Começo com esta postagem a trazer as gravações que a violinista inglesa, Rachel Podger, fez da obra de Antonio Vivaldi. A moça é um ‘monxtro’, como dizem cá pelas terras litorâneas do sul, principalmente na Ilha de Santa Catarina. Tem um pleno domínio do violino barroco, que toca com maestria. Sem medo, a coloco entre as maiores especialistas em interpretação historicamente informada, ao lado de outra excepcional violinista, Armandine Beyer.
Esta gravação das indefectíveis “Quatro Estações” é um primor de execução e criatividade. Difícil ficarmos indiferentes à ela. A própria sonoridade do instrumento de Podger é diferente, o som é mais rústico, mais cru.
Peço licença para citar o editorialista da amazon.com :
“A nova gravação de Podger visa acertar o relógio – reorientando os ingredientes que tornam The Four Seasons tão especial e lembrando os ouvintes do notável frescor da invenção de Vivaldi.”
E é exatamente este o destaque que pode se dar a esta gravação: frescor e inovação em sua execução, nos apresentando uma obra revigorada. Nem perderia mais tempo apresentando este CD tão especial, mas preciso falar da última obra executada, Concerto Il Grosso Mogul RV 208, com seu incrível Allegro final, com uma incrível cadenza de cinco minutos de duração, onde Lady Podger explora e expõe toda a sua técnica e virtuosismo. Repetindo os manezinhos da Ilha de Santa Catarina, diria com toda convicção: ‘Lady Podger, éx um monxtro’ …
Espero que apreciem.
Le Quattro Stagioni
Concerto No. 1 La Primavera – Spring Op. 8 No. 1 RV 269
1 Allegro
2 Largo E Pianissimo
3 Allegro
Concerto No. 2 L’Estate – Summer Op. 8 No. 2 RV 315
4 Allegro Mà Non Molto
5 Adagio
6 Presto
Concerto No. 3 L’Autunno – Autumn Op. 8 No. 3 RV 293
7 Allegro
8 Adagio Molto
9 Allegro
Concerto No. 4 L’Inverno – Winter Op. 8 No. 4 RV 297
10 Allegro Non Molto
11 Largo
12 Allegro
–
Il Riposo Per Il S.S. Natale RV 270
13 Allegro
14 Adagio
15 Allegro
Concerto L’Amoroso RV 271
16 Allegro
17 Cantabile
18 Allegro
Concerto Il Grosso Mogul RV 208
19 Allegro
20 Grave
21 Allegro
Roubo? Mas é claro! E digo de onde. Foi roubado do Átila do Prato Feito, um excelente blog. Tudo porque seduziu-me a ideia do CD duplo e o excelente conjunto que interpreta o repertório. O estranho é que não gostei muito da amada (por mim) Ode de Handel, levada um tanto em ponto morto, sem a densidade emocional que PQP exigiria em seus sonhos. Mas pensem bem: três Cecílias, três vezes a padroeira da música, uma vez por Purcell, depois por Handel e Haydn. Não, só roubando mesmo. Leiam o post do Átila, muito melhor do que aquilo que escrevo aqui.
Purcell, Handel e Haydn: To Saint Cecilia
Hail, bright Cecilia, Z 328 “Ode on St Cecilia’s Day” by Henry Purcell
1. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (Symphony) 9:49
2. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘Hail! Bright Cecilia!’) 4:03
3. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘Hark, Each Tree’) 3:45
4. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘Tis Nature’s Voice’) 4:28
5. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (Soul of the World’) 2:07
6. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (Thou Tun’st this World’) 5:11
7. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘With That Sublime Celestial Lay’) 2:49
8. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (Wond’rous Machine’) 2:12
9. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘The Airy Violin’) 1:16
10. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (In Vain the Am’rous Flute’) 6:36
11. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘The Fife and All the Harmony of War’) 2:52
12. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (‘Let These Amongst Themselves Contest’) 2:22
13. To Saint Cecilia – Hail! Bright Cecilia (Ode À Sainte Cécile) (Hail! Bright Cecilia!’) 4:09
Ode for St Cecilia’s Day, HWV 76 by George Frideric Handel
14. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (Overture: Larghetto e staccato – Allegro – Minuetto I – Minuetto II) 5:14
15. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘From Harmony’) 0:30
16. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘When Nature’) 2:54
17. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘From Harmony’) 3:17
18. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘What Passion Cannot Music Raise’) 10:12
19. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘The Trumpet’s Loud Clangor’) 3:12
20. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (March) 1:39
Disc 2:
1. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘The Soft Complaining Flute’) 6:28
2. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘Sharp Violins Proclaim’) 3:34
3. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘But Oh! What Art Can Teach’) 5:43
4. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘Orpheus Could Lead’) 1:29
5. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘But Bright Cecilia’) 0:54
6. A Song for St Cecilia’s Day (Ode À Sainte Cécile) (‘As From the Pow’r of Sacred lays’) 7:52
Missa Cellensis in honorem, H 22 no 5 “Cäcilienmesse” by Franz Joseph Haydn
7. Cäcilienmessemissa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Kyrie I’) 3:09
8. Cäcilienmessemissa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Christe’) 3:02
9. Cäcilienmessemissa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Kyrie II’) 2:51
10. Cäcilienmessemissa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Gloria In Excelsis Deo’) 2:37
11. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Laudamus Te’) (‘Laudamus Te’) 3:35
12. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Gratias Agimus Tibi’) (‘Gratias Agimus Tibi’) 2:49
13. Cäcilienmessemissa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Domine Deus’) 5:03
14. Cäcilienmessemissa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Qui Tollis Peccata Mundi’) 5:15
15. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Quoniam Tu Solus Sanctus’) (‘Quoniam Tu Solus Sanctus’) 2:53
16. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Cum Sancto Spiritu’) (‘Cum Sancto Spiritu’) 0:27
17. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘In Gloria Dei Patris’) (‘In Gloria Dei Patris’) 3:03
18. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Et Incarnatus Est’) (‘Et Incarnatus Est’) 8:33
19. Cäcilienmesse|Missa Cellensis In Honorem Beatissimæ Virginis Mariæ Hob. Xxii:5 1766 (‘Et Resurrexit’) (‘Et Resurrexit’) 4:36
Anders J. Dahlin (Tenor)
Lucy Crowe (Soprano)
Richard Croft (Tenor)
Nathalie Stutzmann (Alto)
David Bates (Countertenor)
Luca Tittoto (Bass)
Neil Baker (Baritone)
Regência: Marc Minkowski
Les Musiciens du Louvre
Choeur des Musiciens du Louvre
Não se deixe enganar pela capa, este é um ótimo disco. Reuniu um time de músicos e técnicos excelentes para ser gravado e está recheado de lindas obras de Mozart.
O repertório consiste dos dois quartetos com piano e o trio ‘Kegelstatt’, combinações incomuns de instrumentos e mesmo inéditas (no caso do trio) nos dias em que foram compostas.
O quarteto Domus era então formado por Krysia Osostowicz (violino), Timothy Boulton (viola), Rchard Lester (violoncelo) e eram todos bem jovens em 1991. O selo Virgin colocou a produção nas mãos de Andrew Keener e as gravações foram feitas na St. George’s Church, em Bristoll. O produtor deixou uma pequena nota no livreto contando da enorme alegria do grupo ao tocar para uma audiência e, por isso, boa parte do resultado final do disco foi gravada ao vivo.
Os fotógrafos do QP Bach tiveram muito trabalho, mas conseguiram um bom ângulo…
Os quartetos para piano de Mozart chegaram à sua existência graças a um ótimo personagem que vivia em Viena, era músico, compositor e, como Mozart, fora atraído para essa cidade mais ou menos na mesma época que ele. Franz Anton Hoffmeister publicava música e encomendou três quartetos com piano de Mozart, esperando grandes vendas para os músicos amadores vienenses, sempre ávidos por boas melodias. Mas, quando o primeiro dos quartetos ficou pronto, Hoffmeister cancelou o acordo com o amigo Wolfie, deixando que este ficasse com o dinheiro já pago e liberando-o da obrigação de compor os outros. O fato é que no dia da inspiração para o primeiro quarteto, a musa que atendeu aos chamados do compositor era a da tonalidade sol menor… e ela estava inspirada. A parte para piano é bem mais difícil do que se esperava e, apesar da belíssima música, toda a obra soava estranhíssima para aqueles dias. Veja por você como essa tonalidade afetava Mozart, que a usou também em outras obras impressionantes, como as Sinfonias Nos. 25 e 40, assim como no Quinteto de Cordas K. 516. Aqui está uma postagem recente, feita pelo nosso editor chefe, com uma gravação também recente e excelente do quinteto…
Franziska…
Hoffmeister explicou tudo para o amigo Mozart, sobre a parte para piano, a tonalidade… deve ser isso, pois apesar de estar livre do compromisso, Mozart compôs ainda mais um Quarteto, aquele bem mais próximo da receita de Franz Anton. O Quarteto em mi bemol maior, K. 493, foi completado nos mesmos dias que Mozart finalizou a ópera As Bodas de Fígaro e, assim como o Concerto No. 22, também em mi bemol, é uma obra elegante e graciosa.
O Trio com Clarinete tem sua história ligada a outro amigo de Mozart, o clarinetista Anton Stadler, que tocou essa parte pela primeira vez em companhia do próprio Mozart, que por sua vez tocou a parte da viola, na estreia da peça. Ao piano a jovem Franziska, filha do dono da casa onde o evento se deu, o Barão Gottfried van Jacquin. A jovem e seu irmão eram alunos de Mozart e, pelo que podemos ouvir no trio, era talentosa.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Quarteto com Piano No. 1 em sol menor, K 478
Alegro
Andante
Rondo: Allegro
Trio para Piano, Clarinete e Viola em mi bemol maior, K 498 ‘Kegelstatt’
Na seção ‘The book is on the table’ de hoje, temos um resumo de uma crítica de Mr. Stanley Crowe:
Domus is long gone, and its members have morphed into the Florestan Trio, but it was a great group, and by the time they recorded these Mozart pieces, they had been together for a dozen years. The music […] is superbly played and recorded here. Just as sound, I was taken with the recording of the “Kegelstat” Trio (for piano, viola, and clarinet), where the instruments seem in perfect balance and the charm of the piece […] comes through well. As always, the pianist Susan Tomes excels […] and it’s good to hear the viola to somewhat more advantage than one usually does in quartets. Timothy Boulton plays beautifully, as does Richard Hosford, an excellent clarinetist. There are other fine recordings of these pieces out there, but this is as good as any.
A música de Soler desafia as periodizações usuais e coloca problemas para aquelas generalizações como “em 1750 o barroco acabou”. Como se o assim chamado estilo barroco tivesse tido as mesmas características e cronologia na Itália, França, Alemanha (falar de um barroco protestante já é estranho por outros motivos que não vêm ao caso hoje), na Península Ibérica e nas colônias de ultra-mar onde as cartas demoravam meses para chegar e as modas, muito mais.
O Padre Soler viveu toda a vida na Espanha mas, leitor voraz e também escritor, acompanhava as novidades musicais impressas e manuscritas dos países vizinhos. Suas obras mais famosas são as sonatas e o fandango para teclado: tendo conhecido bem o cravo e o piano, ele viveu a transição entre esses dois instrumentos e usou práticas então recentes como o “baixo de Alberti”, muito comum nas sonatas de Mozart. Mas, se me perguntarem, as sonatas de Soler são mais variadas e originais do que as de Mozart, que atingiu momentos pianísticos mais sublimes sobretudo nos concertos.
Soler, por sua vez, não compôs concertos para piano e orquestra, talvez pela ausência de orquestras regulares na região de Madrid. Mas ele é o autor dos primeiros quintetos com teclado de que se tem notícia (1776). Para quarteto de cordas e cravo (ou piano ou órgão, há controvérsias), eles inauguram uma formação na qual Schumann e Shostakovich criariam obras-primas.
Além dessas obras instrumentais, há missas e outras coisas menos conhecidas até hoje, como os villancicos, que são música vocal não litúrgica, tradicional em festas populares na Espanha desde o fim da idade média. Em sua forma portuguesa, o vilancete foi cultivado por Camões. Soler compôs diversos villancicos de Natal, mas neste disco foram gravados apenas villancicos compostos para a festa de São Lourenço, padroeiro do gigantesco Monastério de El Escorial, próximo a Madrid e onde a família real passava parte do ano, sendo assim, junto com o Palacio de Aranjuez, uma espécie de “Versalhes espanhol”. Essa festa ocorria a cada mês de agosto e os seis vilancicos foram cantados entre 1753 e 1770. As partituras não circularam pelo mundo: modesto, Soler as guardou na Biblioteca do monastério (foto abaixo).
Real Biblioteca del Escorial, fundada em 1565
A orquestração dos villancicos de Soler é bem simples – apenas violinos e baixo contínuo no primeiro de 1753, aos quais se somam duas trompas nos outros, oboé em um -, refletindo a ausência de grandes orquestras em Madrid, onde os instrumentos de teclado reinavam na preferência da elite (lembrem-se que, quando Soler era jovem, a Rainha Maria Bárbara encomendou cinco pianofortes de Florença para sua corte).
Então se por um lado o clima festivo e o canto com coro SATB e solistas lembram algumas cantatas de J.S. Bach ou o Gloria de Vivaldi, por outro lado a orquestração mais simples para cordas (sem partes para viola e com o violoncelo inserido no contínuo) e a predominância das trompas em alguns trechos dá um clima que em termos genéricos podemos chamar de medieval/renascentista ou, se quisermos ser mais precisos, associaremos à música coral da Veneza de G. Gabrieli, um século antes de Vivaldi e talvez ainda influente na Espanha na época. Ou ainda, em uma extrapolação por analogia, poderíamos relacionar à alegria das festas de interior como as de São João no Brasil – que ocorrem fora da igreja mas são festas de santo como esses villancicos.
Em todo caso, não imaginemos Soler compondo obras corais em castelhano pensando em competir com Bach, Vivaldi ou Gabrieli. Era um homem de cultura cultivada, rato de bibliotecas, talvez em suas obras em latim – missas, réquiem, salmos – ele quisesse impressionar bispos e arcebispos, mas em seus vilancicos em castelhano ele estava fazendo música para festa de santo. Isso talvez dê pistas sobre o inclassificável estilo de Soler: fez sonatas para ouvidos de aristocratas e fez música coral que o povo espanhol queria ouvir e cantar durante as festas. E, como lembra o Luiz Simas, quem faz o santo é o povo, bem mais que o Vaticano.
Padre Antonio Soler (1729-1783) – Villancicos a San Lorenzo
1. En la plaza de Roma. Villancico a 8 con Violines y Trompas, 1756 (10:53)
2 El laurel lleno de amor. Villancico a 8 con Violines y Trompas, 1759 (15:26)
3 En consonancias de guerra. Villancico a 8 con Violines, 1753 (9:09)
4 El sufrimiento más noble. Villancico a 8 con Violines, Oboe y Trompas, 1765 (7:59)
5 Al Que de Dios templo vivo. Villancico a 8 con Violines y Trompas, 1769 (16:25)
6 Flores, vientos, aves, fuentes. Villancico a 8 con Violines y Tromplas, 1770 (8:07)
Camerata e Coro Antonio Soler, Gustavo Sánchez
Recorded: El Escorial, España, 2017
1ª gravação mundial – as partituras se encontram em cópia única na Real Biblioteca del Escorial
Vi Pollini tocar a Sonata Nº 2, a da Marcha Fúnebre,
dias após a morte de Claudio Abbado. Ele dedicou a interpretação a seu amigo e o que aconteceu depois foi uma coisa do outro mundo. Claro que Grimaud não é culpada disso, mas aquele recital reverbera até hoje em meus ouvidos. O que ela faz está OK, mas Pollini é quem tem uma das gravações de referência, não ela. Hélène Grimaud é uma mulher de fortes ideais. Como pianista, frequentemente divide o público. Este disco é bastante bom, apesar do Rachmaninov, embora eu realmente pudesse passar sem a vocalização semelhante a de Glenn Gould. Não sei por que os produtores de discos não mandam os artistas ficarem quietos na frente dos microfones. Limite-se a fazer cócegas nos marfins, Hélène. O ponto alto do CD são os Chopins, claro. Esqueça Rach.
Chopin / Rachmaninov: Sonatas para Piano Nº 2 + Berceuse + Barcarolle (Grimaud)
Frédéric Chopin Piano Sonata No. 2 In B Flat Minor, Op. 35 (25:20)
1 – Grave – Doppio Movimento 7:32
2 – Scherzo 6:43
3 – Marche Funèbre. Lento 9:24
4 – Finale. Presto 1:41
Sergei Rachmaninov* Piano Sonata No. 2 In B Minor, Op. 36 (23:13)
5 – Allegro Agitato 9:49
6 – Non Allegro – Lento 7:25
7 – L’istesso Tempo – Allegro Molto 5:59
8 Frédéric Chopin– Berceuse In D Flat Major, Op. 57 5:00
9 Frédéric Chopin– Barcarolle In F Sharp Major, Op. 60 8:33
Cena final de “La Traviata”, 19° ópera de Giuseppe Verdi – “Metropolitan Opera”, New York, 2022/23.
Março de 1853, público veneziano assistiria criação impar do repertório operístico. Mas, no lugar do arrebatamento de “Rigoletto” ou da impetuosidade de “Il Trovatore”, Verdi abordava a delicadeza dos afetos. Em “La Traviata”, tal como “Luisa Miller”, temática e música se voltariam ao intimismo e à vida burguesa…
E o amor de um jovem estudante seria dedicado a uma cortesã, acossada pela tuberculose e pela morte… Personagem central, Violetta experimentaria tal pureza de sentimentos, diferenciados da diversão, dos jogos de sedução e vida mundana da alta sociedade parisiense. Sentimentos que ressignificavam sua existência, pela simplicidade, dedicação e ternura de um jovem, em derradeira homenagem à mulher que abrira mão do amor…
A música pontuará tais sentimentos, de carinho e devoção, oferecendo, à personagem moribunda, apaziguamento final – afirmação do amor romântico, eternamente possível… Assim, Violetta resgatava o amor poético que abandonara, quem sabe, impossível, em troca do luxo e liberdade que conquistara… Do amor proibido à mulher mundana e solitária, mas que a reencontrava…
Cena de “La Traviata” – Tereza Stratas e Plácido Domingo, no filme de Franco Zefirelli, 1982.
Também valores burgueses estarão presentes, diante do envolvimento de Alfredo. Quem sabe, fantasia juvenil a comprometer futuro pessoal e projeção de abastada família… Paixão incompatível a de respeitável cidadão, quando haviam regras a seguir, que permitiam transitar entre a família, a sociedade e os cabarés de luxo – com a devida discrição e típicos cinismos, a equilibrarem relações sociais e familiares…
Libreto, porém, não intensificará o que poderia tornar-se dramático conflito – caso da persistência e determinação dos amantes. A doença de Violetta impedia tais desdobramentos… Assim, desenlace será de lamento e consternação… De consolo diante da morte, em comovente abordagem da condição feminina. “La Traviata” representa delicada joia na dramaturgia verdiana…
Giuseppe Verdi, mestre da ópera italiana (1813-1901).
Motivações
Durante a composição de “Il Trovatore”, o libretista Salvatore Cammarano resistia na adaptação da peça do espanhol Antonio Gutiérrez. Em tais circunstâncias, Verdi cogitou mudar a temática para o romance “Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas, filho, que considerava “simples e comovente”... Cammarano via trama e personagens de Gutiérrez demasiado inverossímeis, enquanto Verdi, inúmeras possibilidades cênicas e dramáticas… Por fim, entenderam-se e o libretista, gradualmente, mergulhou no trabalho…
Verdi, todavia, não abandonou ideia de musicar “Dama das Camélias”. Em período que esteve em Paris, com Giuseppina Strepponi, assistiu a peça de Dumas, filho, no “Theatre de Vaudeville”, início de 1852… Quando viria saber as razões da lentidão de Cammarano. O poeta napolitano encontrava-se gravemente doente e, para grande tristeza, viria a falecer, deixando incompleto o libreto de “Il Trovatore”…
“Theatre de Vaudeville”, Paris – por Jean Beraud. Estreia da peça teatral “Dama das Camélias”, 1852.
Solidário à família, Verdi cumpriu integralmente compromissos contratuais, mais complemento financeiro, em demonstração de afeto e reconhecimento ao poeta, que trabalhara também com Donizetti e Mercadante… E concluiu libreto com o jovem Leone Emanuele Bardare… Da parceria com Cammarano resultaram quatro óperas: “Alzira”, “La battaglia di Legnano”, “Luisa Miller” e “Il Trovatore”…
No retorno à “Sant’Agata”, março/1852, quando ainda trabalhava em “Il Trovatore”, Verdi recebeu convites de Milão, Veneza e Bologna… E concordou em compor uma ópera para o teatro “La Fenice”, de Veneza, que resultaria em “La Traviata”, com libreto de Francesco Piave…
E ao contrário da complexa elaboração de “Il Trovatore”, “La Traviata” fluiu sem contratempos, sendo realizada, praticamente, em dois meses. Até estreia de “Il Trovatore”, em Roma, janeiro/1853, muito pouco da nova ópera estava escrito, embora firmada parceria com Piave… Programada para março/1853, o libretista veneziano instalou-se em “Sant’Agata” para acelerar composição e eventuais adaptações do texto…
Francesco Maria Piave, poeta veneziano, libretista de “La Traviata”.
