É claro que não deveria nunca escrever sobre jazz. Adoro jazz, mas sou muito boêmio. Diferentemente dos eruditos, só ouço os caras de que gosto. Então, meu deus jazzístico é Charlie Mingus — que, dizem, era um compositor erudito que gostava de jazz — , secundado por Ellington, Miles e Dolphy. Os outros, including Coltrane, Parker, Evans e Jarrett, ficam fora de meu Olimpo. É bóbvio que não devo posar de conhecedor. Não pouso, mas indico Dolphy como um grande compositor, improvisador anárquico e originalíssimo que morreu da forma mais estúpida possível a um ser humano.
Sim, ele era diabético. Deu entrada no hospital em coma diabético. Porém, como era músico, os médicos acharam que ele estava drogado e logo voltaria a si. Morreu. Aos 36 anos.
Eric Dolphy tocava saxofone alto, flauta e clarone. Na verdade, foi o primeiro claronista importante como solista no jazz, além de ser dos maiores flautistas do estilo. Em todos esses instrumentos era um improvisador impecável. Nas primeiras gravações, ele tocava ocasionalmente um clarinete soprano tradicional em Si bemol. Seu estilo de improvisação era característico por uma torrente de ideias, utilizando amplos saltos intervalares e abusando das doze notas da escala. Embora o trabalho de Dolphy seja às vezes classificado como free jazz, suas composições e solos possuem uma lógica diferente da dos músicos de free jazz.
.: intermezzo :. Eric Dolphy: Out There (1960) e Out to Lunch (1964)
Out There
1. Out There 6:52
2. Serene 6:58
3. The Baron 2:54
4. Eclipse 2:43
5. 17 West 4:48
6. Sketch Of Melba 4:36
7. Feathers 5:00
Out to Lunch
1. Hat And Beard 8:24
2. Something Sweet, Something Tender 6:03
3. Gazzellioni 7:23
4. Out To Lunch 12:09
5. Straight Up And Down 8:19
Apoie os bons artistas, compre suas músicas.
Apesar de raramente respondidos, os comentários dos leitores e ouvintes são apreciadíssimos. São nosso combustível.
Comente a postagem!
Apesar de algumas carrancas, fiquei especialmente feliz com o resultado do último interlúdio — o jazz supraenergético do Soil & “Pimp” Sessions. Que uma parte do público deste blog é deveras conservador, já se sabia; o que eu seguidamente me pergunto, ao preparar as postagens para cá, é quão inovadores, permeáveis e, principalmente curiosos outros grupos de leitores podem ser. E ao abraçar o Japão com o groundbreaking jazz do S&PS, as respostas que chegaram pelos comentários foram gratificantes. Como, por exemplo, tangenciou o Juan Carlos Bosco: é preciso louvar as novas iniciativas em torno do jazz. Não se trata exatamente de falar em “renovação” — palavrinha que traz um ranço indesejado, de que o antigo não presta mais —, mas de re-interesse, re-despertar. Mais do que fazer jazz de uma forma leve, arejada, os novos combos que lotam pubs de Nagoya, Tokyo e Osaka estão formando novas gerações de ouvintes de jazz; e estão mostrando que o estilo não serve apenas para ouvir em casa, ou em lounge bars de personalidade molenga.
Não sei o que vocês acham, mas este cão fica sorrindo ao imaginar que, em “botecos” japoneses, tem gente que sai para dançar jazz ao invés de dance music. Curtir ativamente um estilo que parece renegado ao easy listening, pano de fundo, ao menos em nosso país.
Nada mais justo, portanto, que continuar nosso passeio pelo Japão. O post de hoje traz outros dois sensacionais combos — que, ao contrário do S&PS, são menos “barulhentos” e caminham mais próximos ao jazz tradicional, embora sem perder as doses generosas de groove, e os toques de latinidade, que marcam este particular DNA. Aliás, que não fique dúvida: tanto o Indigo Jam Unit quanto o Quasimode tem uma formação básica que inclui bateria e percussão fixas, além de double bass e piano.
O Indigo Jam Unit não precisa de mais nada; suas faixas são calcadas principalmente no baixo, que divide a maior parte da atenção com os belos riffs de piano. Apesar de um toque de nu-jazz, sua base é bop, e com muito a dever ao jazz modal, principalmente o dos anos 60. E boas composições: além de repletas de swing, são faixas que permanecem nos ouvidos e na memória (ouça Rumble, com um solo de piano de tirar o fôlego, e Time, com sua percussão marcante, e concorde comigo). Não só isso; é um álbum bastante cinemático, com muito movimento, e uma trilha sonora grandiosa pra quem se aventura com mp3 portáteis nas ruas da cidade.
Já o Quasimode, apesar de ter a mesma formação de base, utiliza convidados nos metais; no disco presente, um par de trumpetes e um sax alto, se identifiquei bem (impossível achar a listagem completa do cd na internet. Estamos tratando de grupos ainda pouco conhecidos fora do país de origem). Havia dito que o Indigo Jam Unit tem um feeling sessentista? Pois este disco do Quasimode não é apenas o feeling, mas também homenagem. A banda, que neste ano ganhou a chancela Blue Note de qualidade, resolve fazer uma releitura de clássicos daquela década, tocando standards de artistas do catálogo de sua nova gravadora. O resultado é um disco bastante coeso de jazz contemporâneo: das três bandas japonesas apresentadas, esta é a que tem raízes mais expostas — embora as faixas puxadas no soul e nos bongôs e ton-tons deixem claro de que não se trata de um disco antigo.
Para além de um jazz muito bem feito, tenho um particular carinho ao saber que ouço música ao mesmo tempo tradicional e inovadora, gravada do outro lado do mundo, e nos dias de hoje. (Estas duas bandas, inclusive, lançaram novos álbuns no começo deste mês.) Espero que vocês sigam comigo nessa jornada!
Um CD médio, principalmente se considerarmos o excepcional trio. Reeditado a partir da gravação original de 1989, Segments apresenta três dos melhores músicos de jazz modernos: a pianista Geri Allen, o baixista Charlie Haden e o baterista Paul Motian, todos falecidos. Na época, o trio tocava e gravava com frequência e a energia colaborativa que compartilhavam é às vezes palpável neste álbum. Juntamente com peças originais, eles executam versões de “Law Years” de Ornette Coleman, “Marmaduke” e “Segment” de Charlie Parker, juntamente com os clássicos “I’m All Smiles” e “You’ll Never Know”. Mas eu gosto mesmo é de “La Pasionaria”.
.: interlúdio :. Geri Allen, Charlie Haden & Paul Motian: Segments
Track List
01. Law Years 5:46
02. You’ll Never Know 5:00
03. Marmduke 4:42
04. Cabala / Drum Music 7:39
05. Home 4:30
06. I’m All Smiles 6:02
07. Segment 4:26
08. La Pasionaria 9:26
09. Rain 3:35
musicians
Geri Allen – piano
Charlie Haden – double bass
Paul Motian – drums
Reconheço que meio que viciei nesse espetacular CD desde que me foi repassado por um querido amigo, que disse com palavras de quem já me conhece há bastante tempo: ouça pois tenho certeza de que vais amar.
E como não amar e se encantar com essa verdadeira viagem pela tal da “World Music” (nem sei se poderia classificá-lo desta forma), que reúne o lendário guitarrista da banda de Rock Progressivo Genesis Steve Hackett e o Grupo de Jazz húngaro Djabe? Poucas vezes ouvi a música ser tão universal, reunindo Ocidente e o Oriente. É até difícil classificá-los, pois o que ouvimos é uma perfeita junção do Jazz ocidental com a música oriental. Só ouvindo para entenderem o que quero expressar.
Acompanho a carreira de Steve Hackett já há bastante tempo, e nunca deixo de me surpreender com a sua originalidade. Ele nunca teve medo de ousar, desde os tempos do Genesis, quando, ao lado de Peter Gabriel, Phil Collins, Mike Rutherford e Tony Banks nos proporcionaram momentos de muito prazer com uma discografia impecável, mas isso é assunto para outra postagem. O foco aqui é o “Djabe”. Hackett já os acompanha há bastante tempo, então sua interação é perfeita. O mago inglês da guitarra entende que é apenas mais um, e deixa os outros músicos a vontade para improvisar. O que se ouve é uma aula de como se toca ao vivo, e claro, uma aula de improviso. Destacaria entre estes grandes músicos o baixista Tamás Barabás (seu solo na faixa 7 é algo digno de figurar entre os grandes solos do instrumento na história da música), e os trompetistas Ferenc Kovács e Áron Koós-Hutás (que me proporcionou um dos momentos mais memoráveis do álbum, na faixa “Ace Wands”), mas todos os músicos são excepcionais e fica difícil dizer qual a melhor faixa, mas arriscaria na faixa 7 do CD1, “Distance Dances”, onde os músicos do Djabe se sentem a vontade para improvisar. Coisa de gente grande mesmo.
Espero que apreciem. A empolgação que esse CD me causou me fez sentar novamente na frente do computador para preparar uma postagem depois de alguns meses. Não temo em dizer que é o melhor registro ao vivo que já ouvi em muito tempo.
CD 1
Erdõ, Erdõ
Firth of Fifth
Dark Soup
City of Habi
The Steppes
Pécs
Distance Dances
Clouds Dance
Wind and Bell
Sákira
Ace of Wands
CD 2
Dorombo
Butterfly
Last Train to Istambul
In that Quiet Earth
Genghis´Sword
Behind the Veil
Omachule – excerpt
Steve´s Acoustic Set
Scenes
Los Endos
Steve Hackett – Guitarras elétricas e acústicas
Djabe
Szilárd Banai – Bateria
Tamás Barabás – Baixo
Áttila Égerházi – Guitarra, percussão e vocal
Ferenc Kovács – trompete, violino e vocal
Zoltán Kovács – Teclados
Áron Kóos-Hutas – Trompete
– Postagem original de 2013. Reativada por Pleyel em homenagem aos 78 anos de Keith Jarrett (nasc. 8/maio/1945) –
Não tenho bem certeza desde quando que tenho esse cd do Keith Jarrett, mas tenho certeza de que é meu favorito com essa formação do quarteto europeu. Jan Garbarek dá um show em faixas clássicas como “Questar, “My Song” e a última faixa do cd, “The Journey Home”. Keith Jarrett, como sempre, um gênio do piano, com solos pontuais, curiosamente não muito extensos, porém certeiros. A cozinha com o baixista Palle Danielsson e o baterista Jon Christensen fornece a base perfeita para os solos de Jarrett e Garbarek.
