music regida então pelo seu titular Christopher Hogwood.
Assim, quando me deparei com esse disco, gravado pelo (quase) mesmo time, perto de vinte anos após a última seção, senti um misto de esperança e resignação. O regente agora é Richard Egarr, no lugar do (late) Hogwood.
Mudaram os músicos no seu literal ímpeto devotado aos costumes de época? Mudaram os engenheiros de som, recolocando o piano na paisagem sonora gravada? Mudei eu mesmo? Provavelmente sim em todas as instâncias!
Eu achei o disco espetacular! Há muito não ouvia um disco com tanto prazer, que não parei mais. Na ida ao tênis, ao acordar, antes de dormir. Tudo isso ocorrendo segundo o relatado, não hesito em tascá-lo aqui. Vejam vocês, as suas impressões, e depois me digam…
Ah, tão enlevado fiquei que me esqueci de mencionar. Dois concertos de peso – aquele que chamávamos ‘Elvira Madigan’ e aquele outro, que o Ludovico amava. Dois adágios que qualquer compositor daria um braço e uma perna para tê-los composto…
Richard Egarr permite uma flexibilidade aos músicos da AAM, dando tempo para que respirem. Robert Levin usa sua autoridade de musicólogo com leveza para ornamentar o solo, dando um que de inovação aos tão famosos concertos e reforçando o tuti, quando não está solando. Maravilha!
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Concerto para Piano No. 21 em dó maior, K467 ‘Elvira Madigan’
“Academy of Ancient Music (AAM) resumes a celebrated project to record Mozart’s complete Piano Concertos, with this ninth volume released after an extraordinary 20-year wait. Together with renowned scholar-pianist Robert Levin, AAM presents Mozart’s Piano Concertos No. 21 in C Major K467, perhaps one of Mozart’s most well-known Piano Concertos and featured in films The Spy Who Loved Me and Elvira Madigan, and No. 24 in C Minor K491, described by Mozart scholar Alexander Hyatt King as ‘not only the most sublime of the whole series but also one of the greatest pianoforte concertos ever composed’.
This release marks the renewal of a landmark project begun in 1993 on the Decca label to record Mozart’s entire works for keyboard. It will be followed by the four final albums of the series later in 2023 and 2024.”
Não deixe de visitar essa postagem, se tiver tempo…
Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 19/10/2013.
Mesmo que só 9 das 24 faixas tenham letra de Vinicius de Moraes, este álbum me parece perfeitamente adequado numa celebração do seu centenário: afinal, ele foi uma das pessoas de maior participação no universo que gerou este gênero de “poemúsica”, embora mais tarde tenha tenha estado envolvido com outros gêneros que se poderiam dizer “menos clássicos”.
Para registro: os outros letristas são, por ordem de quantidade: o próprio Tom (4); Chico Buarque e Newton Mendonça (3 cada); Aloysio de Oliveira (2); Ray Gilbert, Dolores Duran e Johnny Alf (1 cada). Quanto à música, é maciçamente de Tom Jobim (19), complementada por Carlos Lyra (3), Baden Powell e Johnny Alf (1 cada).
Mas, neste álbum, o que mais me instiga a comentar é a cantora mesmo – e começo por dizer que no geral não sou muito chegado a cantores/as de voz pequena e monotímbrica, que com muita frequência dão a impressão de uma voz “engolida”, além de não facilitarem a compreensão das palavras. E confesso que demorei a perceber, mas esse definitivamente não é o caso de Nara Leão!
Tenho a impressão de que se alguém quisesse mostrar o que uma melodia é e expressa em si, apenas em sendo melodia, sem lhe acrescentar nada com efeitos de dinâmica e timbre, não haveria voz melhor que a de Nara para isso. Também se quisesse apresentar a poesia verbal associada à melodia com absoluta inteligibilidade, e na expressão mais simples possível que ainda seja tocante.
Limpidez. Nitidez. Expressão dosada em miligramas, que – uma vez o ouvido desiste de esperar arroubos e se conforma com o minimalista, o discreto – passa a parecer mais expressiva que aquela dosada em quilos. Uma sofisticação tão elevada que até parece absoluta simplicidade. Assim eu “ouvejo” o canto de Nara Leão desde que, aos 40 anos, um aluno de 17 ficou fascinado com a primeira gravação dela que ouviu, e me fez parar pra ouvir.
Por isso tenho esse canto na conta de clássico, num certo sentido no termo – e por isso também me parece especialmente chocante a pouca atenção que o país vem dando ultimamente a Nara, mais valorizada hoje em gravações e em páginas da net de outros países, de modo que não me parece supérfluo relembrar um pouquinho da sua vida e carreira.
Nara estaria com 71 anos se um câncer não nos a tivesse roubado aos 47 ( e “no-la” é a pqp, senhores puristas!). Nascida precisamente na cidade de onde escrevo (Vitória, ES) mas criada no Rio, aos 14 a garota começou a ter aulas de violão – e os pais tiveram o bom-senso de não recusar acolhimento ao pessoalzinho que começou a visitá-la pra papear e fazer som. Diz a lenda que foi no apartamento da adolescente Nara que a bossa nova nasceu. Na verdade não foi só lá… mas que ele fez sua contribuição significativa, isso fez.
Nara gravou pela primeira vez aos 19, em 1961 – e logo depois abraçou com paixão a política de esquerda, e a arte como instrumento dessa política, tornando-se “a musa da canção de protesto”, sobretudo a partir de 1964. Com tudo o que aconteceu nos anos seguintes, não é de estranhar que em 1971 estivesse em Paris, como “tanta gente que partiu” – isso quando não foi partida. E foi em Paris que gravou esta espécie de tributo aos primeiros anos da bossa nova, comemorativo também dos seus 10 anos de carreira – e em seguida parou de gravar por seis anos, dedicando-se “apenas” a cuidar dos filhos e a um doutorado em psicologia – até ficar sabendo, aos 35, que tinha um tumor cerebral. Reagiu como? Voltando a gravar e a se apresentar com afinco, como se quisesse deixar o mais que pudesse de coisas bonitas no mundo, nos doze anos que ainda viveu. Como se vê, não foram só as melodias que Nara soube percorrer com uma espécie de… grandeza sutil.
As primeiras 12 faixas do álbum são só de voz e violão (a primeira com um efeito um tanto estranho de playback, que parecia estar na moda explorar), enquanto as demais 12 trazem arranjos camerísticos, jamais desrespeitosos do volume da voz de Nara, assinados por Roberto Menescal, Luiz Eça e Rogério Duprat. Com o detalhe: voz e violão foram gravados em Paris, os demais instrumentos (inclusive um cravo!) no Brasil.
Querem saber de uma coisa? Frente a uma artista tão minimalista e sutil, já estou falando demais. Deixo-vos é com a própria.
Nara Leão: Dez Anos Depois (1971)
Disco 1, lado A
01 Insensatez (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
02 Samba de uma nota só (Tom Jobim – Newton Mendonça)
03 Retrato em branco e preto (Tom Jobim – Chico Buarque)
04 Corcovado (Tom Jobim)
05 Garota de Ipanema (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
06 Pois é (Tom Jobim – Chico Buarque)
Disco 1, lado B
07 Chega de saudade (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
08 Bonita (Tom Jobim – Ray Gilbert)
09 Você e eu (Carlos Lyra – Vinícius de Moares)
10 Fotografia (Tom Jobim)
11 O grande amor (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
12 Estrada do sol (Tom Jobim – Dolores Duran)
Disco 2, lado A
13 Por toda minha vida (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
14 Desafinado (Tom Jobim – Newton Mendonça)
15 Minha namorada (Carlos Lyra – Vinícius de Moraes)
16 Rapaz de bem (Johnny Alf)
17 Vou por aí (Baden Powell – Aloysio de Oliveira)
18 O amor em paz (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
Disco 2, lado B
19 Sabiá (Tom Jobim – Chico Buarque)
20 Meditação (Tom Jobim – Newton Mendonça)
21 Primavera (Carlos Lyra – Vinícius de Moraes)
22 Este seu olhar (Tom Jobim)
23 Outra vez (Tom Jobim)
24 Demais (Tom Jobim – Aloysio de Oliveira)
Publicado originalmente em 18.06.2010. Re-publicado em 25.01.2016 em um “pacote” de postagens que talvez se possa relacionar aos 161 anos da Revolta do Malês (negros letrados, portadores da alta cultura mandê) na Bahia.
A participação de afrodescendentes na construção do “clássico” brotado da Europa é um assunto riquíssimo ainda bem pouco explorado, no qual me fascinam especialmente dois violinistas.