Piave era colaborador afável e flexível, pronto a reelaborar versos, cenas e situações dramáticas – ao sabor do processo criativo de Verdi, nem sempre cordial quando absorvido no trabalho… E foi libretista que mais colaborou com Verdi, em cerca de 10 óperas, nos libretos de “Ernani”, “I due Foscari”, “Macbeth”, “Il Corsaro”, “Stiffelio”, “Rigoletto”, “La Traviata”, “Simon Boccanegra”, “Aroldo” e “La forza del Destino”…
“La Traviata” se tornou especial homenagem à feminilidade, ao derradeiro amor de uma bela e experiente mulher, afamada cortesã, através da paixão de um jovem estudante de direito… O drama se desenvolve entre o amor, renúncia e doença de Violetta; a dedicação e revolta de Alfredo; em contrapontos à objeção familiar, pela dissuasão do romance…
Período “entre guerras” e temática burguesa
Dado a longevidade, Verdi testemunhou e participou de inúmeros eventos. Quando residia em Paris, mobilizou-se durante a “1ª guerra de independência” e festejou as façanhas do “Levante de Milão”, 1848. Intercedeu por apoio junto ao governo francês, embora, sem sucesso. E estreou “La battaglia di Legnano” em plena Roma ocupada, 1849, durante a efêmera república proclamada pelas forças de Mazzini e Garibaldi; depois repelidas por nações europeias, a pedido do Papa. Por fim, celebraria a monarquia italiana, 1861, sendo nomeado senador, por Vitor Emanuelle, em 1874…
Giuseppe Verdi recebido por Vitor Emanuelle.
Com sua música e ativismo, Verdi tornou-se figura simbólica da unificação, junto com Garibaldi e Mazzini – “os três Giuseppes”. Mas, a partir de “Luisa Miller”, dezembro de 1849, iniciava nova fase, espécie de produção “entre guerras”, abordando a literatura pré-romântica, de Schiller e do “sturm und drang” (“tempestade e ímpeto”); depois, do romantismo francês, com Émile Souvestre e Victor Hugo – adentrando temáticas líricas e burguesas…
A década de 50 marcaria, sobretudo, reorganização, econômica e militar, do “Risorgimento”, sob liderança da Sardenha-Piemonte, de Cavour e Vitor Emanuelle… Apaziguamento revolucionário, que, no caso de Verdi, resultaria em sucessão de obras-primas. Após “Luisa Miller” e “Stiffelio”, viriam “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviatta”, formando célebre trilogia, seguidas de “I Vespri Siciliani”, “Aroldo”, “Simon Boccanegra” e “Ballo Maschera”…
“Encontro de Garibaldi e Vitor Emanuelle II, em Teano”, Pintura de Sebastiano de Albertis.
Apenas em 1859, então com apoio da França, o “Risorgimento” empreenderia nova e bem sucedida campanha – “2ª guerra de independência”… Lombardia, Sicilia e Nápoles seriam libertadas. E a cada conquista, massiva adesão popular, consolidando ideia de nação. Em 1861, Vítor Emanuelle proclamou a “Monarquia Italiana”, com capital em Turim, depois Florença, 1865… E a unificação se estenderia até a libertação do Vêneto, 1868, com apoio da Prússia; e depois, Roma, 1870… Cerca de dez anos de lutas!
Música em “La Traviata”
Décima nona ópera – considerando “Jerusalém, rifacimento de I Lombardi”, “La Traviata” se caracteriza pelo fluente melodismo. Com amplo domínio da tradição, Verdi cogitava maior continuidade da música, a fim de evitar demasiadas interrupções do fluxo dramático – dos chamados números, o que conseguiu parcialmente…
Curiosamente, algo original e contemporâneo à concepção do “drama musical” wagneriano… No entanto, Verdi encontrou caminho flexibilizando a forma, buscando concisão e readequando cenas e ritmo dramático. Também expressivo e discreto uso de “leimotivs”… Tais adaptações permitiam maior fluência e lirismo musical – o progressismo verdiano!…
Música do “Brindisi” – manuscrito de Verdi, 1° ato de “La Traviata”.
Neste período, então exilado na Suíça, Wagner iniciava composições do ciclo “Anel do Nibelungo”, 1851, e “Tristão e Isolda”, 1857, explorando os limites da tonalidade e propondo “sprechgesange” (canto declamado) a substituir a ópera por números… A década de 1850, portanto, ensejou concepções musicais e dramáticas que marcaram final do séc. XIX e início do séc. XX. E ambos, Verdi e Wagner, seriam referenciais…
A música em “La traviata” oferece melodismo transbordante. Também concisão dos recitativos. E além dos expressivos prelúdios orquestrais, os coros, de grande beleza e vigor, enriquecem cenas de salão e urbanas… Nesta fase, movido por outras abordagens, Verdi distanciava-se do caráter patriótico e do cantar da liberdade, protagonizados, sobretudo, pelos coros, em “Nabucco”, “I Lombardi” e outras, então associadas à unificação italiana. E tal como em “Luísa Miller”, buscava o lirismo, no lugar do épico…
Cena 2 do 2° ato – coro “Noi siamo zingarelli”, de “La Traviata”, Theatro Municipal de São Paulo, regência Roberto Minczuk, 2018.
Estreia em Veneza e contratempos
A medida que se aproximava a estreia, Verdi preocupava-se com o elenco, sobretudo, com a “prima donna”… Verdi desejava um soprano lírico jovem, bela aparência e que transmitisse paixão. Temia pelo fracasso da estreia… Piave, por sua vez, estava incumbido, pelo teatro, a convencer Verdi, que Fanny Salvini-Donatelli, contratada na temporada, seria escolha adequada… Ao que Verdi, francamente, se opôs… Fanny não preenchia nenhuma das expectativas. E sugeriu Rosina Penco, da estreia de “Il Trovatore”… Piave respondeu ao teatro, alegando “mau humor infernal do maestro, devido à sua indisposição, mas, muito provavelmente, porque não tinha fé na companhia”…
Verdi chegou em Veneza duas semanas antes da estreia, em 21/02. Concluiu orquestração, para estreia dia 06/03/1853, e congratulou-se com nível e empenho da orquestra. Mas, estreia realizou-se com Fanny Salvini-Donatelli… Em bilhete enviado à Emanuele Muzio, seu assistente, disse: “Caro Emanuele, ‘La Traviata’ na noite passada – um fiasco. Minha culpa, ou dos cantores? o tempo dirá…”
Cartaz de estreia de “La traviata” – Teatro “La Fenice”, Veneza, Itália, 06/03/1853.
“Gazzetta Privilegiata di Venezia” publicou: “primeira noite, um fracasso. No entanto, a desprezada Fanny Donatelli salvou o 1° ato e tinha ‘parte do leão’ a cantar… Estrago maior foi no 2° Ato, protagonizado pelas vozes masculinas, tenor e barítono. Por fim, no 3° Ato, a plateia não resistiu à robusta Donatelli encenar mulher que morria de tuberculose. O riso contagiou os presentes…”
A crítica, no entanto, reconheceu qualidades na ópera, atribuindo fracasso à performance, não ao drama ou à música… E Verdi fora chamado diversas vezes ao palco. Um dos motivos para escolha do tema foi sua contemporaneidade. A ópera abordava personagens da vida moderna, suas vestes e ambientes de época. No entanto, diretores do “La Fenice”, com receio do tema, optaram por figurinos do séc. XVIII, da era Luís XIV…
Apesar do fracasso, vieram convites de Gênova e do teatro “San Carlo”, de Nápoles. E Verdi ironizou ao amigo Cesare de Sanctis: “Ah, então gostaram da minha ‘Traviata’, aquela pobre pecadora, que teve tão pouca sorte em Veneza. Um dia, o mundo lhe fará justiça! Mas, não em Nápoles, onde padres ficariam horrorizados ao verem, no palco, o que fazem na calada da noite…”
Teatro “San Benedetto”, 2ª produção de “La Traviata”, Veneza, Itália, após fracasso da estreia no teatro “La Fenice”.
Verdi, cauteloso, só admitiria nova produção com elenco que julgasse adequado… E “La Traviata” voltaria ao palco em Veneza, no teatro “San Benedetto”, menos afamado que “La Fenice”, a convite de Antonio Gallo – com mesmos cenários e figurinos, mas novo elenco… Verdi concordou, reviu alguns números e fez ajustes nas tessituras vocais – a música, basicamente, permanecia inalterada…
“La Traviata” voltou à cena em 06/05/1854, com Maria Spezia, soprano, Francesco Landi, tenor, e Filippo Coletti, barítono, que haviam atuado em “Alzira” e “I Masnadieri”. Verdi estava em Paris – convite do “Opéra” que resultaria em “I Vespri Siciliani”, ficando entusiasmado com o sucesso e almejado reconhecimento – uma ópera em que acreditava!
“Dama das Camélias”
Diz o narrador em “Dama da camélias”: “para muitos talvez pareça ridículo, mas tenho inesgotável indulgência pelas cortesãs. E nem me dou ao trabalho de discutir…”
E assim, abordou o tema das cortesãs, cujas decadência e mortes, após vida turbulenta, eram esquecidas por seus amantes. Em sensível relato, o amante de Marguerite Gautier, o jovem Armand Duval, que sofreu imensamente sua morte, reflete sobre a fragilidade que tais escolhas traziam a estas mulheres…
Greta Garbo em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.
Também preocupavam o autor: a escolha do tema, recorrente na literatura francesa, abordado por Victor Hugo, Musset e Alexandre Dumas, pai; e supostas apologias ao vício e à prostituição, por enfatizar a humanidade do personagem, no lugar de tratá-lo, vulgarmente, com desprezo e preconceito… Por fim, o romance surpreendeu e obteve grande sucesso…
Em relato piedoso, Armand Duval lembra trajetória da jovem até tornar-se cortesã, o que, praticamente, lhe absolvia de quaisquer faltas… Da vida de desamparo, privações e doenças; e por fim, a sobrevivência e a prostituição… E traz citação bíblica: “Tudo será perdoado àquele que muito amou”…
Greta Garbo e Robert Taylor, em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.
“Dama das Camélias” apresenta mulher generosa, distanciada da vulgaridade e do embrutecimento, muitas vezes, presentes em vidas semelhantes – meios inescapáveis de resistir e sobreviver…
A relação com Armand a resgatava de um mundo vazio em afetos. De toda gama de carências, descobria carinho e dedicação. Mas, apesar da sinceridade de tais sentimentos, era atraída por amor proibido, que confrontava sua condição à família do amante. Sobretudo, com o pai, apelando à mulher experiente, a fim de convencê-la de tal impossibilidade. Marguerite sabia das regras, do que renunciara quando entregou-se à prostituição; sabia das mazelas e da hipocrisia; e como a sociedade se conduzia em tais papeis…
Na Paris do sec. XIX, diria Marguerite: “Se aquelas que ingressam em tão vergonhoso ofício soubessem, prefeririam ser camareiras. Mas não… A vaidade de ter vestidos, carruagens e diamantes nos arrasta; acreditamos no que ouvimos, pois a prostituição tem sua fé. No entanto, pouco a pouco, corrói nossos coração, corpo e beleza… (Se pelo que sabemos) somos temidas como feras selvagens, também somos desprezadas como párias; muito mais cercadas pelos que nos tomam, do que pelos que nos dão… Por fim, morremos como cães abandonados, depois de perdermos os outros e a nós mesmas…”
Greta Garbo em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.
Assim, emergiam as cruéis ambiguidades do ofício, das expectativas de sucesso frente à renúncia e às frustrações; do luxo e satisfação da vaidade diante da melancolia e do arrependimento… Marguerite admitia não passar de uma mulher perdida e pede à Armand que se reconcilie com a família: “Volte para seu pai, meu amigo… Olhe por sua irmã, moça pura, que ignora nossas misérias. Volte para aqueles que logo esquecerão o que lhe fez esta moça da vida…”
Em outros momentos, sonhava, quem sabe, iludia-se, ao planejar “desfazer-se da imagem de cortesã, também do luxo que a cercava e dedicar-se ao jovem amante”. Mas logo sentia-se reduzida à simples mercadoria, pelo que oferecia como cortesã; trazida à realidade pelo pai de Armand, evocando valores que os distanciavam. Também advertindo-a da ingênua paixão do filho – sentimento ocasional, transitório…
Restava a morte, quem sabe, oportuna e libertadora, redentora e purificadora, visto que em vida sua condição era irreversível… Assolada por tais conflitos, a relação com Armand tornava-se impossível. Embora fosse autêntico seu amor, impunha-se a renúncia, a privação de quaisquer prazeres, não fossem do luxo e da distração – espécie de condenação existencial em meio à riqueza e o conforto… Morta para tais sentimentos, no entanto, ainda cultivava empatia e bondade, “nem sempre presentes entre aqueles, ditos de moral impoluta”…
Greta Garbo e Robert Taylor, em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.
Em comovente relato, de lamento e compaixão, virtudes eram pontuadas… Marguerite era vítima de suas escolhas, de suas origens e contingências… Portanto, à margem, perdida para outras possibilidades de felicidade… Mas, sensível em meio à rejeição e ao desprezo, revelava dignidade, ainda presente em vidas corrompidas e conflitadas….
Por fim, o romance remetia ao jogo social, do cinismo e promíscua cumplicidade entre o moral e o imoral, dos desejos e seus subterfúgios, aparentemente contraditórios, mas complementares – tão escancaradamente presentes nos tecidos sociais… Assim, vícios e prostituição, ditos imorais, estavam imbricados, entrelaçados aos comportamentos, ditos virtuosos, em permeável interação…
Reafirmando-se “popular jargão”… Desde tempos imemoriais, a prostituição persistia, alcançando todas as camadas sociais, tão intensos e inevitáveis seus apelos… E afora o lirismo, presente nos temas da solidão e do amor romântico, ao longo do tempo, cortesãs também exerceram influências política e nos costumes. E tais capacidades de sedução e encantamento, além dos mais caros presentes, aproximaram-nas intimamente do poder, quem sabe, mais do que de seus amantes…
Greta Garbo em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.
Em trajetórias tão peculiares, entre o conforto e o luxo, a decadência e a miséria, nos reportamos, novamente, ao narrador: “talvez pareça ridículo, mas tenho inesgotável indulgência pelas cortesãs…” Quem sabe, inesgotável indulgência pelas misérias humanas… Onde o poder que oferece regalias, esconde imprevisibilidade; então, exercido com rigor, até crueldade, tal a ambição e volatilidade dos privilégios – e assim, assentando direitos e valores…
E ao oprimido, suficientemente resistente e sem perspectivas, restava submeter-se, até humilhar-se, pela ideologia que lhe impunha aceitar, como inexorável realidade, sua condição… E se, por vezes, lhe fosse permitido transitar e usufruir de luxo e outras benesses, então, em troca de especiais talento ou beleza…
Alphonsine Rose Plessis, chamada Marie Duplessis.
Em tais contextos, a burguesia, tão desprezada, quanto temida, ascendia e se consolidava; enquanto os pobres e miseráveis seguiam à margem, abandonados… Numa sociedade hierarquizada, mas suscetível à transversalidade dos afetos e da sexualidade… E curiosamente, o romance remetia ao ano de 1848, chamado “primavera dos Povos”, dos movimentos anarquistas e comunistas, de um lado; e liberais, de outro…
Assim, neste espectro social e econômico, através dos interesses de classe, determinavam-se o aceitável e o inaceitável; e, por vezes, o trágico… Tal como do amor entre Luísa e Rodolfo, em “Luísa Miller”; ou de Violetta e Alfredo, em “La Traviata” – do amor que não transige, eternizando-se na morte…
Marie Duplessis
Nascida na extrema pobreza, Alphonsine Rose Plessis, filha de camponês alcoólatra, após morte da mãe, foi levada à Paris, ainda analfabeta, aos 14 anos… Desde a origem humilde, em meio ao desamparo e à violência, até a notoriedade, ocorreria trajetória meteórica… Em Paris, Alphonsine encontrou protetores, encantados com suas beleza e perspicácia… Então, aprendeu a ler e escrever, além de cursar aulas de música, dança e etiqueta…
Percebendo atração que exercia, passou a frequentar salões aristocráticos e literários, tornando-se amante do conde Ferdinand Monguyon. Então, adotou o nome Marie Duplessis… Outro amante foi o jovem Agénor de Guiche, futuro duque de Gramont – relação fortemente contestada pelo pai de Agénor, que tornou-se mote de “La Traviata”…
Alphonsine Rose Plessis, conhecida p/ Marie Duplessis, célebre cortesã parisiense.
Em suas experiências, rapidamente, Marie assimilou modos elegantes e passava a frequentar a ópera – buscava conhecimento, aliando charme, sensibilidade e inteligência. Para uma menina, alfabetizada aos 15 anos, descortinou-se percurso inimaginável, da pobreza absoluta até as elites e à vida cultural parisiense…
Atraente e discreta, a jovem cortesã teve amantes que lhe proporcionaram luxo e conforto. Em Paris, sua casa reunia admiradores, entre aristocratas e artistas. Além de Dumas, filho, teve um caso com o músico Franz Liszt… E da paixão com o romancista, a quem confidenciou experiências pessoais, resultou “Dama das Camélias”… Por fim, vítima da tuberculose, Marie Duplessis morreu aos 23 anos…
Alexandre Dumas, filho, romancista francês, autor de “A dama das Camélias”.
Alexandre Dumas, filho
Apesar da rigidez, a moral burguesa escondia permissividade e jogo de aparências. Firmemente alicerçada no cinismo e na hipocrisia, tornara-se objeto dos dramaturgos e fascínio dos comediantes. Alexandre Dumas era filho ilegítimo de Dumas, pai, com uma costureira, Marie-Catherine Labay. Em 1831, o pai reconheceu e ganhou a guarda do filho, assegurando-lhe cuidadosa educação, nas instituições “Goubaux” e “Bourbon”, além de introduzi-lo na sociedade, cafés e saraus parisienses…
As leis, à época, permitiam aos pais, facilmente, obterem a guarda dos filhos – dolorosa perda para Marie-Catherine. O afastamento e sofrimento da mãe, possivelmente, atraíram Duma, filho, para trágica condição feminina, despertando compaixão e especial sentimento moral. Em sua trajetória, além do estigma da ilegitimidade, se depararia com racismo. Dumas, filho, era mestiço, tinha traços negroides da bisavó haitiana e, inevitavelmente, foi hostilizado pelos colegas de internato…
Tais experiências marcaram seus pensamento, comportamento e literatura. Em “O filho Natural”, 1858, defendeu casamento obrigatório para aqueles que tivessem “filhos ilegítimos”… E “Dama das Camélias” se tornaria dos maiores sucessos da literatura francesa, séc. XIX – chamado “século de ouro” do romance europeu… Escrito a partir de relacionamento pessoal com afamada cortesã parisiense, Marie Duplessis, que durou três anos, 1842/45. Em 1847, Marie viria falecer, abalando profundamente o escritor. E em 1848, surgiria o romance…
Capa do romance “A Dama das Camélias”, do romancista francês Alexandre Dumas, filho.
Ao contrário do pai, Dumas, filho, recebeu inúmeras homenagens, ingressou na “Académie Française” e foi agraciado com a “Légion d’Honneur”. E apesar do imenso sucesso de público, Dumas, pai, geralmente, era menosprezado nos círculos acadêmicos, por produzir literatura de caráter “leve e entretenimento”…
O êxito de “Dama das Camélias” e sua adaptação teatral garantiram rendimentos até a morte do escritor, permitindo-lhe escrever ensaios e engajar-se nas defesas da igualdade de gênero e do divórcio…Embora imbuído de particular sentimento moral, seguiu os passos do pai e costumes de época, com inúmeros casos amorosos… Em 1864, dezessete anos após a morte de Marie Duplessis, se casaria com a princesa Nadeja Naryschkine e teria uma filha. E mais tarde, viúvo, com Henriette Régnier, 40 anos mais jovem…
Como escritor, igualou-se ao pai em prestígio internacional… E após sucesso de “Dama das Camélias”, escreveu outros 12 romances e peças teatrais, entre “O amigo das mulheres”, “Processo Clemenceau”, “Francillon”, “As idéias de Mme. Aubray” e outras. Nos últimos anos, cuidava dos filhos e mantinha discreta participação política. Morreu aos 65 anos, 1895, em Marly-le-Roy, França – depois trasladado para “Cimetière de Montmartre”, Paris…
Em viagem à Paris, 1852, Verdi e Giuseppina assistiram adaptação teatral de “Dama das Camélias”, no “Theatre de Vaudeville”. Verdi já conhecia o romance e havia sugerido, anteriormente, ao libretista Salvatore Cammarano. Mas, para atender o teatro “La Fenice”, de Veneza, propôs à Francesco Piave, elaboração do libreto…
Acesso ao teatro “La Fenice”, pelos canais de Veneza.
Cortesãs europeias
A atuação das cortesãs está imbricada à história humana, em todos os níveis sociais… Na Europa, a partir dos séc. XVI, algumas desfrutaram de grande prestígio, fortuna e influência, não raro, associando charme e beleza à cultura, sensibilidade e sagacidade política. Também viveram a decadência e o passar dos anos, a melancolia e a solidão…
Banquete – Imagem da Grécia antiga – cortesã e seu patrono.
