Estes quartetos de cordas do mestre Ludwig van Beethoven estavam separados há muito tempo para serem postados. Não sei o porquê de não ter postado há mais tempo. O fato é que fui abandonando o empreendimento e uma certa omissão me tomou por completo. Mas como estou de bom humor no dia de hoje, resolvi-me por postar esta extraordinária caixa com os imortais quartetos do mestre de Bonn, tendo o Melos Quartett como porta-voz. Sobre os quartetos de cordas de Beethoven é importante dizer que estão entre as produções mais brilhantes e geniais do alemão. Sendo assim, comecemos a audição agora mesmo. Uma boa apreciação!
Ludwig van Beethoven (1770-1827): The Early String Quartets
DISCO 01
String Quartet in F, op.18 No.1
01. I. Allegro con brio
02. II. Adagio affettuoso es appassionato
03. III. Scherzo. Allegro molto
04. IV. Allegro
String Quartet in G, op.18 No.2
05. I. Allegro
06. II. Adagio cantabile – Allegro – Tempo I
07. III. Scherzo. Allegro
08. IV. Allegro molto quasi Presto
DISCO 02
String Quartet in D, op.18 no.3
01. I. Allegro
02. II. Andante con moto
03. III. Allegro
04. IV. Presto
String Quartet in c, op.18 no.4
05. I. Allegro ma non tanto
06. II. Scherzo. Andante scherzoso quasi Allegretto
07. III. Menuetto. Allegretto
08. IV. Allegro – Prestissimo
DISCO 03
String Quartet in A, op.18 no.5
01. I Allegro
02. II Menuetto
03. III Andante canabile. Thema – Variationen I…
04. IV Allegro
String Quartet in B flat, op.18 no.6
05. I. Allegro con brio
06. II. Adagio ma non troppo
07. III. Scherzo. Allegro
08. IV. La Malinconia. Adagio – Allegretto …
Melos Quartett
Wilhelm Melcher, 1. violino
Gerhard Voss, 2. violino
Hermann Voss, viola (alto)
Peter Buck, Violoncello
Concluindo esta série, hoje trago a Sinfonia D. 944, intitulada ‘A Grande’. E realmente, é uma das maiores obras primas de Schubert. Se ele não tivesse composto outras obras primas como os 4 Impromptus, o Qarteto A Morte e a Donzela, a Sonata ‘Arpeggione’, entre outras, poderia dizer que é sua maior obra.
Como comentei anteriormente, Harnoncourt ignorou a existência de uma Sétima Sinfonia, e as renumerou, por isso, aqui nesta sua integral, ela é numerada como sendo a Oitava, enquanto que para muitos, a ‘Oitava Sinfonia de Schubert’ seria sua Sinfonia Inacabada, que já trouxe para os senhores. Para encerrar esta discussão, só quero deixar claro que esta é uma discussão que está longe de acabar entre os musicólogos. Assim a Wikipedia coloca a questão:
Continua a haver uma controvérsia de longa data a respeito da numeração desta sinfonia, com alguns estudiosos (geralmente de língua alemã) numerando-a como Sinfonia nº 7. A versão mais recente do catálogo Deutsch (o catálogo padrão das obras de Schubert, compilado por Otto Erich Deutsch) a lista como No. 8, enquanto a maioria dos estudiosos de língua inglesa a lista como No. 9.
Detalhes à parte, a grandiosidade desta sinfonia é explorada nos mínimos detalhes pela poderosa Filarmônica de Berlim com um afiadíssimo Harnoncourt. Nunca canso de repetir que Schubert viveu apenas 31 anos, mas que conhecimento profundo da alma humana que ele tinha!! Que belezas mais teria produzido se tivesse vivido mais? Teria concluído sua ‘Inacabada’ e sua Sétima Sinfonia, da qual existem apenas fragmentos autografados? Não gosto muito de ficar explorando este terreno das suposições, mas creio que este seja um desafio interessante. Segundo conta a história, ele esteve presente no enterro de Beethoven, e não por acaso, quando veio a falecer um ano depois, foi enterrado ao lado de seu ídolo.
1. Symphony No. 8 in C Major, D. 944 Great I. Andante – Allegro ma non troppo
2. Symphony No. 8 in C Major, D. 944 Great II. Andante con moto
3. Symphony No. 8 in C Major, D. 944 Great III. Scherzo. Allegro vivace – Trio
4. Symphony No. 8 in C Major, D. 944 Great IV. Finale. Allegro vivace
Berliner Philharmoniker
Nikolaus Harnoncourt – Conductor
Sem muito medo de errar, posso dizer que um dos principais campos de experimentação de meu pai eram suas composições para órgão e as Fantasias. Se vocês querem ouvir um Bach diferente, é aí que ele está. Aliás, o nome “fantasia” diz tudo, não? O termo foi aplicado pela primeira vez em música durante o século XVI, para se referir a uma ideia musical imaginativa e não a um gênero de composição específico. Desde o início, a fantasia teve o sentido de “invenção”, particularmente em composições para alaúde. Algumas composições do barroco trazem esse nome e reafirmam a ideia do gênero como uma obra livre, sem laços estreitos com as formas estabelecidas, como Fantasia Cromática e Fuga BWV 903 para cravo, aqui presente (faixa 8), Fantasia e Fuga em Sol menor BWV 542 e a Fantasia e Fuga em Dó menor BWV 537 para órgão. Este disco é uma joia. Staier está tão à vontade quando na foto abaixo. Um disco sensacional.
J. S. Bach (1685-1750): Clavierfantasien (Staier)
1 Fantasia In A Minor BWV 922 6:38
2 Fantasia And Fugue In A Minor BWV 904 8:56
3 Fantasia In C Minor BWV 921 3:10
4 Fantasia In C Minor BWV 919 1:28
5 Prelude And Fugue In A Minor BWV 894 9:37
6 Prelude And Fughetta In G BWV 902 9:20
7 Prelude Anf Fugue In F BWV 901 2:20
8 Chromatic Fantasia And Fugue In D Minor BWV 903 11:58
9 Fantasia “Duobus Subiectis” in G Minor BWV 917 2:12
10 Fantasia And Unfinished Fugue In C Minor BWV 906 7:02
Difícil imaginar uma versão das Suítes para Violoncelo melhor do que esta. O Olimpo é completado por Bruno Cocset e Paolo Pandolfo. Dia desses, liguei a TV e lá estava Yo-Yo Ma tocando as Suítes de Bach. Meu deus, que coisa mais sem graça! Não dá para comparar a interpretação de grandes celistas românticos e modernos — mas que são meros diletantes em Bach, como também era Rostropovich –, com a de caras que vivem e comem diariamente o barroco. Estes têm uma abordagem muito mais profunda, compreendem muito melhor o que pretendia Bach. Kuijken, nesta reedição da gravação feita em 2001-02, faz uma interpretação muito pessoal, relaxada e reflexiva dessas obras. Allemandes e sarabandes são especialmente calmas, embora os courantes e outros movimentos subsequentes mantenham seu espírito de dança. Uma joia que merece ser ouvida.
J. S. Bach: As Seis Suítes para Violoncelo Solo + As Três Sonatas para Viola da Gamba e Cravo (W. Kuijken/ P. Kuijken)
Ouvir estas três sinfonias em sequência é uma experiência muito interessante. Mostra a evolução de um compositor, que aos poucos vai quebrando as amarras do Classicismo e mostrando que não era apenas mais um compositor jovem e talentoso. Sua capacidade de criar melodias magníficas, seu profundo conhecimento da dinâmica de uma orquestra, seu conhecimento de contraponto, enfim, acompanhamos aqui a consagração de um gênio, sendo o momento culminante sua ‘Sinfonia Inacabada’, para alguns, sua Oitava Sinfonia, para outros, sua Sétima.
Ouvi a Quinta Sinfonia pela primeira vez na Rádio Cultura, andando pelas ruas de São Paulo, voltando para casa em um final de tarde, começo da noite, vendo aquele imenso fluxo de pessoas e de carros circulando, e por incrível que possa parecer, me pareceu a trilha sonora perfeita. Eram tempos duros, estava recém chegando na cidade grande, conhecendo seu ritmo, e tentando me adaptar a ele. Ainda não fizera muitos amigos, e era naquela fase de transição de nossas vidas, quando precisamos tomar as decisões que iriam nortear o futuro. Como trabalhava em um Bairro Central, o famoso Bixiga, e morava ali na região dos Campos Elíseos, a algumas quadras da famosa esquina da Ipiranga com a São João, preferia muitas vezes ir a pé para casa, ao invés de encarar aqueles ônibus e metrôs lotados. Eram tempos loucos, porém não tão violentos. Não tive coragem de fazer este trajeto novamente na última vez em que estive por lá.
Mas chega de conversa e vamos apreciar esta inédita parceria entre Nikolaus Harnoncourt, que por incrível que pareça nasceu ali mesmo em Berlim, e a orquestra mais famosa da cidade.