Em outras palavras, um primor de CD, facilmente classificável como “IM-PER-DÍ-VEL” para os fãs do jazz.
Keith Jarrett Quartet – My Song (1978)
1 – Questar
2 – My Song
3 – Tabarka
4 – Country
5 – Mandala
6 – The Journey Home
Keith Jarrett – Piano
Jan Garbarek – Tenor and Soprano Saxophones
Palle Danielsson – Bass
John Christensen – Drums
Nascido em 25 de maio de 1924 nos EUA, o saxofonista Marshall Allen é provavelmente o músico de jazz mais velho em atividade hoje. Membro do grupo de Sun Ra (1914-1993) desde 1955 até a morte do pianista, ele continuou tocando com a Sun Ra Arkestra desde então e liderando o grupo desde 1995. Sempre no sax alto, enquanto John Gilmore (1931-1995) era o sax tenor do grupo, ambos estiveram presentes na criação coletiva de muitas das inovações que seriam associadas ao free jazz e outras correntes de vanguarda, embora os créditos tenham ido principalmente para os mais famosos Ornette Coleman (1930-2015) e John Coltrane (1926-1967). De todos esses músicos citados acima, o único nascido antes de Marshall Allen era Sun Ra. Estes dois últimos, portanto, embora a uma certa distância dos holofotes, estiveram envolvidos em todas as idas e vindas do jazz da costa leste norte-americana desde os anos 1950: hard bop, sheets of sound, free jazz, fusion, afrofuturismo, tudo isso eles fizeram e em muitos casos fizeram antes que jornalistas e gravadoras inventassem esses nomes para as práticas.
O percussionista brasileiro Elson Nascimento no surdo e Marshall Allen no sax (2022)
Em breve com 99 anos, Marshall Allen continua tocando e gravando até hoje com outros músicos, como é o caso desse álbum de 2010 com o grupo turco Konstrukt, com Allen de convidado. Outro convidado de peso é o percussionista turco Hüseyin Ertunç, importante na cena de jazz turca pelo menos desde os anos 1970. O grupo que gravou neste disco é composto de dois pares e um trio: temos dois saxofones (sax alto de Allen no canal esquerdo, sax tenor e raramente soprano de Futaci no canal direito), duas guitarras e três percussionistas/bateristas. As percussões raramente trabalham com ritmos constantes e as guitarras raramente solam: todos esses instrumentos fazem uma cama altamente original, inconstante e predominantemente aguda (porque sem baixo) para os dois saxofonistas brilharem.
Marshall Allen, Hüseyin Ertunç & KonstruKt: Vibrations of the Day
1 Through The Asteroids 6:31
2 Space Jungle 8:47
3 Milkyway 7:03
4 March Of The Aliens 11:01
5 Supernova 7:01
6 The Emperor 3:52
7 Sunflower 8:58
8 Neptune 10:13
9 Spirits 7:54
Peço licença para entrar na área de um dos colaboradores do blog, o bluedog. Andei mexendo numa velha estante de cds, e encontrei esta obra prima do Gismonti, e quase que imediatamente decidi postar. Este Zigzag (1996) é uma maravilha de cd. Com o tradicional cuidado das gravações da ECM, Egberto Gismonti está à vontade e muito bem acompanhado, ao lado de Nando Carneiro e Zeca Assumpção. Só gostaria de saber de que planeta esses caras saíram para conseguirem um resultado tão fantástico assim. Posso até estar exagerando, mas o CD tem momentos realmente brilhantes, o violão e o piano de Gismonti são únicos, com sua mistura de elementos rítmicos da música brasileira, e mesmo em momentos de puro virtuosismo a beleza de seu dedilhado está presente. Destaques? Sugiro uma audição mais apurada de “Mestiço & Caboclo”, e o piano de “Forrobodó”. O texto abaixo foi tirado do site da ECM:
“ZigZag” is the 14th Gismonti recording to be issued by ECM and features his touring band of Nando Carneiro, who doubles on guitar and synthesizer, and bassist Zeca Assumpacao (sic). The trio members have been friends since the 1970’s and collaborated on many projects and tours both in South America and Europe. More than 20 years after his ECM debut, “Dança das Cabeças”, Gismonti remains a category unto himself. Born in the small Brazilian town of Carmo to a Lebanese father and a Sicilian mother, he grew up in an “international” environment . Beginning classical piano at the age of 5, his earliest yearnings were to play and compose music in the European tradition. At the age of 20 he went to Paris to study initially with composer Jean Barraqué and later with Nadia Boulanger. Whereas Barraqué passed on his enthusiasm for Debussy, Ravel and Stravinsky to the young Egberto, Boulanger sent the aspiring composer home to reacquaint himself with his Brazilian roots. Upon his return to Brazil, Egberto immersed himself in his country’s rich musical resources using the samba, choro, jazz, bossa and baiao in creating his own new music. He also turned his attention to the guitar, an instrument at the musical center of his homeland. Attracted originally by the Brazilian choro form which he negotiated on classical acoustic guitar, he switched to an 8-stringed instrument in 1973, and gradually worked his way up to his present 10 and 14-string guitars.
Boa audição.
Egberto Gismonti Trio – ZigZag
1. ZigZag
2. Mestiço & Caboclo
3. Orixás
4. Carta De Amor
5. Um Anjo
6. Forrobodó
Eu gosto muito dos Beatles. Sou daqueles que boto a agulha para ouvir meu vinil original de Rubber Soul e fico na expectativa, na espera do início de Drive my car. Aquela guitarra de abertura me comove de forma avassaladora. Minha (boa) infância retorna com tudo, principalmente com sua alegria. Bem, este álbum solo ao vivo de Brad Mehldau apresenta interpretações do pianista para nove canções de Lennon e McCartney e uma de Harrison. Embora outras canções dos Beatles tenham sido a base dos shows solo e trio de Mehldau, ele não havia gravado nenhuma das músicas deste Your Mother Should Know antes. O álbum termina com um bis de David Bowie, o que estabeleceria uma conexão entre os Beatles e os compositores que vieram depois. Your Mother Should Know foi gravado em setembro de 2020 na Philharmonie de Paris. “Há uma universalidade indiscutível nos Beatles”, disse Mehldau, na época. “Sua música atravessa linhas culturais e geracionais, à medida que novos ouvintes continuam a descobri-la. Há um imediatismo e uma integridade em suas canções que atraem a todos. Quando eu estava começando no instrumento, os Beatles ainda não estavam no meu radar. Eu não sabia que muito da música pop duradoura que eu ouvia no rádio surgira a partir deles. Essa música se tornou parte da minha personalidade musical e, quando descobri os Beatles mais tarde, tudo se conectou. A música deles, e sua ampla influência sobre outros artistas, continua a fazer parte do que faço. Há muita coisa boa e original na série de álbuns revolucionários que começam com Rubber Soul e Revolver até seu álbum final, Let It Be.”
Eu? Eu gostei muito de algumas coisas e menos de outras. Para mim, os pontos altos são I am the…, Your Mother…,I saw…, She said…, If I needed…, Golden Slumbers, etc. Um bom disco!
.: interlúdio :. Your Mother Should Know – Brad Mehldau plays Beatles
1 I Am The Walrus
2 Your Mother Should Know
3 I Saw Her Standing There
4 For No One
5 Baby’s In Black
6 She Said, She Said
7 Here, There And Everywhere
8 If I Needed Someone
9 Maxwell’s Silver Hammer
10 Golden Slumbers
11 Life On Mars?
Acostumar-se à música digital, sem o suporte físico do toque, tem dessas: ganhei este disco de presente há algumas semanas, e simplesmente acabava não lembrando de escutá-lo. O mp3 não requer manuseio e as operações vão ficando obsoletas. Até poderia tê-lo baixado da internet e mantido o cd na estante, com plástico e tudo; cada vez mais, a mídia física vira, pura e simplesmente, item de colecionador.
Mas a verdade é que quando o coloquei para rodar, me arrependi instantaneamente de não ter ouvido antes. Colaboração contemporânea de um jazz refinadíssimo, este The Enchantment, gravado no ano passado — este post é de 2008 — por Chick Corea, é um duo com Béla Fleck — um músico do qual eu jamais havia ouvido falar. Seu instrumento? O banjo.
Coçando a cabeça com a pata traseira. Banjo não é coisa de música country?
Se o amigo leitor levantou a sobrancelha como eu fiz ao descobrir a informação no encarte do cd, saiba que está proibido de ter qualquer tipo de preconceito. Escrevo ouvindo o que se repete nos meus ouvidos várias vezes por dia desde então: a faixa 3, Joban Dna Nopia. Corea, de quem não conhecia gravações mais recentes, pelos céus! — está cada vez melhor, mais sábio e mais cativante. Suas frases são carregadas de um brilho muito particular, como se estivesse sorrindo, feliz, relaxado, divertindo-se, derramando-se generosamente para o público. Enquanto isso, Béla – que é americano, mas veja seu nome completo: Béla Anton Leoš Fleck (adicione Bártok, Dvořák e Janáček para descobrir o destino que seus pais lhe desejaram no nascimento) – desenvolve com muita personalidade e domínio técnico a sonoridade curta e metálica do banjo. Seja fazendo fundo para os solos de Corea ou o inverso, o casamento entre os timbres é fascinante e hipnótico. Também por inusitado, mantém a atenção do ouvinte o tempo todo, já que são variações pouquíssimo exploradas por nossa audição. Que é tratada com muito carinho durante todo este álbum.
Belo, por vezes lúdico, revigorante e atrator de bons augúrios; espero que esta seja uma valiosa surpresa para vocês, também.
The Enchantment – Chick Corea and Béla Fleck (224)
Chick Corea: piano
Béla Fleck: banjo
Produzido por Chick Corea e Béla Fleck para a Concord
01 Señorita (Corea) 5’20
02 Spectacle (Fleck) 4’40
03 Joban Dna Nopia (Corea) 6’28
04 Mountain (Fleck) 3’53
05 Children’s Song #6 (Corea) 4’02
06 A Strange Romance (Fleck) 4’46
07 Menagerie (Fleck) 5’53
08 Waltse for Abby (Fleck) 3’02
09 Brazil (Barroso, Russell) 5’58
10 The Enchantment (Corea) 5’39
11 Sunset Road (Fleck) 4’36
Quem se acostumou ao barato da droga de Charlie Mingus sabe: ela causa dependência para toda vida. Não, não há ex-viciados. Sorte nossa é que há muitos e bons músicos drogaditos sempre prontos a não deixarem que padeçamos de síndrome de abstinência. Mesmo 32 anos após a morte do grande baixista, ainda há carradas de gente devotadas à obra deste notável compositor de música erudita… que gostava de jazz. Este disco de 2009 não é o melhor da Big Band formada para cultuar Mingus, mas é um álbum ao vivo absolutamente estimulante para quem gosta do jazz visceral e raivoso praticado pelo homem que era 3.