Mas, seguindo a linha da prudência de Dumas, filho, de não ensejar apologia da prostituição ou de qualquer natureza, dado a complexidade do tema, entre as maiores cortesãs europeias estava o desejo de libertação de determinadas condições. Trajetórias, por vezes, malogradas e trágicos finais… Ainda assim, revelavam-se mulheres desafiadoras, sedutoras e influentes…
Ser cortesã implicava, além do prestígio e do luxo, particular interação social e política… Portanto, não se limitavam a estrita venda do corpo, mas um privilégio àqueles com quem mantinham amizade, fruto dos talentos intelectuais e particular percepção do mundo… Muitas renunciaram à tradição e à moralidade para se libertarem da opressão, da violência e do que lhes parecia indigno: ser mulher… Outras, por mera sobrevivência, quem sabe, no extremo do rebaixamento social… Portanto, escolhas plenas de contradições e conflitos…
O termo cortesã, desde o Renascimento, adquiriu dois sentidos, empregado tanto para a nobreza, quanto para a mulher que ascendia socialmente através da prostituição… Também diferenciava-se, sobejamente, da prostituta popular, que era pobre, se oferecia na rua ou no bordel, atendia muitos clientes e era explorada por um “cáften”; enquanto a cortesã era rica, independente e atendia elites econômicas e políticas… Em geral, ambas tinham origem humilde ou na pequena burguesia…
“Prostitutas”, pintura de Toulouse-Lautrec, 1894.
A prostituta rica ou “cortesã”, por ofício e vida social, apresentava-se luxuosamente e confundia-se com mulheres da aristocracia. Também seduzia pela cultura e trato refinado… Algumas adquiriram patrimônio e títulos de nobreza, tamanha admiração de seus amantes…
Retrato de Veronica Franco – “Mulher que descobre os seios”, Tintoretto, 1570.
Veronica Franco
Em Veneza, séc. XVI, viveu Veronica Franco – “rainha das cortesãs”, que além da beleza, destacava-se pela cultura, visões do mundo renascentista e do direito das mulheres. Jacopo Comim – chamado “Tintoretto” – frequentou o salão de Veronica e a retratou… Cansada de ser espancada, a jovem de 18 anos, com filho no colo, pediu o dote e abandonou o marido, para tornar-se mais prestigiada “cortigiani oneste” entre os canais de Veneza…
“Cortigiani oneste” tinham privilégio de escolher seus amantes. Mulheres que combinavam meretrício com ampla cultura, oferecendo companhia e sofisticada conversação, além de sexo… Em Veneza, haviam mais de três mil prostitutas registradas e cerca de 200 “cortigiani oneste”… Veronica herdou o ofício da mãe, Paola Fracassa, que abandonara a prostituição para casar-se. Mas, ao ficar viúva, retornou. Após frustração no casamento, a filha também optou pela prostituição… Ambas constam da edição de “Tariffa delle puttani”, de 1572, entre as mais prestigiadas de Veneza, com respectivos preços…
“Igreja Santa Maria Formosa”, paróquia de Veronica Franco, em Veneza.
Bela, delicada e culta, Verônica adentrou os salões venezianos. Em 1574, a senhoria da república de Veneza solicitou-lhe companhia à Henrique de Valois, futuro rei de França, para estreitar laços políticos. Conta-se, o futuro Henrique III preferia a companhia de rapazes, vestidos de mulher. As habilidades de Veronica, no entanto, criaram noite aprazível, satisfazendo os desejos do futuro rei – e a aliança franco-veneziana seguiu a contento…
Também destacou-se como poetisa, em “Terze rime”, validada por Domenico Venieri, poeta que depois a difamou… Veronica envolveu-se com Marco, sobrinho de Domenico, que tornou-se grande amor em sua vida… Também sua casa tornou-se um ateneu, reunindo intelectuais e artistas, além de concertos e discussões filosóficas… O célebre Michel de Montaigne frequentou o salão, onde recebeu peculiar presente: “Lettere familiari e diversi” (“Cartas íntimas e variadas”), que reunia correspondência de Veronica com personalidades de época – testemunho único de usos e costumes, da Veneza do séc. XVI…
Michel Eyquem de Montaigne, filósofo renascentista.
Por fim, denunciada ao “santo ofício”, por desatenção à religião e feitiçaria, foi julgada e presa. Mais tarde, absolvida, graças ao relacionamento com hierarcas da cúria de Veneza, mas processo marcou seu declínio e significativa perda de bens. Retirada em sua mansão, propôs, às autoridades venezianas, albergue para cortesãs doentes e idosas, onde também se ensinasse ofício àquelas que desejassem mudar de vida… Faleceu em 1591, aos 45 anos…
Ninon de Lenclos
Extremamente culta, a cortesã francesa mudou os costumes dos séc. XVII e XVIII. Escritora e patronesse das artes, Anne de l’Enclos ou Ninon de Lenclos, orfã de mãe, aos 15 anos, decidiu entrar para o convento. Passado um ano, desistiu da vida religiosa, mas a experiência lhe inspirou ser livre, solteira e independente…
Então, passou a frequentar salões, onde se cultivasse poesia e literatura. E decidiu seguir a vida de cortesã, por rejeitar, totalmente, a ideia do casamento. Ninon teve inúmeros amantes, entre eles, o primo, rei Luís II de Bourbon; o nobre Gaston de Coligny; e o duque de La Rochefoucauld… Para Lenclos, independente da classe social, maridos eram infiéis e violentos; e as mulheres, legalmente, desprotegidas contra abusos…
Ninon de Lenclos, célebre cortesã francesa.
De fato, Ninon foi mulher independente, não propriamente uma cortesã. Era auto suficiente financeiramente e escolhia seus amantes. Como a descreveu Saint-Simon: “Tinha muitos adoradores, mas sempre um amante. E quando se cansava, o abandonava com toda franqueza”… Teve um filho, com o marquês de Villarceuax… E quando rompeu, enviou ao triste marquês, mecha de seus cabelos. Com os cabelos curtos criou novo penteado, que virou moda em Paris – corte “à la Ninon”…
Opiniões relativas à religião, somadas à fama de cortesã, levaram-na à prisão por ordem da rainha Anna da Áustria, mãe de Luís XIV. Foi libertada por iniciativa de Cristina, da Suécia, que apelou ao cardeal Mazarin. Livre, Ninon escreveu “La coquette vengée”, onde refletia, provocativamente, que todos poderiam ser felizes, mesmo sem religião…
Algumas frases: “Para fazer amor é preciso mais espírito do que comandar um exército”… “Reduzir a mulher ao papel de objeto sexual é excluí-la da prática de sua integridade, da qual é perfeitamente capaz”… “Homens, muitas vezes, são derrotados pela falta de jeito, mais do que pela virtude das mulheres”…
Anna da Austria e cardeal Mazarin.
De natureza educadora, abriu “escola de galanteria” que virou moda em Paris. E dirigida à jovens aristocratas, abrangia: psicologia das mulheres; cuidados particulares com a amante ou a esposa; técnicas de cortejar e seduzir; métodos para encerrar relações; além de curso avançado sobre fisiologia do sexo…
Adentrando os 40 anos, priorizou a literatura. De espírito mordaz e agudo senso comercial, criou “salão Ninon”, em Paris, que reunia artistas e intelectuais. Tornou-se símbolo da mulher culta, livre e independente. E dizia o duque de Saint-Simon: “Ninon fazia amigos em todas as esferas da vida, com particular habilidade para mantê-los próximos e, ao mesmo tempo, cordiais entre si…”
Parte de sua fortuna deixou para o filho do contador, criança que julgava especialmente talentosa. Se chamava François Marie Arouet e viria tornar-se o célebre Voltaire… Faleceu em 1705, aos 89 anos…
“Madame de Pompadour”
Entre as mais prestigiadas cortesãs francesas, encontra-se Jeanne-Antoinette Poisson, “Marquesa de Pompadour”. Se ter amante era demonstração de virilidade para um monarca, ser amante do rei de França, uma honraria… Assim, a mãe de Pompadour esforçou-se para dar à filha “educação de uma cortesã superior”…
Jeanne-Antoinette Poisson, “Marquesa de Pompadour”, por Quentin Delatour.
Jeanne-Antoinette era ainda criança, quando Luís XV reinava, então, casado com a polaca Maria Leczinska… Longa trajetória, portanto, aguardava a futura “Madame de Pompadour” até convívio com máximo poder, em França… E Pompadour influenciaria fortemente a política francesa…
Com origem na burguesia, o pai, François Poisson, trabalhava em empresa de suprimentos do exército. E parte da educação de Jeanne-Antoinette foi estimulada por rico viúvo, Charles Tournehem, proporcionando-lhe aulas de dança, “clavicêmbalo” e declamação… Aos 15 anos, havia consenso e desejo, na menina, de tornar-se cortesã… E à medida que amadurecia, tornava-se jovem deslumbrante – em formas, estatura, olhos brilhantes, pele macia e belos dentes, uma raridade à época…
Luís XV, de França.
Passando a frequentar os círculos parisienses, conheceu Charles-Guillaume Le Normant d’Etioles, banqueiro e sobrinho de Tournehem, com quem viria casar-se. Suspeita-se que Tournehem tenha arranjado a aproximação… E o jovem casal instalou-se nos arredores de Paris, onde Jeanne-Antoinette ficou conhecida como Madame d’Etioles… O casamento lhe proporcionou convívio com a nobreza, quando as mulheres usavam coches e os homens praticavam caça à raposa…
A proximidade do castelo de Choisy, de Luís XV, possibilitava cruzar com a comitiva real… E, finalmente, Madame d’Etioles chamou atenção do rei… Luís XV, após dez anos de casamento e dez filhos, passara a procurar amantes… E após falecimento de Marie-Anne, duquesa de Châteauroux, estava livre a vaga de “maîtresse déclarée” (“amante declarada”). Assim, abriu-se caminho… E a partir de 1745, com 24 anos, Madame d’Etioles frequentava bailes e era citada, pelo cronista da corte, como nova conquista de Luís XV…
A jovem cortesã ganhou suíte no esplendoroso palácio de Versalhes, próxima aos “petites cabinets”, de uso exclusivo do rei… E embora houvesse distância imensa entre a aristocracia e a burguesia, o cronista Luynes registrava paixão mutua entre Luís XV e Madame d’Etioles… De outro, se a França estava em guerra contra Áustria e Grã-Bretanha, aproximação pessoal com Luís XV muito interessava à fornecedores do exército, então, protetores de Jeanne-Antoinette… E tratou-se da separação com Le Normant d’Etioles…
Jardins do Palácio de Versalhes – França.
Para assegurar presença na corte, Luís XV providenciou título de nobreza à jovem. Assim, aos 24 anos, a monarquia francesa nomeava Jeanne-Antoinette – “Marquesa de Pompadour, proprietária de terras, ainda com posse indefinida”… E enquanto era rejeitada entre os nobres, pela origem burguesa, empenhava-se em aprender regras de protocolo e etiqueta…
E conquistou ilustre amigo: Voltaire. Os filósofos iluministas, embora pregassem reformas, eram bem recebidos nas cortes. E Voltaire frequentou tanto a corte francesa, quanto a prussiana, de Frederico II – dos chamados déspotas esclarecidos, que admiravam a intelectualidade, embora não acreditassem que tais ideias pudessem mudar a Europa…
Frederico II, da Prússia e Voltaire, filósofo do Iluminismo.
Apoiada por Luís XV, Pompadour promoveu artistas como Quentin Delatour e François Boucher, que a retrataram, além de construir, restaurar e decorar palácios. Investiu e negociou com burgueses ricos, interessados em projeção social, além de recuperar fábrica de porcelana de Vincennes, transferindo-a para Sèvres; por fim, estimulou edição da “Encyclopédie” e pesquisas de Buffon e Helvetius…
Arguta e ambiciosa, à medida que conhecia a nobreza, ampliava espaço. Pedidos e favorecimentos passavam por ela, dado a influência sobre Luís XV – espécie de ministra de estado… Entre seus opositores estava o duque de Richelieu, que almejava ser primeiro-ministro. Percebendo tais aspirações, Pompadour afastou-o da corte. E à medida que firmava ascendência junto ao rei, aumentava participação no governo – além de amante, tornava-se amiga e conselheira de Luís XV, que passara a confiar nela, ou mesmo, confiar a ela decisões…
“Batalha de Minden” – 1759, travada em território da atual Alemanha – “Guerra dos 7 Anos”. Infantaria britânica enfrenta carga da cavalaria francesa.
E, naturalmente, Pompadour poderia falhar. E falhou… Assim, ao aproximar-se da rainha Maria Tereza, da Áustria, influiu na assinatura do “Tratado de Versalhes”, de 1756, que pactuava França e Áustria em caso de defesa, o que levou Luís XV à desastrosa “Guerra dos 7 anos”, contra a Prússia. Além da derrota, França cedeu aos britânicos, aliados dos prussianos, parte das colônias na América e na Índia…
A flagrante derrota a abalou, pessoal e politicamente, além da morte da filha, Alexandrine. Mas, a amizade de Luís XV permaneceu – por cerca de 19 anos, até sua saúde fragilizar-se… A “maîtresse déclarée” contraiu tuberculose, vindo a falecer em 1763, aos 42 anos… Em seus últimos dias, reconciliou-se com a Igreja e deixou parte dos bens a uma “vidente”, que teria previsto sua trajetória…
Emma Crouch, cortesã conhecida como Cora Pearl.
Cora Pearl
Por fim, uma celebridade em Paris, nos anos 1860. Nascida na Inglaterra, Emma Crouch tornou-se Cora Pearl, após sofrer estupro, aos 15 anos… Filha de um celista e compositor de época, Frederick Crouch, que abandonou a família para emigrar aos USA, deixando 15 filhos… A mãe, abandonada, casou novamente, mas Emma rejeitou o padrasto. Então, foi enviada para internato na França e quando retornou à Londres, passou a morar com os avós… Neste período, aos 15 anos, trabalhava como assistente de modista, quando foi embriagada, estuprada e deixada num quarto de hotel… Quando acordou, traumatizada, decidiu morar sozinha e mudou identidade – para Cora Pearl…
Cora Pearl acompanhada pelo príncipe Achille Murat.
Em viagem à Paris, Cora apaixonou-se pela cultura e vitalidade da capital francesa… E soube que a prostituição era liberada, desde que registrada e feitos exames periódicos. Muito charmosa e corpo escultural, passou a atrair homens, preferencialmente, da aristocracia… Assim, tornou-se amante do duque de Rivoli; do príncipe William, da casa de Orange, da Holanda; e do príncipe Achille Murat, sobrinho neto de Napoleão Bonaparte…
Amante duradouro, no entanto, foi Napoleão-Jérôme Bonaparte, primo de Napoleão III, que lhe presenteou com joias, casas e pequeno palácio – “Les petites Tuileries”. Muito popular, tornou-se referência de moda, pela ousadia no vestuário, maquiagem e cabelos coloridos… No auge da fama, possuía três casas, estábulo com 60 cavalos e muitos empregados…
Após a guerra franco-prussiana, houve mudança de costumes na sociedade francesa, tornando-se mais conservadora. Os amantes, gradualmente, afastaram-se e, finalmente, ocorreu um escândalo – “L’affair Duval”. Um jovem, em desespero, suicidou-se na presença de Cora Pearl, por ela rejeitá-lo, sistematicamente… Cora acabou expulsa do país e exilou-se em Monte Carlo, onde publicou autobiografia, não sem antes chantagear, financeiramente, seus ex-amantes… Morreu em 1886, aos 50 anos…
Cortesã japonesa.
Libreto e sinopse de “La Traviata”
Ambientado na revolução de 1848, em Paris, “Dama das Camélias” – referência à flor preferida do personagem, trata de famosa cortesã, Marguerite Gautier, e sua relação com estudante de direito, Armand Duval, de aristocrática família… Marguerite alternava entre “camélias brancas e vermelhas”, de acordo com disponibilidade para vida social. O romance aborda conflito entre amor de ambos e posição social de Armand. Também impossibilidade do jovem, sem apoio familiar, oferecer conforto e luxo a que Marguerite se habituara…
Personagens vivem intensa paixão, mas Marguerite tem consciência de sua condição e doença… De outro, os amantes sofrem dura oposição do pai de Armand. Marguerite reflete sobre o amor e as renúncias que fez, ao tornar-se cortesã. E Armand revolta-se. Finalmente, a relação é atingida pela morte de Marguerite… Na ópera, romance de Dumas, filho, foi adaptado por Francesco Piave, habitual colaborador de Verdi, e nomes substituídos para “Violetta Valéry” e “Alfredo Germont”…
Marie Duplessis, cortesã francesa que inspirou “Dama das Camélias”.
Sinopse
Ação ocorre em Paris, França, sec. XIX.
Personagens:Violetta Valéry, cortesã parisiense (soprano); Alfredo Germont, jovem estudante de direito (tenor); Giorgio Germont, pai de Alfredo (barítono); Gastone de Létorières, amigo de Violetta (tenor); Barão Douphol, pretendente de Violetta (barítono) ; Flora Bervoix, amiga de Violetta (soprano); Aninna, empregada de Violetta (soprano); Marquês d’Obigny (baixo); Dr. Grenvil (baixo); Giuseppe, servo de Violetta (tenor); servo de Flora (tenor); comissionário (baixo);
Coros:Aristocratas, convidados, amigos e empregados de Violetta.
Ballet: Cena dos ciganos e toureiros, animando uma festa.
Figurino p/Violetta, para estreia no teatro “La Fenice”, 1853.
Ópera inicia com “Prelúdio” orquestral
1° Ato – Salão na casa de Violetta Valéry
Após belo e sentimental prelúdio orquestral, cena abre com uma festa na residência de Violetta Valéry, prestigiada cortesã parisiense. Entre os convidados e animada música, Violetta conclama: “Flora, amici, la notte che resta d’altre gioje qui fate brillar… Frale tazze più viva è la festa!” (“Flora, amigos, à noite que resta, que brilhem outras alegrias… Em meio as taças, mais vibrante é a festa!”)… Como anfitriã, Violetta se esforçava para motivar os convidados, mas encontrava-se debilitada…
Entra Gastone, amigo de Violetta, e apresenta Alfredo Germont, há muito, apaixonado por Violetta… Gastone canta “Ecco un altro che molto v’onora. Pochi amichi a lui similisono…” (“Aqui está outro que te admira. Poucos amigos são como ele…”) e Violetta responde “Mio Visconte mercè di tal dono” (Meu visconde, grata por esta presença”)… E antes do jantar, convidados propõem um brinde. Alfredo canta o amor sincero e Violetta o amor livre, no célebre conjunto “Libiamo, libiamo ne’ lieti calici, che la bellezza infiora” (“Libertemos os felizes cálices, que se adornam de beleza”)… “Godiam la tazza e il cantico” (“Gozemos as taças e o canto”). Violeta canta “La vita è nel tripudio” (“Vida é voluptuosidade!”) e Alfredo responde “Quando non s’ami ancora” (“Quando não conhecemos o amor”)…
“La Traviata” – Cena do “Brindisi”, 1° Ato – “Teatro Colón”, Buenos Aires, 2017.
Então, ouve-se música em outro salão. Perguntam os convidados “Che è ciò?” e Violetta responde “Non gradireste ora le danze?” (“Vocês não gostariam de dançar agora?”). E iniciam uma valsa!… Mas, Violetta sente um mal estar… Alfredo aproxima-se, “V’ucciderete aver v’è d’uopo cura” (“Acabareis por te matar”)… “Dell’esser vostro” (“Deverias te cuidar”)… “Se mia foste, custode io veglierei pe’vostri” (“Se fosses minha, eu te cuidaria”), ao que Violetta responde “Che dite? Cura di me?…” (“Que dizes? Você se importa comigo?…”). Alfredo canta “Perchè nessuno al mondo v’ama”… “Tranne sol io!” (“Porque ninguém te ama neste mundo… como eu!”)…
Duetto “Um di felici” – 1° Ato, Maria Callas e Alfredo Kraus, Lisboa, 1958.
E iniciam célebre duetto “Un dì felice” (“Um dia feliz”). Alfredo declara seu amor e Violetta responde não haver espaço, em sua vida, para tal sentimento… Despedem-se, mas Violetta oferece uma “camélia” à Alfredo, pedindo-lhe que volte quando a flor murchar, o que significava vê-la no dia seguinte… Alfredo canta “Io son felice! Oh, quanto v’amo!” (“Eu sou feliz! Oh, quanto te amo!”)…
Neste duetto, ocorre tema recorrente – “leitmotiv”, que reaparecerá na ária “Ah, fors’è lui che anima”; e ao final da ópera, como reminiscência para declamação. Os versos dizem: “Di quell’amor, ch’è palpito dell’universo intero… Misterioso, altero… Croce e delizia al cor…” (“Do amor, que pulsa do universo inteiro… Misterioso e soberano… Cruz e delícia do coração…”)
Então, convidados se retiram, “Si ridesta in ciel l’aurora, e n’è forza di partir. Merce’ a voi, gentil signora…” (“Aurora nasce e não temos forças para partir… Obrigado, gentil senhora…”). E Violetta, sozinha, ficou dividida em suas emoções. Tem sua vida e liberdade, mas encontro com Alfredo a perturbou, despertou-lhe o amor…
Maria Callas em “La Traviata – Final 1° Ato” – “È strano… Ah, fors’è lui… Sempre Libera” – Lisboa, Portugal, 1958.