Um, George Bridgetower, filho de um negríssimo escravo forro e de uma polonesa, entusiasmado pelo qual Beethoven compôs em uma semana a maior de suas sonatas para violino e piano. Um dia conto aqui sobre a estreia, talvez a primeira jam-session – e sobre a briga de bebedeira que levou o genioso gênio a re-dedicar a obra a Rudolph Kreutzer, que fez pouco caso e nunca a tocou.
O outro, o autor destes concertos, nascido em Guadeloupe, Caribe, de um nobre francês com sua escrava Nanon. Pouco depois, encrencas “correm” o pai de volta para a Europa, e este – milagre dos milagres na história da colonização! – em vez de abandonar mãe e filho leva-os consigo. Nanon parece ter sido uma espécie de segunda esposa mantida discretamente no ambiente doméstico, mas mesmo assim chegará a ser mencionada como “o mais belo presente que a África deu à França”, e o pequeno Joseph terá uma educação em letras e armas para nobre nenhum botar defeito. Aos 15 anos ingressa na guarda do rei, e aos 26 é mencionado como mestre “inimitável” na esgrima, mencionado nos tratados dessa arte dos séculos 19 e 20 como referência e com reverência (as idades são presumidas a partir de seu nascimento no Natal de 1745, data mais aceita, embora ainda disputada).
Porém aos 23 já havia sido chamado “inimitável” em outra arte: a do violino. Assume o posto de spalla numa das orquestras mais prestigiosas da Paris de então, a Concert des Amateurs, em cuja direção sucede Gossec quatro anos depois. É apenas a primeira das muitas sociedades musicais que dirigirá, posição que lhe permitirá, entre outras coisas, encomendar a Haydn a série de sinfonias que ficarão conhecidas como “parisienses”. Haydn tinha 53 anos por ocasião da encomenda, Saint-George 39 ou 40.
Oito anos antes, em 1777, Mozart chegara a Paris pela terceira vez. Havia poucos anos a cidade o havia aclamado ainda como garoto prodígio, mas agora já tem 21, deixou de ser novidade em mais de um sentido. Coincidentemente, nesse mesmo momento a estrela de Saint-George está brilhando a toda, inclusive com a estréia de sua “comédia com árias” Ernestine, com libreto do autor de As Ligações Perigosas, Choderlos de Laclos.Mozart escreve ao pai que a coisa está difícil; o pai o aconselha a procurar justamente o Concert des Amateurs, mas ao que parece o filho reluta, não sabemos a razão. O que sabemos é que indiferente à música de Saint-George, Mozart não ficou: têm sido apontadas semelhanças estilísticas e até mesmo temáticas entre obras suas desse momento, ou pouco posteriores, e obras de Saint-George publicadas pouco antes.
Desonra nenhuma para Mozart: é mesmo pelo acolhimento de influências e sua posterior transformação que qualquer artista se faz. Mas é sem dúvida honra para Saint-George, que ninguém menos que Mozart tenha considerado sua música digna de semelhante atenção!
Aos 45, apesar das origens aristocráticas, Joseph se junta à Revolução com o posto de coronel, logo assumindo o comando de um batalhão de negros e mestiços, entre eles o futuro pai do escritor Alexandre Dumas. Mas apesar de seus serviços terem sido decisivos para a vitória da Revolução (como foi demonstrando recentemente), nos anos do terror foi denunciado e mantido preso por um ano e meio, à espera da guilhotina. Embora indultado de última hora, sua saúde jamais voltou a ser a mesma, levando-a à morte com apenas 53 anos.
Se é verdade que seus últimos anos foram vividos com simplicidade, não o é o mito romântico de que Joseph Bologne de Saint-George tenha morrido esquecido: os jornais de Paris noticiaram sua morte como a de uma personalidade nacional. (Aproveito para mencionar que as grafias Bologne e Saint-George [sem s] foram adotadas aqui no lugar de Boulogne e de Saint-Georges de acordo com os estudos mais recentes).
O esquecimento quase total veio um pouco mais tarde, ao longo dos séculos 19 e 20. Em 1936 o violinista Marius Casadesus fez um primeiro esforço de revivê-lo, porém isso só veio acontecer de fato a partir de 1974, quando Jean-Jacques Kantorow espantou o mundo com gravações de algumas sonatas e concertos, entre os quais os dois postados aqui. [Ranulfus havia postado o LP brasileiro CBS Odissey, 1976, digitalizado por Avicenna. Na repostagem de 2023, trago o CD de 1990 com mais dois concertos, também gravados nos anos 70] De lá para cá têm surgido cada vez mais estudos, biografias e gravações, incluindo integrais dos concertos e dos quartetos (às quais infelizmente ainda não tive acesso).
Se posso fazer uma sugestão para a sua audição, é a seguinte: não preste atenção só no efeito geral, nem só nos momentos de arrebatamento dos solos: não deixe de reparar na qualidade da textura e/ou trama da parte orquestral, o tempo todo. Se depois disso você ousar dizer que Saint-George é um “compositor menor”, por favor já mande junto seu endereço postal, que minha carta-bomba não tardará…
Joseph Bologne, Chevalier de Saint-George
DOIS CONCERTOS PARA VIOLINO E CORDAS
Concerto em sol maior, op.8 nº 9
01 Allegro
02 Largo
03 Rondeau
Concerto em la maior, op.5 nº 2
04 Allegro moderato
05 Largo
06 Rondeau
Concerto em do maior, op.5 nº 1
07 Allegro
08 Andante moderato
09 Rondeau
Concerto em re maior, op.5 nº 2
10 Allegro maestoso
11 Adagio
12 Rondeau
Orquestra de Câmara Bernard Thomas
Jean-Jacques Kantorow, violino solo e regência
Gravação original Arion France, 1974/1976
Cécile Ousset é destas pianistas com imensa verve e domínio técnico. De forma generosa e incansável, ao longo da carreira, entregou-se ao lapidar da interpretação – às novas percepções e possibilidades… E o fez com cuidados de ourivesaria, tanto no repertório solo, quanto nas sonoridades massivas e grandiloquência dos concertos com orquestra…
Neste sentido, as bases da “escola russa”, realizada com Marcel Ciampi, final dos anos 40, em Paris, lhe proporcionaram vigor e aguçado controle técnico. De resto, personalidade e sensibilidade se agregaram à paixão e originalidade…
E no “concurso Queen Elizabeth”, 1956, vencido por Vladimir Ashkenazy, a pianista francesa, então com 20 anos, obteve 4° lugar, quem sabe, posição desconfortável para quem almejasse carreira internacional. Mas, se pensarmos que Lazar Berman e Tamas Vasary ficaram em 5ª e 6ª colocações, temos ideia do nível da competição e dimensão da jovem musicista…
Prodígio musical, Cécile Ousset ingressou no “Conservatório de Paris”, aos 10 anos, e estudou com Marcel Ciampi, que havia orientado Hephzibah e Yaltah Menuhin… E da pedagogia de Ciampi, dizia: “baseada na ‘escola russa’, não na francesa, o método era modelado em Anton Rubinstein, com ênfase em dedos fortes e ombros livres, para garantir precisão e ‘peso de braço’… Quando Ciampi percebeu meus dedos curvados, no clássico estilo francês, ficou horrorizado”. E mudou tudo…
A estreia profissional ocorreu na “salle Gaveau”, Paris, organizada por Arthur Rubinstein, ninguém menos, impressionado com a musicalidade e potencial da pianista. Membro do júri, no concurso “Marguerite Long – Jacques Thibaud”, de 1953, o polonês ficou descontente com o 4° lugar obtido por Cécile Ousset, então, com 17 anos… E, neste caso, opinião de Rubinstein foi premiação maior que qualquer classificação…
Finalmente, Cécile Ousset obteve 2° lugar no concurso “Busoni”, 1959, sem vencedor em 1° lugar… E ainda perseguida pelo número quatro, outra 4ª colocação, no concurso “van Cliburn”, 1962 – mas, sempre entre primeiros colocados… Tais competições eram e continuam sendo vitrines a projetar solistas e dar início à carreiras internacionais…
A projeção artística de Cécile foi gradual. E a partir dos anos 80, após substituir Martha Argerich no “Festival de Edimburgo”, Escócia, os convites aumentaram consideravelmente… Também, suas gravações ofereciam conjunto soberbo, onde destacavam-se autores românticos e repertório francês…