Destaque para uma das muitas homenagens feitas à Charlie Parker, Gunslinging Birds, mas também para Cryin’ Blues, Open Letter To Duke, Moanin’ e Goodbye Pork Pie Hat. A obra de Mingus parece ter mais facetas do que mostra qualquer LSD.
Divirtam-se. Embriaguem-se. Droguem-se. Quem gostar não vai poder mais viver sem.
Mingus Big Band Live at Jazz Standard
1. Gunslinging Birds
2. New Now Know How
3. Self-Portrait In Three Colors
4. Birdcalls
5. E’s Flat Ah’s Flat Too
6. Cryin’ Blues
7. Open Letter To Duke
8. Moanin’
9. Goodbye Pork Pie Hat
10. Song With Orange
Um CD maravilhoso! Sabedoria e melancolia estão entrelaçadas em Wisteria, cuja faixa-título, escrita por Art Farmer, leva os ouvintes de volta ao início dos anos 1960, onde o pianista Steve Kuhn e o baixista Steve Swallow cantam suavemente o blues na banda do trompetista-flugelhornista. A dupla se conhece muito bem: desenvolvem suas ideias de improvisação juntos e compartilham o mesmo amor pela melodia. Este álbum dá uma nova visão a peças ouvidas antes na coleção orquestral Promises Kept de Kuhn. Ao lado das baladas tristes há também um pouco de hard bop (A Likely Story), algo de Swallow (Dark Glasses), um gospel de Carla Bley (Permanent Wave) e a brasileira Romance de Dori Caymmi. Ao todo, são temas variados onde o trio parece navegar sem esforço. São músicos já além da necessidade de provar qualquer coisa, criando a agradável ilusão de que essa música exigente está tocando sozinha.
Steve Kuhn / Steve Swallow / Joey Baron: Wisteria
01. Chalet
02. Adagio
03. Morning Dew
04. Romance
05. Permanent Wave
06. A Likely Story
07. Pastorale
08. Wisteria
09. Dark Glasses
10. Promises Kept
11. Good Lookin’ Rookie
Personnel:
Steve Kuhn (piano)
Steve Swallow (bass)
Joey Baron (drums)
Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 12/9/2012.
.oOo.
Se existe algo de sagrado pra você, é em nome disso que eu peço: por favor, nem uma palavra pra dizer que você gostava ou gosta de Killing me softly. Praticamente todo mundo gosta, até eu não acho ruim quando está tocando, mas se já é unanimidade, pra que comentar? Que tal falar de alguma das outras 31 faixas desta postagem?
Tá, desculpem a cena dramática… mas é que tenho uma razão muito forte para odiar o sucesso que Killing me softly não para de fazer há 39 anos: foi esse sucesso que atiçou a sanha mefistofélica da indústria do disco, que então acabou precocemente a carreira da talvez última grande dama negra da canção estadunidense, e lançou a primeira gralha da pseudo-black music ultracomercial: a “rainha da discotheque” – ai!
Cantora-pianista, arranjadora, por vezes compositora, Roberta dividiu seus três primeiros discos entre o que se pode chamar “música de dor-de-cotovelo americana”, e peças de protesto e ativismo político (Compared to what e Trying times no disco 1, Go up moses no disco 3, mas sobretudo o arrepiante grito contra a guerra do Vietnã que é Business goes as usual no disco 2) –
… e ainda explorações variadas do universo cultural da comunidade negra estadunidense, indo do protesto contra a dominação cultural disfarçado de spiritual que é I told Jesus (disco 1) e da tocante crônica Sunday and sister Jones (disco 3) ao escrachado humor erótico de Reverend Lee (disco 2).
No quarto disco, sintomaticamente, a vertente política desaparece – mas não por isso deixo de considerá-lo magistral (à parte aquela canção que não vou nomear de novo).
Enfim: esta Roberta que estou partilhando foi para mim uma paixão de adolescente ávido de descobrir tudo o que música podia ser, uma revelação de mundos sonoros e poéticos tão diferentes de tudo o que eu já conhecia… Criou um departamento para si dentro de mim; até hoje suas frases me habitam. Acho que poderia falar horas sobre este ou aquele detalhe desta ou aquela canção – mas prefiro apenas nomear (mais) algumas que aprecio de modo especial.
Do primeiro disco (que aconselho não julgar pela primeira faixa), repito a menção à estupenda I Told Jesus; no segundo acho curioso comparar a abordagem de Roberta a The impossible dream com a entre nós tão conhecida versão de Maria Bethania – além da faixa de protesto já citada.
Do terceiro, repito Sunday and sister Jones e acrescento Will you still love me tomorrow? e Sweet bitter love – mas como não falar também da leitura personalíssima de Bridge over troubled water? Do quarto, digo que contém a faixa de dor de cotovelo mais rastejante que já ouvi em qualquer língua: Jesse – mas minhas preferidas são I’m the girl, When you smile, e finalmente Suzanne, de Leonard Cohen, na qual a grande cantora se despede para sempre com scats que pairam sobre um inquietante efeito de cordas que sugerem sirenes… escrito, talvez ironicamente, por um dos arranjadores mais caros dos EUA: o brasileiro Eumir Deodato.
E agora é com vocês!
ROBERTA FLACK – discos 1 a 4
1 FIRST TAKE (1969)
101 “Compared to What” (Gene McDaniels) – 5:16
102 “Angelitos Negros” (Andres Eloy Blanco, Manuel Alvarez Maciste) – 6:56
103 “Our Ages or Our Hearts” (Robert Ayers, Donny Hathaway) – 6:09
104 “I Told Jesus” (Traditional) – 6:09
105 “Hey, That’s No Way to Say Goodbye” (Leonard Cohen) – 4:08
106 “The First Time Ever I Saw Your Face” (Ewan MacColl) – 5:22
107 “Tryin’ Times” (Donny Hathaway, Leroy Hutson) – 5:08
108 “Ballad of the Sad Young Men” (Fran Landesman, Tommy Wolf) – 7:00
2 CHAPTER TWO (1970)
201 “Reverend Lee” (Gene McDaniels) 4:31
202 “Do What You Gotta Do” (Jimmy Webb) 4:09
203 “Just Like a Woman” (Bob Dylan) 6:14
204 “Let It Be Me” (Gilbert Becaud, Mann Curtis, Pierre Delanoë) 5:00
205 “Gone Away” (Donny Hathaway, Leroy Hutson, Curtis Mayfield) 5:16
206 “Until It’s Time for You to Go” (Buffy Sainte-Marie) 4:57
207 “The Impossible Dream” (Joe Darion, Mitch Leigh) 4:42
208 “Business Goes on as Usual” (Fred Hellerman, Fran Minkoff) 3:30
3 QUIET FIRE (1971)
301 “Go Up Moses” (Flack, Jesse Jackson, Joel Dorn)
302 “Bridge over Troubled Water” (Paul Simon)
303 “Sunday and Sister Jones” (Gene McDaniels)
304 “See You Then” (Jimmy Webb)
305 “Will You Still Love Me Tomorrow” (Carole King, Gerry Goffin)
306 “To Love Somebody” (Barry Gibb, Maurice Gibb, Sharon Robinson)
307 “Let Them Talk” (Sonny Thompson)
308 “Sweet Bitter Love” (Van McCoy)
4 KILLING ME SOFTLY (1973)
401 “Killing Me Softly with His Song” (Charles Fox, Norman Gimbel)
402 “Jesse” (Janis Ian)
403 “No Tears (In the End)” (Ralph MacDonald, William Salter)
404 “I’m the Girl” (James Alan Shelton)
405 “River” (Gene McDaniels)
406 “Conversation Love” (Terry Plumeri, Bill Seighman)
407 “When You Smile” (Ralph MacDonald, William Salter)
408 “Suzanne” (Leonard Cohen)
Só para ouvir Liberty City e lembrar do melhor programa do rádio brasileiro — o extinto A Hora do Jazz, de Paulo Moreira — já valeria a pena baixar esta obra-prima de Jaco Pastorius (John Francis Anthony Pastorius III, nascido em 1 de dezembro de 1951 e falecido em 21 de setembro de 1987). Este Truth, Liberty & Soul foi gravado ao vivo em 1982 em Nova Iorque. Houve muitos deuses da guitarra, mas nunca houve um deus baixista como Jaco Pastorius. Genial e imaginativo, ele comportava-se loucamente, era drogado e convencido como as estrelas do jazz do passado. Também era dono de uma sofisticação harmônica inalcançável. Segundo o próprio, suas principais influências musicais foram “James Brown, Beatles, Miles Davis, e Stravinsky, nessa ordem”. Além desses, Jaco cita outros nomes como Jerry Jemmott, James Jamerson, Paul Chambers, Harvey Brooks, Tony Bennett, Sinatra, Duke Ellington, Charlie Parker, e com especial atenção o nome de Lucas Cottle, um desconhecido baixista neozelandês que tem algumas gravações a seu lado. Uma das maiores homenagens prestadas a ele, foi registrada por Miles Davis, que gravou a música Mr. Pastorius, composição do baixista Marcus Miller, lançada no álbum Amandla. Se você nunca ouviu o Fender Jazz Bass dele — sim, sei que o importante é ter saúde –, está perdendo boa parte do que a vida e a alegria têm a oferecer. Não vou falar sobre a morte estúpida de Pastorius aos 35 anos, ainda mais após ouvir esta obra-prima.