E canta grande ária, “tour de force” do repertório de soprano, que inicia na cavatina “Ah, fors’è lui che anima”(“Ah, talvez, ele me encante”…), seguida da cabaletta “Sempre libera degg’io folleggiar di gioia in gioia” (“Sempre livre para a alegria”), e no recitativo, reflete: “È strano! è strano! in core scolpiti ho quegli accenti! Saria per me sventura un serio amore? Che risolvi, o turbata anima mia? Null’uomo ancora t’accendeva… O gioia, ch’io non conobbi… Essere amata amando!” (“Estranho! Meu coração trepida! O amor seria uma desgraça, para mim?… Nenhum homem despertou isto… Oh, alegria que não conhecia, ser amada, também amando!”)… A grande ária encerra o 1° Ato…
2° Ato
Cena 1 – Casa de campo de Violetta Valéry, nos arredores de Paris
Violetta e Alfredo encontram-se numa casa de campo. Após “Allegro vivace”, em breve introdução orquestral, Alfredo, exultante, canta sua paixão, na ária “De’ miei bollenti spiriti. Il giovanile ardore, ella temprò col placido. Sorriso dell’amore!” (Do meu caloroso espírito, um ardor juvenil. E ela, com plácido sorriso de amor!”)… Mas, através de Annina, secretária de Violetta, Alfredo toma conhecimento da venda da propriedade. E na cabaletta, “O mio rimorso! O infamia. E vissi in tale errore?” (Oh, remorso. Oh, infâmia, tenho vivido este engano?), percebe que não tinha meios de manter o padrão de vida de Violetta… E viaja à Paris, na busca de recursos, a fim de evitar que Violetta se desfizesse dos bens…
Lodovico Graziani, tenor – “Alfredo” na estreia no teatro “La Fenice”, 1853.
Após partida de Alfredo, Violetta está à espera de interessados na propriedade… E recebe visita de Giorgio Germont, pai de Alfredo. Tema melódico austero, nas cordas, anuncia a chegada… Ambos se apresentam e Giorgio, angustiado, dispara: “Sì, dell’incauto, che a ruina corre, ammaliato da voi” (“Sim, sou pai do incauto que corre para ruína, encantado por você”)… Violetta responde “Donna son io, signore, ed in mia casa” (“Senhor, sou uma senhora e estou em minha casa”)…
Em grande cena, Violetta fala dos sentimentos por Alfredo e expõe porque se desfazia dos bens… Grosseiro, Giorgio à ofende: “D’ogni vostro avere or volete spogliarvi?… Ah, il passato perchè, perchè v’accusa?” (“Desfazer-se de todas as posses? Ah, o passado te acusa?”). Violetta responde “Più non esiste or amo Alfredo. E Dio lo cancellò col pentimento mio”) (“Não existe mais passado porque agora amo Alfredo. Deus me absolveu com meu arrependimento”)…
Giorgio canta “Nobili sensi invero!” (“Nobres sentimentos”) e Violettta responde “Oh, come dolce mi suona il vostro accento!” (“Oh, como soam doces estas palavras!”). No entanto, dramaticidade se intensifica, quando Giorgio propõe, “Ed a tai sensi, un sacrificio chieggo” (“E a tais sentimentos, um sacrifício peço”). Violetta, apreensiva, responde “Ah, no, tacete. Terribil cosa chiedereste certo!” (“Ah, cala-te. Vens pedir algo terrível!”). Giorgio expõe, “D’Alfredo il padre la sorte, l’avvenir domanda or qui De’ suoi due figli” (“Pai de Alfredo lhe pede pelo futuro de seus dois filhos”). E Violetta indaga, “Di due figli?”… Giorgio responde que noivado de sua filha será desfeito, se perdurar a relação entre Violetta e Alfredo…
Figurino p/ “La Traviata”
“Recitativo accompagnato” evolui para “arioso” e Giorgio canta, “Sì, pura siccome un angelo, Iddio mi diè una figlia” (“Sim, pura como um anjo, Deus me deu uma filha”). Violetta interpreta como afastar-se um tempo, até que se realize o casamento… Mas, Giorgio retifica, “Pur non basta”… E Violetta exclama, “Volete che per sempre a lui rinunzi?” (“Pede que renuncie para sempre?”). Giorgio responde “È d’uopo!” (“É necessário!”)… E a música agita-se, pontuando indignação de Violetta, “Ah no, giammai! Non sapete quale affetto vivo, immenso m’arda in petto?” (“Ah não, jamais! Não sabes do afeto que sinto, imenso ardor no peito?”). Violetta fala de tudo que perdeu, da solidão e da doença que a consome… E ainda lhe pedem que se afaste de Alfredo… Em pungente momento, canta “Ch’io mi separi da Alfredo? Ah, il supplizio è si spietato, Che morir preferirò!” (“Que eu me afaste de Alfredo? Ah, tal suplício é demais, prefiro morrer!”)…
Figurino p/Violetta, de Luigi Sapelli – Archivio Storico Ricordi, 1905.
Giorgio, pensando nos filhos, valores burgueses, honras pessoal e familiar, insiste: “È grave il sacrifizio, ma pur tranquilla udite” (“É grande o sacrifício, mas deves escutar com calma”), ao que Violetta reage, “Ah, più non dite, v’intendo m’è impossibile” (“Ah, cala-te, te entendo, mas é impossível”). Então, Giorgio torna-se mordaz e ironiza: “Como quiera, pero el hombre es voluble…” (“Como queira, mas o homem é volúvel…”), insinuando ser fantasia transitória a paixão do filho… Violetta responde, “Gran Dio!”… E iniciam maravilhoso, mas doloroso duetto, “Un dì, quando le veneri Il tempo avrà fugate…” (“Um dia, quando tua beleza tiver passado…”)
Violetta se fragiliza com os argumentos, em “Così alla misera ch’è un dì caduta, di più risorgere speranza è muta!” (“Para a desgraçada que se perdeu, se nega toda esperança de redenção!”). E chorando, canta: “Dite alla giovine sì bella e pura, ch’avvi una vittima della sventura. Cui resta un unico raggio di bene, che a lei il sacrifica e che morrà! ” (“Diga à jovem, tão bela e pura, que existe uma vítima de infortúnio, da qual resta um raio de bondade e que, por ela, se sacrificará e morrerá…”). Ao que Giorgio responde, percebendo sinceridade nos sentimentos de Violetta, mas sem transigir: “Sì, piangi, o misera supremo, il veggo, è il sacrificio ch’ora io ti chieggo. Sento nell’anima già le tue pene; coraggio e il nobile cor vincerà” (“Sim, chore, oh, miserável suprema, entendo sacrifício que agora vos peço… Sinto suas dores em minha alma; a coragem e o nobre coração vencerão”)…
Duetto “Dite alla giovine” – Ermonela Jaho e Dmitri Hvorostovsky, “Opéra Nationel De Paris”.
Sem interrupção do drama, duetto apresenta sucessão de estados emotivos. E ao renunciar à Alfredo, Violetta canta, “Qual figlia m’abbracciate forte, così sarò” (“Abrace-me, como uma filha”). Giorgio e Violetta se abraçam… Então, Giorgio a valoriza: “Generosa! e per voi che far poss’io?” (“Generosa! Que posso fazer por você?”). Violetta suplica, “Morrò! la mia memoria, non fia ch’ei maledica. Se le mie pene orribili, vi sia chi almen gli dica” (“Morro, mas não permitas que amaldiçoem minha memória. Que alguém relate, ao menos, meus horríveis sofrimentos”)…
Felice Varesi, barítono – “Giorgio Germont”, na estreia do Teatro “La Fenice”, Veneza, 1853.
Atendido em suas expectativas, Giorgio conforta Violetta, em “No, generosa, vivere e lieta voi dovrete. Merce’ di queste lagrime, dal cielo un giorno avrete” (Não, mulher generosa, viva e seja feliz. O céu, um dia, recompensará suas lágrimas”)… “Premiato il sacrifizio sarà del vostro amor” (“O sacrifício de seu amor, lhe será reconhecido”)… Ambos se despedem e Giorgio se retira, encerrando sensível momento do drama…
Solitária, Violetta suplica em “Dammi tu forza, o cielo!”… Então, chama Annina, sua secretária, e entrega correspondência. Violetta aceita convite para uma festa, que antes rejeitara… Annina se retira e Violetta, desolada, tenta redigir carta à Alfredo… Um lamento, em solo de clarineta, pontua a cena, até a chegada de Alfredo, que indaga o que fazia… Para quem escrevia… Alfredo recebera severa carta e estava aguardando chegada de Giorgio, seu pai… Violetta não mostra a carta, dissimula, mas acaba chorando… Cena se agita até culminar em pungente apelo: “Amami, Alfredo, quant’io t’amo!” (“Ama-me Alfredo, tanto quanto te amo!”) – momento de grande emotividade de “La Traviata”! Então, Violetta deixa a cena…
Joan Sutherland, soprano – Cena “Violetta retorna à Paris”, Australian Opera, 1978.
Sozinho, Alfredo aguarda Giorgio, “È tardi: ed oggi forse più non verrà mio padre” (“É tarde, talvez meu pai não venha hoje…”). Entra Giuseppe e avisa que Violetta partira para Paris, às pressas… Annina a acompanhou. Alfredo acredita que viajara em função da venda dos bens… Mas, chega mensageiro e entrega carta de Violetta. Alfredo irrita-se profundamente e, à chegada de Giorgio, abraça, desolado, seu pai…
Giorgio acolhe, em “Mio figlio! Oh, quanto soffri! Tergi, ah, tergi il pianto. Ritorna di tuo padre orgoglio e vanto” (“Meu filho! Oh, quanto sofri! Ah, enxugue as lágrimas. Volte a ser o orgulho de teu pai”). E procura consolar Alfredo, em “Di Provenza il mar, il suol, chi dal cor ti cancello?” (“Como se apagou, em teu coração, terra e mar de Provenza?”) – célebre solo de barítono…
Mas, descontrolado, Alfredo quer vingança da suposta traição… Giorgio reage, em “Dunque invano trovato t’avrò? Un padre ed una suora t’affretta a consolar” (Assim, te encontrei em vão?… Um pai e uma irmã estão prontos a te consolar!…). Mas, inconsolável, Alfredo desconfia do Barão Douphol, antigo pretendente de Violetta. E ao tomar conhecimento que Violetta fora a uma festa, prepara sua vendeta, “Ah! ell’è alla festa! volisi L’offesa a vendicar!” (Ah, ela foi a uma festa! Irei vingar tal ofensa!)…. Encerrando Cena 1 do 2° Ato…
Cena 2 – No palácio de Flora
Cena abre em “Allegro brillante” na orquestra. Prepara-se uma festa com muitos convidados. Flora canta “Avrem lieta di maschere la notte” (“Máscaras animarão a festa!”). Violetta e Alfredo estavam convidados, mas Marquês d’Obigny informa que haviam se separado e que Violetta virá com o Barão Douphol… E todos cantam “Giungono gli amici!” (“Chegaram nossos amigos!”) e iniciam a festa!
Coro e Ballet ”Noi siamo zingarelle” – Ato 2 – cena 2, “Metropolitan Opera”, New York, 2022/23.
Em lúdico momento, damas disfarçadas de ciganas entram, em belo coro feminino, “Noi siamo zingarelle”. Após, entram Gastone e outros disfarçados de toureiros, no vigoroso coro masculino “Di Madride noi siam mattadori” (“Somos toureiros de Madrid”). Homens tiram as máscaras e Alfredo adentra o salão. Flora pergunta por Violetta e Alfredo responde “Non ne so…” (“Não sei…”)
Violetta entra, acompanhada do Barão Douphol, e se surpreende: “Ah, perchè venni, incauta! Pietà di me, gran Dio!…” (“Ah, porque veio, imprudente! Tenha pena de mim, senhor!…”). Alfredo e outros iniciam jogo de cartas. Alfredo está com sorte, “Oh, vincerò stasera; e l’oro guadagnato poscia a goder tra’ campi ritornerò beato” (“Ganharei esta noite e voltarei a gozar, feliz, no campo”). Flora pergunta: “Solo?”. E Alfredo responde: “No, no, con tale che vi fu meco ancor, poi mi sfuggia” (“Não, irei com a mesma que estava comigo e me deixou…”). E Violetta reage: “Mio Dio!”…
Jogo segue e apostas aumentam. Alfredo segue ganhando. E Flora comenta: “Del villeggiar la spesa farà il baron, già il vedo” (“Pelo que vejo, barão pagará por suas férias…”). Além dos contendores, demais convidados assistem e vibram a cada lance… Então, Violetta chama Alfredo… E o alerta do perigo em desafiar o Barão. Alfredo ignora, mas percebe preocupação: “La mia morte! Che ven cale?” (“Minha morte, acaso te importa?”)… Violetta responde: “Va, sciagurato. Scorda un nome ch’è infamato… Di fuggirti un giuramento sacro io feci!” (“Parte, miserável. Esqueça um nome que é infame. Para afastar-me de ti fiz juramento sagrado!”)…
Violetta e Alfredo na “Cena final do jogo de Cartas” – 2°Ato, 2ª Cena – “Fundação Cultural do Pará”, 2017.
Surpreso, Alfredo indaga “E chi potea?” (“E quem poderia pedir-te?). Violetta responde “Chi diritto pien ne avea” (“Quem de maior direito tem”). Alfredo pergunta, “Douphol?”… E Violetta, com enorme esforço, mente, “Si…”. Alfredo, indignado, convoca a todos: “Ogni suo aver tal femmina per amor mio sperdea. Io cieco, vile, misero, tutto accettar potea. Ma è tempo ancora! tergermi Da tanta macchia bramo…” (“Tudo que esta mulher tinha, dilapidou por amor a mim. Eu, cego, vil, mísero, tudo aceitei. Mas, em tempo, quero lavar esta mancha”) e arremessa com desprezo, sobre Violetta, saco com dinheiro que ganhara no jogo… Atônita e humilhada, Violetta desmaia!…
Neste momento, entra Giorgio Germont e assiste os presentes defenderem a honra de Violetta, em “Oh, infamia orribile!… Un cor sensibile così uccidesti! Di donne ignobile Insultator. Di qui allontanati, Ne desti orror!” (“Oh, infâmia horrível! Um coração sensível tens assassinado! Ignóbil difamador de mulheres. Afasta-te daqui. Nos causas horror!)… Cena desenvolve-se em grande “concertato”… Giorgio não reconhece o filho em tamanha revolta e canta “Di sprezzo degno se stesso rende. Dov’è mio figlio? più non lo vedo…” (“Ele se faz digno de desprezo. Onde está meu filho? Não o vejo mais…”). Mas, segue, “Io so che l’ama, che gli è fedele, eppur, crudele, tacer dovrò!” (“Sei que a ama e que lhe é fiel, mas em momento tão cruel, devo me calar”)…
Concertato “Oh, quanto peni”, Cena 2 – final 2° Ato, na Ópera de Roma, 2016.
Alfredo lamenta, “Ah sì che feci! ne sento orrore… Dall’ira spinto son qui venuto! Or che lo sdegno ho disfogato, Me sciagurato! Rimorso n’ho” (“Assim agi e sinto horror… Impulsionado pela raiva… Agora, que extravasei minha indignação, desgraçado de mim! Não tenho remorso!”). Violetta responde, “Alfredo, Alfredo, di questo core, non puoi comprendere tutto l’amore… Ma verrà giorno in che il saprai… Dio dai rimorsi ti salvi allora… Io spenta ancora, pur t’amerò” (Alfredo, deste coração não compreendes todo amor… Mas chegará o dia em que saberás… Deus te livre do remorso, então… Estarei ausente, mas te amarei!”)…
Em defesa da honra de Violetta, Barão Douphol desafia Alfredo a um duelo… E todos cantam por Violetta, “Ah, quanto peni!… Qui soffre ognuno del tuo dolore… Fra cari amici qui sei soltanto, rasciuga il pianto che t’inondò!” (“Ah, quanto sofres!… E sofremos juntos tua dor… Estás rodeada de amigos, enxuga o pranto que te inunda!)… Em grandioso e comovente “concertato” conclui-se 2° Ato …
Fanny Salvini-Donatelli, soprano – “Violetta”, na estreia no “La Fenice”, 1853.
3° Ato – Quarto na casa de Violetta Valéry
Cena abre com delicado e sensível “Prelúdio” orquestral, que remete à solidão e à agonia, quem sabe, à consternação e à despedida… O canto estará imerso nesta melodia dolente, sobretudo, das cordas… Num quarto, Violetta encontra-se muito debilitada. Fala com Annina, que anuncia o Dr. Grenvil, um bom amigo… Tenta levantar-se, mas está muito fraca. Dr. Grenvil ajuda a recompor-se no leito… E faz prognóstico otimista, mas Violetta entende como “mentira piedosa”…
Violetta declama carta que recebeu de Giorgio Germont: “Teneste la promessa; la disfida Ebbe luogo! il barone fu ferito, però migliora; Alfredo è in stranio suolo; il vostro sacrifizio, Io stesso gli ho svelato; Egli a voi tornerà pel suo perdono; Curatevi meritate un avvenir migliore” (“Você manteve a promessa; o duelo aconteceu. Barão foi ferido, mas passa bem; Alfredo está em solo estrangeiro; Vosso sacrifício foi, por mim, revelado; Alfredo retornará para pedir perdão: cuide-se, você merece futuro melhor”) – “leitmotiv”, em pianíssimo na orquestra, pontua declamação com o tema “Di quell’amor, ch’è palpito”…
Joan Sutherland, soprano australiano – “La Traviata” no “Covent Garden”, Londres, 1960.
À espera da morte, Violetta reflete sobre sua aparência; do quanto a vida mudou e as experiências que teve; do quanto o médico tentava animá-la… Também pede perdão à Deus, por suas culpas e desventuras… Lamenta ausência e amor de Alfredo, a apoiar e consolar-lhe a alma cansada… Debilitada, despede-se da vida na ária “Addio, del passato bei sogni ridenti…” (“Adeus, doces recordações do passado…”) – nesta ária, o canto é adornado por tênue lamento do oboé, em contraponto “obligato”…
Mas, Paris está em festa. Celebrações pagãs são ouvidas nas ruas, contrastando com a dor, a doença, solidão e agonia de Violetta. Fora de cena, ouve-se o “Coro das máscaras”, que canta “Largo al quadrupede, sir della festa. Di fiori e pampini, cinto la testa… Abbia il saluto, Parigini, date passo al trionfo del Bue grasso…” (“Abram caminho ao quadrúpede, senhor da festa. Com folhas e flores, enfeitemos a cabeça… Façam uma saudação, parisienses, deem passagem ao triunfo do boi gordo…”). Ironicamente, ou em sua homenagem, a morte de Violetta ocorria em meio à grande alvoroço – danças, fantasias e alegria…
E Annina traz uma surpresa, em “D’esser calma promettete?… Una gioia improvvisa” (“Prometa manter a calma, senhora?… uma alegria repentina…”). Ao que Violetta exclama: “Alfredo!… Amado Alfredo!”… Alfredo entra: “Mia Violetta! Colpevol sono… so tutto, o cara” (“Minha Violetta!… Sou o culpado, sei de tudo, querida”)… E Violetta, “Io so che alfine reso mi sei!” (“Apenas sei que estás comigo!”). A euforia do reencontro prepara belo duetto, onde Alfredo afirma sua esperança, “Parigi, o cara/o noi lasceremo, La vita uniti trascorreremo” (“Deixemos Paris, querida. Aproveitemos a vida”). E juntos, alternam desejos, em “De’ corsi affanni compenso avrai, la mia/tua salute rifiorirà… Sospiro e luce tu mi sarai, Tutto il futuro ne arriderà!” (“As penas passadas serão recompensadas, a minha/tua saúde reflorescerá… Suspiro e luz você será para mim. E o futuro sorrirá!”)…
Joan Sutherland e Luciano Pavarotti, no Duetto “Parigi, o cara/o noi lasceremo”, no “Metropolitan Opera”, New Yor, 1987.