1. Symphony No. 5 in B-Flat Major, D. 485 I. Allegro
2. Symphony No. 5 in B-Flat Major, D. 485 II. Andante con moto
3. Symphony No. 5 in B-Flat Major, D. 485 III. Menuetto. Allegro molto – Trio
4. Symphony No. 5 in B-Flat Major, D. 485 IV. Allegro vivace
5. Symphony No. 6 in C Major, D. 589 I. Adagio – Allegro
6. Symphony No. 6 in C Major, D. 589 II. Andante
7. Symphony No. 6 in C Major, D. 589 III. Scherzo. Presto – Trio. Più lento
8. Symphony No. 6 in C Major, D. 589 IV. Allegro moderato
9. Symphony No. 7 in B Minor, D. 759 Unfinished I. Allegro moderato
10. Symphony No. 7 in B Minor, D. 759 Unfinished II. Andante con moto
Berliner Philharmoniker
Nikolaus Harnoncourt – Conductor
Um disco muito bom. Se já conhecíamos as outras obras — as duas de Pärt (ambas excelentes!) e a de Glass –, desconhecíamos a que nos causou a maior das surpresas. Com minuciosa insistência, Martynov acaba por nos atingir mortalmente o coração. Come in! é uma obra para violino e cordas de 1988, que é maravilhosamente solada pela esposa do compositor, Tatiana Grindenko.
Vários dos meus amigos pensam que eu tenho algo contra Glass. Mas, pô, ouçam este disco. Há um abismo qualitativo entre as peças de Pärt e Martynov e a de Glass. OK, eu permito que ele engraxe os sapatos do estoniano e do russo. Mas que deixe tudo brilhando. E limpo! Vai ter lobby poderoso assim no PQP!
Arvo Pärt (1935) / Philip Glass (1937) / Vladimir Martynov (1946): Silencio (Kremer)
Arvo Pärt (1935) – Tabula Rasa
1. Tabula Rasa: I. Ludus – Con Moto
2. Tabula Rasa: II. Silentium – Senza Moto
Philip Glass (1937) – Company for String Orchestra
3. Company: Movt I – Kremerata Baltica
4. Company: Movt II – Kremerata Baltica
5. Company: Movt III – Kremerata Baltica
6. Company: Movt IV – Kremerata Baltica
Vladimir Martynov (1946) – “Come in!”
7. Come In!: Movt I
8. Come In!: Movt II
9. Come In!: Movt III
10. Come In!: Movt IV
11. Come In!: Movt V
12. Come In!: Movt VI
Um bom disco, tecnicamente perfeito, impecável mesmo, mas ninguém vai roubar ou matar por ele. É uma big band jovem muito competente e só.
A National Youth Jazz Orchestra (NYJO) é uma orquestra de jazz britânica fundada em 1965 por Bill Ashton. Em 2010, Mark Armstrong assumiu o cargo de Diretor Musical da principal banda de atuação e Diretor Artístico da organização. Assim sendo, o fundador Bill Ashton tornou-se presidente vitalício.
Com sede em Westminster, Londres, a NYJO começou como London Schools’ Jazz Orchestra e evoluiu para se tornar uma orquestra nacional. Seu objetivo é o de oferecer uma oportunidade para jovens músicos talentosos do Reino Unido. Eles se apresentam nas principais salas de concerto, teatros, rádio e televisão, fazem gravações, encomendam novas obras a compositores e arranjadores britânicos e apresentam seu o amor pelo jazz para um considerável público. Enfim, coisa de primeiro mundo.
A NYJO é selecionada por audição e convite e tem idade máxima de 25 anos. Ela realiza cerca de 40 shows por ano, a grande maioria envolvendo oficinas educacionais para crianças em idade escolar. Ela ensaia todos os sábados no London Centre of Contemporary Music, perto da London Bridge, em Londres.
.: interlúdio :. National Youth Jazz Orchestra (NYJO) – Cookin’ With Gas
1.Beyond the Hatfield Tunnel 6:37
2.Hot Gospel 6:57
3.Step on the Gas 2:54
4.Mr. B. G. 4:07
5.Be Gentle 4:44
6.Behind the Gasworks 6:06
7.Cookin’ with Gas 5:57
8.S’wonderfuel 7:18
9.We Care for You 5:28
10.Big Girl Now 3:54
11.Gasanova 4:05
12.Afterburner 3:36
13.The Water Babies 9:02
14.The Heat of the Moment 3:29
Total time 70:40
Trumpets: Ian Wood, Mark Cumberland, Olly Preece, Gerard Presencer, Fred Maxwell, Neil Yates, Paul Cooper, Martin Shaw, Graham Russell, Mark White.
Trombones: Dennis Rollins, Pat Hartley, Winston Rollins, Tracy Holloway, Richard Henry, Mark Nightingale, Brian Archer.
Saxophones: Michael Smith, Howard, McGill, Scott Garland, Adrian Revell, Pete Long, Melanie Bush, Richard Williams, Nigel Crane.
Horn: Clare Lintott
Flute: Julie Davis
Piano: Steve Hill, Clive Dunstall.
Guitar: Paul Hudson, James Longworth.
Bass: Mark Ong
Drums: Chris Dagley
Percussion: Steve smith and John Robinson.
Vocals: Jacqui Hick.
Dei algumas risadas lendo as avaliações deste velho disco de 1993 de Domingo regendo Tchaikovsky. Como eram textos escritos no século passado e no início do XXI, não creio que já houvesse problemas em relação às acusações de assédio que o cantor-regente colecionou, mas puro preconceito contra alguém que rege e canta. Parecia ser proibido, sei lá… As pessoas escreviam só procurando defeitos, é cômico. Eu ouvi atentamente o CD e achei bem acima da média. É bem produzido, bem dirigido por Domingo, a orquestra é ótima e o repertório é bom. Está tudo a little bit mais lento? Sim, mas tal postura revela outras belezas das obras que não a pura energia. Os russos sempre reclamam dos ocidentais que tratam Tchai como naïve, como alguém pouco sofisticado… Bem, tudo o que o Domingo faz é respeitar profundamente o gajo russo.
Mesmo sem saber quem está empunhando a batuta, você não pode deixar de se surpreender com a forma operística da primeira melodia do Capricho Italiano (logo após as fanfarras de abertura). A peça se desenvolve com inúmeros toques afetuosos que garantem nosso sorriso e não tapas na mesa ou saltos da sacada, como acontece ao ouvirmos Karajan. A Abertura 1812 vem ousadamente ampla. A gente percebe os motivos pelos quais o hino de abertura retorna quase em câmera lenta, acrescido de sinos de igreja, cordas, metais e órgão para uma cena de clamor épico e cerimonial sem precedentes, na minha opinião.
Mas é em Romeu e Julieta que Domingo dá um show. Sejam quais forem as reservas que o povo manifestou, o calor, o caráter e a força de Domingo prevalecem. A nota do libreto declara a intenção de Domingo de reger em tempo integral quando seus dias de canto acabarem, mas as duas árias que ele canta no disco são a prova de que ele, em 1993, estava longe de ter que virar as costas para o seu público. A não ser que este lhe tenha virado pelos motivos conhecidos. Eu é que não vou me meter nesse assunto, deusolivre. Eu respeito as mina e a música.
Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840-1893): Placido Domingo Sings And Conducts Tchaikovsky
1 Fantasy Overture: Romeo And Juliet 22:06
2 None But The Lonely Heart 3:18
3 Capriccio Italien, Op. 45 16:35
4 Lensky’s Aria 6:17
5 Cerimonial Overture: 1812, Op. 49 17:47
Placido Domingo, tenor e regência
Ofra Harnoy, violoncelo
The Philharmonia
Randall Behr, regência nas canções (faixas 2 e 4)
Um bom disco de concertos originais, transcritos ou reconstruídos de Bach para oboé e orquestra. Bach certamente amava o som do oboé. São inúmeras as árias de Cantatas e outras obras vocais cujos temas são introduzidos pelo instrumento. Não chega a ser um abuso transcrever alguns de seus concertos para o instrumento. Christian Hommel não nega suas origens. Ele estudou oboé em Freiburg com Heinz Holliger e este parece ser mesmo seu modelo. Tem pedigree, portanto. Helmut Muller-Bruhl rege de uma maneira muito direta todos os cinco concertos. Ele fica na mesma linha Gardiner e Herreweghe: é genuinamente barroco do começo ao fim. O som claro e distinto, a execução boa e cheia de espírito bachiano me causaram uma boa dose de felicidade em meio a esta pandemia — a qual é tão apreciada por nosso governo.