Jaco Pastorius: Truth, Liberty & Soul
Disc One
1. Invitation (13:04)
2. Soul Intro/The Chicken (9:10)
3. Donna Lee (13:18)
4. Three Views to a Secret (6:38)
5. Liberty City (10:10)
6. Sophisticated Lady (7:43)
7. Bluesette (5:31)
Disc Two
1. I Shot the Sheriff (6:55)
2. Okonkolé y Trompa (15:07)
3. Reza/Giant Steps (Medley) (10:19)
4. Mr. Fonebone (10:37)
5. Bass and Drum Improvisation (14:05)
6. Twins (2:53)
7. Fannie Mae (5:55)
WORD OF MOUTH BIG BAND
Jaco Pastorius – bass, vocals
Bob Mintzer – tenor and soprano saxophones, bass clarinet
Randy Brecker – trumpet
Othello Molineaux – steel drums
Don Alias – percussion
Peter Erskine – drums
SAXOPHONES
Bob Stein – alto saxophone
Lou Marini – tenor saxophone
Frank Wess – tenor saxophone
Howard Johnson – baritone saxophone
Randy Emerick – baritone saxophone
TRUMPETS
Alan Rubin
Lou Soloff
Jon Faddis
Ron Tooley
Kenny Faulk
TROMBONES
David Taylor
Jim Pugh
Wayne Andre
FRENCH HORNS
John Clark
Peter Gordon
TUBA
David Bargeron
Special Guest:
Toots Thielemans
(harmonica on “Three Views of a Secret,” “Liberty City,” “Sophisticated Lady,””Bluesette,” “I Shot the Sheriff,” “Mr. Fonebone” and “Fannie Mae”)
Limpo como a água de um rio sem qualquer traço de poluição, com as borbulhas suaves de uma cachoeira nesse rio, o som do saxofone de Wayne Shorter pode ser comparado à pureza da voz de Milton Nascimento. E por um desses acasos da vida, os dois se tornaram bons amigos. Em sua longa carreira, Shorter gravou uma imensa discografia: aqui no blog, não faz tanto tempo que PQP postou um dos seus principais álbuns como instrumentista e compositor: Schizophrenia, de 1967. Anos antes, com Freddie Hubbard (trompete) e McCoy Tyner (piano), ele participou do grande álbum Ready for Freddie (1962). Vejamos a seguir outros momentos da discografia de Wayne Shorter em dois álbuns que não têm o seu nome na capa, mas que têm nele, como compositor, instrumentista, arranjador, um dos pilares de construções musicais coletivas.
Menos conhecido que álbuns mais dançantes e acelerados como Bitches Brew, Filles de Kilimanjaro é um disco do início da fase de experimentações de Miles Davis e seu grupo com instrumentos elétricos. Um delicioso disco mais calmo, cheio de floreios de blues lento, com bastante destaque para o sax tenor de Shorter e para o piano elétrico Fender Rhodes de Herbie Hancock. A linda mulher da capa é Betty Gray Mabry – depois Betty Davis – que se casou com Miles em 1968. O casamento durou apenas cerca de um ano, mas tudo indica que foi Betty quem fez Miles escutar a música psicodélica de gente como Jimi Hendrix, além de apresentar o guitarrista – amigo dela – ao trompetista. A faixa Mademoiselle Mabry também é uma referência a Mabry e se baseia em um dos riffs mais suaves de Hendrix, o da balada The wind cries Mary, lançada em 1967.
Em álbuns posteriores como o já citado Bitches Brew (“Miles wanted to call it Witches Brew, but I suggested Bitches Brew and he said, ‘I like that’.” – Betty Davis), com a chegada da guitarra elétrica de John McLaughlin e de dois ou três percussionistas, Wayne Shorter teria menos destaque no grupo de Miles, do qual ele sairia em 1970 para fundar o grupo fusion Weather Report com o tecladista Joe Zawinul.
Miles Davis Quintet: Filles de Kilimanjaro
1. Frelon Brun
2. Tout de Suite
3. Petits Machins
4. Filles de Kilimanjaro
5. Mademoiselle Mabry
6. Tout de suite (alternate take)
Miles Davis – trumpet
Wayne Shorter – tenor saxophone
Herbie Hancock – electric piano on “Tout de Suite”, “Petits Machins”, and “Filles de Kilimanjaro”
Chick Corea – piano, RMI electra-piano on “Frelon Brun” and “Mademoiselle Mabry”
Ron Carter – electric bass on “Tout de Suite”, “Petits Machins”, and “Filles de Kilimanjaro”
Dave Holland – double bass on “Frelon Brun” and “Mademoiselle Mabry”
Tony Williams – drums
Recorded: June-September 1968, New York City, USA
Os discos mais famosos do Weather Report são aqueles com o fenomenal baixista Jaco Pastorius. Mas este Procession, de 1983, pouco após a saída de Jaco, é um outro interessante momento da discografia de Wayne Shorter que não merece ser esquecido. Se a faixa Where the Moon Goes, que dá início ao lado B do LP, inclui um coral com efeitos que alguns ouvidos não vão aprovar (os meus desaprovam), nas composições de Shorter – Plaza Real e The Well – temos aquele sax de som puro e calmo que mencionei lá em cima, associado aos sons muito originais dos sintetizadores de Zawinul e ao pau comendo nas percussões, que utilizam inovações dos anos 1980 sem soarem bregas, ao contrário de outros bateristas que abusararam de reverb e outros efeitos de gosto duvidoso naquela década.
Weather Report: Procession
1. Procession (Josef Zawinul)
2. Plaza Real (Wayne Shorter)
3. Two Lines (Zawinul)
4. Where the Moon Goes (Zawinul, lyrics by Nan O’Byrne and Zawinul)
5. The Well (Shorter, Zawinul)
6. Molasses Run (Omar Hakim)
Josef Zawinul – keyboards
Wayne Shorter – tenor and soprano saxophones
Omar Hakim – drums, guitar, vocals
Victor Bailey – bass
José Rossy – percussion, concertina
The Manhattan Transfer – vocals on “Where the Moon Goes”
Olhando assim, Michael Landau não parece um guitarrista de rock. Sua natureza discreta guarda no currículo atuações junto a Joni Mitchell, James Taylor, Pink Floyd e… também Miles Davis, para citar alguns. Mas ele tem um grupo fantástico a seu serviço. Um discreto grupo fusion. É rock e blues com belas improvisações. Porém, ao contrário de alguns de seus contemporâneos roqueiros, Landau evita frescuras de guitar hero, concentrando seus talentos na criação de peças musicais que nos tocam em um nível mais profundo. Cada faixa é independente, mas leva você para a próxima. Não é um CD não superproduzido, mas também não é áspero. Como diz o título, é orgânico. Todas as composições são ótimas, com excelentes atuações de todos os envolvidos. Minhas preferidas são Delano, Smoke e Big Sur Howl.
.: interlúdio :. The Michael Landau Group: Organic Instrumentals
1 Delano
Bass – Jimmy Haslip
Drums – Charley Drayton
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
2 Sneaker Wave
Bass – Teddy Landau
Drums – Vinnie Colaiuta
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar, Bass – Michael Landau
3 Spider Time
Bass – Jimmy Haslip
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ], Piano – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
4 The Big Black Bear
Bass – Andy Hess
Drums – Gary Novak
5 Karen Mellow
Bass – Andy Hess
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
6 Ghouls And The Goblins
Bass – Chris Chaney
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
7 Big Sur Howl
Drums – Gary Novak
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Flugelhorn – Walt Fowler
Guitar – Michael Landau
8 Woolly Mammoth
Bass – Andy Hess
Drums – Charley Drayton
Electric Organ [Hammond Organ] – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
9 Smoke
Electric Organ [Hammond Organ], Organ [Estey Reed Organ], Carillon – Larry Goldings
Guitar – Michael Landau
Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 31/12/2015
.Senhorxs: sei que este último dia de 2015 já está carregado até não poder mais de postagens tremendas, mas, desculpem, eu não posso deixar virar para 2016 sem registrar o vigésimo ano deste disco que considero um “unicum”, isto é: sem similar.
Ithamara é mais um desses casos de brasileirx vítima do nosso complexo de vira-lata endêmico: indicada não sei quantas vezes pela Downbeat entre as principais cantoras de jazz do mundo, diva absoluta no Japão, e ainda – ai! – “Ithamara quem?” para a maior parte dos brasileiros – isso quando este disco contém nada menos que a última gravação de Tom Jobim (no piano de algumas faixas); solos inacreditáveis de Ron Carter ao baixo; Luiz Bonfá, Marcos Valle, Paulo Malaguti e o próprio Tom entre os arranjadores – etc. etc.
Mas não deixo de compreender que, para brasileiros, ouvir sua própria música dita “popular” interpretada assim tenha que causar alguma estranheza. É realmente incomum – e tanto, que eu mesmo tenho dificuldades em colocar em palavras de que modo é incomum. Minha hipótese principal: por uma lado, Ithamara faz uma leitura instrumental da melodia – quero dizer, usando a voz como um instrumento solista, muitas vezes a-lu-ci-na-da-men-te; por outro, não esquece o texto, mas faz dele uma leitura teatral, de alta dramaticidade. São duas intensidades simultâneas tão altas que o resultado definitivamente não cabe em situação assim como embalar um jantar: ou você embarca e navega junto, ou se sente jogado para lá e para cá pela turbulência; sem paz – o que parece chegar ao extremo nas duas faixas em inglês, Cry me a river e Empty glass.
Quanto às onze faixas em português, admito que algo dificulta a fruição do disco até para mim: seis delas são um revival da chamada “música de fossa”, ou “música de dor de cotovelo” (ou mesmo sete, se incluirmos ‘Retrato em branco e preto’ nessa categoria) – sendo cinco numa sequência só. Ora, justamente com as leituras de La Koorax, isso pode ser uma travessia de efetivo risco para depressivos e bipolares… Se eu avalio que há um erro neste disco, é este excesso – entre tantos outros excessos que resultaram felizes!
‘Rio Vermelho’ foi o terceiro disco de Ithamara. Conheço bem este e o segundo, ‘Ao Vivo’, um pouco menos colorido timbristicamente porém igualmente intenso – mas conheço pouco dos posteriores, pois me passaram a impressão de que os produtores internacionais tenham conseguido domar um tanto o vulcão inventivo da artista – com o que confesso que meu interesse caiu um pouco.
Estarei dizendo que acho que na média Ithamara pode ter ficado sendo uma cantora menor? Não! Não acho que arte comporte esse tipo de cálculo mesquinho. Para mim, uma sílaba pode ser bastante para consagrar um(a) artista. No caso, sugiro que ouçam com atenção o gradualíssimo crescendo de tensão em Retrato em branco e preto, até a sílaba -CA- de “pecado”. Vocês me considerarão completamente maluco se seu disser que dentro dessa sílaba eu vejo se abrir uma paisagem tão ampla quanto as do Planalto Central, ou quem sabe a de algum mirante da Serra do Mar?
Pois bem: a uma cantora que conseguiu fazer isso comigo eu jamais admitirei que alguém venha a chamar de “menor” – seja lá o que houver feito ou deixado de fazer depois!