Mas, Violetta se resigna, “Ah, non più, a un tempio, Alfredo, andiamo, del tuo ritorno grazie rendiamo” (Ah, não mais, Alfredo. Vamos ao templo agradecer teu retorno”)… Alfredo perturba-se, “Tu impallidisci…” (“Estás pálida…”) e Violetta, “È nulla, sai! Gioia improvvisa non entra mai senza turbarlo in mesto core…” (“Não é nada! Alegria repentina acelerou meu coração…”). Alfredo exclama “Ahi, cruda sorte!”… (“Ah, destino cruel!”)…
Segue “cabaletta” e Violetta canta “Gran Dio! non posso!”… “Gran Dio! morir sì giovane, Io che penato ho tanto!” (Grande Deus! Não posso!… Grande Deus! Morrer tão jovem, depois de tanto sofrer!”)… Alfredo responde, “Oh, mio sospiro, oh palpito, diletto del cor mio!”… (“Ah! Meu sospiro, ah, dileta de meu coração!”)… “Tutto alla speranza… Violetta mia, deh, calmati, m’uccide il tuo dolor…” (“Ah! muita esperança… Minha Violetta, ah, calma, tua dor me mata…”). E Violetta responde, “Alfredo! oh, il crudo termine serbato al nostro amor!” (“Alfredo! Oh, cruel desfecho aguarda nosso amor!”)…
Em comovedor final, entra Giorgio Germont… Surpresa, Violetta canta “Non mi scordaste?” (“Não me esqueceste, senhor?”). E Giorgio responde, “La promessa adempio, a stringervi qual figlia vengo”) (“Promessa que cumpro, para te abraçar como filha”). Canta Alfredo, “La vedi, padre mio?”… ao que Giorgio responde, “Di più non lacerarmi… troppo rimorso l’alma mi divora” (“Não me tortures mais… tanto remorso devora minha alma…”)
Violetta pede à Alfredo, “Più a me t’appressa ascolta, amato Alfredo…” (“Mais perto de mim te escuto, amado Alfredo…”) Música adquire caráter dolente e fúnebre, em solene “Andante sostenuto”… Canta Violetta, “Prendi: quest’è l’immagine de’ miei passati giorni” (“Pega, este é um retrato de dias passados”). Alfredo responde, “No, non morrai, non dirmelo… Dei viver, amor mio!” (“Não, não morrerás, não diga isto… Tens que viver, meu amor!”). E Germont pede perdão, “Cara, sublime vittima d’un disperato amore, perdonami lo strazio recato al tuo bel core…” (Querida, sublime vítima de um amor desesperado, perdoa a dor que a teu coração causei…”)
Cena final de “La Traviata”, 19° ópera de Giuseppe Verdi – “Metropolitan Opera”, New York, 2022/23.
Em “dolce cantabile”, Violetta deseja, à Alfredo, sorte no amor, “Se una pudica vergine, degli anni suoi nel fiore, a te donasse il core, sposa ti sia lo vo” (“Se mulher honesta, na flor da idade, um dia, te entregar o coração, faça-a tua esposa. É meu desejo”). Novas reminiscências melódicas – leitmotiv “Di quell’amor ch’è palpito” – evocam momentos passados entre Violetta e Alfredo… Violeta delira, “È strano!… Gli spasmi del dolore. In me rinasce… m’agita insolito vigore!… Ah! io ritorno a vivere!… Oh gioia!” (“Estranho!… Cessaram as dores. Em mim renasce… me agita insólito vigor!… Ah! torno a viver!… Oh, alegria!”). Mas, subitamente, volta o mal estar, então, desfalece e cai… Violetta agonizava!…
Todos exclamam, “O cielo! muor!…” (“Oh, céus! Está morrendo!…”). Alfredo grita dolorosamente, “Violetta!!”… Germont exorta, “Oh, Dio! soccorrasi…” (“Oh, Deus! Ajude-se…”). E Dr. Grenvil lamenta: “È spenta!…” (“Está morta!…”). Todos lamentam: “Oh, mio dolor!!…”
– Cai o pano –
“La Traviata” tem sido interpretada por todas as grandes divas. E vem sendo montada, ininterruptamente, desde a estreia, em Veneza, 06/03/1853… Aos 40 anos, com “Rigoletto” e “Il Trovatore”, Verdi formava trilogia magnífica, que o elevou no cenário romântico europeu… E até os 80 anos, seriam mais 40 anos de profícua atividade e outras obras primas, com “Aída”, o monumental “Réquiem”, “Otelo” e “Falstaff”… O mestre italiano, falecido aos 88 anos, 1901, tornou-se autor de óperas mais encenado no mundo…
Giuseppe Verdi e Giuseppina Verdi Strepponi – união de 49 anos, até a morte da esposa, em 1897.
Após estreia, no teatro “La Fenice”, “La Traviata” obteve sucesso no teatro “San Benedetto”, de Veneza, 1854, e imediatamente montada em diversos teatros europeus e americanos… No “Teatro Lyrico Fluminense”, Rio de Janeiro, 1855; “Her Majesty’s Theatre”, Londres, 1856; Théâtre Italien”, Paris, 1856; “Academy of Music”, Nova York, 1856; “Covent Garden”, Londres, 1858; “Metropolitan Opera”, Nova York, 1883; “Opéra”, de Paris, 1886; e muitas se seguiram…
“Teatro Provisório”, depois “Teatro Lyrico Fluminense” – 1852/75, palco de estreias de Verdi, no Brasil.
No Rio Janeiro, “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75, montou “La Traviata”, em 1855, um ano após sucesso no teatro “San Benedetto”… Antes mesmo das estreias em Paris, Londres e Nova York… Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, 1852, “Attila” e “Luisa Miller”, 1853; “Il Trovatore”, 1854, “Rigoletto”, 1856, e “Giovana D’Arco”, 1860… Posteriormente, seria demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…
Além do romance, também adaptação teatral de “Dama das Camélias” foi grande sucesso em Paris, Londres e nos teatros da “Broadway”, New York, final do séc. XIX… No Brasil, Sarah Bernhardt estreou a peça, com Don Pedro II na plateia… E ao longo do sec. XX, diversas produções cinematográficas, tanto do romance, quanto da ópera de Verdi… “Margarite Gautier” tornou-se personagem almejado por grandes atrizes, como Greta Garbo e Vivien Leigh… E cerca de doze filmes foram produzidos, entre 1906 e 1980, seguindo-se adaptações para “rádio e televisão”…
Sarah Bernhardt – atriz pioneira em “Dama das Camélias”, teatro e cinema – filme de 1912 – “Harvard Theatre Collection”, 1891.
Gravações de “La Traviata”
Apesar do fracasso na estreia, “La Traviata”, rapidamente, ganhou os palcos do mundo, tornando-se das mais populares óperas de todos os tempos. Foi imensamente gravada, de modo que apresentamos lista sucinta em CDs e DVDs:
Gravação em áudio – CD Naxos, gravação de 1928
“Orchestra and Chorus of La Scala”, direção Lorenzo Molajoli Solistas: Mercedes Capsir (Violetta) – Lionello Cecil (Alfredo) – Carlo Galeffi (Giorgio Germont) “Teatro alla Scala”, Milão, Itália
Gravação em áudio – LP EMI, 1952
“Orchestra Sinfonica di Milano della RAI”, direção Carlo Maria Giulini Solistas: Renata Tebaldi (Violetta) – Giacinto Prandelli (Alfredo) – Gino Orlandini (Giorgio Germont) “Chorus della RAI”, direção Roberto Benaglio “Teatro alla Scala”, Milão, Itália
Gravação em áudio – LP Melodram / CD Walhall, 1957
“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção Fausto Cleva Solistas: Renata Tebaldi (Violetta) – Giuseppe Campora (Alfredo) – Leonard Warren (Giorgio Germont) New York, USA
Gravação em áudio – LP EMI Classics, 1958
“Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional São Carlos”, direção Franco Ghione Solistas: Maria Callas (Violetta) – Alfredo Kraus (Alfredo) – Mario Sereni (Giorgio Germont) “Coro do Teatro São Carlos”, Lisboa, Portugal
Gravação em áudio – LP/CD Decca, 1963
“Orchestra e Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção John Pritchard Solistas: Joan Sutherland (Violetta) – Carlo Bergonzi (Alfredo) – Robert Merrill (Giorgio Germont) Florença, Itália
Gravação em áudio – LP RCA Victor – CD Sony classical, 1967
“RCA Italiann Opera Orchestra”, direção George Prêtre Solistas: Montserrat Caballe (Violetta) – Carlo Bergonzi (Alfredo) – Sherrill Milnes (Giorgio Germont) “Chorus della RAI”, direção Nino Antonellini “Teatro alla Sacala”, Milão, Itália
Filme em DVD – VAI, 1968
“Orchestra and Chorus of the Roma Opera House”, direção Giuseppe Patanè Solistas: Anna Moffo (Violetta) – Franco Bonisoli (Alfredo) – Gino Bechi (Giorgio Germont) Direção de cena e produção, Mario Lanfranchi Itália, 1968
“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção James Levine Solistas: Teresa Stratas (Violetta) – Plácido Domingo (Alfredo) – Cornell MacNeill (Giorgio Germont) Direção cênica e produção Franco Zeffirelli
Obs: Célebre produção para o cinema, dos anos 80. Franco Zeffirelli, além de cineasta, destacou-se também como diretor de teatro e ópera.
Gravação em DVD – Kultur, 2005
“Orquestra e Coro do Teatro La Fenice”, direção Carlo Rizzi Solistas: Edita Gruberova (Violetta) – Neil Shikoff (Alfredo) – Giorgio Zancanaro (Giorgio Germont) Dançarinos do “Balleto di Toscana” “Gran Teatro La Fenice”, Veneza, Itália
Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 2006
“Wienwer Philharmoniker”, direção Carlo Rizzi Solistas: Anna Netrebko (Violetta) – Rolando Villanzón (Alfredo) – Thomas Hampson (Giorgio Germont) “Wiener Staatopernchor”, direção Rupert Huber Viena, Áustria
Obs: Interessante e inovadora produção, substituindo montagem de época com cenários e figurinos modernos.
Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 2016
“NDR Radiophilharmonie”, direção Keri-Lynn Wilson Solistas: Marina Rebeka (Violetta) – Francesco Demuro (Alfredo) – Thomas Hampson (Giorgio Germont) Coros: “Mädchenchor Hannover”; “Johannes-Brahms-Chor Hannover”; “Mitglieder des Chores der Staatsoper Hannover” “Maschpark”, Hannover, Alemanha
Obs: Produção em forma de concerto, utilizando entorno do palco, ao “ar livre”, com excelente resultado…
Joan Sutherland, soprano australiano – “La stupenda”…
Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “La Traviata”, homenageamos dois grandes sopranos:
– Joan Sutherland e “Orchestra e Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção John Pritchard, 1963 – gravação em áudio…
Vencedora de concurso lírico na Austrália, a jovem Joan Sutherland viajou à Londres para seguir estudos na “Opera School of the Royal College of Music”, onde conheceu e casou-se com Richard Bonynge, pianista e regente. E juntos, trilharam brilhante carreira musical… Em 1960, gravou “The Art of the Prima Donna”, que lhe rendeu um “Grammy Award”, pelo selo Decca, de 1963. Apresentou-se em todos os grandes teatros do mundo, com prestigiados regentes e solistas…
A exemplo de Maria Callas, empenhou-se no resgate de repertório, há muito, abandonado pelos teatros líricos… Nesta produção, Joan Sutherland divide o palco com os excelentes Carlo Bergonzi (Alfredo) e Robert Merrill (Giogio Germont). Conhecida como “La stupenda”, encontrava-se na plenitude vocal – cor, dinâmica, extensão e coloratura. Também destacam-se o belo trabalho do coro, orquestra e direção de John Pritchard…
Capa CD Decca, de “La Traviata”, com Sutherland, Bergonzi e Merrill. Direção John Pritchard, 1963.
– Maria Callas e “Orquestra Sinfônica e Coro do Teatro Nacional São Carlos”, direção Franco Ghione, Lisboa, Portugal, 1958 – gravação em áudio…
Maria Callas, soprano greco-americano – “La divina”…
Nascida em Nova York, USA, María Kekilía Sofía Kalogerópulu, era filha de imigrantes gregos. Dificuldades financeiras, no entanto, forçaram sua mãe retornar à Grécia, onde iniciou estudos musicais no conservatório de Atenas… Destacou-se a partir de 1948, na interpretação de “Norma”, de Bellini… E a década de 50 marcou seus apogeu e intensa agenda. Reduzindo compromissos, a partir dos anos 60, foi estimulada pelo amigo e cineasta, Franco Zeffirelli, retomar carreira, quando realizou 2° Ato de “Tosca”, de Puccini…
Mas, instabilidade emocional a fragilizou, levando abandonar atividades, sobretudo, em meio de expressão tão sensível, como a voz humana. A partir de 1975, com a morte de Aristóteles Onassis, amigos, novamente, tentaram reanimá-la. No entanto, sua última gravação, de 1977, limitou-se à registo do verso “Deh! non m’abbandonar”, da ária “Madre, pietosa vergine”, da “Forza del Destino”, de Verdi. Viria falecer no mesmo ano, de 1977…
Referência entre as interpretações de Maria Callas, a produção do “Teatro São Carlos”, de Lisboa, além da grande diva, apresenta as vozes de Alfredo Kraus (Alfredo) e Mario Sereni (Giorgio Germont). Este ano, de 2023, marca cem anos do nascimento da artista, a quem homenageamos. Conhecida como “La divina”, Callas empenhou-se em colocar a técnica vocal à serviço do drama e dos personagens. Também destacam-se, nesta gravação, o trabalho do coro, orquestra e direção de Franco Ghione…
Vídeo youtube – produção do “NDR Radiophilharmonie”, direção Keri-Lynn Wilson, com Marina Rebeka (Violetta), Francesco Demuro (Alfredo) e Thomas Hampson (Giorgio Germont). No “Maschpark”, Hannover, Alemanha, 2016.
Na última segunda-feira, dia 26 de junho, completaram-se 90 anos do nascimento de um músico excepcional: o milanês Claudio Abbado. Creio que não é necessário fazer maiores apresentações deste que é, seguramente, uma das estrelas mais brilhantes do cintilante panteão de grandes regentes da história. Basta jogar o nome dele ali na caixinha de busca desse site e viajar pela era de ouro do disco.
Abbado faleceu em 2014, aos 80 anos. Gravou muito, muito mesmo, deixando um legado imenso de interpretações que primam pela limpidez e pelo colorido. Foi do barroco a obras de seus contemporâneos, sendo reconhecidamente um grande defensor da música do nosso tempo. Entre as orquestras que dirigiu, estão “apenas” a Sinfônica de Londres, Sinfônica de Chicago, Ópera Estatal de Viena, La Scala, Festival de Lucerna, Orquestra de Câmara Mahler, Orquestra Mozart, Orquestra Jovem da União Européia e, claro, ela, the one and only Filarmônica de Berlim.
Busto de Claudio Abbado na Philharmonie, em Berlim
Para celebrar a data, um disco gravado em Londres, em 1978: aberturas de óperas de Gioachino Rossini — um daqueles casos em que as aberturas são muito mais tocadas por aí do que as próprias óperas. Fiz questão de trazer esse álbum que, à parte a universalmente aclamada Guglielmo Tell (e do curioso caso que conto a seguir), passeia por um repertório menos conhecido, como La scala di seta e Il turco in Italia.
O caso de Elisabetta, regina d’Inghilterra, estreada no San Carlo em Nápoles, é interessante. Enquanto escutava, pensei: “ué, conheço isso!” Pois é, conhecia mesmo: Rossini usou material de obras anteriores para fazer essa ópera, além de usar trechos desta em obras posteriores. A abertura de Elisabetta, regina d’Inghilterra (1815), que já havia sido reaproveitada de Aureliano in Palmira (estreada no La Scala, em Milão, em 1813), foi usada tim tim por tim tim novamente em um de seus maiores sucessos: Il barbiere di Siviglia, de 1816 (estreada no Teatro di Torre Argentina di Roma). A editora Amanda Holden afirmou que é como se Rossini quisesse apresentar, com essa ópera, um cartão de visitas, reunindo algumas de suas bem sucedidas melodias.
Ferdinando Roberto “Interno del Teatro San Carlo di Napoli con la rapprasentazione de “L´ultimo giorno di Pompei´”
Confesso que nem sabia que algumas dessas óperas existiam. Não é uma maravilha quando a gente topa com música que nunca ouviu na vida? Sobretudo quando ela se revela de grande beleza?
Pois vamos celebrar a memória deste grande mestre com esses registros londrinos de um Rossini, talvez, algo b-side, ao menos aos olhos de hoje, já que à época o sucesso que teve foi colossal. O mundo é grande e, que bom, a música é um recurso inesgotável… Viva Abbado!
1 – Semiramide
2 – La scala di seta
3 – Il turco in Italia
4 – Elisabetta, regina d’Inghilterra
5 – Tancredi (edition: Philip Gossett) 6 – Guglielmo Tell
London Symphony Orchestra
Claudio Abbado, regência
Algo me diz que Rossini era uma companhia agradável e animada
“Non conosco un’occupazione migliore del mangiare, cioè, del mangiare veramente. L’appetito è per lo stomaco quello che l’amore è per il cuore. Lo stomaco è il direttore che dirige la grande orchestra delle nostre passioni” (Gioachino Rossini)
A carreira de Saariaho pode ser resumida em duas fases: a primeira nos anos 1980-90, quando ela utilizava artefatos eletrônicos para amplificar os sons dos instrumentos e/ou para adicionar sons novos; a segunda, a partir dos anos 1990, quando a maior parte das obras é apenas para instrumentos acústicos, mas as preocupações estéticas continuam voltadas para timbres raros e inesperados, mesmo que com instrumentos tradicionais. Os harmônicos e sutilezas no toque do arco nas cordas são surpreendentes em obras como Près, para violoncelo e dispositivo eletrônico (1992) e Oi kuu, para violoncelo e clarinete baixo (1990). Esta última nasceu voltada para a lua, pois oi kuu em finlandês significa algo como “para uma lua”.
Este disco, com suas obras completas para violoncelo solo e em duos, pega justamente a transição entre as duas fases: a obra mais antiga é de 1988 e a mais nova, de 2000. Com a palavra, Kaija Saariaho:
Creio que o que me interessa no violoncelo é o seu ambitus [latim: extensão entre a nota mais grave e a mais aguda]. Se imaginarmos por exemplo várias camadas de textura, o registro grave do violoncelo combina com os harmônicos, oferece uma rica palheta de timbres. O fato de que o instrumento seja fisicamente maior que o violino permite uma realização mais precisa das mudanças de cores e de harmônicos. Com o violino, trata-se sobretudo de uma mecânica de precisão mais, para o violoncelo, a escrita é de certa maneira mais realista, mesmo se, naturalmente, ela é igualmente difícil de executar.
O violoncelo é o meu instrumento preferido, ao menos é o que eu creio porque volto a ele regularmente. O fato de haver violoncelistas notáveis que sempre estiveram dispostos a cooperar comigo certamente contribuiu para isso.
Por que apreciamos ou gostamos de alguma coisa, no fundo é difícil responder a esta questão. Quando escrevi Petals, minha primeira peça para violoncelo, eu já estava concentrada sobre a textura. Examinava as diferentes texturas sonoras e as possibilidades de as metamorfosear.
Na década de 1980 eu me interessava pela questão de saber como podemos, ao amplificar ou modificar eletronicamente sons delicados e frágeis, criar uma música irreal e onírica. Como as pequenas coisas às quais dificilmente prestaríamos qualquer atenção podem subitamente tornar-se imensas e ocupar o espaço sonoro.
Então um dia, passe a me interessar pela fragilidade e pela vulnerabilidade em si mesmas. Na minha última peça para violoncelo, Sept Papillons, não quis amplificar o som [com efeitos eletrônicos] mas espero que o ouvinte preste extrema atenção para escutar todas as pequenas nuances, mesmo as mais frágeis.
Ao escrever essas obras, sempre tentei imaginar o som do violoncelo e seus diferentes tipos de toque de forma bastante concreta e física, ou seja, como os dedos se colocam sobre as cordas, como isso soa. São as duas coisas que me importam mais, no fim das contas: a imaginação sonora em si e essa abordagem quase física do instrumento.
Kaija Saariaho, Paris, 2005 (no encarte do disco)
Kaija Saariaho (1952-2023):
1. Petals – pour Violoncelle et dispositif électronique (1988)
2. Oi Kuu – pour Clarinette Basse et Violoncelle (1990)
3. Spins And Spells – pour Violoncelle seul (1997)
4. Mirrors – pour Flûte et Violoncelle (1997)
5-11. Sept Papillons – pour Violoncelle seul (2000)
12-14. Près – pour Violoncelle et dispositif électronique (1992)
Alexis Descharmes – Violoncelo
Nicolas Baldeyrou – Clarinete Baixo (faixa 2)
Jérémie Fèvre – Flauta (faixa 4)
Ainda assopro as feridas e conto os hematomas das trevas de que ora emergimos, enquanto ardo em sanhas de justiça às vítimas dos anos mortíferos em que a ignorância e a truculência foram políticas de Estado no Brasil. Nesse contexto pós-traumático, e instigado pela iniciativa de minha alma mater, eu saúdo e celebro o Dia Internacional do Orgulho trazendo-lhes um punhadinho das muitas lindezas legadas ao mundo por compositores LGBTQIA+.
Uma seleção assim jamais poderá ser inclusiva o bastante para o imenso escopo dessa homenagem, pelo que lhes peço desculpas antecipadas pelas necessárias omissões. Ainda assim, faço questão de oferecê-la à totalidade de vocês – tanto a quem está do lado de cá da luta quanto a quem, desgraçadamente, a rechaça pelos motivos mesmos que a tornam tão necessária. Se a Arte, afinal, é livre, o legado dessa linda gente também é – e deve chegar a todos, mesmo a quem lhes quer dar pontapés.