Entre público e crítica, em geral, há controvérsias e diversidade de opiniões… Mas, Cécile Ousset convida e conduz o ouvinte; seduz através do fraseado e das sonoridades; e com toque intenso, busca densidade e encantamento. Os registros de “Alborada del Gracioso” ou “Une barque sur l’océan”, de Ravel, são preciosos… E sua discografia oferece beleza e prazer. “The Musical Times” referiu-se como “pianista estimulante, pela robusta sonoridade e virtuosismo incontestável”, mas que ia além, “ao buscar clareza e colorido”…
Se pensarmos que sensorialidade e emotividade controlam o toque… E que, passo a passo, se descortinam efeitos sonoros e expressivos, que resultarão na concepção musical e poética… Então, imagine-se os desafios e possibilidades interpretativas de grandes obras musicais…
Assim, o pianismo de Ousset é um mundo sonoro a descobrir e encantar-se. E não por acaso, trabalhou com regentes do porte de Simon Rattle – a quem profetizou “brilhante carreira”, em 1985; além de Ghünther Herbig, Rudolf Barshai e Neville Marriner… E com Kurt Masur e a “Gewandhausorchester”, de Leipzig, obteve “Gran prix du Disque” da “Académie Charles Cros”, de Paris, com “2° concerto para Piano”, de Brahms…
Precisão e originalidade emergem de obras amplamente conhecidas e com renovado interesse, como “La campanella”, de Liszt; ou “Impromptu” op. 31 n°2, de Fauré. Mas, sobretudo, em obras de fôlego e alto romantismo, como a “Sonata em si menor”, de Liszt; “2ª Ballada” e sonata “Marcha fúnebre”, de Chopin; ou nas desafiantes “Variações s/ tema de Paganini”, de Brahms, revela-se a intérprete madura e soberana…
Capítulo especial ocupa a música francesa, em gravações integrais de Debussy e Ravel… Na imensa riqueza harmônica e variedades de cores e nuances, de “Ce qu’a vu le vent d’ouest”, “Poisson d’or” e “Feux d’Artifice”, de Debussy; ou de “Jeux d’eau”, “Le tombeau de Couperin” e “Valses nobles et sentimentales”, de Ravel…
E realizou notáveis performances em concertos para piano, marcadas pelas exuberantes sonoridades, expertises da “escola russa”, e pelo diálogo intenso com os conjuntos orquestrais, em Tchaikowsky, Grieg, Rachmaninov, Poulenc e Prokofiev; além de peculiar leitura das “33 Variações s/ valsa de Diabelli”, de Beethoven…
Também vocacionada para docência, a partir de 1984, passou a realizar “masterclasses” anuais, na vila medieval de Puycelsi, França; e inúmeros cursos nos USA, Canadá, Europa, Austrália e extremo Oriente; além de integrar júri em grandes competições, como “Van Cliburn”, “Rubinstein”, “Leeds” e “Queen Elisabeth”…
E pela contribuição artística, tornou-se patrona honorária do “Yaltah Menuhin Memorial Fund”, sediado na Holanda, em apoio à jovens músicos… Por fim, problemas de saúde levaram Cécile Ousset encerrar apresentações públicas, em 2006. Atualmente, conta 87 anos, com relevantes discografia e trajetória musical…
Download no PQP Bach
Cécile Ousset deixou belíssimo legado e ganhou abrangente edição da “Warner Classics” – Box com 16 CDs, excetuando-se o “2° concerto para Piano”, de Brahms, com Kurt Masur, que não integra a coleção…
Para download no PQP Bach, seguem três CDs:
CD 07, com obras de Franz Liszt – “Sonata em si menor” e “6 Études d’exécucion transcendante d’après Paganini”, piano solo…
CD 13, com obras de Maurice Ravel – “Valses nobles et sentimentales”, “Jeux d’eau”, “Menuet sur le nom de Haydn”, “Sonatine”, “Pavane pour une infante Défunte”, “Mirroirs”, piano solo…
CD 16, com obras de Maurice Ravel – “Concerto em Sol” e “Concerto para mão Esquerda”, para piano e orquestra, com “Birminghan Symphony Orchestra”, direção de Simon Rattle; e suíte “Le tombeau de Couperin”, piano solo…
1. Áudio youtube “EMI classics” – Claude Debussy, “Images, Book 2” – I. “Cloches à travers les feuilles”; II. “Et la lune descend sur le temple qui fut”; III. “Poissons d’or”, com Cécile Ousset…
2. Áudio youtube “Berlin classics” – Johannes Brahms, “2° concerto para piano e orquestra, em si bemol maior, op. 83”, com “Gewandhausorchester”, de Leipzig, direção Kurt Masur – “Gran prix du Disque”, da “Académie Charles Cros”, de Paris…
Movimentos: I. “Allegro nom troppo” – II. “Allegro appassionato” – III. “Andante” – IV. “Allegreto grazioso”. Para acessar áudio (Clique aqui).
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“Nesta edição, nossa gratidão e homenagem às mulheres!”
Como perguntou o querido René Denon aos demais pqpianos hoje: Deus faz aniversário? Uma boa questão, e a resposta varia de acordo com a religião de cada um. Para nós, que somos devotos de Johann Sebastian Bach, a resposta é sim, e é justamente hoje, 21 de março, que comemoramos a chegada do filho mais notório de Eisenach neste planetinha azul…
Dando prosseguimento às comemorações aqui no blog, um disquinho algo curioso: os concertos para 2, 3 e 4 pianos de Bach tocado por três grandes nomes da música alemã – Christoph Eschenbach (que também rege a Filarmônica de Hamburgo), Justus Frantz e o jovem talento Gerhard Oppitz – e um, digamos, pianista bissexto. Mas não um qualquer! Trata-se de Helmut Schmidt, que, na época dessas gravações (fevereiro de 1985), era “apenas” membro do parlamento e ex-chanceler da Alemanha, sucedendo ninguém menos do que Willy Brandt.
E a verdade é que Schmidt não faz feio (reforçando uma opinião já esboçada quando de sua gravação dos concertos de Mozart, ao lado de parte da turma desse disco). São gravações simpáticas, leves, que jogam luz sobre um repertório que não está entre os mais tocados do velho mestre. Um disco despretensioso, que não decepciona.
O encarte traz um trecho de um discurso proferido por Schmidt em Hamburgo por ocasião do 300º aniversário de Bach:
“Há dez anos, durante uma visita à Feira de Leipzig, nós escutamos uma cantata de Bach executada na Thomaskirche. A igreja estava lotada até o último assento. Nós ficamos calmamente observando aquele lugar. Nosso olhar caiu então sobre uma longa rosa vermelha caída sobre o chão. Um exame mais detido mostrou que ela repousava sobre uma placa memorial. Sua simplicidade, sem adornos, trazia o nome e as datas de Johann Sebastian Bach. Eu fui tomado por uma indescritível sensação. Ali em sua Thomaskirche, ouvindo sua música, eu tomei consciência de tudo que, ao longo de toda minha vida, me fez ser grato pela música de Bach.
A música é um fenômeno cultural internacional, trans-nacional. Viver sem música – esse poderia ser o destino de uma geração que afunda em meio a um mar de ruídos. A cultura musical é algo que deve ser sempre preservado e recriado. Devemos, por isso, assegurar que se cante e que se toque música em nossos lares e escolas, para que as novas gerações aprendam a encontrar a alegria que a música oferece a elas.”
Este é um disco também muito bom — é outro dos que me foram enviados por FDP Bach, mas que confusão fez a grande, enorme, imensa e admirável Hyperion? Que mistureca foi essa de enfiar Pequenos Prelúdios, Sonatas e outras coisas antes, entre e depois das verdadeiras estrelas dos CDs, as Suítes Francesas? Não creio que alguém possa me explicar o motivo desta bisonha opção. Os CDs? Bá, a interpretação é excelente. Baixe logo. Tá esperando o quê?
Em comentário à potagem anterior desta série, Barto Lima resumiu tudo e disse mais:
Muito bem PQP! Essa Pianista é realmente estrondosa, estupenda! Técnica perfeita e “muitíssimo” musical. Ela consegue realçar motivos, partes do fraseado ou notinhas que a maioria deixa “prá lá”, dando um equilíbrio musical maravilhoso por onde ela mexe. É precisão rítmica, sentido dos andamentos, dinâmica tocante, deixa a gente todo “embasbacado”, mas feliz!