J. S. Bach (1685-1750): Concertos para Oboé (Hommel/Cologne)
Concerto In A Major, BWV 1055, For Oboe D’amore, Strings And Basso Continuo (Reconstruction) (14:00)
1 Allegro 4:22
2 Larghetto 5:14
3 Allegro Ma Non Tanto 4:24
Concerto In G Minor, BWV 1056, For Oboe, Strings And Basso Continuo (Reconstruction) (9:26)
4 Allegro 3:10
5 Largo 2:48
6 Presto 3:29
Concerto In D Minor, BWV 1059, For Oboe, Strings And Basso Continuo (Reconstruction) (13:20)
7 Allegro 5:52
8 Adagio 4:10
9 Presto 3:18
Concerto In D Major, BWV 1053, For Oboe D’amore, Strings And Basso Continuo (Reconstruction) (18:34)
10 Allegro 7:54
11 Siciliano 4:15
12 Allegro 6:25
Concerto In C Minor, BWV 1060, For Oboe, Violin, Strings And Basso Continuo (Reconstructed) (12:52)
13 Allegro 4:40
14 Adagio 4:52
15 Allegro 3:20
Conductor – Helmut Müller-Brühl
Oboe, Oboe d’Amore – Christian Hommel
Orchestra – Cologne Chamber Orchestra*
Violin – Lisa Stewart
No dia 3 de junho de 1970 a Seleção Brasileira de Futebol estreou na Copa do Mundo contra a Seleção da Tchecoslováquia. O Brasil ganharia o jogo de virada, por 4 a 1. Pelé fez seu quase-gol mais antológico – aquele que deveria ter entrado – e foi assim que eu soube da existência deste país, ou par de países, já que naqueles dias os tchecos e os eslovacos andavam assim, siameses, ajuntados. Geografia é uma difícil disciplina. Foi só depois de 1993 que os dois países seguiram caminhos separados, sem, no entanto, sair do lugar, pois se há alguma coisa que não se move é um país.
Estou falando deste assunto pois o compositor da postagem é um dos mais importantes da República Tcheca, que foi assim que passamos a chamar esta parte da Tchecoslováquia de 1993 para cá. Pensava que poderia ser Tchecóvia ou Tchéquia, mas uma vez dito, entendo, República Tcheca é bem melhor.
Smetana, que viveu bem antes disto – suas referências eram Bohemia e Morávia – ficou famoso por suas óperas e pelo ciclo de poemas sinfônicos – Má Vlast (Minha Pátria) e justamente, foi um grande compositor. Eu conhecia o mais famoso destes poemas sinfônicos, Moldava, que alude ao rio que passa por lá, desde tenra infância. Pois agora sei que, assim como Beethoven e Gabriel Fauré, Smetana chegou surdo ao fim de seus dias. A surdez lhe ocorreu quando ainda tinha dez anos de vida pela frente, devido a um derrame, e foi terrível, como podemos tentar imaginar. As obras deste disco foram compostas neste período e formam, com o seu Trio com Piano, o conjunto de suas obras de câmera.
O Quarteto em mi menor, ‘da Minha Vida’, foi composto em fins de 1876 e teve sua estreia em 1878. Brevemente, o primeiro movimento trata do amor que Smetana tinha pela arte e tem uma disposição nostálgica e romântica, terminando com uma nota de premonição sobre o futuro. O segundo movimento – uma polca – trata da juventude e alude às danças. O compositor era tido como um grande dançarino. O terceiro refere-se ao amor de sua vida, aquela que viria a ser sua esposa. O último movimento tem como tema o nacionalismo na música, o que realmente distinguia suas composições, até o momento da fatídica condição de surdez.
Servindo como uma espécie de interlúdio entre os dois quartetos, temos duas peças para piano e violino e são resultado do pedido de um editor de música. Afinal, havia que colocar o pão na mesa. O editor estava de olho no sucesso de vendas de partituras para pequenas combinações com tons étnicos (digamos assim), do tipo das Danças Húngaras de Brahms e as Danças Eslavas de Dvořák, para piano a quatro mãos, que vendiam muito bem.
O Segundo Quarteto, em ré menor, foi composto em 1882-3 como um quase desafio às ordens médicas, de ficar longe da música, uma vez que a saúde de Smetana estava muito agravada e que o levaria à morte realmente pouco tempo depois. Esta obra é de natureza um pouco diferente das anteriores, bem mais compacta e seus aspectos inovadores foram apreciados pelos vienenses Hugo Wolf e Arnold Schoenberg.
Esta gravação é de boa cepa, autêntica até os digital-genes… O Quarteto tem ótima discografia e merece cuidadosa audição.
Bedřich Smetana (1824 – 1884)
Quarteto No. 1 em mi menor – Mého Života (da Minha Vida)
Allegro vivo appassionato
Allegro moderato alla polca
Largo sostenuto
Vivace
Z Domoviny (da Minha Terra Natal) – Duo para piano e violino
Moderato
Moderato. Allegro vivo. Moderato assai. Presto
Quarteto de Cordas No. 2 em ré menor
Allegro
Allegro moderato
Allegro non più moderato, ma agitato e con fuoco
Presto – Allegro
Pražákovo kvarteto (Pražák Quartet)
Václav Remes, violino
Vlastimil Holek, violino
Josef Klusoň, viola
Michal Kaňka, violoncelo
Sachiko Kayahara, piano e Václav Remes, violino (faixas 5 e 6)
Observação: O Quarteto Pražák hoje tem outra formação.
De um arguto crítico amador: ‘While it looks to me like “From the Homeland” was written to make a buck, as it was commissioned by a German publisher interested in Eastern European style music, I enjoyed getting to know it, especially the second part, which is played very nicely by Remes and Kayahara’.
Relendo este texto escrito há três anos, e também o comentário do manuel, que diz que: “Eu ficaria sem comer durante meses…anos… se pudesse. só ouvindo estas maravilhas” e claro, ouvindo novamente o disco, entendo o quão importante é ouvirmos ele concentrados, sem interferências ou ruídos externos, apenas deixando-se levar pelo talento destes músicos que, repito, nunca cansarei de admirar. É como se a cada audição descobríssemos coisas novas, detalhes, nuances que passaram desapercebidos em outras ocasiões. Não creio que possa haver novamente um trio como esse, o nível de excelência alcançado aqui é algo de outro mundo. E tenho dito … !!!
Esta versão de ‘My Funny Valentine’ é uma das melhores que já tive a oportunidade de ouvir. É muito emocionante, desde sua introdução. Esta obra já apareceu em outros álbuns do Trio, mas aqui ela é muito especial. Talvez por ter sido esta versão a primeira que ouvi, já há muito tempo atrás, uns vinte e cinco mais ou menos.
Na verdade me aproximei mais deste trio depois de um período turbulento de minha vida, quando ainda não havia definido os rumos que ela teria. Estava tudo muito confuso, recém saíra de um relacionamento muito confuso e complicado. E então, caiu-me em mãos este CD duplo, emprestado por um amigo, que pediu para ouvi-lo com atenção e de preferência com muita concentração. Aprendi ali como se deve ouvir esses caras: silêncio, concentração, mas antes de tudo um bom fone de ouvido. Sim, ouçam com fone de ouvido para identificar os detalhes, as sutilezas, as nuances que estes monstros sagrados do Jazz conseguem extrair destas obras. O fraseado de um solo de Jarrett não é apenas um fraseado, é um exercício e claro, uma aula de improvisação. Aliás, sejamos justos, todos os solos deste CD são uma verdadeira aula de improvisação. O gemido de fundo que ouvimos de Jarrett faz parte do conjunto da obra. Demonstra o quão inspirado e concentrado ele se encontra, quase como em um estado de transe.
Keith Jarrett Trio – Still Live
CD 1
01-My Funny Valentine
02-Autumn Leaves
03-When I Fall In Love
04-The Song Is You
CD 2
01-Come Rain Or Come Shine
02-Late Lament
03-You And The Night And The Music (Medley)
04-Billie’s Bounce
05-I Remember Clifford
Keith Jarrett – Piano
Gary Peacock – Bass
Jack DeJohnette – Drums
Pela primeira vez, tenta-se fazer reviver a música da era clássica grega, através de pesquisas e reconstruções do período (5 e 6 AC). Com o uso dos instrumentos e suas técnicas originais de execução, além da língua grega antiga, o cotidiano musical da Grécia Antiga volta a ser audível, embora a música original daquela época tenha se perdido. Por quase vinte anos, o músico e arqueólogo musical Conrad Steinmann e o fabricante de instrumentos Paul J. Reichlin trabalharam juntos na reconstrução de instrumentos musicais e músicas do período clássico da Grécia Antiga. O estudo meticuloso de instrumentos antigos originais nos museus de Londres, Paestum, Copenhague, Atenas, Korinth, Vravróna, Polýgyros e Thessaloniki formam a base para a reconstrução dos instrumentos. Também pinturas em vasos da época por volta de 500 AC fornecem uma quantidade significativa de material ilustrado para a análise desses instrumentos. Outra fonte importante na porta de entrada para os sons é a língua grega. Suas características com acentos e rítmos nos permitem tirar conclusões sobre como deve ter sido a forma e moldagem da música. Esses elementos são alinhados com as possibilidades e tonalidades dos instrumentos utilizados. Embora a música tenha sido criada por Conrad Steinmann, seus elementos se alinham tanto quanto possível aos fatos históricos.