ITHAMARA KOORAX : RIO VERMELHO
Data de gravação: outubro de 1994
Data de lançamento: abril de 1995
1. Sonho de Um Sonho (Martinho da Vila/R. De Souza/T. Graúna) – 3:50
2. Retrato Em Branco E Preto (Buarque/Jobim) – 5:38
3. Correnteza (Bonfá/Jobim) – 6:41
4. Preciso Aprender a Ser Só (Valle/Valle) – 4:54
5. Tudo Acabado (Martins/Piedade) – 5:26
6. Ternura Antiga (Duran/Ribamar) – 3:48
7. Não Sei (DeOliveira/Gaya) [d’aprés Chopin] – 4:27
8. É Preciso Dizer Adeus (de Moraes/Jobim) – 3:36
9. Cry Me a River (Hamilton) – 6:06
10. Índia (Flores/Fortuna/Guerreiro) – 7:05
11. Rio Vermelho (Bastos/Caymmi/Nascimento) – 3:44
12. Se Queres Saber (Peter Pan) – 8:14
13. Empty Glass (Bonfá/Manning) – 4:02
Ithamara Koorax – Arranger, Vocals, Executive Producer
Antonio Carlos Jobim – Piano, Arranger
Luiz Bonfá – Guitar, Arranger
Ron Carter – Bass
Sadao Watanabe – Sax (Alto)
José Roberto Bertrami – Arranger, Keyboards
Arnaldo DeSouteiro – Arranger, Producer
Jamil Joanes – Bass (Electric)
Carlos Malta – Flute (Bass), Sax (Tenor)
Pascoal Meirelles – Drums
Paulo Sérgio Santos – Clarinet
Marcos Valle – Arranger, Keyboards
Mauricio Carrilho – Guitar (Acoustic), Arranger
Daniel Garcia – Sax (Soprano), Sax (Tenor)
Paulo Malaguti – Piano, Arranger, Keyboards
Sidinho Moreira – Percussion, Conga
Marcos Sabóia – Engineer, Mixing
Otto Dreschler – Engineer
Fabrício de Francesco – Engineer
Rodrigo de Castro Lopes – Engineer, Mastering
Livio Campos – Cover Photo
Hildebrando de Castro – Cover Design, Cover Art
Celso Brando – Liner Photo
Christian Mainhard – Artwork
Ira Kaspi é uma cantora finlandesa nascida em 1964. Não há novidades em sua música, é o velho, bom e elegante disco de jazz de cantora + uma competente banda de jazz + cordas. Os solos são dela, do pianista e do saxofonista. Mas como são bons esses finlandeses! Talvez a única surpresa seja o fato de tratar-se de canções autorais, quase todas compostas pelo grupo, mas sempre dentro daquele estilo fora de uma época determinada — quero dizer, são atemporais desde os anos 50… You and the Night and the Music é o 7º álbum de Ira. Suas gravações anteriores incluem álbuns em duo e um outro CD com suas próprias canções de jazz influenciadas pelo pop. Este aqui apresenta o quinteto Ira`s Jazz Diva Band e a Lohja City Symphonic Orchestra. Gostei de tudo, mas me entusiasmei especialmente por duas canções mais agitadas: Call Me Irresponsible e The Best Is Yet to Be Coming.
Ira Kaspi – You And The Night And The Music
1 Don’t Go To Strangers
Lyrics By – Redd Evans
Music By – Arthur Kent, Dave Mason*
4:36
2 You And The Night And The Music
Lyrics By – Howard Dietz
Music By – Arthur Schwartz
6:15
3 How Do You Keep Up The Light
Lyrics By – Ira Kaspi
Music By – Ape Anttila
3:50
4 Someday My Prince Will Come
Lyrics By – Larry Morey
Music By – Frank Churchill
4:35
5 The Gentle Rain
Lyrics By – Matt Dubey
Music By – Luiz Bonfa*
4:24
6 Call Me Irresponsible
Lyrics By – Sammy Kahn*
Music By – Jimmy Van Heusen
5:06
7 The Good Life
Lyrics By – Jack Reardon
Music By – Alexander Distel*
3:08
8 That Old Devil Called Love
Lyrics By – Doris Fisher
Music By – Allan Roberts
5:07
9 In The Wee Small Hours Of The Morning
Lyrics By – Bob Hilliard
Music By – David Mann (3)
4:28
10 The Best Is Yet to Be Coming
Lyrics By – Ira Kaspi
Music By – Ape Anttila
3:30
Arranged By – Ape Anttila, Mikko Hassinen
Bass Guitar, Percussion – Ape Anttila
Conductor – Esa Heikkilä
Drums – Markku Ounaskari
Orchestra – Lohja City Orchestra*
Orchestrated By – Mikko Hassinen
Piano – Mikael Jakobsson
Recorded By [Vocals] – Ape Anttila
Tenor Saxophone – Jussi Kannaste
Vocals – Ira Kaspi
Classificar este disco é impossível, então ele vai para a categoria, por assim dizer, mais democrática: o jazz. John Zorn construiu uma carreira cavando fundo os confins da expressão musical, torcendo gêneros com uma maestria complicada de explicar mas que não pode deixar de ser admirada. Seus estilos variam do clássico ao jazz, do peso total ao avant-garde, do folclore a coisas ao total rigorismo, passando por quase tudo que há entre eles. Raramente, no entanto, temos a oportunidade de ver Zorn preso à Terra. Em razão destas metamorfoses ele é tão amado por seus fãs, dentre os quais me incluo. Para os não iniciados, a música de Zorn é um pouco hostil, para dizer o mínimo. No entanto, em Mount Analogue, faz um álbum igualmente atraente para os fãs de suas tendências mais vanguardistas, bem como para aqueles que estão ansiosos para encontrar um caminho de entrada para sua discografia pesada.
Dois discos de John Coltrane sem piano, e essa ausência não é apenas uma curiosidade: faz toda diferença… O primeiro foi gravado em 1960 com três músicos da banda de Ornette Coleman, com três da cinco composições também assinadas por Coleman: ele e Coltrane tinham uma admiração mútua um pelo outro, embora nunca tenham gravado juntos. E as bandas de Coleman quase nunca contavam com pianistas, o que fazia parte de seu som característico, mais baseado em solos do que em acordes, e que receberia o nome de Free Jazz a partir do álbum com este nome, que seria gravado seis meses depois dessas sessões comandadas por Don Cherry e John Coltrane. (Outros saxofonistas, como Eric Dolphy e Archie Shepp, que surgem após Coltrane e Coleman, vão liderar bandas também sem piano, à vezes com o vibrafone ocupando o espaço dos agudos…)
Curioso, porém, que o disco, no qual Cherry e Coltrane estão em pé de igualdade, dividindo solos em cada faixa, não soe tão livre assim, pelo contrário, às vezes fica uma certa impressão de fórmula aplicada a cada uma das jams, com trompete e sax introduzindo as melodias em uníssono e depois dividindo solos, o trompete com seu som mais nasal e o sax mais “redondo”, sem as “cascatas sonoras” (sheets of sound) que Coltrane fazia em outros álbuns daquele período. Ou seja: alguns grandes solos, belas melodias de Ornette Coleman e Thelonius Monk, mas paradoxalmente organizadas de forma pouco livre, com um jeitão, se me permitem abusar de mais um anglicismo, um jeitão de “one size fits all”. Das suas gravações como convidado com bandas de colegas, Coltrane soa mais livre no discoBags & Trane, de 1959.
John Coltrane & Don Cherry: The Avant-Garde
1. Cherryco (Don Cherry) – 6:47
2. Focus on Sanity (Ornette Coleman) – 12:15
3. The Blessing (Ornette Coleman) – 7:53
4. The Invisible (Ornette Coleman) – 4:15
5. Bemsha Swing (Thelonious Monk, Denzil Best) – 5:05
John Coltrane – tenor and soprano saxophone
Don Cherry – cornet
Charlie Haden – double bass (tracks 1, 3)
Percy Heath – double bass (tracks 2, 4, 5)
Ed Blackwell – drums
Recorded: June 28, 1960; July 8, 1960 / Released: 1966
Coltrane (1926-1967) vive em uma rua em Denver, EUA
Quatro meses após as sessões de The Avant-Garde, Coltrane gravaria My Favorite Things e, devido ao grande sucesso não só artístico como comercial deste LP, ele não mais faria outras gravações com bandas alheias: tocaria sempre com o piano de McCoy Tyner e a bateria de Elvin Jones, até o fim de 1965. O baixista variava (às vezes, dois baixos!) e, às vezes, chamava mais alguém nos sopros, como Eric Dolphy e Freddie Hubbard. Como escreveu David Stoesz, no fim do ano de 1965, Coltrane entrou em um território tão “far out” que os seus leais companheiros — o “quarteto clássico” que havia gravado A Love Supreme e Crescent — não o seguia mais. O que ele buscava eram sentimentos puros, para além de notas e certamente para além de algo tão mundano como acordes.
Do fim de 1965 em diante, teria sempre ao seu lado o piano de Alice Coltrane. Não fez mais freelances… confiram o último mês em que Coltrane tocaria ao vivo e em estúdio com o grupo de Miles Davis: março de 1961, mesmo mês de lançamento de My Favorite Things…
Então o disco Interstellar Space, gravado em fevereiro de 1967, é uma raridade por apresentar novamente um Coltrane sem piano (e agora sem baixo), apenas com bateria e, agora sim, absolutamente livre. Dessa vez, após alguns anos que lhe trariam mais experiência e várias viradas de rumo, Coltrane soa sem amarras, nada parece planejado, a começar por aquela própria seção de gravação, se acreditarmos no jornalista Ben Ratliff: segundo ele, Interstellar Space foi gravado em um dia em que Rashied Ali (na banda de Coltrane desde 65) chegou no estúdio em New Jersey e não encontro nenhum outro músico, para logo depois ver Coltrane chegar:
Soon Coltrane arrived. / “Ain’t nobody coming?” he said to Coltrane. / “No, it’s just you and me.” / “What are we playing? Is it fast? Is it slow?” / “Whatever you want it to be. Come on. I’m going to ring some bells.”
Coltrane improvisou acompanhado apenas do baterista Rashied Ali, alçando alguns de seus voos mais altos e ao mesmo tempo incompreensíveis. Se você estiver iniciando sua jornada pela discografia do saxofonista, ouça primeiro alguma coisa de 1959 a 1964 e chegue aqui só depois de se apaixonar pelo timbre de Coltrane, sua maneira de respirar e de “fazer arte” (também no sentido de quem fala em crianças “fazendo arte”, ou seja, bagunça). No LP (lançado em 1974) temos a informação de que a música foi produzida por John Coltrane e o álbum, por Ed Michel e Alice Coltrane – suponho que o papel desses dois tenha sido, entre outros detalhes, nomear as faixas e escolher a ordem delas no disco. No CD (1991), temos duas faixas adicionais que entram no meio da bagunça de uma forma coesa, afinal foram gravadas no mesmo dia pela mesma dupla.