E quanto a essa questão de pronúncia… Tudo bem, já que ela é canadense! Mas na Alemanha qualquer um dirá “Ânguela Hê-Vit” e nem por isto ela deixa de “ficar” também por lá. Certas “preciosidades” com o inglês… será que valem a pena? Em outras línguas, que não a nativa, se pronuncia, por aqui e por toda parte, quase tudo “errado” (sobretudo os americanos!). E aí?
J. S. Bach (1685-1750): Suítes Francesas completas e mais (Hewitt)
Disc: 1
1. Sonata In D Minor, BWV964: Adagio
2. Sonata In D Minor, BWV964: Fuga: Allegro
3. Sonata In D Minor, BWV964: Andante
4. Sonata In D Minor, BWV964: Allegro
5. French Suite No. 1 In D Minor, BWV812: Allemande
6. French Suite No 1 In D Minor, BWV812: Courante
7. French Suite No. 1 In D Minor, BWV812: Sarabande
8. French Suite No. 1 In D Minor, BWV812: Menuet I And II
9. French Suite No. 1 In D Minor, BWV812: Gigue
10. French Suite No. 2 In C Minor, BWV813: Allemande
11. French Suite No. 2 In C Minor, BWV813: Courante
12. French Suite No. 2 In C Minor, BWV813: Sarabande
13. French Suite No. 2 In C Minor, BWV813: Air
14. French Suite No. 2 In C Minor, BWV813: Menuet I And II
15. French Suite No. 2 In C Minor, BWV813: Gigue
16. French Suite No. 3 In B Minor, BWV814: Allemande
17. French Suite No. 3 In B Minor, BWV814: Courante
18. French Suite No. 3 In B Minor, BWV814: Sarabande
19. French Suite No. 3 In B Minor, BWV814: Anglaise
20. French Suite No. 3 In B Minor, BWV814: Menuet And Trio
21. French Suite No. 3 In B Minor, BWV814: Gigue
22. Six Little Preludes: Prelude In C Major, BWV 924
23. Six Little Preludes: Prelude In G Minor, BWV 930
24. Six Little Preludes: Prelude In D Major, BWV 925
25. Six Little Preludes: Prelude In D Minor, BWV 926
26. Six Little Preludes: Prelude In F Major, BWV 927
27. Six Little Preludes: Prelude In F Major, BWV 928
Disc: 2
1. Six Little Preludes: Prelude In C Major, BWV 933
2. Six Little Preludes: Prelude In C Minor, BWV 934
3. Six Little Preludes: Prelude In D Minor, BWV 935
4. Six Little Preludes: Prelude In D Major, BWV 936
5. Six Little Preludes: Prelude In E Major, BWV 937
6. Six Little Preludes: Prelude In E Minor, BWV 938
7. Six Little Preludes: Prelude In C Major, BWV 939
8. Six Little Preludes: Prelude In D Minor, BWV 940
9. Six Little Preludes: Prelude In E Minor, BWV 941
10. Six Little Preludes: Prelude In A Minor, BWV 942
11. Six Little Preludes: Prelude In C Major, BWV 943
12. Six Little Preludes: Prelude In C Minor, BWV 999
13. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Praeludium
14. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Allemande
15. French Suite No. 4 In E Flat Majoe, BWV815: Courante
16. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Sarabande
17. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Gavotte I
18. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Gavotte II
19. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Menuet
20. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Air
21. French Suite No. 4 In E Flat Major, BWV815: Gigue
22. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Allemande
23. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Courante
24. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Sarabande
25. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Gavotte
26. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Bourree
27. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Loure
28. French Suite No. 5 In G Major, BWV816: Gigue
29. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Allemande
30. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Courante
31. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Sarabande
32. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Gavotte
33. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Polonaise
34. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Bourree
35. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Menuet
36. French Suite No. 6 In E Major, BWV817: Gigue
37. Prelude And Fugue In A Minor, BWV894: Prelude
38. Prelude And Fugue In A Minor, BWV894: Fugue
Faz uns três ou quatro meses que o blog recebeu este presente. Como sou muito sacana, demorei a entregá-lo para vocês… Não, não é bem assim: na verdade achei tão extraordinário o CD, uma realização artística tão impressionante do Emerson String Quartet, que o reservei para uma data especial, um aniversário de Johann Sebastian ou… ou… a ocasião da centésima postagem de Bach em nosso blog. Sim, se você for na coluna da direita onde está a lista de compositores postados, você deverá encontrar um “Bach, J.S. (100)”. Cem CDs de papai num blog que se aproxima dos 1000 CDs!
(Esta postagem é antiga. Hoje temos 778 posts de J. S. Bach, 7479 publicações e muito mais CDs do que isto).
Ouso dizer que o P.Q.P. Bach, fundado por mim numa feia manhã de sábado para substituir os e-mails que enviava a amigos que precisavam de uma ou outra obra — pois sempre achei obsceno alguém possuir uma vasta biblioteca ou cedeteca se não fosse para emprestar, distribuir, divulgar ou, como dizemos em nosso “editorial”, polinizar –, hoje tem um acervo respeitável e variado. Orgulho-me muito deste blog que se tornou coletivo após duas semanas de existência, com o ingresso do mano F.D.P., e que depois recebeu outros colaboradores, um melhor que o outro.
Mas voltemos a esta versão da Arte da Fuga: imaginem que, dos 28 ouvintes que escreveram a respeito deste CD para a Amazon, 25 deram-lhe 5 estrelas — a pontuação máxima — e 3 deram 4.
Vou copiar aqui os dois primeiros parágrafos do capítulo sobre A Arte da Fuga do livro 48 variações sobre Bach de Franz Rueb:
Muitos músicos confessam que a Arte da Fuga é uma daquelas obras da arte universal, diante da qual só é possível calar. A obra seria o somatório da profissão de fé musical de Bach, e seu conteúdo metafísico a colocaria no limiar de outro mundo. Ela seria “a abstração na música”, “a forma pura”, “um sopro de ar claro e gelado”, “uma caixa fria” repleta de invenções melódicas cheias de vida. (…) Wolfgang Rihm escreveu: O único espaço sonoro para a realização dessa música continua sendo aquele reservado ao pensamento, situado debaixo da caixa craniana. Esse espaço, porém, é o mais amplo de todos, desde que se possa conceber em pensamento tal realidade sonora.”
Adorno chamou a Arte da Fuga de economia de motivos. Para ele, o tema é esgotado até me seus mínimos componentes e disso resulta algo perfeito. A obra seria a arte da dissecação. O resultado é uma forma de quase insuperável precisão: a fuga. O cruzamento magistral da grande e da pequena ordem, das grandes e das pequenas formas. Com a Arte da Fuga, Bach teria se voltado para o passado e para o futuro. Nela, porém, o mais importante não seria a técnica, nem as leis do ofício da música, mas expressão musical.
Bom, o que o Emerson consegue aqui… Nem vou começar a enfileirar elogios. Só vou repetir:
IM-PER-DÍ-VEL !!!
Bach – A Arte da Fuga
1. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus I 3:04
2. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 2 2:44
3. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 3 2:31
4. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 4 3:30
5. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 5 2:32
6. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 6 4:10
7. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 7 3:07
8. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 8 Eugene Drucker 4:54
9. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 9 2:13
10. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 10 3:02
11. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 11 4:43
12. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 14a: Canon per Augmentationem in contrario motu Eugene Drucker 5:18
13. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 12a 1:49 $0.45
14. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 12b 1:53 $0.45
15. The Art of Fugue, BWV 1080 – Canon alla Ottava Lawrence Dutton 4:02
16. The Art of Fugue, BWV 1080 – Canona alla Decima, in Contrapunto alla Terza Eugene Drucker 3:42
17. The Art of Fugue, BWV 1080 – Canon alla Duodecima in Contrapunto alla Quinta Philip Setzer 4:12
18. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 13a Philip Setzer 2:06
19. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 13b Eugene Drucker 2:09
20. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 14: Canon per Augmentationem in contrario motu Philip Setzer 6:53
21. The Art of Fugue, BWV 1080 – Contrapunctus 14(18): Fuga a 3 Soggetti 8:06
22. The Art of Fugue, BWV 1080 – Chorale: Wenn wir in höchsten Nöten sein 3:16
Emerson String Quartet
Eugene Drucker, violin
Philip Setzer, violin
Lawrence Dutton, viola
David Finckel, cello
Só para ouvir Liberty City e lembrar do melhor programa do rádio brasileiro — o extinto A Hora do Jazz, de Paulo Moreira — já valeria a pena baixar esta obra-prima de Jaco Pastorius (John Francis Anthony Pastorius III, nascido em 1 de dezembro de 1951 e falecido em 21 de setembro de 1987). Este Truth, Liberty & Soul foi gravado ao vivo em 1982 em Nova Iorque. Houve muitos deuses da guitarra, mas nunca houve um deus baixista como Jaco Pastorius. Genial e imaginativo, ele comportava-se loucamente, era drogado e convencido como as estrelas do jazz do passado. Também era dono de uma sofisticação harmônica inalcançável. Segundo o próprio, suas principais influências musicais foram “James Brown, Beatles, Miles Davis, e Stravinsky, nessa ordem”. Além desses, Jaco cita outros nomes como Jerry Jemmott, James Jamerson, Paul Chambers, Harvey Brooks, Tony Bennett, Sinatra, Duke Ellington, Charlie Parker, e com especial atenção o nome de Lucas Cottle, um desconhecido baixista neozelandês que tem algumas gravações a seu lado. Uma das maiores homenagens prestadas a ele, foi registrada por Miles Davis, que gravou a música Mr. Pastorius, composição do baixista Marcus Miller, lançada no álbum Amandla. Se você nunca ouviu o Fender Jazz Bass dele — sim, sei que o importante é ter saúde –, está perdendo boa parte do que a vida e a alegria têm a oferecer. Não vou falar sobre a morte estúpida de Pastorius aos 35 anos, ainda mais após ouvir esta obra-prima.