Conrad Steinmann (1951): Música da Grécia Antiga (Melpomen)
Dando sequência a esta excelente integral, trago hoje as sinfonias de nº 3 e de nº 4, obras de juventude de Schubert (estranho falar isso, afinal, qual obra dele não é de juventude? O cara morreu com meros 31 anos).
A partir da Terceira Sinfonia, Schubert já está mostrando a que veio, criando uma linguagem própria, libertand0-se um tanto quanto das amarras do classicismo, mas ainda preso nele.
A Quarta Sinfonia foi intitulada ‘Trágica’ pelo próprio Schubert, mas não se sabe qual o motivo para assim ter sido denominada.
Novamente, a parceria Harnoncourt / Berliner Philharmoniker funciona às mil maravilhas. Afinal, temos gente muito experiente envolvida, e que conhece muito bem esse repertório. Então é pouco provável que algo dê errado.
1. Symphony No. 3 in D Major, D. 200 I. Adagio maestoso – Allegro con brio
2. Symphony No. 3 in D Major, D. 200 II. Allegretto
3. Symphony No. 3 in D Major, D. 200 III. Menuetto. Vivace – Trio
4. Symphony No. 3 in D Major, D. 200 IV. Presto vivace
5. Symphony No. 4 in C Minor, D. 417 Tragic I. Adagio molto – Allegro vivace
6. Symphony No. 4 in C Minor, D. 417 Tragic II. Andante
7. Symphony No. 4 in C Minor, D. 417 Tragic III. Menuetto. Allegro vivace – Trio
8. Symphony No. 4 in C Minor, D. 417 Tragic IV. Allegro
Berliner Philharmoniker
Nikolaus Harnoncourt – Conductor
Vamos então de Keith Jarrett em sua experiência mozartiana. Antes, porém, peço que deixem de lado seus intérpretes favoritos, como Géza Anda, Mitsuko Uchida, Alfred Brendel, Arhut Rubinstein, entre tantos outros, e prestem atenção à esta interpretação de Jarrett. Esqueçam as peripécias virtuosísticas que estão acostumados a ouvir dos dedos de Jarrett e se surpreendam com o lirismo e a tranquilidade que ele consegue transmitir com sua interpretação. Nem parece o mesmo músico que se torce, retorce, geme, grita, quando toca jazz. Aqui temos um músico plenamente consciente de seu talento, de sua capacidade, e que se rende ao gênio mozartiano, prestando-lhe uma belissima homenagem. Lento em alguns momentos? Pode até ser, mas desta forma ele consegue extrair da música elementos e detalhes que não se encontram em outras interpretações mais, digamos, virtuosísticas.
O acompanhamento é de primeiríssimo nível, com uma Sttugarter Kammerorchester simplesmente perfeita, com um balanço impecável, dirigida por outro grande pianista, Dennis Russel Davies.
De quebra, vai de brinde uma Sinfonia nº40 e a Maurerische Trauermusik, (Masonic Funeral Music), k. 477.
Espero que apreciem.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Concertos para Piano 23, 27 e 21 / Música Funeral Maçônica / Sinfonia Nº 40 (Jarrett-Davies)
Estes registros foram realizados entre 2003 e 2008 e ficaram escondidos nos acervos da própria Filarmônica de Berlim, até que uma boa alma lá da gravadora da orquestra resolveu lançar, agora em 2015, um pouco antes da morte do maestro, que faleceu em 2016, e mostrar que o grande Nikolaus Harnoncourt não vivia apenas de interpretações historicamente informadas, quando necessário usava todos os recursos disponíveis e claro, toda a estrutura da própria orquestra para nos mostrar um Schubert modernizado e atual.
Gosto muito do Schubert das duas primeiras sinfonias, sua dinâmica puramente mozartiana, sua alegria e juventude expostas sem nenhum ressentimento ou amargura. Nunca canso de me espantar ao lembrar que ele viveu apenas 31 anos, e compôs uma obra extensa, entre sinfonias, obras de Câmara, sonatas para piano, etc. … um fenômeno, com certeza. Pena que nos deixou tão cedo.
Para melhor serem degustadas, vou trazer estas sinfonias de duas em duas. Harnoncourt ignora solenemente a existência de uma Sinfonia nº 7 (da qual existem apenas fragmentos de quatro movimentos) e as renumera até 8.
A poderosa Filarmônica de Berlim como sempre está perfeita. e nas mãos firmes e calejadas de Harnoncourt, atinge o nível de excelência ao qual já estamos acostumados.
P.S. estou oferecendo os arquivos no formato FLAC e em MP3. Ambos estão na mesma pasta do onedrive.
01. Symphony No. 1 in D Major, D. 82 I. Adagio – Allegro vivace
02. Symphony No. 1 in D Major, D. 82 II. Andante
03. Symphony No. 1 in D Major, D. 82 III. Menuetto. Allegretto – Trio
04. Symphony No. 1 in D Major, D. 82 IV. Allegro vivace
05. Symphony No. 2 in B-Flat Major, D. 125 I. Largo – Allegro vivace
06. Symphony No. 2 in B-Flat Major, D. 125 II. Andante
07. Symphony No. 2 in B-Flat Major, D. 125 III. Menuetto. Allegro vivace – Trio
08. Symphony No. 2 in B-Flat Major, D. 125 IV. Presto vivace
Berliner Philharmoniker
Nikolaus Harnoncourt – Conductor
Este é um daqueles discos que poderia muito bem ser encontrados na gôndola de queima de estoques da loja. Até os sebos – lojas de CDs usados – têm um espaço destes onde reúnem de tudo – CDs promocionais, CDs de banca e aqueles selos quase desconhecidos. Tudo oferecido a preço de ocasião. Eu sempre gostei de garimpar nestes locais em busca de algum esquecido tesouro, especialmente em alguma preguiçosa tarde chuvosa, no meio de uma ronda por tais lojas. O CD em questão é bem típico. Selo quase desconhecido: Intercord. Capa genérica com uma pintura abstrata que mais se parece com um borrão e letras com tipos bem ordinários. Um olhar mais atento, no entanto, começa a revelar uma possível compra: concertos para piano de Mozart. Dois concertões! A orquestra de uma Rádio Alemã é garantia de competência, que se eleva com a revelação do nome do maestro: Ernest Bour. Especialista em música moderna, mas também excelente nos clássicos. O empurrão que faltava em direção à carteira vem do nome do solista, o espetacular pianista tcheco, Rudolf Firkušný. Grande especialista em música de Janáček e Martinů, mas ótimo pianista em geral, como vocês poderão atestar por este disco.
Os dois concertos do disco são os maiores e mais intensos (se podemos dizer assim) de seus respectivos períodos. O Concerto em mi bemol maior, K. 271, é de 1777 e foi composto em Salzburgo, motivado pela visita de uma pianista virtuose francesa, Mademoiselle Jeunehomme. O concerto é muito bonito, em especial o andantino. No disco, este concerto vem em segundo.
O outro é o Concerto em dó menor, K. 491, de 1786, mesma época da composição do Figaro assim como de outros concertos. Este é possivelmente o concerto para piano no qual Mozart chegou mais próximo do romantismo. É um grande concerto e usa uma orquestra completa e foi muito admirado por Beethoven.
Para completar o pacote ‘Mozart – Firkušný’, estou colocando como bônus o Quarteto com Piano em sol maior, K. 478, no qual Firkušný colabora com membros do Quarteto Panocha, que na época eram muito mais jovens do que ele. Eles se conheceram durante uma turnê do quarteto, quando eles tocaram em uma festa oferecida por uma personalidade, em Nova York. Firkušný estava na festa e eles se tornaram amigos. Só bem depois eles tiveram oportunidade de realmente tocarem juntos. A amizade entre o idoso pianista e os jovens músicos cresceu, assim como o projeto de gravar os dois quartetos de Mozart. A gravação da peça que está no arquivo ocorreu em setembro de 1992, mas os planos para a gravação do outro quarteto, no entanto, foram interrompidos pela morte de Firkušný, o que foi uma grande pena. Mas esta gravação revela como música pode unir gerações e aproximar pessoas de idades das mais diversas e fica como uma homenagem a este grande pianista.
Veja parte de um testemunho de uma aluna Firkušný que poderá ser lido na íntegra aqui.