Aqui, só temas novos, não há espaço para standards de outros compositores – embora nos shows ao vivo da época ainda aparecessem versões muito peculiares de My Favorite Things e Naima (de Giant Steps, de 1959). Esses dois álbuns citados, e em um grau ainda maior A Love Supreme (1964), transformaram John Coltrane em uma celebridade internacional e ele poderia passar muitos anos repetindo a formação de quarteto e lotando show dos dois lados do Atlântico Norte. Mas se repetir certamente não era o objetivo de John Coltrane, ele queria sempre fazer algo novo e desde 1961 já havia inovado em outras formações, seja com mais músicos ou com menos e, nesse caso, uma forma de bagunçar o coreto era com só dois instrumentistas tocando: Saxofone e Bateria/Percussão. Sem baixo e piano, os improvisos podiam seguir ainda mais livres: é assim, sozinho com Elvin Jones, que ele toca já em 1961 em alguns trechos da faixa Chasin’ the Trane do disco “Live at the Village Vanguard”. No ano seguinte, o piano também se calava na metade final de Traneing In ao vivo na Suécia, lançada no disco póstumo“Bye Bye Blackbird”, além de alguns trechos de Crescent, disco de 1964… Mas um disco inteiro de saxofone e percussões, só em Interstellar Space.
John Coltrane & Rashied Ali: Interstellar Space
1 Mars 10:41
2 Venus 8:28
3 Jupiter 5:22
4 Saturn 11:33
5 Leo 10:53
6 Jupiter Variation 6:44
John Coltrane – tenor saxophone, bells, producer
Rashied Ali – drums
Recorded February 22, 1967 at Van Gelder Recording Studio, Englewood Cliffs, New Jersey; Released September 1974
Tony Whyton wrote that the tracks on Interstellar Space “clearly demonstrate the full glory of Coltrane’s late style”[32] and notes that “the removal of identifiable structures, a steady pulse, and clear sense of meter opens up the music and removes familiar aids of orientation for the listener. In this respect, although Coltrane’s sound and approach can be understood as part of the same continuum, the context has changed dramatically to the point where the music is clearly experienced more as an immediate sensation. This leads to recordings such as Interstellar Space being received as musical processes rather than as products; they encourage us to listen in the here and now as opposed to assimilating what has happened before and predicting what will happen next.”
Ao contrário das gravações ao vivo na Europa postadas aqui dias atrás, feitas por rádio ou TV e lançadas postumamente, esses dois discos de hoje foram produzidos com a participação de John Coltrane e sua gravadora, a partir de momentos selecionados em uma temporada de quatro concertos no Village Vanguard, famosa casa em Nova York.
Por um lado, temos o selo de aprovação dos músicos para o lançamento. Por outro lado, há um certo ar de colagem de datas diferentes, sem aquela sensação de um show com início, meio e fim. Só foram selecionados temas inéditos, deixando de fora músicas que eram comuns nos set lists do quinteto de Coltrane à época, como My Favorite Things, do álbum homônimo; Naima, de Giant Steps; e Greensleeves, lançada meses antes em Africa/Brass.
O clarinete baixo de Eric Dolphy soa em complemento ao sax de Coltrane em Spiritual, composição inspirada na música vocal devocional afro-americana, e que traz indícios do que faria Coltrane bem depois a partir de A Love Supreme. Mas se quiserem ouvir Eric Dolphy tocando flauta com o acompanhamento elegante do piano de McCoy Tyner, aí só ouvindo outros shows…
Inamu Baraka, autor de livros sobre jazz, assistiu John Coltrane ao vivo várias vezes e escreveu: “There is a daringly human quality to John Coltrane’s music that makes itself felt, wherever he records. If you can hear, this music will make you think of a lot of weird and wonderful things. You might even become one of them.”
John Coltrane – Live at the Village Vanguard, 1961
1. Spiritual
2. Softly As In A Morning Sunrise
3. Chasin’ The Trane
John Coltrane — soprano and tenor saxophone
Eric Dolphy — bass clarinet on “Spiritual”
McCoy Tyner — piano on 1, 2
Reggie Workman — bass on 1, 2
Jimmy Garrison — bass on 3
Elvin Jones — drums
Recorded: November 1961, Village Vanguard, NYC, USA
Impressions não se apresenta na capa como um disco ao vivo, mas as suas duas faixas mais longas – India e Impressions, cada uma por volta dos 15 minutos – foram gravadas ao vivo no Village Vanguard em 1961. As três faixas curtas, porém, foram gravadas em estúdio e na formação de quarteto, sem Dolphy. Apesar desse jeitão de colcha de retalhos, é considerado um dos pontos altos de Coltrane, especialmente devido à parte ao vivo. No início de 1963 o quarteto gravou em estúdio a composição Impressions, mas devem ter preferido a gravação ao vivo de 61, que lançaram em julho de 63. Só em 2018, no álbum “Both Directions at Once” (outra colcha de retalhos supervisionada pelo filho de John Coltrane), foi lançada a Impressions de estúdio. Para uma outra versão dela ao vivo e em vídeo, confiram o quinteto em Baden-Baden, Alemanha, aqui.
Em India, assim como em Olé Coltrane (gravada em estúdio meses antes), temos dois baixistas servindo como chão para os outros músicos se aventurarem por toques exóticos e escalas inspiradas em outros países. As faixas gravadas em estúdio e lançadas nesse disco Impressions (nº 2, 4 e 5) são, ao menos para mim, mais fracas: não sei apontar o motivo ou circunstância, mas naquele período (1962-63) algumas gravações de estúdio do quarteto de Coltrane, embora com extrema competência e bom gosto, parecem mostrar um certo bloqueio de criatividade, que seria definitivamente superado em 1964 com os discos de estúdio Crescent e A Love Supreme.
John Coltrane – Impressions
1. India (Live, November 3 1961, Village Vanguard)
2. Up ‘Gainst the Wall (September 18 1962, Van Gelder Studio)
3. Impressions (Live, November 3 1961, Village Vanguard)
4. After the Rain (April 29 1963, Van Gelder Studio)
5. Dear Old Stockholm (April 29 1963, Van Gelder Studio, CD reissue bonus track)
John Coltrane – soprano and tenor saxophone
Eric Dolphy – bass clarinet (track 1), alto sax (track 3, final chord only)
McCoy Tyner – piano (tracks 1, 3, 4, and 5)
Jimmy Garrison – double bass
Reggie Workman – double bass (track 1)
Elvin Jones – drums (tracks 1, 2, and 3)
Roy Haynes – drums (tracks 4 and 5)
Este mês de janeiro tem sido de muitos momentos de alívio, alguns de tensão e muitos interlúdios jazzísticos aqui no PQPBach. Não rolou uma combinação nem uma pressão do patrão, apenas um daqueles transmimentos de pensação… Vamos então a mais dois álbuns em que os improvisos vão se construindo de forma horizontal e coletiva, difícil até de imaginar para certas cabeças obcecadas por ordem, dominação e esmagamento de uns por outros… Afinal, como disse meu colega WellBach, é difícil imaginar algo mais democrático que o Jazz.
Uma tendência do jazz dos anos 1970, que já aparece no disco de 1969 abaixo, foram os grupos sem um líder bem marcado. Naquela época se aposentavam ou saíam de cena Duke Ellington and his Orchestra, Thelonious Monk Quartet, John Coltrane Quartet, Miles Davis Quintet e as novidades eram Weather Report (com Joe Zawinul, Wayne Shorter e Jaco Pastorius dividindo holofotes), Return to Forever (Chick Corea, Stanley Clarke, Al Di Meola, Airto Moreira) ou o quarteto europeu de Keith Jarrett com um grande protagonismo de Jan Garbarek…
Don Cherry – supondo que dê pra conhecer a personalidade de alguém pelos seus solos de trompete e de flauta – tem um jeitão tranquilo, com alguns momentos mais intensos, gritos repentinos, mas predominância mesmo dos solos mais suaves (aqui!) e ao mesmo tempo imprevisíveis. Com essa suposta personalidade tranquila, apesar de ser uma das mais amadas figuras no jazz da segunda metade do século XX, ele não é tão lembrado pelos momentos em que organizou uma banda pra chamar de sua e exerceu liderança. Esse floreio é pra dizer que Don Cherry funciona bem em grupos mais democráticos.
O primeiro, lançado por um selo obscuro em 1969, tem uma história misteriosa: aparentemente o jovem James Mtume, de 23 anos, convenceu vários medalhões do jazz a gravarem um disco com suas composições e alguns trechos falados ligados ao movimento negro daquele período politicamente turbulento. O baterista Albert ‘Tootie’ Heath – tio de Mtume – parece ter sido quem conseguiu o contrato de gravação, e por isso ele aparecia na contracapa do LP. Já na reedição de 1975, Herbie Hancock e Don Cherry aparecem em letras maiores, o que não significa que eles tenham liderado as sessões, apenas que eram mais famosos.
Herbie Hancock frequentemente é quem faz a base das composições, junto com as percussões de Mtume, Tootie Heath e Ed Blackwell… sim, é um disco com bastante percussão, como já era de se esperar em um trabalho afrocentrado. Na 2ª faixa do álbum, temos voz muito interessante cantando sem palaras, aquele famoso “la-la-la”, mas na 3ª faixa a voz se intromete mais, supomos que seja a de Mtume, fazendo discurso político… os ouvidos mais apressados podem pular para a metade daquela faixa, quando as duas flautas ficam mais interessantes e a voz, mais discreta. Nos anos seguintes, Mtume tocaria percussão nas bandas de fusion de Miles Davies no início dos anos 1970, além de gravar alguns discos solo e, nos anos 80, lançar alguns hits pop/R&B (mais detalhes nesta resenha aqui).
Mas quando Don Cherry aparece ele quase sempre rouba a cena, ao contrário de Jimmy Heath, grande acompanhante (gravou com Milt Jackson, Freddie Hubbard e muitos outros), mais destinado ao papel de coadjuvante que ao de principal.