Jaco Pastorius: Truth, Liberty & Soul
Disc One
1. Invitation (13:04)
2. Soul Intro/The Chicken (9:10)
3. Donna Lee (13:18)
4. Three Views to a Secret (6:38)
5. Liberty City (10:10)
6. Sophisticated Lady (7:43)
7. Bluesette (5:31)
Disc Two
1. I Shot the Sheriff (6:55)
2. Okonkolé y Trompa (15:07)
3. Reza/Giant Steps (Medley) (10:19)
4. Mr. Fonebone (10:37)
5. Bass and Drum Improvisation (14:05)
6. Twins (2:53)
7. Fannie Mae (5:55)
WORD OF MOUTH BIG BAND
Jaco Pastorius – bass, vocals
Bob Mintzer – tenor and soprano saxophones, bass clarinet
Randy Brecker – trumpet
Othello Molineaux – steel drums
Don Alias – percussion
Peter Erskine – drums
SAXOPHONES
Bob Stein – alto saxophone
Lou Marini – tenor saxophone
Frank Wess – tenor saxophone
Howard Johnson – baritone saxophone
Randy Emerick – baritone saxophone
TRUMPETS
Alan Rubin
Lou Soloff
Jon Faddis
Ron Tooley
Kenny Faulk
TROMBONES
David Taylor
Jim Pugh
Wayne Andre
FRENCH HORNS
John Clark
Peter Gordon
TUBA
David Bargeron
Special Guest:
Toots Thielemans
(harmonica on “Three Views of a Secret,” “Liberty City,” “Sophisticated Lady,””Bluesette,” “I Shot the Sheriff,” “Mr. Fonebone” and “Fannie Mae”)
Um CD que vale mais pelos intérpretes do que pela música de Fasch. Gostar mesmo, só gostei do primeiro movimento do Concerto para 2 oboés, 2 violas e dois fagotes e baixo contínuo, além do inteiramente bom Concerto para trompete, 2 oboés e cordas que fecha o CD. Il Gardellino é um conjunto instrumental holandês de música barroca, fundado em 1988 por iniciativa do oboísta holandês Marcel Ponseele e do flautista Jan De Winne. O nome foi derivado de uma peça de Vivaldi para flauta transversal, oboé, violino, fagote e continuo Il Gardellino. O conjunto toca em instrumentos de época. Como se diz agora, são historicamente informados… Obras de Johann Sebastian Bach são seu foco, mas também se interessam por seus contemporâneos como Johann Friedrich Fasch, Carl Heinrich Graun, Handel, Johann Gottlieb Janitsch, Telemann e Vivaldi.
Johann Friedrich Fasch (1688-1758): Concertos para vários instrumentos
01. Concerto in D for 3 Trumpets, timpani, 2 oboes, violin, strings, B.C. – I. Allegro
02. Concerto in D for 3 Trumpets, timpani, 2 oboes, violin, strings, B.C. – II. Andante
03. Concerto in D for 3 Trumpets, timpani, 2 oboes, violin, strings, B.C. – III Allegro
04. Concerto in B minor for flute, oboe, strings, B.C. – I. Allegro
05. Concerto in B minor for flute, oboe, strings, B.C. – II. Largo
06. Concerto in B minor for flute, oboe, strings, B.C. – III. Allegro
07. Concerto in G for 2 oboes, 2 violas, 2 bassons, B.C. – I. Un poco allegro
08. Concerto in G for 2 oboes, 2 violas, 2 bassons, B.C. – II. Air
09. Concerto in G for 2 oboes, 2 violas, 2 bassons, B.C. – III. Allegro
10. Concerto in G for 2 oboes, 2 violas, 2 bassons, B.C. – IV. Menuet
11. Concerto in D for 2 flutes, strings, B.C. – I. Allegro
12. Concerto in D for 2 flutes, strings, B.C. – II. Andante
13. Concerto in D for 2 flutes, strings, B.C. – III. Allegro
14. Concerto in C minor for basson, 2 oboes, strings, B.C. – I. Allegro
15. Concerto in C minor for basson, 2 oboes, strings, B.C. – II. Largo
16. Concerto in C minor for basson, 2 oboes, strings, B.C. – III. Allegro
17. Concerto in D for trumpet, 2 oboes, strings, B.C. – I. Allegro
18. Concerto in D for trumpet, 2 oboes, strings, B.C. – II. Largo
19. Concerto in D for trumpet, 2 oboes, strings, B.C. – III. Allegro (tempo di menuetto)
Talvez o Quinteto para Clarinete seja a obra de Brahms que mais amo. Brahms já tinha parado de compor quando ouviu Richard Mühlfeld, um clarinetista virtuoso, tocar. Gostou. Curioso notar que Mozart também se interessou pelo clarinete ao ouvir o famoso Anton Stadler. Mozart dedicou a Stadler várias obras, incluindo o Quinteto para Clarinete e Cordas e o Concerto para Clarinete, que estão entre suas maiores realizações. A história de Brahms com Richard Mühlfeld é a mesma. Ele viria a dedicar ao instrumentista seu Quinteto para Clarineta e Cordas, Op. 115, e outras obras para clarinete, como as duas Sonatas. Além disso, há outra relação entre os dois compositores: Brahms usou em sua peça a mesma estrutura do Quinteto de Mozart. O Quinteto de Brahms é geralmente considerado outonal, até mesmo nostálgico, mas há aspectos mais sombrios e mais vigorosos.
O belíssimo Concerto Duplo para Violino e Violoncelo de Brahms tem origem curiosa. Será verdade que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”? Pois este polêmico ditado não foi seguido por Brahms. Em 1884, o célebre violinista Joseph Joachim e sua mulher se separaram depois que ele se convenceu de que ela mantinha uma relação com o editor de Brahms, Fritz Simrock. Brahms, certo de que as suposições do violinista eram infundadas, escreveu uma carta de apoio à Amalie, a esposa, que mais adiante seria utilizada como prova no processo de divórcio que Joseph moveu contra ela. Este fato motivou um resfriamento das relações de amizade entre Joachim e Brahms, que depois foram restabelecidas quando Brahms escreveu o Concerto para Violino e Violoncelo e o enviou a Joachim para fazer as pazes. Acontece. Mas por que o violoncelo? Ora, a combinação inusitada — este é o primeiro concerto escrito para esta dupla de instrumentos — surgiu porque o violoncelista Robert Hausmann, amigo comum de Brahms e Joachim, pedira um concerto ao compositor. Então, o compositor encontrou uma forma de satisfazer ao violoncelista , ao mesmo tempo que reconquistava a amizade do violinista. Clara Schumann escreveu em seu diário: “O Concerto é uma obra de reconciliação. Joachim e Brahms falaram um com o outro novamente.”