‘I had the great honor to study with Firkusny at Juilliard for five years, and in person he was as modest and affable as he was unruffled and commandingly communicative on stage. The sweet scent of his cherry tobacco pipe and kindliness of his smile greeted me upon entry to Room 557 for my lessons. They’re etched in my memory as are his endless patience and aristocratic demeanor during my lessons’. (SARA DAVIS BUECHNER)
Mais de cinco anos depois da primeira publicação, e de pelo menos duas republicações de todas as postagens anteriores por conta de colapsos em servidores, poderia até parecer que eu me tivesse esquecido da série sobre o Mestre Esquecido. Não foi o caso: depois de tanto fosfato dedicar a Beethoven, voltam-me tempo e vergonha na cara bastantes para tentar concluir nossa sincera, ainda que morosa, homenagem ao maravilhoso Antonio Guedes Barbosa.
Diferentemente de suas demais gravações de Chopin, a versão de Barbosa para as polonaises não me cativou imediatamente. Veteranos de seus desesperados scherzi e de suas lépidas valsas, meus ouvidos estranharam seu rubato e a aparente preferência pela tonitruância em detrimento da clareza, especialmente nas primeiras obras da série. Aos poucos, percebi que Antonio – assim como o próprio Chopin, acredito – não encarava as polonaises como danças e não fez questão de aderir estritamente a seu ritmo. Em lugar disso, preferiu usá-lo tão só como plataforma de lançamento para a exploração das ousadias harmônicas propostas por Chopin, com o colorido timbrístico que lhe era tão peculiar, e que aqui lembra, talvez mais que em qualquer outra de suas gravações, o de Horowitz. Não por acaso, revisito mais suas leituras das três grandes polonaises finais, especialmente a extraordinária Polonaise-Fantaisie em que a dança polonesa é tão só um pretexto para a uma das mais radicais criações do mestre polonês, a última obra-prima que concluiria, e para a qual Barbosa deu minha interpretação favorita.
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
Duas polonaises para piano, Op. 26
1 – No. 1 em Dó sustenido menor
2 – No. 2 em Mi bemol maior
Duas polonaises para piano, Op. 40 3 – No. 1 em Lá maior, “Militar”
4 – No. 2 em Dó menor
Polonaise para piano em Fá sustenido menor, Op. 44 5 – Moderato
Polonaise para piano em Lá bemol maior, Op. 53, “Heroica” 6 – Maestoso
Polonaise-Fantaisie para piano em Lá bemol maior, Op. 61
7 – Allegro maestoso
Antonio Guedes Barbosa, piano LP da Connoisseur Society, lançado nos Estados Unidos em 1972 – e, para variar, nunca lançado no Brasil
Estas gravações de Arthur Grumiaux são consideradas referências para os Quintetos de Cordas de Mozart. E não é para menos! Se gosto mais de um detalhe deste ou daquele outro registro, a gravação do belga sempre paira acima ou ao lado. Sinto nos meus ouvidos a atenção especial que Mozart dava a estes Quintetos com duas violas. O musicólogo Charles Rosen chamou a atenção para o fato de que os quintetos sempre surgiram logo após a conclusão de uma série de quartetos, como se o meio representasse uma realização mais ideal e final do pensamento musical do compositor. É curioso. Mesmo o K. 174 inicial possui uma complexidade marcante. Os quintetos empregam uma grande variedade de texturas: diálogos entre dois instrumentos com acompanhamento dos outros, a alternância de dois trios de cordas (dois violinos e viola ou duas violas e violoncelo), ou duetos de violino, ao lado de duetos de viola, acompanhados pelo violoncelo. É tudo muito bonito. As performances dessas intrincadas obras-primas de Mozart aqui recebem tratamento de luxo.
Então, temos um álbum triplo todo bom — os Quintetos K. 515, 516 e 614 são obras-primas — e que ainda tem de bônus o extraordinário Trio K. 563.
W. A. Mozart (1756-1791): Os Quintetos de Cordas Completos (Grumiaux)
CD1
String Quintet No. 1 In B Flat, K. 174
1. Allegro Moderato 8:47
2. Adagio 5:31
3. Menuetto Ma Allegretto 3:52
4. Allegro 5:44
String Quintet No. 4 In C Minor, K. 406 (516b)
5. Allegro 8:05
6. Andante 4:11
7. Menuetto In Canone 4:39
8. Allegro 6:23
Na verdade existe um décimo quarto cd nesta série do pianista Nikita Magaloff, com registros realizados lá no longínquo ano de 1954, do tempo em que os dinossauros caminhavam pela Terra. Vou postar, pois acho interessante essa possibilidade de entender a evolução da interpretação das obras de Chopin, além, é claro, da evolução da maturidade artística de Magaloff, lembrando que os outros volumes da série já foram realizados no final da vida do músico, em plenos anos 70. Outra informação é a de que este registro foi realizado antes do advento do Estéreo, então digamos que seria uma gravação para os mais ‘puristas’. Mas lhes garanto que a qualidade da interpretação já é a de um grande mestre, alguém que conhece profundamente a obra.
Vamos então ao que viemos. Hoje é domingo e ainda pretendo sair dar umas pedaladas.
01. Piano sonata No. 3 (1954) – I. Allegro maestoso
02. Piano sonata No. 3 – II. Scherzo
03. Piano sonata No. 3 – III. Largo
04. Piano sonata No. 3 – IV. Finale presto non tanto
Uma joia inesperada! Estas são sonatas do início da carreira de Strauss e Reger. Claramente influenciadas por Brahms e Mendelssohn, estas duas sonatas cujas primeiras performances estão separadas por vinte e três anos, demonstram milagrosa criatividade e equilíbrio. O estranho é todas as composições presentes no CD foram repudiadas por seus respectivos compositores e agora são picos incontestáveis de seus repertórios. Emmanuelle Bertrand é um tremendo violoncelista. É membro do Carpe Diem. A competência do pianista Amoyal já é nossa velha conhecida. Sugestão: aumente o volume para ouvir o cello como se este estivesse na sua frente.
Richard Strauss (1864-1949): Romance, Cello Sonata / Max Reger (1873-1916): Cello Sonata, Kleine Romanze
1 Richard Strauss: Romance for cello & orchestra in F major, o.Op. 75 (TrV 118, AV 75) 10:30
Richard Strauss: Sonata for cello & piano in F major, Op. 6 (TrV 115)
2 Allegro con brio 9:28
3 Andante ma non troppo 9:16
4 Finale. Allegro vivo 8:42
Max Reger: Sonata for cello & piano No. 2 in G minor, Op. 28
5 Agitato 9:28
6 Prestissimo assai 3:20
7 Intermezzo. Poco sostenuto 5:23
8 Allegretto con grazia 7:06
9 Max Reger: Kleine Romanze for cello & piano, Op. 79e/2 2:09
Emmanuelle Bertrand, violoncelo
Pascal Amoyel, piano
Busoni é mais conhecido por suas belas transcrições de Bach. Quando vi este CD por aí, logo fiquei espicaçado pela curiosidade. Pois gostei do que ouvi. Música bem escrita, de alta qualidade, de um estilo discreto e bonito. O nome completo de Busoni é apenas Dante Michaelangelo Benvenuto Ferruccio Busoni. É claro que sua admiração por Bach aparece em suas obras. A música de Busoni é de grande complexidade contrapontística, ou, dito de outra forma, ela é feita de diversas linhas melódicas entremeadas.
Este quartetos me deixaram com vontade de conhecer mais da obra deste italiano-europeu, que nasceu em Empoli, mas viveu também em Berlim, Moscou, Bolonha, Graz, Leipzig, Helsinque, etc. Ah, o Quarteto Pellegrini é ótimo.
Ferruccio Busoni (1866-1924): Quartetos de Cordas Nros 1 e 2 (Pellegrini)
String Quartett Op. 19 In C Major
1 Allegro Moderato, Patetico 8:46
2 Andante 5:35
3 Menuetto 5:11
4 Finale. Andante Con Moto, Alla Marcia 7:07
String Quartett Op. 26 In D Minor
5 Allegro Energico 8:44
6 Andante Con Moto 5:55
7 Vivace Assai 5:03
8 Andantino-Allegro Con Brio 6:47
Pellegrini-Quartett:
Cello – Helmut Menzler
Viola – Charlotte Geselbracht
Violin – Antonio Pellegrini, Thomas Hofer
As reedições de gravações antigas sempre fizeram parte das estratégias de venda das gravadoras. Se a grana anda curta, basta olhar o calendário, escolher a data festiva mais próxima, reunir gravações do acervo, empacotar tudo com uma bonita capa e pronto, vendas garantidas. Outro grande filão são as coleções temáticas, digamos assim, sempre com superlativos, como Great Pianists of the 20th Century, a Série Galleria, da Deutsche Grammophon, os Philips DUOS e assim por diante.
Oferecidos a preços mais módicos, estas coleções sempre foram muito atraentes, mas podiam conter algumas armadilhas, como a reunião de cães e gatos em um só disco ou gravações de um artista que já fizera a fama e agora só estava deitado na cama.
Eu sempre me diverti muito fuçando e escolhendo estas pilhas de discos ou listas deles nas publicações, buscando alguns tesouros perdidos.