E a quem é indiferente essa luta diuturna por crer que ela não seja sua, lembro as palavras de Audre Lorde – mulher, lésbica e preta – sobre os grilhões impostos pelo racismo e o machismo…
Não serei livre enquanto alguma mulher não for livre, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas. E não estarei livre enquanto qualquer pessoa de cor estiver acorrentada – e nem estará qualquer de vocês”
… e os convido a constatarem que, pelos mesmos motivos, todos os seres humanos privados de quaisquer de seus direitos fundamentais merecem essa luta, e que ela, portanto, é de todos nós.
Celebremos e protestemos, protejamos e respeitemos – e melhoremos, sempre.
Vassily
A londrina Ethel Smyth (1858-1944) sempre seguiu briosamente seus próprios rumos, o que implicou, como sói acontecer com as mulheres desde bem antes de seus tempos, uma vida de rompimentos: com o pai (que a proibiu de estudar Música), com a sociedade (que dela esperava casamento com um homem e uma penca de filhos) e com o governo (que a impedia, assim como todas as mulheres, de qualquer atividade política). Ethel foi uma ativa sufragista, que compôs o hino do movimento e chegou a ser presa por depredar um prédio público de onde um burocrata afirmara que mulheres só poderiam votar se fossem “submissas como a minha”. Essa criatura porreta estreia no PQP Bach com três álbuns: uma seleção de suas numerosas peças vocais, muitas delas cantadas em alemão, graças a sua temporada de estudos no Conservatório de Leipzig; um robusto trio e sonatas para violino e violoncelo, todos com piano; e sua obra mais inclassificável, The Prison, uma espécie de sinfonia-oratório (pois vocês ouvirão que é muito mais que isso) em que um prisioneiro (baixo-barítono) que contempla o suicídio divaga com sua alma (soprano), que tenta lhe trazer conforto, entre comentários metafísicos do coro.
Quatro canções para voz e orquestra de câmara Lieder und Balladen, Op. 3 Lieder, Op.4
Três canções
Lucy Stevens, contralto
Elizabeth Marcus, piano
Berkeley Ensemble
Odaline de la Martinez, regência
Hans Werner Henze (1926-2012), perseguido em sua Alemanha natal por ser gay e marxista, radicou-se na Itália, onde filiou-se ao Partido Comunista e desenvolveu sua carreira, retornando posteriormente a seu país de origem. Sua variada, riquíssima produção torna especialmente complicada a tarefa de escolher uma fatia que lhe seja mais representativa, de modo que escolhi oferecer-lhes três: a primeira com suas sinfonias de 1 a 6, conduzidas por ele próprio; a seguinte com sua leitura para o oratório Das Floß der Medusa (“A Balsa de Medusa”), inspirado numa célebre pintura mas, em verdade, composto como um réquiem para Ernesto “Che” Guevara, o que levou alguns descontentes a impedirem sua estreia em Hamburgo, em 1968; e a trilha sonora para o filme “Um Amor de Swann”, inspirado no romance de Proust, que eu adorei desde a primeira audição e só descobri ser de Henze ao revisitá-la recentemente.
Das Floß der Medusa, oratório para solistas, coro e orquestra (1968)
Charles Régnier, narrador
Edda Moser, soprano
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Chor des Norddeutschen Rundfunks
RIAS-Kammerchor Chorus
Mitglieder Des Hamburger Knabenchores St. Nikolai
Symphonie-Orchester Des Norddeutschen Rundfunks
Hans Werner Henze, regência
Ninguém estava melhor preparada que Wendy Carlos (1939) para trazer o sintetizador para a ribalta: diplomas em Música e Física, longa experiência em estúdios, colaborações com Robert Moog, inventor do sintetizador homônimo, e uma combinação incomum de meticulosidade e perseverança que a fez, entre outras proezas, montar um estúdio repleto de inventos e cheinho de soluções. Mesmo assim, quando Switched-On Bach (1968) tornou-se o surpreendente maremoto de sucesso que vendeu mais de um milhão de cópias e fez ninguém menos que Glenn Gould chamá-lo de “uma das conquistas mais surpreendentes da indústria fonográfica nesta geração e certamente um dos grandes feitos na história da performance de teclado”, a mui discreta Wendy viu-se jogada ao escrutínio do mundo – e em plena transição. Os fãs pediram mais, e o mundo acabou ganhando outros volumes Switched-On, que acabaram eclipsando outras vertentes do trabalho dela, como a composição de trilhas sonoras (mais famosamente para “A Laranja Mecânica” e “O Iluminado”, do genial e complicadinho Stanley Kubrick, que aproveitou nos filmes muito pouco do que Wendy lhe criou) e seu verdadeiro xodó, suas composições originais que exploram, em altos voos, os recursos que ela própria tanto ajudou a expandir no instrumento. Homenageio esta visionária, brilhante criatura com três álbuns que cobrem o escopo das décadas seguintes a Switched-On Bach : Sonic Seasonings(1972), volume duplo com quatro peças inspiradas nas estações do ano; Digital Moonscapes(1984), em que ela emula uma grande orquestra sinfônica em peças inspiradas em Astronomia, outra de suas paixões; e o eletrizante Tales of Heaven and Hell(1998), uma jornada sônica por um inferno pós-dantesco e neoboschiano. Aproveito o ensejo para fazer-lhes um convite para visitar seu site oficial, deliciosamente antiquado (mesmo porque não é atualizado desde 2009!), com muitas colaborações da própria Wendy, na esperança de que um influxo de visitantes faça a genial reclusa pelo menos reaparecer para nos dar um oi 🙂
Spring Summer Fall Winter Winter (Outtake) Aurora Borealis Midnight Sun
BÔNUS: de lambujem, alcanço-lhes também o único álbum infantil composto por Wendy, lançado em 1988, numa colaboração com outra figura única – Weird Al Yankovic. As tramas de “Pedro e o Lobo” e “O Carnaval dos Animais” são aqui recontadas sem uma nota sequer de Prokofiev e Saint-Saëns, com música totalmente nova e alguns aditivos curiosos, como o peculiar instrumento usado por Pedro para capturar o lobo, e alguns seres tão invulgares quanto os intérpretes, como o aardvark e o unicórnio. É ouvir para crer.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), minha querida alma mater, encheu-me de orgulho ao tornar a mítica Elza Soares doutora honoris causa em plena era de trevas, e antes mesmo da era da morte, vaticinada por um comentarista da homenagem que fiz a Elza: “Tamanho inverno, como estamos passando, ainda matará muita vida, mas há de passar”. Pois, se o inverno passou, ficaram suas sequelas, e seguem bem vivos os violentos e intolerantes ventos que nos levaram a ele. Por isso, saúdo a iniciativa da alma mater de marcar o 54° aniversário dos levantes de Stonewall e o Dia Internacional do Orgulho com a celebração, em sua rádio, da música e da trajetória de artistas LGBTQIAPN+.
Enquanto prometo voltar mais tarde com uma postagem, estendo-lhes o convite feito pela Universidade:
“Nesta quarta-feira, 28 de junho, a Rádio da Universidade apresenta o “Especial LGBTQIAPN+”. Ocupando praticamente toda a sua programação, o especial é um convite da emissora à celebração e uma forma de chamar atenção para a importância desta data, o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+.
🏳️🌈 A seleção musical, organizada em sete blocos temáticos, cada um com um texto introdutório, traz mais de 60 obras de musicistas LGBTQIAPN+, do século XVI aos nossos dias, totalizando mais de 40 nomes! Dentre os blocos, estão: “Wendy Carlos, mulher trans, compositora e pioneira da música eletrônica”, “Musicistas LGBTQIAPN+ do passado: compondo e lidando com o preconceito” e “Anos 80-90: o impacto do fantasma da AIDS no trabalho de compositores gays”.
Créditos da programação musical do Especial:
Coordenação, pesquisa, seleção musical e textos: Cláudio Remião.
Locução: Cláudia Rocca e Liz de Bortoli
Técnica: Jorge D’ávila, Luiz Fogassi e Vladimir Fontoura.
Apoio na divulgação: Mariana Sirena”
Marc-André Hamelin é, atual e merecidamente, um dos maiores nomes do piano. De habilidade miraculosa, não é um pianista que se apoie apenas em seu virtuosismo, também interpreta com senso de estilo seu material preferido, o das obras complicadas…
Neste CD duplo, ele se debruça sobre o estranho CPE Bach, compositor que tem o vanguardismo no sangue. O CD é sensacional e intrigante. Como disse o crítico da Gramophone, certos artistas parecem encontrar um portal secreto como o de Quero ser John Malkovich e entram nos cérebros de cada compositor que tocam. Marc-André Hamelin certamente está entre eles. E quando o cérebro é o do dissidente da dinastia Bach, Carl Philipp Emanuel, podemos esperar coisas extraordinárias. Com uma música enraizada no legado de seu pai, mas tão distante quanto Brahms e Schumann, CPE é uma daquelas figuras que desafiam a visão linear da história da música. Os dois discos generosamente preenchidos de Hamelin são um argumento forte não apenas para o significado histórico do compositor, mas também mostram que apenas o piano moderno serve a seus vôos ilimitados de imaginação e justaposições inquietantes. Neste Hamelin se junta a DannyDriver (2 posts diferentes) e Mikhail Pletnev (DG) entre os mais distintos pianistas modernos e enfrentarem CPE. Entre as peças de personagens da seleção de Hamelin, destaca-se o maluco L’Aly Rupalich (H95), trazido à vida aqui com muito entusiasmo e inteligência. É possível ouvir esta peça sem mexer o corpo? Eu duvido. Ao longo do programa, o deleite e o prazer de Hamelin são altamente contagiantes. O ensaio informativo do livreto é de Mahan Esfahani, ele próprio um expoente experiente de CPE Bach no cravo. Resumindo, não consigo pensar em uma introdução melhor a CPE Bach no piano moderno do que esses dois alegres discos.
Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788): Sonatas & Rondos (Hamelin)
CD1
Sonata in A minor H247 Wq57/2[9’21]
1 Allegro[3’23]
2 Andante[1’50]
3 Allegro di molto[4’08]
4 Rondo in E major H265 Wq57/1[8’07]
Fantasia in C major H291 Wq61/6[6’07]
5 Presto di molto[0’38]
6 Andante[1’30]
7 Presto di molto[0’40]
8 Larghetto sostenuto[2’00]
9 Presto di molto[1’19]
Sonata in E minor H66 Wq62/12[15’49]
10 Allemande[2’51]
11 Courante[2’21]
12 Sarabande[3’42]
13 Menuet[4’37]
14 Gigue[2’18]
15 Abschied von meinem Silbermannischen Claviere, in einem Rondo H272 Wq66[7’56]
Arioso with 9 variations in C major H259 Wq118/10[13’38]
16 Arioso[1’18]
17 Variation 1[1’17]
18 Variation 2[1’06]
19 Variation 3[1’18]
20 Variation 4[1’16]
21 Variation 5[1’07]
22 Variation 6[1’18]
23 Variation 7[1’51]
24 Variation 8[1’31]
25 Variation 9[1’36]
26 March in G major BWVAnh124[1’22]
27 Solfeggio in C minor H220 Wq117/2[0’59]
CD2
28 Rondo in C minor H283 Wq59/4[4’40]
Sonata in F minor H173 Wq57/6[12’45]
29 Allegro assai[3’30]
30 Andante[4’16]
31 Andantino grazioso[4’59]
32 L’Aly Rupalich H95 Wq117/27[2’48]
Sonata in D major H286 Wq61/2[5’12]
33 Allegro di molto[2’19]
34 Allegretto[1’16]
35 Presto di molto[1’37]
Sonata in A flat major H31 Wq49/2[14’11]
36 Un poco allegro[6’11]
37 Adagio[4’01]
38 Allegro[3’59]
39 Rondo in B flat major H267 Wq58/5[5’14]
Sonata in E minor H281 Wq59/1[7’29]
40 Presto[3’24]
41 Adagio[1’37]
42 Andantino[2’28]
43 La complaisante H109 Wq117/28[2’55]
44 Rondo in E major H274 Wq58/3[4’06]
Freie Fantasie fürs Clavier in F sharp minor H300 Wq67[12’16]
45 Adagio[2’32]
46 Allegretto[0’43]
47 Largo[1’17]
48 Adagio[1’20]
49 Largo[1’54]
50 Adagio[1’54]
51 Allegretto[0’41]
52 Adagio[0’53]
53 Allegretto[0’32]
54 Largo[0’30]
O pobre Inácio ficava cada vez mais confuso na medida que o concerto avançava – havia sido convocado pelo seu amigo Ludovico para virar as páginas da partitura na noite de estreia de seu concerto para piano, mas as páginas estavam praticamente em branco. ‘No máximo, em uma página ou outra alguns hieróglifos egípcios totalmente incompreensíveis para mim, mas ele havia anotado para servir de pontos de referência. Ele tocou quase todo o concerto de memória, já que, como então aconteceu, não teve tempo de colocar tudo no papel’.
O que pode acontecer quando se reúnem um medalhista de ouro do Concurso Van Cliburn, uma das grandes orquestras americanas e uma cantora excepcional? Pois aqui você verá que acontece uma viagem artística em um relativamente curto espaço de tempo, do classicismo ao romantismo.
O que nós conhecemos como Concerto para Piano No. 1 não foi a primeira tentativa no gênero feita por Beethoven. Houve um concerto escrito na adolescência e uma longa gestação do concerto que agora conhecemos como o de número 2. Esses concertos marcam sua transição de Bonn para Viena e estão completamente imersos no universo clássico dos concertos de Haydn, Mozart e CPE Bach (espero que o boss esteja lendo estas linhas e que lhe seja agradável esta justa menção ao parente).
O Concerto No. 3 foi composto no limiar do novo século em 1800 e atinge o que uma certa torcida chama de ‘um novo patamar’. A tonalidade é dó menor e a estreia só se deu em 1803. Nesse período a vida do Ludovico andou complicada. 1802 foi o ano do Testamento de Heiligenstadt e o período também assistiu o nascimento de outras obras importantes. A orquestra que acompanha o piano é bem mais rica do que nos casos anteriores, contando com flautas, oboé, clarinetes e até trompetes.
Mas ele não ficou por aí e em 1807 veio o Concerto No. 4. A novidade está já na abertura, com o solista entrando bem no começo do concerto. A estreia não poderia ser mais marcante, uma vez que no pantagruélico concerto também fizeram as suas estreias a Quinta, a Sexta Sinfonia e a Fantasia Coral, tudo dedicado ao Arquiduque Rodolfo. Esta foi a última apresentação pública de Beethoven como o solista de um concerto.
O último concerto, apelidado de ‘Imperador’ pelo editor inglês das obras de Beethoven, foi o único dos concertos a não ser estreado pelo próprio compositor. Na primeira apresentação privada o intérprete foi o amigo e patrono e aluno Arquiduque Rodolfo. Na primeira apresentação pública o intérprete foi Friedrich Schneider. Assim como a orquestra estava sendo expandida, as ideias de Beethoven demandavam instrumentos maiores, melhores. O Imperador realmente abriu caminho para os concertos românticos que estavam por vir.
Haochen foi confundido com um medalhista de ouro da Olimpíada de Matemática quando estava dando entrevista para o pessoal do PQPBach
Nesta integral o intérprete é o ainda jovem e espetacular pianista Haocheng Zhan, que estudou inicialmente no Conservatório de Shangai e na Escola de Arte Shenzhen com o professor Dan Zhaoiy e graduou-se pelo Curtis Institute of Music, na Filadélfia, tendo como professor o pianista Gary Graffman. Em 2009 ele ganhou a Medalha de Ouro do Concurso Van Cliburn e agora tem uma carreira internacional completamente consolidada como solista e como músico de câmara.
A Orquestra da Filadélfia é uma das maiores e é uma verdadeira instituição, oferecendo à sua comunidade muito mais do que os anuais concertos. Para reger esse maravilhoso grupo temos Nathalie Stutzmann, mais conhecida anteriormente por sua carreira de cantora contralto, excelente no repertório barroco e como intérprete de Lieder. Atuando agora como regente, na verdade Nathalie começou na música ainda muito jovem, estudando piano, fagote, violoncelo e … regência, com Jorma Panula. Seiji Ozawa e Simon Rattle tiveram papel importante em sua formação. Além de ser a Principal Regente Convidada da Orquestra da Filadélfia, ela é a diretora artística da Orquestra Sinfônica de Atlanta. Vocês poderão ver como a sob a sua batuta a orquestra canta magnificamente.
Nathalie flagrada na entrada do PQP Bach Hall em Novo Hamburgo
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Concerto para Piano No. 1 em dó menor, Op. 15
Allegro con brio
Largo
Rondo
Concerto para Piano No. 2 em si bemol maior, Op. 19
Allegro con brio
Adagio
Rondo
Concerto para Piano No. 3 em dó menor, Op. 37
Allegro con brio
Largo
Rondo
Concerto para Piano No. 4 em sol maior, Op. 58
Allegro moderato
Andante con moto
Rondo
Concerto para Piano No. 5 em mi bemol maior, Op. 73 ‘Imperador’
Zhang offers some breathtakingly beautiful moments…The Philadelphia Orchestra, here conducted by Nathalie Stutzmann, is one of those rare musical juggernauts that has its musical own distinctive sound. [BBC Music Magazine]
Together, Zhang and Stutzmann’s Beethoven is at once stylistically assured and not quite like any other.[Gramophone]
Os cinco concertos de Beethoven levaram, num curto espaço de tempo, entre os fins de 1780 até 1811, um gênero musical que havia atingido um nível de perfeição com a obra de Mozart, a uma nova dimensão artística. Os dois últimos concertos eram tão inovadores nos dias que foram criados que não foram mais ouvidos por muitos anos depois de suas estreias. O Concerto No. 4 foi retomado por Mendelssohn na década de 1830, que o levou para diversos centros musicais em suas turnês. Clara Schumann também o tomou como peça em seu repertório e gostava muito dele. Já o Imperador teve que esperar por Liszt para que realmente pudesse passar a ser apreciado pelas plateias mais diversas.
Você, por outro lado, só precisa baixar o arquivo e se deliciar com essa maravilhosa música. Ah, e se puder, deixe comentário para sabermos se gostou… repassarei tudo para o Ludovico.
Aproveite!
René Denon
Outra integral dos concertos para piano de Beethoven boa para caramba:
Estes CDs já estavam há alguns dias disponíveis, mas eu não conseguia tempo para vir aqui e organizar as coisas. Como agora estou saindo para o GreNal, não terei tempo de grandes textos a respeito de algumas destas músicas que realmente amo. Por exemplo, a Sonata para Violino e Piano Nº2. Há homenagem maior a papai do que seu primeiro movimento? E o Dolce semplice que me deixa perto das lágrimas a cada audição? E os quartetos 2 e 3? E o belíssimo Adagio & Allegro para trompa e piano? Dizer o quê? Que precisamos ganhar do Grêmio para mantermos acesa a chama — em verdade um pau de fósforo queimado pela metade — da Libertadores? Bom, vocês já sabem. A gravação é excelente, demonstrando que há franceses que são tão bons que parecem alemães. Devem ter nascido na Alsácia Lorena, né?