Ao contrário dessa breve e improvável constelação de estrelas que seguiriam seus rumos e nunca mais se encontrariam, o segundo disco de hoje é de um grupo que tocou junto por alguns anos, criou uma certa intimidade, o que não significa, claro, que tenham ligado o piloto automático e começado a se repetir, pecado imperdoável no jazz…
No disco de 1979, Codona, o nome do trio é uma junção de Collin, Don e Naná. Este último, o brasileiro Naná Vasconcellos, brilha no berimbau, cuíca e vários outros instrumentos de percussão. Nascido no Recife, Naná batucou desde pequeno em dezenas de instrumentos, gravou com Milton Nascimento (Milagre dos Peixes, entre outros) e, por intermédio de Gato Barbieri e Egberto Gismonti, se aproximou do jazz europeu de artistas que circulavam em volta da gravadora alemã ECM. Don Cherry e Collin Walcott nasceram nos EUA mas fizeram boa parte da carreira na Europa, com interesses musicais bem internacionais: Don se interessando por instrumentos africanos e Collin tendo estudado com Ravi Shankar e outros mestres indianos.
Kawaida (1969)
A1. Baraka
A2. Maulana
B1. Kawaida
B2. Dunia
B3. Kamili
Piano – Herbie Hancock; Trumpet [and flute?] – Don Cherry; Tenor Saxophone, Soprano Saxophone – Jimmie Heath; Albert “Tootie” Heath; Percussion – Ed Blackwell; Congas [and voice?] – James Mtume; Bass – Buster Williams; Flute, Percussion on B1 – Billy Bonner
All tracks composed by Mtume, except B2 by Tootie Heath
Recording date: December 11 1969
Recording place: The Universe
Capa da reedição de 1975, colocando Hancock e Cherry em letras maiores
Collin, Don e Naná: Codona 1 (1979)
1. Like That of Sky (Walcott)
2 Codona (Cherry, Vasconcelos, Walcott)
3. Colemanwonder: Race Face/Sortie/Sir Duke (Ornette Coleman/Coleman/Stevie Wonder)
4 Mumakata (Walcott)
5. New Light (Walcott)
Recorded at Tonstudio Bauer in Ludwigsburg, West Germany in September 1978
John Coltrane devia ter muitos admiradores em Copenhagen, porque após este show gravado em excelente qualidade de áudio na segunda-feira 20/11/1961, e após circular por outros países da Europa do norte, seu quinteto voltaria à capital da Dinamarca para um segundo show no domingo 26/11.
Além de faixas mais comuns no repertório de Coltrane, como Impressions, Naima e a balada de Cole Porter Ev’ry Time We Say Goodbye, o destaque do show de Copenhagen é Delilah, um tema de tipo orientalista (no sentido de Edward Saïd: um oriente mais nos olhos de quem vê) que, antes de ser introduzida ao mundo do jazz pelo timbre cool do trompete de Clifford Brown, havia sido composta como parte da trilha sonora de um Sansão e Dalila, superprodução bíblica de Hollywood em 1949. Aqui, esse tema serve para o quinteto “se esquentar”: começando meio lenta e também cool, a música ganha solos sucessivos de Coltrane e Dolphy, depois um de Tyner, para finalmente decolar nas notas rápidas do sax soprano de Coltrane nos minutos finais…
Jones na bateria, Coltrane no sax soprano (Baden-Baden 1961)
O outro destaque dessa turnê europeia foi o show em um estúdio de TV em Baden-Baden, Alemanha, todo gravado em som e vídeo, coisa rara na época. O quinteto de Coltrane certamente tinha algum grau de estranhamento com a ideia de serem gravados pelas diversas câmeras de um estúdio de TV. As câmeras, para músicos de jazz naquela época, eram bem mais raras do que os gravadores. Então eles escolheram o repertório mais tocado, para não correrem riscos: três temas que apareciam em quase todas as apresentações de 1961 e 62. Dois deles haviam sido lançados no LP My Favorite Things e o terceiro (a composição modal Impressions) ainda era inédito para os públicos mas vinha sendo retrabalhado pelo grupo praticamente a cada noite. Talvez seja o único registro em vídeo do grupo de Coltrane ainda com Reggie Workman, que sairia no ano seguinte. É verdade que Jimmy Garrison duraria mais tempo com Coltrane e faria solos mais longos (hipótese: os solos de baixo e bateria entram em 1962 para cobrir o buraco com a saída de Dolphy?) Mas Workman – que esteve em gravações como Olé Coltrane, Africa/Brass, Village Vanguard – também é um baixista sofisticado que, nas últimas notas de Ev’ry time we say goodbye, ataca o contrabaixo com o arco, como dá pra ver no vídeo mais abaixo, que também segue para download, para os excêntricos que ainda baixam vídeos.
Jones na bateria, Dolphy na flauta (Baden-Baden 1961)
A My Favorite Things de Copenhagen deve ser uma das mais longas já tocadas por Coltrane: dura 28 minutos com longos solos de (nesta ordem) Tyner no piano, Dolphy na flauta e Coltrane no sax. Pra não dizerem que não avisei: enquanto o solo de Tyner é brilhante mas ao mesmo tempo harmonicamente situado nas mudanças de acordes da versão do LP de 1960, o solo de flauta de Dolphy é bem mais free jazz, sem medo de em certos momentos soar em desalinho com os outros instrumentos. Já na “Things” de Baden-Baden, o quinteto funciona sob a pressão do relógio da gravação televisiva, o que por um lado poda as alturas alcançáveis, mas por outro lado coloca restrições que levam os músicos a inventar novas ideias.. O solo de pouco menos de 3 minutos de Dolphy na flauta (dos 6 aos 9 minutos do vídeo) é uma verdadeira obra-prima do improviso jazzístico.
Com uma qualidade de gravação pior e, portanto, apenas para os fãs mais dedicados – embora em primeiro na lista abaixo que é cronológica na ordem da turnê – temos o show no Olympia de Paris, outra grande casa de espetáculos, em atividade até hoje e com lugares para cerca de duas mil pessoas. Ali, o quinteto toca Blue Train, do disco homônimo de 1957-58, o primeiro lançado por Coltrane como artista principal e não coadjuvante. Blue Train começa com frases em uníssono dos dois saxofones (tenor de Coltrane, alto de Dolphy), que soam bastante interessantes com o eco da sala L’Olympia. Mas a gravação (que, pelo eco, podemos supor que foi feita da plateia e não do palco ou da mesa de som) deixa a desejar sobretudo nos detalhes de piano, baixo e bateria. Então as prioridades são o show em Copenhagen e a sessão televisionada em Baden-Baden.
John Coltrane Quintet: L’Olympia, Paris – November 18, 1961 (late show)
1. Blue Train (J. Coltrane)
2. I Want to Talk About You (Billy Eckstine)
3. My Favorite Things (Rogers/Hammerstein)
Falconer Salen, Copenhagen – November 20, 1961
1. Intro by Norman Granz
2. Delilah (Victor Young)
3. Ev’ry Time We Say Goodbye
4. Impressions (J. Coltrane)
5. Naima (J. Coltrane)
6. My Favorite Things (false start) > Announcement by Coltrane
7. My Favorite Things (Rogers/Hammerstein)
Südwestfunk TV Studio, Baden-Baden – December 4, 1961
1. My Favorite Things (Rogers/Hammerstein) 11:06
2. Ev’ry Time We Say Goodbye (C. Porter) 5:25
3. Impressions (J. Coltrane) 7:30
Tenor Saxophone, Soprano Saxophone – John Coltrane
Alto Saxophone, Bass Clarinet, Flute – Eric Dolphy
Piano – McCoy Tyner
Drums – Elvin Jones
Bass – Reggie Workman
McCoy Tyner, durante o solo, olha para o piano – reparem que na outra foto abaixo ele olha para Coltrane enquanto o acompanhaJones, Coltrane (sax soprano), Workman, Tyner: Baden-Baden 1961Workman (baixo), Coltrane (sax tenor), Dolphy (sax alto) em Baden-Baden, 1961
Dolphy died on June 29, 1964 in a diabetic coma, leaving a short but tremendous legacy in the jazz world. He was quickly honored with his induction into the Down Beat magazine Hall of Fame in 1964. Coltrane paid tribute to Dolphy in an interview: “Whatever I’d say would be an understatement. I can only say my life was made much better by knowing him. He was one of the greatest people I’ve ever known, as a man, a friend, and a musician.”
Recebendo Prêmio Edison no Concertgebouw de Amsterdam (1961)
Após o sucesso dos álbuns Giant Steps (1959-60), My Favorite Things (1960-61) e A Love Supreme (1964), John Coltrane era uma celebridade internacional e ele poderia passar muitos anos repetindo a formação de quarteto e lotando show dos dois lados do Atlântico Norte, ganhando prêmios e, claro, dinheiro.
Mas se repetir certamente não era o objetivo de Coltrane. No álbum Meditations, gravado em 1965, temos o quarteto “clássico” dos anos anteriores aumentado para sexteto com o saxofone de Pharoah Sanders e a a percussão de Rashied Ali. Mas na maior parte do tempo o piano e o baixo ficam mais discretos e o foco musical circula entre saxofones e percussão. Há exceções, como o fim de Consequences e o início de Serenity, onde finalmente temos uma participação mais marcante do pianista McCoy Tyner.
Através de sua carreira, a música de Coltrane foi tomando progressivamente uma dimensão espiritual. Ele dizia que, após esse acordar espiritual, “não dá mais para esquecê-lo. Torna-se parte de tudo que você faz. Nesse aspecto, este álbum é uma extensão de A Love Supreme, já que minha concepção dessa força continua mudando. Meu objetivo ao meditar sobre isso pela música, no entanto, continua o mesmo. É colocar as pessoas para cima, o máximo que eu posso. Inspirá-las a realizar mais e mais da sua capacidade de ter vidas cheias de sentido. Porque certamente há sentido na vida.” (John Coltrane no booklet de Meditations)
Por volta de 1957-58 ele havia largado o vício em álcool e heroína, embora essas substâncias sejam a provável causa do câncer de fígado que causaria sua morte aos 40 anos. E a partir desses fins dos anos 50, sua música vai se tornando cada vez mais permeada de religiosidade em um sentido amplo pois, como Coltrane dizia, “Acredito em todas as religiões”.