O disco desta postagem é um típico exemplo. A série Essential Classics da Sony reúne gravações do catálogo que ela produziu ao vasto material da Columbia Masterworks e contém verdadeiras gemas. Sob uma capa genérica, que muda a cor do fundo dependendo do tipo de música que oferece, com alguma pintura antiga e os nomes dos envolvidos e da música. O subgrupo Piano Solo é esverdeado e a Orchestral Works tem fundo laranja.
Eu não sou saudosista e vários artistas que ouvi décadas passadas já não mais fazem parte da minha playlist, mas algumas coisas são atemporais e esta é uma delas.
O disco reúne dois enormes pianistas em um programa duplo – as gravações foram feitas em diferentes períodos.
Em 1963 Leon Fleisher estava em excelente forma e gravou a mais virtuosística peça de Schubert, a Fantasia Wanderer. No outro lado do LP, a lírica, curta e belíssima Sonata em lá maior, D 664, uma das primeiras que Schubert realmente completou, em um momento que andava feliz. O som destas gravações é um pouquinho seco, mas a beleza da interpretação é tamanha que o ouvido imediatamente se ajusta. A impetuosidade na Wanderer contrasta muito com a fluência da Sonata, especialmente bonito!
Qualidade do som não deve causar qualquer preocupação no resto do programa, os Impromptus D. 899 gravados em 1969 por Nelson Freire. Eu simplesmente adoro essa música e não me canso de ouvir este disco que pode muito bem passar desapercebido por muitos.
Franz Schubert (1797 – 1828)
Fantasia para Piano em dó maior, F. 760 “Wanderer”
Por algum motivo inexplicável não trouxe para os senhores o décimo terceiro CD desta imperdível coleção, uma das principais de meu acervo. Aqui o imenso pianista que foi Nikita Magaloff interpreta obras um tanto obscuras do repertório chopiniano. Vale a pena conhecer. Quero agradecer à leitora Isolda que me chamou a atenção e lembrou desta falha. Para variar, minha vida anda uma loucura, então quase nem tenho participado com muita frequência do blog, de qualquer forma, estamos aí quando possível.
Sem mais delongas, vamos ao que viemos.
01. Variations brillantes, Op. 12
02. Souvenir de Paganini
03. Variations sur la Marche des Puritains de Bellini
04. Variations sur un air national allemand
05. Rondeau in C minor, Op. 1
06. Rondeau “À la Mazurka” in F major, Op. 5
07. Rondeau in E flat major, Op. 16
08. Rondeau for 2 pianos in C major, Op. 73
09. Variations for piano 4 hands ‘Sur un air national de Moore’
Como já disse num post anterior, eu gosto muito destas duas obras de Mozart. Sou apaixonado por elas desde que as ouvi num velho vinil da velha Historical Antology Of Music — The Bach Guild, com o Quarteto Griller. Realmente acredito estão entre as (muitas) melhores composições do Wolfgango. E acho que o Alban Berg Quartett sai-se muito melhor na empreitada do que a rapaziada do post anterior. O quinteto 515 inspirou Schubert a escrever seu próprio quinteto de cordas na mesma tonalidade (o de Schubert envolve dois violoncelos em vez de duas violas, como no quinteto de Mozart). O tema de abertura da obra de Schubert reteve muitas das características do primeiro movimento de Mozart. O 516 fazia Tchai chorar, como escrevi no texto do outro post.
W. A. Mozart (1756-1791): Quintetos de Cordas. K. 515 e 516 (Alban Berg Qt.)
Depois do imenso sucesso que foi Nabucco o jovem Verdi não se descuidou deixando o sucesso lhe cegar, se comportou de forma prudente, como quem evita elogios. Suas primeiras declarações eram de uma humildade provinciana: “Pelo amor de Deus, eu não sou digno!” – “Estive em Bolonha cinco ou seis dias … Estive visitando Rossini que me acolheu muito gentilmente e as suas boas-vindas pareceram realmente sinceras. De qualquer forma, fiquei encantado. Quando penso que Rossini é mundialmente famoso, eu fico apavorado”. Pelos contratos com Merelli e Ricordi o maestro atingira segurança econômica assim como também compromissos de curto prazo.
Verdi já se fazia notícia e atraía a admiração dos visitantes, dos habitantes, dos habitués, enfim dos que povoavam a piazzetta della Scala, a antecâmara do melodrama. Por falar nela, interessantíssimo o relato dos contemporâneos: “A praça que fica em frente ao grande teatro La Scala…. Pode ser considerada um ponto de encontro, onde todos os artistas dramáticos, cantores, dançarinos e músicos da Itália competem, se esbarram, se abraçam e namoram….. Nos dias de bom tempo e ao meio-dia (hora dos artistas, como se costumava dizer no jargão teatral) a praça fica movimentada: Quem vai, quem vem, quem chora, quem ri, quem declama; e vendo-os todos juntos, esses “pavões” vestidos de vaidade, parece até que se reuniram para discutir o destino da Europa e que “o equilíbrio do planeta” depende de suas conversas. Os mais talentosos e afortunados entre eles constituíam uma espécie de aristocracia, fechado em seus hábitos, ciumentos de suas
fronteiras, esta seleta categoria escolheu um canto da praça, o Caffè Martini, o “I cantori Epuloni” ampliava em voz alta os sucessos registrados mais recentemente no grande teatro. Mesmo os estabelecimentos da música dos editores Lucca e Ricordi, colocavam-se um à frente do outro na praça, competindo na atividade comercial de partituras e contratos, também lá os jovens cantores e compositores vinham em busca de proteção e apoio. As “prime donne” e as mais conceituadas bailarinas ali realizavam longas sessões, e ficavam atentas as exortações benevolentes do Papa Ricordi, um homem conhecido como ser autoritário, porém altamente estimado pelos artistas.
“Lombardi ala prima Crociata” chegou ao Scala em 11 de fevereiro de 1843, retirado do poema homônimo de Tommaso Grossi e também versado por Solera, “I Lombardi” percorreram mais ou menos os mesmos roteiros afortunados de Nabucco. Eles foram divididos em quatro episódios (A vingança, O homem na caverna, A conversão, O Santo Sepulcro), o espetacular coro “O Signore, dal tetto natio”, faixa 31, (que até poderia ter sido a sequência do coro dos judeus exilados de Nabucco) como exaltação épica e religiosa, até milagrosa, chegou ao ponto de despertar as queixas do cardeal arcebispo de Milão, conde Gaetano di Gaisruck, Verdi viu-se confrontado com os primeiros conflitos com a censura e resistiu. Eles queriam que a cena de massa com os estandartes e igrejas dos cruzados ao fundo fosse removida; Verdi, por outro lado, sabia que, respeitando as ilustrações desenhadas, daria ao público “uma faísca”, e tinha razão. Neste período a obra deveria ter um nobre significado patriótico e o poeta despertou este gosto artístico no compositor que excitava a secreta aspiração do povo. Quando Solera terminou a leitura do libreto, Verdi teve a certeza de que essas páginas estimulariam a sua inspiração. De fato, o coro transmitiu toda a doçura da música nas palavras, e este “hino” depois acabou sendo cantarolado pelo povo em toda parte.
Impelido pelo seu próprio ardor, Verdi dedicou-se à ópera com tal ímpeto, com tanta vontade que, em poucos meses, a partitura estava quase toda completa. Da mesma forma que em Nabucco, contínuas discussões surgiram entre Verdi e Solera, reclamando o maestro, pelas exigências da música ou para fazer sobressair um episódio, ora a supressão de um verso, ora o destaque de uma frase. O poeta hesitava em contentar Verdi, a quem apelidou de tirano e, muitas vezes, anuía de má vontade, tão irritado que, se não fora a estreita amizade que os unia, teriam brigado. O próprio Solera, referindo-se a Verdi, relata algumas dessas divertidas cenas: “Certo dia, ensaiando um dueto, achou Verdi falta de calor naquele trecho que, para acabar bem, carecia da adição de outros versos. “- Preciso uma frase quente, – dizia, – umas palavras de amor, qualquer coisa que lembre o Oriente, a Palestina, que sei eu… Procura tu. Pensa e realiza. Vou ao teatro e depois eu volto.” Pôs o chapéu e saiu dando volta à chave. Esta mania de me fechar no quarto era obsessiva. Fiquei entregue a elucubrações, rabisquei uma estrofe, depois outra e muito enfadado por estar detido no quarto, quis distrair-me e abri um armário com intenção de fazer uma brincadeira. Ao abrir o armário fiquei frente a frente com meia dúzia de garrafas de vinho, que pareciam convidar-me a provar-lhes o conteúdo. Abri uma, repus-me ao trabalho e, cada verso que a mente me fornecia, saudava-o com um bom copo… Quando Verdi regressou, calculo que os meus olhos brilhavam demasiadamente, porque me ponderou com expressão jubilosa: “- A inspiração espelha-se no teu rosto; aposto que compôs estes belos versos.” O pobre homem não reparava que outra coisa se lia nos meus olhos; mas, quando pegou nos papéis e descobriu que continham mais garranchos que versos, agarrou-me por um braço gritando: “- Miserável! Celerado! Para que te encerrei aqui?” Excitadíssimo declamava os dois últimos versos legíveis que diziam e dizem assim: “Será tálamo a areia do interminável deserto” “- Interminável… Areia… Espera um pouco!…” e gesticulando como um ator de feira, improvisou ali mesmo os outros versos que terminavam a estrofe e que, permaneceram no libreto: “Será o uivo da hiena / a canção do nosso amor!” Este dueto se tornou muito popular e o Pava e a June Anderson cantam maravilhosamente na faixa 22 que compartilharemos com os amigos do blog. Em sete meses a ópera foi terminada, e em onze ficaria pronta a ser estreada, obtendo um duplo sucesso: artístico e patriótico. Feitos os primeiros ensaios, o símbolo foi compreendido, exaltando os próprios cantores e determinando atitudes hostis de quem não estimava o despertar do povo. A polícia austríaca levantou dificuldades para a representação e o cardeal Gaisruck, arcebispo de Milão, procurou enfatizar as ordens da autoridade civil.