Schumann – Música de Câmara Completa
CD 4
# Sonata for violin & piano No. 2 in D minor, Op. 121
# String Quartets (3), Op. 41 No 1 in A minor
36. Schumann : Violin Sonata No.2 in D minor Op.121 : I Un poco lento
35. Schumann : Violin Sonata No.2 in D minor Op.121 : II Molto animato
34. Schumann : Violin Sonata No.2 in D minor Op.121 : III Dolce semplice
33. Schumann : Violin Sonata No.2 in D minor Op.121 : IV Animato
32. Schumann : String Quartet No.1 in A minor Op.41 No.1 : I Introduzione – Andante espressiveo – Allegro
31. Schumann : String Quartet No.1 in A minor Op.41 No.1 : II Scherzo – Presto – Intermezzo
30. Schumann : String Quartet No.1 in A minor Op.41 No.1 : III Adagio
29. Schumann : String Quartet No.1 in A minor Op.41 No.1 : IV Presto
Jean Hubeau, piano
Jean Moulliere, violin
Quatuor Via Nova
CD 5
# String Quartets (3), Op. 41 No 2 in F minor
# String Quartets (3), Op. 41 No 3 in A minor
# 5 Stücke im Volkston for cello & piano, Op. 102
28. Schumann : String Quartet No.2 in F major Op.41 No.2 : I Allegro vivace
27. Schumann : String Quartet No.2 in F major Op.41 No.2 : II Andante, quasi variazioni
26. Schumann : String Quartet No.2 in F major Op.41 No.2 : III Scherzo – Presto
25. Schumann : String Quartet No.2 in F major Op.41 No.2 : IV Allegro molto vivace
24. Schumann : String Quartet No.3 in A major Op.41 No.3 : I Andante espressivo – Allegro molto moderato
23. Schumann : String Quartet No.3 in A major Op.41 No.3 : II Assai agitato – Un poco adagio – Tempo risoluto
22. Schumann : String Quartet No.3 in A major Op.41 No.3 : III Adagio molto
21. Schumann : String Quartet No.3 in A major Op.41 No.3 : IV Finale – Allegro molto vivace
20. Schumann : 5 Stücke im Volkston Op.102 : I Mit Humor
19. Schumann : 5 Stücke im Volkston Op.102 : II Langsam
18. Schumann : 5 Stücke im Volkston Op.102 : III Nicht schnell
17. Schumann : 5 Stücke im Volkston Op.102 : IV Nicht zu rasch
16. Schumann : 5 Stücke im Volkston Op.102 : V Stark und markiert
Quatuor Via Nova
Frederic Lodeon, cello
David Hovora, piano
CD 6
# Adagio & Allegro for horn & piano in A flat major, Op. 70
# Märchenbilder for viola & piano, Op. 113
# 3 Romances for oboe & piano, Op. 94
# Märchenerzählungen for clarinet, viola & piano, Op. 132
# Phantasiestücke for clarinet & piano, Op. 73
15. Schumann : Adagio & Allegro in A flat major Op. 70
14. Schumann : Märchenbilder Op.113 : I Nicht schnell
13. Schumann : Märchenbilder Op.113 : II Lebhaft
12. Schumann : Märchenbilder Op.113 : III Rasch
11. Schumann : Märchenbilder Op.113 : IV Langsam
10. Schumann : 3 Romances Op.94 : I Nicht schnell
09. Schumann : 3 Romances Op.94 : II Einfach, innig
08. Schumann : 3 Romances Op.94 : III Nicht schnell
07. Schumann : Märchenerzählungen Op.132 : I Lebhaft, nicht zu schnell
06. Schumann : Märchenerzählungen Op.132 : II Lebhaft und sehr markant
05. Schumann : Märchenerzählungen Op.132 : III Ruhiges tempo, mit zartem Ausdruck
04. Schumann : Märchenerzählungen Op.132 : IV Lebhaft, sehr markiert
03. Schumann : 3 Fantasiestücke Op. 73 : I Zart und mit Ausdruck
02. Schumann : 3 Fantasiestücke Op. 73 : II Lebhaft, leicht
01. Schumann : 3 Fantasiestücke Op. 73 : III Rasch und mit Feuer
Jean Hubeau, piano
Pierre del Vescovo, horn
Gerard Caussé, viola
Pierre Pierlot, oboe
Walter Boeykens, clarinet
Vocês sabem que a gente não somos mole, então vamos atacar também em outra frente: a da música de câmara do marido louquinho de Clara Schumann. Este CD sêxtuplo é um verdadeiro tesouro. É óbvio que iniciam pelo filé, o Quarteto e o Quinteto. São o “the best of”, sem dúvida e, se Alexander Kluge utilizou o Andante cantabile do Quarteto em um de seus filmes (era O Ataque do Presente Contra o Restante do Tempo ou A Patriota?), Ingmar Bergman tornou o In modo d’una Marcia do Quinteto trilha sonora de Fanny e Alexander. A estrutura do Quarteto me seduz mais, talvez pela forma com que Schumann fez os movimentos dialogarem entre si, o que é digno de meu espanto a cada audição. Os outros dois CDs de trios são um pouco inferiores, mas não muito. Só não vou comentá-los porque os confundo… Estava procurando um troço no 1 e era no 3… Melhor não arriscar comentários ainda mais infelizes do que os que faço normalmente.
Como meu HD está cheio e preciso abrir espaço, agora vocês recebem postagens de 3 CDs, mas não pensem que é por generosidade, bondade ou outra palavra sentimentalóide. É que, por uma estranha e incoercível compulsão, não podemos parar com o blog. Ah, encontrei nas internets da vida a numeração das faixas dos CDs invertida. Começa em 64 e termina em 1. Como veem, há neuroses bem mais graves que a nossa.
Schumann – Música de Câmara Completa
CD 1
# Piano Quartet in E flat major, Op. 47
# Piano Quintet in E flat major, Op. 44
64. Schumann : Piano Quartet in E flat major Op.47 : I Sostenuto assai – Allegro, ma non troppo
63. Schumann : Piano Quartet in E flat major Op.47 : II Scherzo – Molto vivace
62. Schumann : Piano Quartet in E flat major Op.47 : III Andante cantabile
61. Schumann : Piano Quartet in E flat major Op.47 : IV Finale – Vivace
60. Schumann : Piano Quintet in E flat major Op.44 : I Allegro brillante
59. Schumann : Piano Quintet in E flat major Op.44 : II In modo d’una Marcia
58. Schumann : Piano Quintet in E flat major Op.44 : III Scherzo – Molto vivace
57. Schumann : Piano Quintet in E flat major Op.44 : IV Allegro, ma non troppo
Jean Hubeau, piano
Jean Moulliere, violin
Jean-Pierre Sabouret, violin (op.44)
Claude Naveau, viola
Jean-Marie Gamard, cello
CD 2
# Piano Trio No. 1 in D minor, Op. 63
# Piano Trio No. 2 in F major, Op. 80
56. Schumann : Piano Trio No.1 in D minor Op.63 : I Mit Energie und Leidenschaft
55. Schumann : Piano Trio No.1 in D minor Op.63 : II Lebhaft, doch nicht zu rasch
54. Schumann : Piano Trio No.1 in D minor Op.63 : III Langsam, mit inniger Empfindung
53. Schumann : Piano Trio No.1 in D minor Op.63 : IV Mit Feuer
52. Schumann : Piano Trio No.2 in F major Op.80 : I Sehr lebhaft
51. Schumann : Piano Trio No.2 in F major Op.80 : II Mit innigem Ausdruck
50. Schumann : Piano Trio No.2 in F major Op.80 : III In mässiger Bewegung
49. Schumann : Piano Trio No.2 in F major Op.80 : IV Nicht zu rash
Jean Hubeau, piano
Jean Moulliere, violin
Frederic Lodeon, cello
CD 3
# Piano Trio No. 3 in G minor, Op. 110
# Phantasiestücke for violin, cello & piano in A minor, Op. 88
# Sonata for violin & piano No. 1 in A minor, Op. 105
# Sonata for violin & piano, WoO 22 Second Movement, intermezzo
48. Schumann : Piano Trio No.3 in G minor Op.110 : I Bewegt, doch nicht zu rasch
47. Schumann : Piano Trio No.3 in G minor Op.110 : II Ziemlich langsam
46. Schumann : Piano Trio No.3 in G minor Op.110 : III Rasch
45. Schumann : Piano Trio No.3 in G minor Op.110 : IV Kräftig, mit Humor
44. Schumann : Fantasiestücke Op. 88 : I Romanze
43. Schumann : Fantasiestücke Op. 88 : II Humoreske
42. Schumann : Fantasiestücke Op. 88 : III Duett
41. Schumann : Fantasiestücke Op. 88 : IV Finale
40. Schumann : Violin Sonata No.1 in A minor Op.105 : I Mit leidenschaftlichem Ausdruck
39. Schumann : Violin Sonata No.1 in A minor Op.105 : II Allegretto
38. Schumann : Violin Sonata No.1 in A minor Op.105 : III Lebhaft
37. Schumann : Violin Sonata in A minor, “FAE” : II Intermezzo
Jean Hubeau, piano
Jean Moulliere, violin
Frederic Lodeon, cello
Um bom disco de música barroca. Valentini não é Vivaldi nem Corelli nem D. Scarlatti, mas não é nada trouxa. Esses compositores parecem sobreviver longe dos concertos, mas estão nos CDs. Gente como Galuppi, Pergolesi, Torelli, Leo, Albinoni, Bonporti, Tartini, Bononcini, Cimarosa, Dall’Abaco, Marcello, Manfredini, Locatelli, Pisendel, Rosetti, Soler, Alessandro Scarlatti, Zipoli, Veracini, e, sim, Valentini são dificilmente vistos em programas de recitais, só em gravações mesmo. Neste CD você encontrará um variado conjunto de concertos tipicamente barrocos italianos. Aqueles que conhecem apenas Vivaldi só poderão ficar agradavelmente surpresos e satisfeitos com esta música que tem a mesma gama de emoções, surpresas, complexidades e temas cantáveis. As performances são brilhantes, o Ensemble 415 e Chiara Banchini usam apropriadamente instrumentos de época. A gravação é tecnicamente muito boa também. Se você gosta de música barroca, não pode errar com este CD.
Giuseppe Valentini (1681-1753): Concerti Grossi e A Quattro Violini, Op. VII (Ensemble 415 / Banchini)
Concerto Grosso No. 11, La Mineur “A Quattro Violini”
1 Largo 3:21
2 Allegro 5:46
3 Grave 0:45
4 Allegro E Solo 3:20
5 Presto 1:22
6 Adagio 3:09
7 Allegro Assai 1:29
Pianista, polímata, foi criança prodígio, e agora Kit Armstrong está ensinando apreciação musical à inteligência artificial. Kit Armstrong compunha música aos cinco anos, estudava ciências na universidade aos 10 anos, foi solista de grandes orquestras durante a adolescência, e fez o mestrado em Matemática Pura só para ‘relaxar’.
Esta é a abertura de uma reportagem escrita por Enid Tsui para um jornal de Hong Kong em dezembro de 2022, quando o então jovem de 30 anos Kit Armstrong daria concertos por lá.
Este disco já tem dez anos, mas parece ter sido lançado ontem. O programa reúne uma coletânea de Prelúdios Corais de Bach, seguidos de uma peça escrita pelo próprio Kit Armstrong – uma fantasia sobre BACH. Segue a Partita em si bemol maior, BWV 825, e uma escolha de peças de Ligeti, da série Musica ricercata. Como você já deve saber, vintage Ligeti, composições da década de 1950, mas que soam bastante novas para mim.
Com a ajuda de nosso tradutor multilíngue, descobrimos o que disse sobre o disco um comprador da Amazon no Japão: É diferente da chamada performance de época de Bach, mas é uma performance maravilhosa que faz você sentir oração e significado em cada nota. Sinto até frescor. Ainda não há valor de nome, mas não há dúvida de que ele é uma pessoa talentosa que será responsável pelo futuro.
Encerrada a visita ao estúdio. O americano, que tem só 22 anos, não apenas demonstra incrível presença [carisma] em concerto, mas desde antes detinha uma reputação de gênio completo, com diplomas em Matemática e Composição. O fato de que ele só agora tenha consolidado sua carreira com uma estreia em CD deve-se provavelmente a Alfred Brendel, que o encorajou anteriormente. E deve ter sido Brendel que familiarizou o bachiano pianista Armstrong com as antigas gravações de Edwin Fischer, a quem admirava tanto. Isso porque o “poder mágico da paz interior”, que Brendel certa vez apontou enquanto escutava o Bach de Fischer, encontra-se em cada virada de página nos doze Prelúdios-corais que Armstrong gravou. Ele banhou com suave luminosidade alguns célebres ‘bálsamos’ da alma, como “Jesu, meine Freude” e “Allein Gott in der Höh’ sei Ehr”. E ele interpreta de maneira declamatória, fluência e delicadeza “O Mensch, bewein dein´ Sünde groß”. Apesar de toda discrição e nobreza no fraseado, que o próprio Armstrong leva muito a sério na Partita no. 1, BWV 825, esse Bach é muito mais moderno que o de seu mentor. O que, por um lado, não é uma proeza: afinal, Brendel espessava Bach romanticamente. Armstrong, por outro lado, consegue conectar coração e mente ao tornar a lógica interna das obras transparente com naturalidade. Armstrong combinou essas obras com sua própria “Fantasia sobre B-A-C-H” e meia dúzia de peças do ciclo “Música Ricercata”, de György Ligeti, completado em 1953. Enquanto Armstrong espalha fragmentos melódicos de Bach aqui e ali em sua Fantasia, essa obra de 2011 não é um peso-leve pós-moderno. Os atritos são deslumbrantemente ousados demais para isso. E bem no final o ritmo torna-se mecanicamente furioso, como se Armstrong tivesse em mente o americano Conlon Nancarrow, que Ligeti redescobrira. Tremenda, então, é a facilidade com que estabelece o neobarbarismo e os polirritmos diabólicos de Ligeti! Nada mau o cartão de visitas que Armstrong usou para recomendar-se ao futuro. [Guido Fischer]
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Jesus Christus unser Heiland, BWV 666
Bicinium: Allein Gott in der Höh’ sei Ehr’, BWV 711
In dulci jubilo, BWV 729
Vom Himmel hoch, da komm’ ich her, BWV 738
Gottes Sohn ist kommen, BWV 724
Christ lag in Todesbanden, BWV 625
Wer nur den lieben Gott lässt walten, BWV 690
In dich hab’ ich gehoffet, Herr, BWV 712
Jesu, meine Freude, BWV 713
Herr Jesu Christ, dich zu uns wend’, BWV 655
Allein Gott in der Höh’ sei Ehr’, BWV 715
O Mensch, bewein’ dein’ Sünde groß, BWV 622
Kit Armstrong (1992 – )
Fantasy on BACH
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Partita No. 1 in B Flat Major, BWV 825
Praeludium
Allemande
Courante
Sarabande
Menuett I & II
Gigue
György Ligeti (1923 – 2006)
Musica Ricercata
Tempo Di Valse (Poco Vivace) ” L’orgue de Barbarie”
Allegro Con Spiritu
Vivace. Capriccioso
Adagio. Mesto. Allegro Maestoso (Bla Bartk in Memoriam)
“I have experienced lots of wonderful things as a full-time musician since graduating from my cience studies in 2012. I will still tour a lot [as a concert pianist], but to be only a performer, selling the same product again and again, it has become less important for me than an overarching idea of what I can do for classical music.” KA
‘I had to make time for him’: Alfred Brendel on Kit Armstrong
‘Eu precisei arranjar tempo para ele!’
A uncharacteristic decision to take on an extraordinary pupil has brought new insights for both Alfred Brendel and Kit Armstrong. Leia a reportagem aqui.
Uma decisão incomum de aceitar um aluno extraordinário trouxe novas perspectivas tanto para Alfred Brendel quanto para Kit Armstrong.
Veja também o documentário: Set the Piano Stool on Fire
Prefiro começar falando do que não gosto na música clássica britânica: exageros de solenidade, pompa e circunstância sobre um chão de harmonias banais. É o que eu penso quando ouço Elgar, por exemplo, ou certas obras de Vaughan Williams com metais grandiosos, como a sua 4ª sinfonia, ou a escrita coral tediosa da 1ª sinfonia. Por essas e outras, é costume dizer que depois da morte de Henry Purcell, ainda nos 1600, aquela ilha ficou sem qualquer nome relevante na música clássica até bem recentemente. Dinheiro não faltou, pelo contrário: Haydn enriqueceu em duas viagens a Londres, Händel se mudou para lá e Chopin, após separar-se de George Sand, fez uma longa turnê pela Inglaterra e Escócia. Muito abertos aos talentos estrangeiros e com grana pra bancar, o que lhes faltava eram ideias locais relevantes.
A controvérsia, então, seria sobre quem fez algo que preste após esse longo intervalo. Nosso patrão PQP Bach diz que foi Benjamin Britten (1913-1976), mas eu acho que foi Ralph Vaughan Williams: aluno de Ravel, ele conseguiu, em seus melhores momentos, fazer obras que associam a orquestração de jeito mais francês com melodias singelas do interior da Inglaterra. Atenção para a frase anterior: só nos melhores momentos. Das suas 9 sinfonias (ele também foi alvo da “maldição da nona”), entendo que as melhores são justamente aquelas desprovidas de pompa e circustância inglesas. Sua 3ª Sinfonia foi composta pouco após a 1ª Guerra Mundial, o apelido “pastoral” se refere menos a cantos de pássaros e mais às paisagens rurais em ruínas após as batalhas. E sua 5ª Sinfonia foi estreada em 1943, durante outra guerra. Ambas têm um ar de elegia e de respeito pelos pisoteados do mundo, mas não exatamente de tristeza: não é música que coloca as pessoas para baixo, talvez por causa da inspiração e mesmo fascinação por melodias populares que Vaughan Williams tinha em comum com B. Bartók e D. Scarlatti.
As duas gravações que trago hoje são de maestros de fora das ilhas britânicas: nascidos em 1929 e 1931, ambos eram um tanto distanciados de Vaughan Williams tanto em lugar de nascimento como em idade, mas ainda assim eram contemporâneos, pois já eram adultos quando o compositor faleceu. O russo Guennady Rozhdestvensky provavelmente teve contato mais próximo com a música de R.V.W. quando foi maestro principal da Orquestra da BBC, em Londres, de X a X. De volta à Rússia, regeu essas sinfonias em Leningrado (São Petesburgo), com os músicos russos dando à Sinfonia Pastoral um belo colorido. Destaque ainda para a capa da gravadora russa Melodia, com um ar vintage de papel envelhecido que é puro espetáculo, pois as gravações são de 1988 e o lançamento em CD, de 2014.
Já o holandês Bernard Haitink regeu incontáveis vezes a Sinfônica e a Filarmônica de Londres, tendo gravado com esta última as 9 sinfonias de Vaughan Williams, bem como outras obras como a Norfolk Rhapsody nº 1 e The Lark Ascending, que aparecem neste disco. Esta última é uma peça para violino e orquestra também de tom bucólico, pastoral, e nesta gravação a violinista Sarah Chang era uma adolescente, uma estrela ascendente, que executa sua parte com uma simplicidade, uma inocência que combina bem com a partitura.
Ralph Vaughan Williams (1872-1958): Pastoral Symphony (Symphony No. 3) (1921)
I. Molto Moderato 11:42
II. Lento Moderato 8:35
III. Moderato Pesante 7:33
IV. Lento 10:14
Soprano – Elena Dof-Donskaya
Symphony No. 4 in F minor (1934)
I. Allegro 10:05
II. Andante Moderato 9:07
III. Scherzo. Allegro Molto 5:47
IV. Finale Con Epilogo Fugato. Allegro Molto
Guennady Rozhdestvensky, Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Live – Great Hall of the Leningrad Conservatory, 1988
Ralph Vaughan Williams (1872-1958): Symphony No.5 in D major (1943)
I: Preludio (Moderato) 12:38
II: Scherzo (Presto) 5:33
III: Romanza (Lento) 13:29
IV: Passacaglia (Moderato) 11:27 Norfolk Rhapsody No.1 (1906-1914) 11:36 The Lark Ascending (1914-1921) (Romance for violin on a poem by George Meredith) 13:33
Violin – Sarah Chang
Os dois Concertos para Violoncelo deste CD são simplesmente maravilhosos! Arto Noras é um solista vigoroso e elegante em todas as três obras, embora apenas uma – o Concerto nº 2 – tenha sido originalmente projetada para esse instrumento. A composição descrita como “Concerto para Violoncelo nº 1” começou como uma obra para violino de cinco cordas (um violino com extensão de viola), enquanto – de acordo com o livreto – existem pelo menos seis versões do Concerto para viola, incluindo a opção de tocar o solo no violoncelo. A música de Penderecki, felizmente, é bem menos complicada do que tudo isso, e o Concerto nº 2, concluído em 1982 e executado pela primeira vez por Rostropovich, é uma das demonstrações mais satisfatórias de seu estilo posterior, descaradamente romântico. Com seus 35 minutos contínuos, ele mantém um forte perfil dramático‚ e o foco obsessivo em materiais temáticos – com fortes ecos da Funeral Music de Lutoslawski – é compensado por ocasionais pelos humores explosivos do radicalismo juvenil de Penderecki. Esse estilo inicial ganha maior espaço no Primeiro Concerto, uma divertida exploração frenética de extremos, próximo de uma erupção vulcânica. É uma música emocionante, na qual os efeitos sonoros importam mais do que os temas. O Concerto para Viola, escrito cerca de um ano depois do Segundo Concerto para violoncelo, é mais fraco. Mas Noras despacha tudo com raro brilho.
Krzysztof Penderecki (1933-2020): Complete Cello Concertos (Noras, Sinfonia Varsovia, Penderecki)
1 Concerto for cello and orchestra No.1 (1967-1972) 17:48
2 Concerto for cello and orchestra No.2 (1982) 35:06
3 Concerto for viola and chamber orchestra 20:16
Cello – Arto Noras
Conductor – Krzysztof Penderecki
Orchestra – Sinfonia Varsovia
Imagine que você viajou ao Japão e, como eu, não fala nem lê japonês. Pois eis que na chegada a mala foi parar em Kobe e você está em Kyoto para visitar os famosos templos e ver as flores das cerejeiras nos diversos jardins espalhados pela cidade. Seguindo na minha imaginação, você e eu não vivemos sem música e todos os seus gadgets de ouvir música ficaram na mala. Sem esperar que delírios e tremedeiras ataquem, você compra um mp3 player que já vem com fones de ouvido e acessa alguma plataforma de streaming. Como a imaginação é minha, tudo vai bem, mas o visor do danado do aparelho teima em mostrar tudo na língua local. Como escolher a música? Mesmo sem ser algum gênio, uma boa saída é a escolha de capas e o disco escolhido é este:
O programa você já viu no alto da postagem…
Como não há tempo a perder, ouça a música: que surge maravilhosa. Logo na primeira faixa, uma linda e sinuosa melodia numa orquestra que vai se revelando aos poucos – Ravel e a Suíte da Mamãe Gansa.
A orquestra foi regida pelo maestro Charles Dutoit e todos os procedimentos se deram sob os olhares atentos do mentor do festival, o maestro Seiji Ozawa.