Após completar sua Sinfonia Nº 4 em 1885 e embora tenha vivido mais doze anos depois de completá-la, Brahms produziu apenas mais uma obra orquestral, e esta não foi uma sinfonia, mas este concerto. E não era um concerto solo comum, mas sim uma composição que uniu pela primeira vez a forma de violino e violoncelo. Mozart fez os não tão díspares solistas de violino e viola quase se enfrentarem em sua Sinfonia Concertante. Beethoven fez o mesmo em seu Concerto Triplo Concerto, juntando piano, violino e violoncelo. Mas aqui nós temos realmente um casamento. O violoncelo introduz a maioria dos temas, mas há muitos trechos onde um acompanha o outro. Há menos exploração de contrastes violino-violoncelo de Brahms, que se baseia menos na exploração das individualidades contrastantes do casal solista, mas em sua capacidade de viverem felizes juntos. O Concerto possui uma enorme riqueza de ideias que são trabalhadas com a extrema habilidade.
Brahms fez o violoncelo e o violino se fundirem em vez de projetar identidades separadas e talvez conflitantes. Há muitos uníssonos e trechos onde um instrumento acompanha o outro. Exigências artísticas como essas são feitas ao longo do Concerto Duplo. Durante o período de testes do Concerto, tanto Joachim quanto Hausmann aconselharam o compositor sobre algumas questões técnicas de seus respectivos instrumentos.
Johannes Brahms (1833-1897): Concerto Duplo e Quinteto para Clarinete (Capuçons)
Double Concerto For Violin, Cello And Orchestra In A Minor (En La Mineur . A-Moll) Op.102
1 I Allegro 18:05
2 II Andante 7:48
3 III Vivace Non Troppo 8:32
Clarinet Quintet In B Minor (En Si Mineur . H-Moll) Op.115
4 I Allegro 12:41
5 II Adagio 11:05
6 III Andantino 4:37
7 IV Finale, Con Moto 8:47
Limpo como a água de um rio sem qualquer traço de poluição, com as borbulhas suaves de uma cachoeira nesse rio, o som do saxofone de Wayne Shorter pode ser comparado à pureza da voz de Milton Nascimento. E por um desses acasos da vida, os dois se tornaram bons amigos. Em sua longa carreira, Shorter gravou uma imensa discografia: aqui no blog, não faz tanto tempo que PQP postou um dos seus principais álbuns como instrumentista e compositor: Schizophrenia, de 1967. Anos antes, com Freddie Hubbard (trompete) e McCoy Tyner (piano), ele participou do grande álbum Ready for Freddie (1962). Vejamos a seguir outros momentos da discografia de Wayne Shorter em dois álbuns que não têm o seu nome na capa, mas que têm nele, como compositor, instrumentista, arranjador, um dos pilares de construções musicais coletivas.
Menos conhecido que álbuns mais dançantes e acelerados como Bitches Brew, Filles de Kilimanjaro é um disco do início da fase de experimentações de Miles Davis e seu grupo com instrumentos elétricos. Um delicioso disco mais calmo, cheio de floreios de blues lento, com bastante destaque para o sax tenor de Shorter e para o piano elétrico Fender Rhodes de Herbie Hancock. A linda mulher da capa é Betty Gray Mabry – depois Betty Davis – que se casou com Miles em 1968. O casamento durou apenas cerca de um ano, mas tudo indica que foi Betty quem fez Miles escutar a música psicodélica de gente como Jimi Hendrix, além de apresentar o guitarrista – amigo dela – ao trompetista. A faixa Mademoiselle Mabry também é uma referência a Mabry e se baseia em um dos riffs mais suaves de Hendrix, o da balada The wind cries Mary, lançada em 1967.
Em álbuns posteriores como o já citado Bitches Brew (“Miles wanted to call it Witches Brew, but I suggested Bitches Brew and he said, ‘I like that’.” – Betty Davis), com a chegada da guitarra elétrica de John McLaughlin e de dois ou três percussionistas, Wayne Shorter teria menos destaque no grupo de Miles, do qual ele sairia em 1970 para fundar o grupo fusion Weather Report com o tecladista Joe Zawinul.
Miles Davis Quintet: Filles de Kilimanjaro
1. Frelon Brun
2. Tout de Suite
3. Petits Machins
4. Filles de Kilimanjaro
5. Mademoiselle Mabry
6. Tout de suite (alternate take)
Miles Davis – trumpet
Wayne Shorter – tenor saxophone
Herbie Hancock – electric piano on “Tout de Suite”, “Petits Machins”, and “Filles de Kilimanjaro”
Chick Corea – piano, RMI electra-piano on “Frelon Brun” and “Mademoiselle Mabry”
Ron Carter – electric bass on “Tout de Suite”, “Petits Machins”, and “Filles de Kilimanjaro”
Dave Holland – double bass on “Frelon Brun” and “Mademoiselle Mabry”
Tony Williams – drums
Recorded: June-September 1968, New York City, USA
Os discos mais famosos do Weather Report são aqueles com o fenomenal baixista Jaco Pastorius. Mas este Procession, de 1983, pouco após a saída de Jaco, é um outro interessante momento da discografia de Wayne Shorter que não merece ser esquecido. Se a faixa Where the Moon Goes, que dá início ao lado B do LP, inclui um coral com efeitos que alguns ouvidos não vão aprovar (os meus desaprovam), nas composições de Shorter – Plaza Real e The Well – temos aquele sax de som puro e calmo que mencionei lá em cima, associado aos sons muito originais dos sintetizadores de Zawinul e ao pau comendo nas percussões, que utilizam inovações dos anos 1980 sem soarem bregas, ao contrário de outros bateristas que abusararam de reverb e outros efeitos de gosto duvidoso naquela década.
Weather Report: Procession
1. Procession (Josef Zawinul)
2. Plaza Real (Wayne Shorter)
3. Two Lines (Zawinul)
4. Where the Moon Goes (Zawinul, lyrics by Nan O’Byrne and Zawinul)
5. The Well (Shorter, Zawinul)
6. Molasses Run (Omar Hakim)
Josef Zawinul – keyboards
Wayne Shorter – tenor and soprano saxophones
Omar Hakim – drums, guitar, vocals
Victor Bailey – bass
José Rossy – percussion, concertina
The Manhattan Transfer – vocals on “Where the Moon Goes”
Entre as características inerentes à música, há uma dualidade essencial que parece se manifestar de forma mais cristalina quando se trata da chamada música clássica: a questão da presença. Se, por um lado, a experiência de um concerto ao vivo nos desperta uma série de sensações (físicas, espirituais, anímicas) que nascem da vivência coletiva de compartilhar o silêncio com outras pessoas para escutar algo em comum, por outro a música gravada tem uma capacidade ímpar entre as artes de nos transportar para outros tempos, outros lugares e mundos.
Há algo de quase mágico em poder sentar-se em casa na terceira década do terceiro milênio da era cristã e escutar, em detalhes, o que fizeram gente como Glenn Gould, Birgit Nilsson, Msitslav Rostropovich ou Guiomar Novaes. É uma riqueza inestimável, uma Cocanha eterna de beleza, verdade e sentimento.
Nesse sentido, o disco de hoje é histórico no mais profundo dos sentidos — com toda a grandeza trágica que isso carrega consigo. Trata-se da gravação da Nona Sinfonia, em Ré menor, de Gustav Mahler (1860-1911), feita por Bruno Walter à frente da Orquestra Filarmônica de Viena, em 16 de janeiro de 1938, no Musikverein, no centro da capital austríaca.
Ao parágrafo anterior, adiciono duas informações. A primeira é que a estreia da obra, já após a morte do compositor, foi em 1912 com o mesmo Bruno Walter à frente da mesma Filarmônica de Viena. A segunda é que semanas após essa gravação as tropas nazistas invadiram a Áustria e a orquestra expurgou os membros judeus do grupo, incluindo o próprio maestro Walter, que terminaria por emigrar para os Estados Unidos e se tornaria diretor artístico da Filarmônica de Nova York, uma parceria mitológica.
Sinfonias são, afinal, manchas de tinta preta em uma página em branco; sinais que, traduzidos pelos músicos, viram sons organizados no tempo. A equação é simples, mas contém em si esse elemento de infinitas possibilidades que é o ser humano. Escutar a Filarmônica de Viena naquele janeiro de 1938, o último respiro antes de um longo abismo de trevas, é sentir a urgência daquele momento, naquele lugar.
Frente a tudo isso, penso que devo me furtar a falar qualquer coisa mais sobre esse disco; tudo correria o risco de soar banal frente ao absoluto feito histórico que é essa gravação ter sobrevivido a um dos períodos mais terríveis da história da humanidade. O disco é um testemunho de um mundo que desabaria para nunca mais ser o mesmo. A guerra foi uma mancha que transformou a tudo que tocou, e para a sociedade vienense daquele final de década o impacto foi profundo. O pesadelo estava apenas começando.