Entediava os austríacos o espírito patriótico, ao passo que o cardeal solicitava ao chefe de polícia, Torresami, que proibisse a representação por ser um sacrilégio. O cardeal realçava que em “I Lombardi” desfilavam no palco procissões, faziam-se batismos, conversões e ainda que o fundo de um dos cenários reproduziam o vale de Josafá. Que faltava para ser considerada um autêntico sacrilégio?
Torresami, no entanto, não atendeu o pedido do arcebispo e a proibição não foi decretada. Gaisruck não se deu por vencido: mandou chamar o empresário, o poeta e o musicista, responsabilizando-os conjuntamente pela obra e pedindo que praticassem alguns cortes. Verdi nem foi e recusou atender os rogos do cardeal declarando que apenas musicara as palavras e não mudaria uma nota. “- A ópera deve ser cantada tal como foi composta. Não sacrificarei nem um compasso.”
Merelli e Solera procuraram o chefe de polícia, expondo-lhe as razões com que o maestro e o poeta defendiam a integridade da sua obra. Como Torresami era grande admirador de música e não queria de forma alguma tornar-se responsável pela “supressão” de talvez uma obra-prima e não aspirava a um lugar negativo na história, pronunciou uma frase que permitiu a Verdi alçar voo: “Jamais serei eu quem cortarei as asas deste jovem que tanto promete pela arte musical”. De resto, Merelli, não dando amplas explicações que permitissem descobrir todo o seu intuito, insistiu que cercear a expansão seria a ruína de um talento promissor. No que o arcebispo censurava não havia desígnio ofensivo, pois que as cenas dos batismos e das conversões valiam pelo cunho artístico, não pretendendo ser irreverentes. Torresami deixou-se convencer, com a única condição, imediatamente aceita pelo poeta, de substituir “ave” por “salve” no verso que começava com “ave Maria”! Nesta gravação foi preservado o original “Ave Maria”, faixa 08.
Seguro de que não haveria mais aborrecimentos, o empresário impulsionou os ensaios e, na noite de 11 de fevereiro de 1843, “I Lombardi” arrastou o juízo da opinião. Em Milão só se falava na estréia. Foram principais intérpretes: Giovanni Severi (Arvino), Prosper Derivis (Pagano), Carlo Guasco (Oronte) e Erminia Frezzolini (Giselda) que o público idolatrava ela era dotada de uma voz melodiosa e forte. Narra-se que na noite da primeira audição, Verdi apareceu nervoso, agitado, como costumava acontecer a todos os autores nas mesmas circunstâncias. Temia que a grande ansiedade em que o público estivera fosse condição desfavorável para a boa recepção. Falara-se muito da ópera, espicaçara-se a curiosidade pelos episódios devassados por indiscrições que chegaram a incomodar o Cardeal de Milão, muitas pessoas se vangloriavam até de conhecer a música. Os cronistas desse tempo informam que era tão grande a inquietação de espírito, que o teatro foi quase tomado de assalto, e, quem teve a felicidade de arranjar um bilhete, já no fim da tarde acampava, literalmente, à porta do teatro. Grupos deslocaram-se para junto do prédio 6 e 7 horas antes do espetáculo, provendo-se de pão, vinho, carnes frias e garantido por esta forma o comparecimento a essa primeira representação, em torno da qual tantos comentários se teciam, as testemunhas oculares da estreia chegaram a afirmar que ao subir do pano ainda podia-se sentir um cheiro muito acentuado de salsicha e alho! (Qualquer semelhança com a euforia dos atuais shows de Rock, Pagode, Sertanejo…. não são meras coincidências).
Justificava-se a apreensão do maestro. Demais, receava que Frezzolini não estivesse em plena posse das suas faculdades, porque os ensaios a tinham extenuado. Antes de dar o sinal para subir o pano, Verdi visitou o camarim da cantora que, pelo menos na aparência, parecia tranquila. “- Como vai?” “- Bem.” “ – Tem coragem?” “ – Duvida? Se for necessário morrerei no palco, mas Lombardi será cantada até a última nota.” “- Isso me anima. E qual é o seu parecer? Agradará ou não?” “- A ópera provocará delírio. Os aplausos terão duas finalidades: exaltar a arte e o desejo de liberdade.”
Assim sucedeu. A profecia da cantora realizou-se, o público, embevecidos na audição, retiveram com facilidade a música, mais ardente, se não mais correta, que a de Nabucco, e proclamaram Verdi vitorioso. Confirmando o que Verdi e Solera tinham imaginado, o público distinguiu especialmente o terceto do terceiro ato, faixa 27. Por ocasião da leitura do libreto, Solera, chegando a êsse ponto, convenceu-se, que ele inspiraria brilhantemente o maestro e, fazendo uma pequena pausa, observou: “- Agora é a tua vez!” Como dissemos anteriormente, Verdi dedicou-se com afinco e, quando terminou, chamou o amigo para que, primeiro que qualquer outro, emitisse a sua opinião. Sentou-se ao piano, tocando e cantando, enquanto Solera, silencioso e comovido, escutava. Finda a execução, Verdi voltou-se. Emocionado o amigo abria-lhe os braços em total aprovação.
Entre um coro e outro existe um elemento individual de particular importância para Verdi, o princípio da amizade, que deve preencher o vazio que se forma entre dois seres humanos antes e depois da febre da paixão, especialmente de origem sensual. A amizade deve levantar uma barreira, conter ou remover os sentimentos que inflamam a alma e que podem rapidamente ceder e desaparecer. Com espírito romântico, entende que as paixões, mesmo os afetos, se condensam e se liquefazem sem dar origem a uma realidade duradoura. Mesmo os ideais civis, políticos e religiosos (também de origem passional) não são inflexíveis. No confronto entre pagãos e cristãos, ele não está do lado de um nem do outro, como também é evidente em Nabucco. Para aquela época os estrangeiros nunca poderiam perceber a influência que durante certo período deve ter tido as melodias ardentes e inflamadas de Verdi, ou mesmo passagens únicas de poesia, que lembravam do infeliz estado da Itália, ou de suas memórias ou suas esperanças. O público via alusões em todos os lugares, mas Verdi primeiro as descobriu e adaptou a música inspirada que muitas vezes acabou revolucionando o teatro. Com “I Lombardi”, a censura austríaca e depois das pequenas picuinhas italianas deram origem a esse paciente trabalho de investigações, que as autoridades sempre fizeram, a fim de limpar os libretos que Verdi usava, reduzi-los … e tornar impossíveis as manifestações – que então o público sempre encontrava formas de agir. Se este simples admirador se emociona sempre com o coro final, faixa 35 “Te Iodiamo, Gran Dio Di Vittoria”, imaginem o pessoal sofrido da estreia, defumados que estavam de salsicha e alho, como não devem ter ido a loucura …..
A ópera, sempre festejada com ardor, percorreu os principais teatros italianos e estrangeiros, drenando para Verdi fartas messes de louvores e dinheiro. Consagrado, depois deste segundo êxito, como um dos melhores compositores, muito se esperava da sua juventude e da sua atividade. A partitura da ópera foi dedicada pelo autor, não pela editora, para a duquesa Maria Luigia de Parma, a “sua” duquesa. Maria Luigia chamou o mestre em sua presença “para lhe agradecer a dedicatória que fez a Sua Majestade em tão bela obra”. Na prefeitura, entregou-lhe uma joia com pedra verde no meio e um círculo de diamantes magníficos ”, e também lhe oferecendo um cargo na corte, assim que Verdi encerrasse sua carreira.
Ficou com muuuita moral !