Essa gravação ocorreu durante o período da pandemia e revela o amor das pessoas envolvidas pela música. Você poderá acessar um site que descreve o desenrolar da gravação, mas veja as primeiras linhas:
It has been 10 days since the 2021 Seiji Ozawa Matsumoto Festival announced the cancellation of all performances. The performance of the Orchestra Concert Program B and it’s recording, which Festival Director Seiji Ozawa, Saito Kinen Orchestra, and all the staff have put their heart and soul into, has finally come true today.
Charles em plena concentração musical
Veja o programa e a tradução que o nosso Chat PQP fêz…
“Previously guest-conducting all over the world, in recent years, Ozawa stayed in his native Japan, where he established and led the Saito Kinen Festival, which was renamed the Seiji Ozawa Matsumoto Festival in his honor in 2015 — the same year when he was a Kennedy Center honoree.”
Stravinsky achou engraçadíssima a primeira tradução que o Chat PQP fez do nome da suíte de balé – O Pássaro de Fogo
Reconheço que meio que viciei nesse espetacular CD desde que me foi repassado por um querido amigo, que disse com palavras de quem já me conhece há bastante tempo: ouça pois tenho certeza de que vais amar.
E como não amar e se encantar com essa verdadeira viagem pela tal da “World Music” (nem sei se poderia classificá-lo desta forma), que reúne o lendário guitarrista da banda de Rock Progressivo Genesis Steve Hackett e o Grupo de Jazz húngaro Djabe? Poucas vezes ouvi a música ser tão universal, reunindo Ocidente e o Oriente. É até difícil classificá-los, pois o que ouvimos é uma perfeita junção do Jazz ocidental com a música oriental. Só ouvindo para entenderem o que quero expressar.
Acompanho a carreira de Steve Hackett já há bastante tempo, e nunca deixo de me surpreender com a sua originalidade. Ele nunca teve medo de ousar, desde os tempos do Genesis, quando, ao lado de Peter Gabriel, Phil Collins, Mike Rutherford e Tony Banks nos proporcionaram momentos de muito prazer com uma discografia impecável, mas isso é assunto para outra postagem. O foco aqui é o “Djabe”. Hackett já os acompanha há bastante tempo, então sua interação é perfeita. O mago inglês da guitarra entende que é apenas mais um, e deixa os outros músicos a vontade para improvisar. O que se ouve é uma aula de como se toca ao vivo, e claro, uma aula de improviso. Destacaria entre estes grandes músicos o baixista Tamás Barabás (seu solo na faixa 7 é algo digno de figurar entre os grandes solos do instrumento na história da música), e os trompetistas Ferenc Kovács e Áron Koós-Hutás (que me proporcionou um dos momentos mais memoráveis do álbum, na faixa “Ace Wands”), mas todos os músicos são excepcionais e fica difícil dizer qual a melhor faixa, mas arriscaria na faixa 7 do CD1, “Distance Dances”, onde os músicos do Djabe se sentem a vontade para improvisar. Coisa de gente grande mesmo.
Espero que apreciem. A empolgação que esse CD me causou me fez sentar novamente na frente do computador para preparar uma postagem depois de alguns meses. Não temo em dizer que é o melhor registro ao vivo que já ouvi em muito tempo.
CD 1
Erdõ, Erdõ
Firth of Fifth
Dark Soup
City of Habi
The Steppes
Pécs
Distance Dances
Clouds Dance
Wind and Bell
Sákira
Ace of Wands
CD 2
Dorombo
Butterfly
Last Train to Istambul
In that Quiet Earth
Genghis´Sword
Behind the Veil
Omachule – excerpt
Steve´s Acoustic Set
Scenes
Los Endos
Steve Hackett – Guitarras elétricas e acústicas
Djabe
Szilárd Banai – Bateria
Tamás Barabás – Baixo
Áttila Égerházi – Guitarra, percussão e vocal
Ferenc Kovács – trompete, violino e vocal
Zoltán Kovács – Teclados
Áron Kóos-Hutas – Trompete
Os dois concertos deste disco foram compostos apenas alguns meses um do outro, em 1786, ano que assistiu a estreia de As Bodas de Fígaro. Mozart estava em plena forma. Num período de dois anos compôs nada menos do que 11 concertos para piano (!) e todos de altíssimo nível.
Pia Degermark
O Concerto No. 21 em dó maior (K. 467) tem um movimento lento especialmente lírico que o torna um dos preferidos do público. Esse movimento ficou famoso por ser usado em um clássico do cinema chamado ‘Elvira Madigan’.
O Concerto No. 22 em mi bemol maior (K. 482) tem a mesma orquestração que o concerto anterior, mas no lugar de oboés, Mozart usa dois clarinetes, que torna a audição bastante interessante. O movimento lento deste concerto é também muito bonito e a interpretação que você ouvirá aqui pode ajudar a entender a razão de ter sido exigido a sua repetição na estreia do concerto. Esse fato ficou registrado em uma carta que Leopold – pai de Mozart, que o visitava em Viena, – escreveu para Nannerl, sua irmã, surpreso por esse fato tão pouco usual.
Jonathan Biss
O pianista Jonathan Biss nasceu em uma família de músicos e cresceu em Bloomington, estado de Indiana, no meio oeste americano. Bloomington é uma cidade universitária e tem uma vida musical muito rica, assim como a escola de música da Universidade de Indiana, que é muito forte.
Em uma entrevista, Jonathan Biss contou como foi importante o encontro com o pianista Leon Fleisher. Seus pais o levaram para Baltimore quando ele tinha 14 anos. Nesse dia Leon Fleisher tocou todas as Sonatas de Beethoven junto com seus alunos. Essa experiência certamente marcou muito o jovem pianista. Jonathan Biss gravou a integral das Sonatas de Beethoven. Espero que não seja preciso esperar mais alguma data festiva para ver essas gravações alcançando as nossas publicações aqui no PQP Bach.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Concerto para Piano No. 21 em dó maior, K. 467
Allegro maestoso (Cadência: J. Biss)
Andante
Allegro vivace assai (Cadência: Dinu Lipatti)
Concerto para Piano No. 22 em mi bemol maior, K. 482 (Cadências: J. Biss)
Biss (on modern concert grand rather than any period instrument) has completely and satisfyingly surrendered to the music’s moods and emotions, whilst maintaining Mozartian clarity and poise. […] His emotive reading of the mournful, unsettled Andante (K. 482) leaves one in no doubt as to why the first audience demanded an encore. Fantastic stuff. [BBC Music Magazine, 2008]
Um grandioso concerto para viola e orquestra de cordas, em que Vasks se dedica à difícil tarefa de fazer o som da viola predominar sobre os outros instrumentos de corda. Para isso, ele se utiliza de várias cadências, frequentemente em escalas que, de um modo extremamente genérico, podemos chamar de “orientais”, o que pode significar mil e uma coisas, incluindo a inspiração armênia na música de Hovhaness (aqui) ou o uso de escalas comuns na música árabe, indiana, chinesa… Enfim, intervalos que soam um tanto exóticos para o ouvido acostumado com a tradição musical do leste da Europa, mas ao mesmo tempo são relações tonais que tendem a resoluções: raramente Vasks soa atonal ou algo perto disso. A linguagem é mais tradicional, mais melódica do que a de Saariaho, o que eles têm em comum – além do nascimento no norte da Europa – é o fato de terem composto muitos concertos para solista e orquestra.
E uma impressionante sinfonia escrita também para orquestra de cordas: no 2º movimento, muitos instrumentos avulsos em superposição representando uma espécie de floresta à maneira de Villa-Lobos, Messiaen ou Ginastera. No 3º movimento, após aquele caos florestal, tutti de cordas executados com muito vigor pela Sinfonietta Riga, orquestra da capital da Letônia, país do compositor. Sei que alguns colegas de blog devem discordar, mas para mim Peteris Vasks é bem mais interessante do que Arvo Pärt, o grande compositor vivo do país vizinho que é a Estônia.
Peteris Vasks (1946): Concerto for Viola and String Orchestra (2014-15)
I. Andante 8:02
II. Allegro moderato 7:13
III. Andante 10:46
IV. Adagio 9:33 Symphony for Strings ‘Voices’ (Balsis) (1991) (29:15)
I. Voices of Silence 6:08
II. Voices of Life 14:40
III. Voice of Conscience
Sinfonietta Rīga
Conductor & Viola – Maxim Rysanov
Muita gente já ouviu o Concerto de Grieg sem saber: o seu começo grandioso foi muito usado (ou imitado?) em trilhas sonoras e semelhantes. Grieg esboçou um outro concerto para piano mas nunca conseguiu terminá-lo. Se ele não chega a ser um one-hit-wonder, pois tem peças orquestrais que fazem parte do repertório usual até hoje, é verdade que para muita gente, inclusive este que aqui escreve, seu nome é quase sinônimo desse concerto que dá início a um romantismo exagerado para piano e orquestra que seria retomado por gente como Rachmaninoff e Addinsel.
Grieg, além de compositor, era pianista de concerto. Entre suas obras para piano solo, destacam-se as Peças Líricas, publicadas em vários grupos separados. Além de meia dúzia de gravações integrais, algumas peças avulsas dessa coleção eram parte dos recitais de grandes nomes como Emil Gilels e Nelson Freire (aqui em uma de suas últimas apresentações no Brasil). Há também, para piano, uma bela Balada op. 24, um pouco mais longa que as Peças Líricas e estruturada na forma de tema e variações. Mas não tem jeito: seu carro-chefe pianístico é o concerto em lá menor, que trago aqui com um grande pianista, falecido há poucos meses, e que merece uma homenagem colada com essa do aniversário do compositor norueguês.
Nascido Max Jakob Pressler em Magdeburg (Alemanha) em 16/12/1923, o pianista era filho de um casal judeu que teve sua loja de roupas destruída na Kristallnacht em 1938. Fugiram dos nazistas em 1939 e Max mudou seu primeiro nome para Menahem, sem dúvida para fugir da sonoridade alemã. Seus avós e tios morreram em campos de concentração.
O primeiro sucesso de Pressler foi ao vencer um Concurso Debussy de piano em San Francisco em 1946. No ano seguinte, tocaria o Concerto de Schumann no Carnegie Hall com Eugene Ormandy. Em 1955, participou de um festival com o violinista Daniel Guilet e o violoncelista Bernard Greenhouse. Chamados para gravar trios de Mozart, eles adotaram o nome Beaux Arts Trio: com um início modesto, o grupo foi ganhando o respeito do público e foi extremamente longevo, durando até 2008 (Pressler foi o único membro que não mudou).
O jovem Pressler com o maestro E. Ormandy em 1947
Terminado esse período de mais de 50 anos com o trio, Pressler não se aposentou: gravou Debussy e Ravel pela DG (e recebeu o prestigioso selo de IMPERDÍVEL de PQP Bach), se apresentou em grandes salas sozinho e ainda acompanhou o cantor Mathias Goerne. Vejamos a crítica de um recital de Lieder de Schumann por Pressler/Goerne em 2015 no Wigmore Hall, Londres:
Não é muito comum ver subir no palco um artista de 91 anos. (…) Menahem Pressler não é um acompanhador qualquer, evidentemente. É só ele colocar as mãos sobre o teclado que somos inundados pela emoção, a emoção que sai sai de seus dedos para instantaneamente invadir toda a sala. Seu toque é entrelaçado por uma multidão de intenções musicais, variadas, sutis, revelando uma inventividade e uma inspiração sem fim. Sentimos a malícia em Pressler, uma vontade mais forte que tudo de tocar, mas sobretudo uma sensibilidade enorme, perceptível em tudo, seu fraseado, sua concentração, seu olhar muito vivo e rápido.
Nas gravações do CD de hoje, feitas em Viena quando Pressler era relativamente jovem (cerca de 40 anos), ele mostra algumas dessas qualidades que iriam maturar com as décadas, especialmente um fraseado com intenções sutis, sem clamar por atenção mas povoando a música de Grieg de discretas invenções aqui e ali, o que ele também fez em suas dezenas de gravações de música de câmara. E o concerto de Mendelssohn? Prefiro nem comentar muito, mas acho sem graça, sem as belas melodias das suas Canções sem palavras nem a orquestração mais interessante da Sinfonia Italiana ou Sonho de uma noite de verão.
Edvard Grieg: Piano Concerto in A Minor (1868)
I. Allegro molto moderato
II. Adagio
III. Allegro moderato molto e marcato – Quasi presto – Andante maestoso
Felix Mendelssohn Bartholdy: Piano Concerto in G Minor (1831)
I. Molto Allegro Con Fuoco
II. Andante
III. Presto – Molto Allegro Vivace
Menahem Pressler, piano
Wiener Festspielorchester – Jean-Marie Auberson, conductor (Grieg)
Orchestra Of The Vienna State Opera – Hans Swarowsky, conductor (Mendelssohn)
Original LP releases: 1964 (Mendelssohn), 1965 (Grieg)
Johann Joachim Quantz nasceu em 30 de janeiro de 1697, em Oberscheden (próximo a Gottingen, Alemanha). Filho de um modesto ferreiro, seu destino provavelmente seria seguir a profissão do pai. Entretanto, iniciou-se muito cedo na música, e com a morte de seu pai quando tinha apenas dez anos, passou a estudar violino com o seu tio Julios Quantz, músico da cidade de Mersebourg. Estudou sucessivamente oboé e trompete. Durante este período também conheceu os trabalhos dos principais compositores barrocos.
Em 1716, aos dezenove anos, tornou-se membro da orquestra de Dresden, a mais famosa da Europa na época. Alargando os seus horizontes musicais, estudou contraponto em Viena e composição (1727) com Johann Georg Pisendel. Em 1718, instalou-se novamente em Dresden, onde foi designado oboísta, pela orquestra do rei da Polônia, Augusto II, de 1718 a 1723.
Dresden era um centro cosmopolita para as artes e ciências, e possuía uma das maiores casas de óperas e capelas musicais da Europa. Naquele tempo, a corte de Dresden teve em seu meio alguns grandes nomes, como Silvius Leopold Weiss, o flautista Buffardin e os violinistas Veracini e Pisendel (aluno de Vivaldi). Temendo que o oboé lhe trouxesse muitas limitações, Quantz preferiu estudar flauta, tendo aulas (1719) com o melhor flautista de sua época, Pierre Gabriel Buffardin.
Seu interesse pela composição começou a crescer, especialmente para os trabalhos com flauta, e em 1720 escreveu suas primeiras composições. De 1724 a 1727, teve muitas oportunidades de tocar para as realezas da Europa, nas grandes cidades como Varsóvia, Praga, Roma, Nápoles, Milão, Turim, Lion, Paris, Londres. Conheceu os maiores músicos de seu tempo, como Vivaldi, Scarlatti, Tartini (1723, Praga), Gasparini, Farinelli (1725), Händel (1726).
Após esta grande excursão, foi oferecido a Quantz um posto de flautista solo na orquestra da capela real de Dresden. Em 1727, tornou-se, segundo os seus biógrafos, o maior flautista da Europa.
Em 1728, durante uma visita a Berlim, Quantz tocou para o príncipe da Prússia. Frederico, 16 anos mais velho, ficou tão encantado com o músico que resolveu ter aulas de flauta com o ele, apesar das objeções de seu pai, o rei Frederico Guilherme I que considerava a música como um passatempo “para mulheres”. Durante os próximos treze anos, Quantz iria duas vezes por ano dar aulas ao futuro rei.
Quando Frederico subiu ao trono em 1741, tornando-se Frederico II, Quantz foi convidado a morar na residência real de Potsdam, onde o novo monarca vivia rodeado por músicos como Benda, Graun, e Carl Philipp Emmanuel Bach. Quantz tornou-se o compositor da corte, diretor da orquestra, professor do rei e fabricante de flautas. Em 1747, conheceu J.S.Bach, em Potsdam – NESTA CIRCUNSTÂNCIA NASCE “A OFERENDA MUSICAL” DE J.S. BACH -, e em 1750, conheceu Voltaire.
Frederico II, o Grande, foi um gênio político e militar. Trouxe muitas reformas nos campos da lei, da educação e da economia. Suas preocupações intelectuais e de sua corte foram fortemente influenciados pela França. Quantz serviu ao rei Frederico II até o dia de sua morte, em 12 de julho de 1773, em Potsdam (Alemanha).
Quantz viveu um período importante da história musical. Pertenceu à chamada “Escola de Berlim”, vivendo num período de transição entre o barroco e o classicismo. Também foi responsável por muitas inovações no desígnio da flauta, inclusive a adição de chaves para melhorar a entonação e a invenção de um novo afinador.
A produção de Quantz é extraordinária. Compôs músicas de câmara para flauta, violino e baixo contínuo, 204 sonatas para flauta, 12 duetos, etc.
Quantz escreveu cerca de 300 concertos para flauta. O Concerto para flauta em sol maior, é o seu mais conhecido concerto para flauta. É um trabalho modelar, de uma vivacidade invulgar, tanto na parte solista como na parte orquestral e muito bem estruturado no seu todo, revelando o porque, ter sido Quantz, o escolhido mestre de Frederico II. Digno de nota a extraordinária pulsação rítmica deste concerto.
Quantz não foi somente um músico excelente, mas também um grande observador das cenas musicais de seu tempo. Em 1752, publicou o seu famoso tratado A arte de tocar flauta, que não só oferece interesse considerável pela prática da flauta, mas também para muitos outros instrumentos.
Johann Joachim Quantz (1697-1773) – 7 Sonatas para Flauta e Baixo Contínuo (Csalog / Papp)
Sonata in B minor QV 1-167 (Dresden)
1. Siciliana
2. Allegro assai
3. Vivace
Sonata in D major QV 1-47 D-dur (Potsdam)
4. Cantabile ma con affetto
5. Allegro di molto, ma fiero
6. Vivace
Sonata in C major QV 1-12 (Potsdam)
7. Grave
8. Vivace di molto
9. Presto
Sonata in C minor QV 1-15 (Dresden)
10. Larghetto
11. Vivace
12. Allegro
Sonata in F major QV 1-86 (Dresden)
13. Vivace
14. Cantabile
15. Allegro
Sonata in E minor QV 1-73 (Dresden)
16. Affettuoso
17. Allegro
18. Con Brio
Sonata in G major QV 1-105 (Potsdam)
19. Largo ma con Tenerezza
20. Allegro di molto, ma fiero
21. Presto
Benedek Csalog – Baroque Flute
Rita Papp – Harpsichord
Andreas Staier é uma minhas preferências absolutas. Gosto demais de tudo o que ele gravou nas últimas décadas. Aqui, ele volta demonstrar sua notável competência. Discordo de algumas de suas escolhas estéticas, mas o conjunto é indubitavelmente uma versão de referência, uma first choice. Staier é menos poético quanto a maioria de seus pares, trazendo-nos talvez algo mais extravagante. Ele parece estar mais interessado na arquitetura e no colorido das peças do que em suas poesias, mas tenho que ouvir de novo para confirmar a impressão. Ou será que tentou ser didático? Eu ainda fico com Chorzempa (outra extravagância?), Hewitt e Pinnock (1 e 2).
Johann Sebastian Bach (1685-1750): O Cravo Bem Temperado, Livro I (Staier)
01. Prelude No. 1 in C Major, BWV 846
02. Fugue No. 1 in C Major, BWV 846
03. Prelude in C Minor, BWV 847
04. Fugue in C Minor, BWV 847
05. Prelude in C-Sharp Major, BWV 848
06. Fugue in C-Sharp Major, BWV 848
07. Prelude in C-Sharp Minor, BWV 849
08. Fugue in C-Sharp Minor, BWV 849
09. Prelude in D Major, BWV 850
10. Fugue in D Major, BWV 850
11. Prelude in D Minor, BWV 851
12. Fugue in D Minor, BWV 851
13. Prelude in E-Flat Major, BWV 852
14. Fugue in E-Flat Major, BWV 852
15. Prelude in E-Flat Minor, BWV 853
16. Fugue in D-Sharp Minor, BWV 853
17. Prelude in E Major, BWV 854
18. Fugue in E Major, BWV 854
19. Prelude in E Minor, BWV 855
20. Fugue in E Minor, BWV 855
21. Prelude in F Major, BWV 856
22. Fugue in F Major, BWV 856
23. Prelude in F Minor, BWV 857
24. Fugue in F Minor, BWV 857
25. Prelude in F-Sharp Major, BWV 858
26. Fugue in F-Sharp Major, BWV 858
27. Prelude in F-Sharp Minor, BWV 859
28. Fugue in F-Sharp Minor, BWV 859
29. Prelude in G Major, BWV 860
30. Fugue in G Major, BWV 860
31. Prelude in G Minor, BWV 861
32. Fugue in G Minor, BWV 861
33. Prelude in A-Flat Major, BWV 862
34. Fugue in A-Flat Major, BWV 862
35. Prelude in G-Sharp Minor, BWV 863
36. Fugue in G-Sharp Minor, BWV 863
37. Prelude in A Major, BWV 864
38. Fugue in A Major, BWV 864
39. Prelude in A Minor, BWV 865
40. Fugue in A Minor, BWV 865
41. Prelude in B-Flat Major, BWV 866
42. Fugue in B-Flat Major, BWV 866
43. Prelude in B-Flat Minor, BWV 867
44. Fugue in B-Flat Minor, BWV 867
45. Prelude in B Major, BWV 868
46. Fugue in B Major, BWV 868
47. Prelude in B Minor, BWV 869
48. Fugue in B Minor, BWV 869