Gustav Mahler (1860-1911)
Sinfonia no. 9 em Ré menor (1912)
1. Andante comodo
2. Im Tempo eines gemächtlichen Ländlers
3. Rondo – Burleske
4. Adagio
Orquestra Filarmônica de Viena Bruno Walter, regência
… e como ninguém vem ao nosso programa e sai de mãos vazias, um pequeno bônus para esse post: o áudio de Walter ensaiando a mesma Nona em um contexto bem diferente: 1962, Los Angeles, à frente da Columbia Symphony Orchestra. Que tesouro, que acontecimento que é escutar alguns minutos desse ensaio! Conseguimos ter uma pequena amostra da maneira de trabalhar de Walter na preparação para um estúdio de gravação. O homem que regeu a estreia da peça, amigo pessoal do velho Gustav! Wahnsinn, como dizem os alemães.
Olhando assim, Michael Landau não parece um guitarrista de rock. Sua natureza discreta guarda no currículo atuações junto a Joni Mitchell, James Taylor, Pink Floyd e… também Miles Davis, para citar alguns. Mas ele tem um grupo fantástico a seu serviço. Um discreto grupo fusion. É rock e blues com belas improvisações. Porém, ao contrário de alguns de seus contemporâneos roqueiros, Landau evita frescuras de guitar hero, concentrando seus talentos na criação de peças musicais que nos tocam em um nível mais profundo. Cada faixa é independente, mas leva você para a próxima. Não é um CD não superproduzido, mas também não é áspero. Como diz o título, é orgânico. Todas as composições são ótimas, com excelentes atuações de todos os envolvidos. Minhas preferidas são Delano, Smoke e Big Sur Howl.
.: interlúdio :. The Michael Landau Group: Organic Instrumentals
1 Delano
Bass – Jimmy Haslip
Drums – Charley Drayton
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
2 Sneaker Wave
Bass – Teddy Landau
Drums – Vinnie Colaiuta
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar, Bass – Michael Landau
3 Spider Time
Bass – Jimmy Haslip
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ], Piano – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
4 The Big Black Bear
Bass – Andy Hess
Drums – Gary Novak
5 Karen Mellow
Bass – Andy Hess
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
6 Ghouls And The Goblins
Bass – Chris Chaney
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
7 Big Sur Howl
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Flugelhorn – Walt Fowler
Guitar – Michael Landau
8 Woolly Mammoth
Bass – Andy Hess
Drums – Charley Drayton
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
9 Smoke
Electric Organ [Hammond Organ], Organ [Estey Reed Organ], Carillon – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
A música de Fauré é tímida. Ela não bate na porta pedindo para entrar. Você é que tem que convidá-la para se acomodar. Ela não grita chamando você, não chama sua atenção, tem que ser convidada, repito. Depois disso você poderá fruir de algumas das melhores obras low profile deste planeta, uma curiosa e discreta ligação entre romantismo e modernismo. Neste CD, o Schubert Ensemble traz requintadas e compreensivas versões destas duas obras extraordinárias do compositor. O pianista William Howard traz uma leveza de toque à parte de piano, timidamente virtuosa. O grupo é apaixonado pela música de Fauré e, nos últimos anos, deu muitos recitais com estes quintetos reflexivos e altamente individuais. Fauré foi aluno de Saint-Saëns e professor de Ravel. Sua fluidez acontece aparentemente sem esforço, mas se você ouvir atentamente seus Quintetos para Piano, ouvirá grandes dramas, tensões e profunda emoção, tudo habilmente demonstrado. “A música de câmara”, escreveu Fauré, “é a verdadeira música e a expressão mais sincera de uma personalidade genuína.” E em sua música de câmara ele conseguiu algo efetivamente notável.
Gabriel Fauré (1845-1924): Quintetos para Piano Nº 1 e 2 (Schubert Ensemble)
Piano Quartet No.1 in C minor, Op.15 (1876-79)
1 – I. Molto moderato
2 – II. Adagio
3 – III. Allegretto moderato
Piano Quintet in C minor, Op. 115 (1919-21)
5 – I. Allegro moderato
6 – II. Allegro vivo
7 – III. Andante moderato
8 – IV. Allegro Molto
The Schubert Ensemble Of London:
Piano – William Howard
Cello – Jane Salmon
Viola – Douglas Paterson
Violin – Maya Koch, Simon Blendis
Como uma personagem de Virginia Wolf, Domenico Scarlatii viveu duas vidas em uma. Até seus quase quarenta anos seguiu o modelo e imposições de seu pai, Alessandro Scarlatti, compositor de óperas napolitano. A música que produziu nesta vida – essencialmente óperas e música litúrgica sacra, não é má (há um disco de John Eliot Gardiner regendo o famoso Monteverdi Choir no qual você pode ouvir um Stabat Mater), mas não chega levantar a plateia. A morte de um Scarlatti permitiu o nascimento (ou o renascimento) do outro. Domenico, ou Domingo, como viria a ser conhecido em sua nova vida, deixou seu cargo como Diretor Musical da Basílica de São Pedro, onde trabalhava para o Cardeal Ottoboni e também servia a Rainha da Suécia, e rumou para o Oeste!
Podemos mudar de vida, mas certos hábitos são do tipo ‘die hard’. Domingo Scarlatti foi servir a Casa Real de Portugal e ficou encarregado de dar lições de cravo para a Princesa Maria Bárbara de Bragança. A garota era longe de ser bonita e seria feia caso não fosse princesa, mas era ótima aluna e se tornou Rainha da Espanha. Tudo isso para nossa (e de Domenico) sorte. Pois que o marido dela, Fernando, também apreciava a música.
Como parte da entourage do casal real, Scarlatti teve sua subsistência para lá de garantida – morou em linda casa em Madri e a rainha também lhe socorria quando havia problemas devido aos pecadilhos dos jogos. Ele chegou mesmo a ser Cavaleiro da Ordem de Santiago, que lhe garantia o direito de usar roupas de veludo e seda, assim como anéis, colares e até mesmo um chapéu também de veludo.
Este luxo todo foi recompensa pela criatividade que desabrochou neste novo Scarlatti e o fez produzir mais de 500 sonatas – uma novidade após a outra. Incrementadas por sabores e sons de Espanha, elas deram ar da graça em 1738, quando trinta delas foram publicadas e depois republicadas em Londres, com mais doze acrescentadas ao lote.
Toda essa obra foi preservada em cópias lindamente manuscritas e encadernadas com capas de couro, a mando da Rainha. Essa verdadeira música de Scarlatti nunca deixou de encantar os apaixonados pela música de teclado, Frederico Chopin sendo um deles, e eu adoro ouvi-las interpretadas ao piano, como é o caso neste álbum mesmo espetacular. Ouça as três primeiras sonatas do disco e terás uma perspectiva do que está pela frente… Uma faixa melhor do que a outra. Se fores ouvir uma só, para alegrar seu dia, ouça a faixa No. 7, que aqui chamamos ‘A Espivetada’. E se estiver sobrando mais um tempinho, e precisares de um bom momento de reflexão, vá para a faixa No. 12, a Sonata Reflexiva!
O pianista Wolfram Schmitt-Leonardy gravou álbuns para o selo Brillant com música de Chopin e Schumann e Brahms, entre outros. Este disco com música de Scarlatti é o primeiro que eu ouço, mas fiquei animado para conhecer mais suas interpretações. Os Prelúdios de Chopin estão já na minha lista de futuras audições…
Wolfram Schmitt-Leonardy was born in Saarlouis, Germany, in 1967, and his first important teacher was a student of Walter Gieseking and Edwin Fischer. His quintessentially pianistic approach to Scarlatti exploits all the colouristic possibilities of a modern grand, while articulating the quick sonatas with sparkling deftness of touch.
Antes deste disco eu costumava ver Claudio Monteverdi como uma figura de valor histórico, compositor que desempenhara um papel importante no desenvolvimento da música entre os períodos renascentista e barroco. Sim, tem a coleção ‘Vespro della Beata Vergine’ e eu já havia ouvido o ‘Torna Zéfiro’, que está no disco, mas não havia me dado conta que a música de Claudio Monteverdi têm esta dimensão de atualidade, que identificamos na música que faz parte de nossa vida. Este álbum mostrou-me como sua música é atemporal – acordes, suspiros, e todo o encanto de cantar sobre amar e ser amado. Não deixe de ouvir!