O Enredo
O tempo da ação está localizado em 1099. Se passa em Milão e na Terra Santa durante a Primeira Cruzada no final do século XI.
Ato 1 – La vendetta
Na praça Sant’Ambrogio, diante da Catedral de Milão, a multidão vem dar graças pela reconciliação entre os irmãos Arvino e Pagano, filhos do Senhor Folco. Pagano, ao ser rejeitado por Viclinda, tentara matar o seu rival, e irmão, Arvino, sendo, por isso, condenado ao exílio. Agora fora perdoado e regressara – se bem que muitos duvidem ainda da sinceridade do seu arrependimento. Apenas Viclinda, casada agora com Arvino, e a sua filha Giselda, parecem acreditar nele.
No meio das celebrações, um Padre anuncia mais uma cruzada à Terra Santa, designando Arvino como comandante das tropas lombardas. Enquanto se ouve ao longe um coro de Monges, Pagano confessa a Pirro, escudeiro do seu irmão, não estar arrependido dos seus crimes, bem pelo contrário: aquilo que mais deseja é possuir Viclinda, ao que Pirro responde dizendo estar disposto a ajudá-lo no seu pérfido intento.
Entretanto, no palácio, Viclinda e Giselda começam também a suspeitar das intenções de Pagano. Arvino pede-lhes para tomarem conta do pai, que está no seu quarto. Depois de rezarem uma Ave Maria, as mulheres saem. Entram então Pirro e Pagano, que empunha um punhal. Os seus cúmplices atearam fogo ao palácio, e eles procuram Arvino dirigindo-se para os seus aposentos. Quando regressam, arrastando com eles Viclinda, são confrontados com Arvino que, ao ver o punhal ensanguentado, compreende que Pagano acabou de matar o próprio pai. Entra uma multidão que cerca os dois criminosos, e o ato termina com Pagano sendo de novo condenado ao exílio.
Ato 2 – L’uomo Della Caverna
Passa-se na Antioquia, e inicia-se no palácio de Acciano, o tirano, que está reunido com os embaixadores dos países vizinhos para organizarem a resistência contra os Cruzados. Chega Sofia, mulher de Acciano, secretamente convertida ao Cristianismo. Com ela vem o seu filho Oronte que está apaixonado por Giselda, prisioneira no harém do tirano – um sentimento que é visto por Sofia como um meio para converter o filho à Fé Cristã.
O segundo quadro passa-se junto duma gruta no deserto onde um Eremita espera impaciente a chegada dos Cruzados. Aproxima-se dele um homem que lhe pede humildemente o perdão dos pecados. Esse homem é Pirro, o escudeiro de Arvino, que renegou a Fé, e que é atualmente responsável pela segurança dos muros de Antioquia. O Eremita diz-lhe que os seus pecados serão perdoados se ele abrir as portas da cidade aos Cruzados que se aproximam. Esses Cruzados são as tropas da Lombardia. Ao saber isto, o Eremita veste os seus trajes de combatente, e vai ao encontro das tropas de viseira baixa. A verdade é que o Eremita é de facto Pagano que tenta remir-se da sua culpa através do sacrifício. Pagano dirige-se a Arvino, seu irmão, que não o reconhece, e que lhe pede para rezar pelo sucesso da causa, dizendo que a sua filha Giselda foi feita prisioneira pelos infiéis. O Eremita prediz ao chefe das tropas lombardas que irá encontrar a sua filha, e que, essa mesma noite, armarão as suas tendas no interior de Antioquia.
O quadro seguinte passa-se no harém do palácio onde as mulheres cantam louvores ao amor de Oronte e Giselda, que está entregue à oração. Ouvem-se gritos, os turcos fogem e os cristãos avançam. Entra então Sofia que anuncia que o marido e o filho foram mortos em combate. É assim que, quando chega Arvino, Sofia o aponta como sendo o assassino. O Cruzado aproxima-se de Giselda para a abraçar, mas ela afasta-o horrorizada, declarando, num fervor que toca as raias da loucura, que Deus nunca quis aquela carnificina. Arvino enfurece-se, desembainha o punhal, mas é agarrado antes de desferir o golpe.
Ato 3 – La Conversione
A Conversão inicia-se no vale de Josafat onde os cruzados e os peregrinos louvam as belezas de Jerusalém e choram as desgraças que dominam a Terra Santa. Giselda chega sozinha. Ela deixou o acampamento do pai e queixa-se de que, mesmo naquele lugar, os seus pensamentos continuem dominados pelo amor a Oronte, que julga ter morrido. Mas Oronte não morreu, está apenas gravemente ferido, e aparece agora na sua frente. Ele deixou tudo por Giselda, e fica feliz ao saber que ela está disposta a enfrentar todos os perigos ao seu lado. Ao ouvirem gritos de soldados, fogem.
Arvino continua dominado pela fúria contra a filha, e mais furioso fica quando é informado de que Pagano foi visto no acampamento dos cruzados. Deve ser um sinal do descontentamento divino. E Arvino conclui que Pagano deve morrer.
Interior de uma gruta. Para uma abertura ao fundo você pode ver a margem do Jordão (um lindo prelúdio com solo de violino “a la Paganini” nos ambienta nesta atmosfera, faixa 25). Giselda ajudou Oronte a refugiar-se numa gruta de onde se pode ver o rio Jordão. Oronte está ferido de morte, e, no seu desespero, a jovem recrimina Deus amargamente. Aparece então o Eremita, aliás Pagano, perguntando quem ousa recriminar os Céus, e diz a Giselda que o seu amor é pecaminoso. Mas se Oronte aceitar receber o batismo, poderão ter uma nova vida juntos. O Eremita parte para ir buscar no rio a água para o batismo. Quando ficam sós, Oronte diz a Giselda que irá esperá-la no Céu. E morre.
Ato 4 – Santo Sepolcro
O ato inicia-se com um sonho de Giselda onde vê Oronte que lhe diz que Deus escutou a sua oração, e que os cruzados recuperarão as forças com a água de Siloé. Quando acorda Giselda está certa da vitória.
No acampamento dos Lombardos cruzados e peregrinos recriminam Deus por tê-los conduzido até àquele deserto árido. Depois um grito anuncia a descoberta duma fonte. Giselda aparece e diz que os Céus escutaram as suas orações: eles podem refrescar-se naquela fonte. Feliz, Arvino afirma aos seus homens que em breve poderão escalar as muralhas de Jerusalém.
Ouvem-se ruídos de batalha. Arvino e Giselda trazem o Eremita, mortalmente ferido, para o interior da tenda. Então o moribundo revela a sua verdadeira identidade: ele é Pagano, que sem a intervenção do Destino, teria também morto o próprio irmão. Nos últimos instantes de vida, pede a Arvino que não amaldiçoe a sua alma penitente. Arvino abraça-o. Depois Pagano pede para ver uma última vez a Cidade Santa. Jerusalém aparece iluminada pelo alvorecer. Pagano morre, e a ópera termina com os cruzados entoando um hino de vitória.
Cai o pano
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Personagens e intérpretes
Infelizmente, “I Lombardi ala prima Crociata” é raramente vista ou ouvida, embora seja um deleite musical! Esta ópera de Verdi é uma verdadeira joia. Há um grande número de ótimas óperas de Verdi que são pouco conhecidas e raramente ou nunca executadas. Este admirador tentará, com colher de café, tentar quebrar
alguns paradigmas. A presente ópera chama a atenção imediatamente, é animada, oferece grandes interlúdios corais, simplesmente dignos de se ouvir e inspirar! A gravação com o Big-Luciano (em sua última gravação de ópera completa), Ramey e a grande June Anderson é absolutamente fantástica, Levine é o maestro Verdi dos anos 80, 90 e 2000, ele o sente como ninguém e transmite ao ouvinte um excelente “I Lombardi”. Gosto muito desta versão.
Um tema politico-religioso espetacular, muitos coros, uma pitada de exotismo e de sobrenatural, blasfêmia, conversão, expiação, visões, prodígios divinos, amor do herói pela filha do seu inimigo, rivalidade entre irmãos, e um lamento pela Pátria distante. “I Lombardi ala prima Crociata” é a ópera de Verdi mais acessível ao ouvido, tenho certeza que os amigos do blog vão adorar !!!!! Que subam as cortinas e se inicie o espetáculo!
I Lombardi ala prima Crociata – Giuseppe Verdi
Samuel Ramey (Bass) – Pagano Patricia Racette (Soprano) – Viclinda Ildebrando D’Arcangelo (Bass) – Pirro June Anderson (Soprano) – Giselda Anthony Dean Griffey (Tenor) – Priore Yannis Yannissis (Bass) – Acciano Jane Shaulis (Soprano) – Sofia Luciano Pavarotti (Tenor) – Oronte Richard Leech (Tenor) – Arvino
James Levine
Orchestra/Ensemble: Metropolitan Opera Chorus, Metropolitan Opera Orchestra (1997).