A Abertura é cartão de visita e ecoa no início de ‘Vespro della Beata Vergine’. É claro que os músicos que produziram o álbum têm enorme mérito e passarei a buscar outros discos associados a seus nomes. Um destaque para Nuria Rial e Philippe Jaroussky, que tornam mágicos alguns dos momentos aqui, como no dueto ‘Pur ti miro’, da ópera ‘L’Incoronazione de Poppea’. Esta faixa é a campeã em número de bis aqui em casa. Sem contar o efeito da língua italiana, apropriada para falar de ‘amore’:
O mia vita, o mio tesoro,
Io son tua, tuo son io…
É verdade que é quase a mesma coisa em português, mas dito assim, pelo menos aqui, faz enorme sucesso!
Ah, os instrumentistas que acompanham os cantores são sensacionais. Sopros, percussão e instrumentos dedilhados, um som envolvente e expressivo.
L’Arpeggiata é um grupo liderado pela harpista Christina Pluhar que tem muita presença e personalidade, mas deve ser também muita aglutinadora, pois todos estão muito bem. O álbum foi produzido na Sala de Concerto Vredenburg, em Utrecht, durante uma edição do Festival Oude Muziek.
Christina Pluhar diz: “O que há de mais admirável em Monteverdi é a tremenda diversidade de técnicas composicionais que ele domina e combina de forma brilhante. Nesta gravação, gostaríamos de destacar a variedade de suas composições seculares.”
Claudio Monteverdi (1567 – 1643)
L’Orfeo, SV 318 – Toccata (Alessandro Striggio)
Ohimè ch’io cado, SV 316 (PJ)
Pur ti miro, dueto de L’Incoronazione di Poppea (PJ & NR)
Damigella tutta bella, SV 235 (JF, NA, CA, PJ, JvE, NR)
Madrigais, Livro 8: Lamento della ninfa, SV 163: IV. Amor (NA, CA, NR, JvE)
Si dolce è’l tormento (do Libro Nono di Magrigali e Canzonette) (PJ)
“As resident ensemble at the Festival Oude Muziek Utrecht in August 2006, L’Arpeggiata presented the programme of this CD in concert and recorded it in the main auditorium of the Vredenburg with its outstanding acoustics.” – Liner notes
The gorgeous singing of the soloists and stylish instrumental performances, though dazzling and gimlet-eyed, are also elegant and respectful without being obsequiously slavish to convention. BBC Music, 2009
Still, as a whole, this CD is joyous and moving. In short, Monteverdi by a magnificent artist, presented in a manner that is either the height of bastardization, or a genuine example of intelligent democratization–you choose!
Improvised cornett parts are much in evidence, but not in the excerpts from Poppea. Jaroussky is not quite gentle enough in Arnalta’s lullaby; but in “Pur ti miro” he and Nuria Rial make the most of the semitone clashes, their lines intertwining sensuously over a beguiling plucked continuo accompaniment. Do give this very lively disc a try.
Não deixe de ouvir este maravilhoso disco! Aproveite! (Eu fiquei pluhado…)
Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 31/12/2015
.Senhorxs: sei que este último dia de 2015 já está carregado até não poder mais de postagens tremendas, mas, desculpem, eu não posso deixar virar para 2016 sem registrar o vigésimo ano deste disco que considero um “unicum”, isto é: sem similar.
Ithamara é mais um desses casos de brasileirx vítima do nosso complexo de vira-lata endêmico: indicada não sei quantas vezes pela Downbeat entre as principais cantoras de jazz do mundo, diva absoluta no Japão, e ainda – ai! – “Ithamara quem?” para a maior parte dos brasileiros – isso quando este disco contém nada menos que a última gravação de Tom Jobim (no piano de algumas faixas); solos inacreditáveis de Ron Carter ao baixo; Luiz Bonfá, Marcos Valle, Paulo Malaguti e o próprio Tom entre os arranjadores – etc. etc.
Mas não deixo de compreender que, para brasileiros, ouvir sua própria música dita “popular” interpretada assim tenha que causar alguma estranheza. É realmente incomum – e tanto, que eu mesmo tenho dificuldades em colocar em palavras de que modo é incomum. Minha hipótese principal: por uma lado, Ithamara faz uma leitura instrumental da melodia – quero dizer, usando a voz como um instrumento solista, muitas vezes a-lu-ci-na-da-men-te; por outro, não esquece o texto, mas faz dele uma leitura teatral, de alta dramaticidade. São duas intensidades simultâneas tão altas que o resultado definitivamente não cabe em situação assim como embalar um jantar: ou você embarca e navega junto, ou se sente jogado para lá e para cá pela turbulência; sem paz – o que parece chegar ao extremo nas duas faixas em inglês, Cry me a river e Empty glass.
Quanto às onze faixas em português, admito que algo dificulta a fruição do disco até para mim: seis delas são um revival da chamada “música de fossa”, ou “música de dor de cotovelo” (ou mesmo sete, se incluirmos ‘Retrato em branco e preto’ nessa categoria) – sendo cinco numa sequência só. Ora, justamente com as leituras de La Koorax, isso pode ser uma travessia de efetivo risco para depressivos e bipolares… Se eu avalio que há um erro neste disco, é este excesso – entre tantos outros excessos que resultaram felizes!
‘Rio Vermelho’ foi o terceiro disco de Ithamara. Conheço bem este e o segundo, ‘Ao Vivo’, um pouco menos colorido timbristicamente porém igualmente intenso – mas conheço pouco dos posteriores, pois me passaram a impressão de que os produtores internacionais tenham conseguido domar um tanto o vulcão inventivo da artista – com o que confesso que meu interesse caiu um pouco.
Estarei dizendo que acho que na média Ithamara pode ter ficado sendo uma cantora menor? Não! Não acho que arte comporte esse tipo de cálculo mesquinho. Para mim, uma sílaba pode ser bastante para consagrar um(a) artista. No caso, sugiro que ouçam com atenção o gradualíssimo crescendo de tensão em Retrato em branco e preto, até a sílaba -CA- de “pecado”. Vocês me considerarão completamente maluco se seu disser que dentro dessa sílaba eu vejo se abrir uma paisagem tão ampla quanto as do Planalto Central, ou quem sabe a de algum mirante da Serra do Mar?
Pois bem: a uma cantora que conseguiu fazer isso comigo eu jamais admitirei que alguém venha a chamar de “menor” – seja lá o que houver feito ou deixado de fazer depois!
ITHAMARA KOORAX : RIO VERMELHO
Data de gravação: outubro de 1994
Data de lançamento: abril de 1995
1. Sonho de Um Sonho (Martinho da Vila/R. De Souza/T. Graúna) – 3:50
2. Retrato Em Branco E Preto (Buarque/Jobim) – 5:38
3. Correnteza (Bonfá/Jobim) – 6:41
4. Preciso Aprender a Ser Só (Valle/Valle) – 4:54
5. Tudo Acabado (Martins/Piedade) – 5:26
6. Ternura Antiga (Duran/Ribamar) – 3:48
7. Não Sei (DeOliveira/Gaya) [d’aprés Chopin] – 4:27
8. É Preciso Dizer Adeus (de Moraes/Jobim) – 3:36
9. Cry Me a River (Hamilton) – 6:06
10. Índia (Flores/Fortuna/Guerreiro) – 7:05
11. Rio Vermelho (Bastos/Caymmi/Nascimento) – 3:44
12. Se Queres Saber (Peter Pan) – 8:14
13. Empty Glass (Bonfá/Manning) – 4:02
Ithamara Koorax – Arranger, Vocals, Executive Producer
Antonio Carlos Jobim – Piano, Arranger
Luiz Bonfá – Guitar, Arranger
Ron Carter – Bass
Sadao Watanabe – Sax (Alto)
José Roberto Bertrami – Arranger, Keyboards
Arnaldo DeSouteiro – Arranger, Producer
Jamil Joanes – Bass (Electric)
Carlos Malta – Flute (Bass), Sax (Tenor)
Pascoal Meirelles – Drums
Paulo Sérgio Santos – Clarinet
Marcos Valle – Arranger, Keyboards
Mauricio Carrilho – Guitar (Acoustic), Arranger
Daniel Garcia – Sax (Soprano), Sax (Tenor)
Paulo Malaguti – Piano, Arranger, Keyboards
Sidinho Moreira – Percussion, Conga
Marcos Sabóia – Engineer, Mixing
Otto Dreschler – Engineer
Fabrício de Francesco – Engineer
Rodrigo de Castro Lopes – Engineer, Mastering
Livio Campos – Cover Photo
Hildebrando de Castro – Cover Design, Cover Art
Celso Brando – Liner Photo
Christian Mainhard – Artwork