Rashied Ali (1935-2009) com vergonha de sorrir pra câmera
Ao mesmo tempo a música do Coltrane dos últimos anos vai se tornando mais estranha e inovadora, também, com influências do free jazz de Ornette Coleman e de Eric Dolphy (que tocou com Coltrane por cerca de um ano em 1961-62). Em Meditations, gravado em novembro de 1965, temos dois bateristas – e outra característica da última fase de Coltrane é a presença mais forte da percussão nos arranjos. Dizia ele que sentia necessidade de “mais ritmo ao meu redor. E com mais de um baterista, o ritmo pode ser mais multi-direcional.” Trata-se do último álbum com a presença do grande pianista McCoy Tyner, que por tantos anos fez a cama sonora para Coltrane brilhar. Justamente esse chão harmônico de Tyner não era mais o que Coltrane buscava a partir de meados de 1965, e o oposto também é verdadeiro: Tyner parecia um pouco sufocado pelas percussões intensas e, em muitos momentos de Meditations, sua participação é discreta, apesar de dois belos solos, sobretudo o do final de Consequences. Poucos meses depois, Tyner sairia do grupo (“I didn’t see myself making any contribution to that music… I didn’t have any feeling for the music, and when I don’t have feelings, I don’t play”), após mais de cinco anos juntos. Entraria no seu lugar Alice Coltrane, que já era uma pianista de longa carreira antes de adquirir esse sobrenome de casada. Com um estilo mais baseado em notas soltas e menos em acordes, ela se encaixaria bem nessa última fase da banda. Depois da morte de John, Alice gravaria alguns álbuns com Pharoah no sax, Garrison no baixo e/ou Rashied na bateria.
Enquanto o pianista Tyner estava perto de sair, o saxofonista Pharoah Sanders era um recém-chegado. O álbum utiliza bem a tecnologia stero, ainda recente à época, apenas por volta de 1958 surgem no mercado vitrolas capazes de reproduzir em dois canais separados, enquanto as transmissões de rádio FM em stereo se iniciaram em 1960. Sanders toca no canal direito, Coltrane no canel esquerdo (com fone de ouvido isso fica mais evidente… e os dois bateristas também estão um de cada lado!) Quando fazia uma dobradinha de saxofonistas com Cannonball Adderley (fim dos anos 50) ou com Eric Dolphy (início dos anos 60), Coltrane e seu colega frequentemente tocavam instrumentos de tamanho e alcance diferente: um no sax tenor e um no sax alto ou soprano, ou ainda no clarinete baixo. Aqui nessa fase final da carreira de Coltrane, que infelizmente durou apenas dois anos até sua morte precoce, Pharoah Sanders – que estava vivo e tocando fantasticamente até 2022 – toca um sax tenor igual ao de Coltrane, mas cada um com um timbre diferente, ao mesmo tempo em que um influencia o outro: muitos momentos de sopro intenso, forte e dando a impressão de estar forçando o instrumento para além do seu limite sonoro nos agudos…
Mas como Coltrane diz na entrevista que aparece no encarte de Meditations, não se chega nunca nesse limite:
“Nunca existe um fim”, Coltrane disse ao concluir nossa conversa sobre este álbum. “Sempre existem novos sons para se imaginar, novos sentimentos para se alcançar. E sempre há a necessidade de seguir purificando esses sentimentos e sons para vermos o que nós descobrimos no seu estado mais puro. Então podemos ver mais e mais claramente o que nós somos. Dessa forma, podemos chegar à essência, ao melhor do que somos. Mas para isso, a cada momento, temos que estar sempre limpando o espelho.”
Entenderam? Mais ou menos, né? Se fosse fácil de entender, não teria tanta graça…
John Coltrane: Meditations
1. The Father and the Son and the Holy Ghost
2. Compassion
3. Love
4. Consequences
5. Serenity
Personnel
John Coltrane – tenor saxophone, percussion (left channel)
Pharoah Sanders – tenor saxophone, tambourine, bells (right channel)
McCoy Tyner – piano
Jimmy Garrison – bass
Elvin Jones – drums (right channel)
Rashied Ali – drums (left channel)
Released: August 1966
Recorded: November 23, 1965, Van Gelder Studio, New Jersey
All tracks written by John Coltrane
Ela nasceu Eleanora Fagan, em 1915. Tornou-se Billie Holiday, cantora inovadora e precoce. Viveu num período difícil de ser mulher negra americana e teve uma vida cheia de relacionamentos complicados, com pessoas e substâncias. Ganhou de seu amigo e parceiro musical Lester Young o (lindo) apelido Lady Day. É uma das cantoras americanas mais incônicas e ao ouvir sua voz você entenderá a razão. Seu legado é apaixonante.
Suas principais inspirações, segundo ela mesma, foram Louis Armstrong e Bessie Smith, que ela conheceu ouvindo seus discos nos lugares onde viveu, trabalhou e começou a cantar. Ela tentava fazer com sua voz aquilo que ouvia Louis fazer com seus solos de trompete e de Bessie admirava a maneira intensa como ela cantava blues e como usava as suas características vocais.
Billie viveu 44 anos, dos quais muitos foram minados pelos seus problemas pessoais, mas seu legado é enorme. Aos 23 anos já havia gravado ou se apresentado com personalidades do jazz tais como Duke Ellington, Count Basie, Lester Young, Teddy Wilson, Benny Carter, Artie Shaw, entre outros.
Lester ‘Prez’ Young
Seu estilo de cantar se concentrava nas palavras, nas letras das canções, sua dicção e a maneira como apresenta a canção são inesquecíveis. Nesta postagem apresentaremos música que ela gravou em dois períodos (principais) de sua carreira. Por sete anos, iniciando em 1935, gravou lindas canções acompanhadas do pianista Teddy Wilson e seus músicos. Entre essas teremos as típicas I’ll Never Be the Same e Mean to Me, gravações onde poderemos ouvir o saxofone de seu amigo Lester Young, que ganhou dela o apelido de President, Prez… O estilo de Lester Young contrastava enormemente dos saxofonistas famosos daquela época, como Coleman Hawkins, por adotar uma maneira mais relaxada de tocar, mais cool, usando sofisticadas harmonias.
Norman Granz, produtor (Verve)
A partir de 1952 Billie Holiday gravou muitas canções para o selo Clef (posteriormente Verve) do produtor Norman Granz, culminando com uma série de seções em agosto de 1956 e janeiro de 1957.
O contraste entre as gravações feitas com Teddy Wilson e as gravações no selo Verve é grande. Muitos preferem as primeiras, onde a voz de Billie está em boa forma e as canções são dançantes e alegres. Nas gravações posteriores, a voz da cantora já apresentava o desgaste resultante de sua vida difícil. Por outro lado, a qualidade das canções escolhidas é espetacular assim como o acompanhamento musical, sem contar a qualidade sonora. Além disso, as interpretações certamente amadureceram com a cantora que ainda contava com perto dos 40 anos.
Ben Webster, sax tenor nas gravações da Verve
Escolhi três discos (CDs) para a postagem. Um disco de banca, da Coleção da Folha de São Paulo, trazendo 10 canções com produção de Norman Granz, gravadas principalmente em 1952, e 3 canções cujos acompanhamentos são de Teddy Wilson, gravadas na década de 1930.
Os outros dois CDs formam o Volume 7 da Billie Holiday Story na Verve. Esse conjunto reúne 26 canções que foram gravadas nas das seções de 1956 e 1957 e foram lançadas em três LPs – Body and Soul (1957), Songs for Distingué Lovers (1958) e All or Nothing at All (1959).
O primeiro CD dá um panorama desses dois períodos e contém algumas pérolas musicais, como Blue Moon, Love for Sale e How Deep is the Ocean? As outras músicas que formam os três LPs lançados entre 1957 e 1959 são verdadeiras joias musicais e formam um conjunto de canções americanas praticamente insuperáveis. Todos os monstros sagrados da música americana as gravaram e vários deles se declararam influenciados pelas interpretações de Billie Holiday. Você encontrará essas músicas associadas a nomes como Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, entre outros. Os músicos que a acompanharam nestas gravações eram os melhores e todos se conheciam muito bem. No libreto descobrimos que essas gravações pareciam ser apenas ‘one more for the road’ – apenas uma saideira, até a próxima seção, mas tornaram-se muito especiais. Nestas canções, a cantora deu uma dimensão a mais, devido às suas experiências pessoais e com a música. Como disse Miles Davis: ‘Sometimes you can sing a song words every night for years, and all of a sudden it dawns on you what the song means’ (Você pode cantar as palavras de uma canção por anos a fio, e assim como que de repente, o significado da canção se revela para você). Ele certamente disse com bastante mais poesia…
Se você não conhece a língua inglesa, mas tem alguma curiosidade, vale a pena penetrar em algumas dessas canções. Eu sou fascinado por elas e acho que merecem nossa atenção por si só, mas a interpretação da Billie joga ainda mais beleza sobre elas.
Os compositores e letristas desse conjunto de canções formam um grupo formidável, como os irmãos Gershwin, Irving Berlin, Cole Porter, Kurt Weil e Duke Ellington, alguns dos mais conhecidos. Muitas delas foram escritas para musicais da Broadway e algumas foram cantadas pela primeira vez por Bing Crosby, no palco e nos filmes. As letras são a um tempo imaginativas e cativantes. Uma boa maneira de penetrar na língua inglesa, pelo menos como é falada na terra do Tio Sam.Se você tiver pouco tempo para essa coisa das letras, escolha algumas poucas e faça uma tentativa. As recompensas podem ser enormes. Veja, por exemplo, Let’s Call The Whole Thing Off, de George e Ira Gershwin. A canção é uma enorme brincadeira sobre as diferentes maneiras de pronunciar as palavras, dependendo do sotaque: you say ‘ider’ and I say ‘aider’, you say ‘nither’ and say ‘naither’… Adorable! Essa canção também faz parte do repertório de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, jogando um para o outro…
Outra letra adorável é Comes Love, de Lew Brown. Diante de qualquer eventualidade, mesmo uma dor de dente, você já sabe o que fazer… mas quando é amor, nothing can be done! Nada se pode fazer. Ah, e a música! Solos de guitarra, de sax, intermediados com as letras. Você precisa ouvir muitas vezes.
Há canções que contam uma pequena história, ou narram uma cena, coisa de crônica. Veja, por exemplo, A Foggy Day, ainda dos irmãos Gershwin. Em poucas palavras descobrimos que a americana está em um nublado dia em Londres, se arrastando pelo Museu Britânico, mas o dia se torna ensolarado (metaforicamente, dã…) com a presença de ‘alguém’… E lá está, de novo, a música do pequeno enorme conjunto musical. Outra pequena crônica está em One For My Baby (And One More for the Road). O pobre garçom do bar tem que ouvir mais uma história…
Aqui LD ao lado de Jimmy Rowles, o pianista das gravações para a Verve
Todas as letras dessas canções estão ao alcance de seus dedos, na internet, e se você se der ao trabalho, dobrará ainda mais o prazer de ouvir a maravilhosa Lady Day, acompanhada por Ben Webster, ora por Lester Young ou Oscar Peterson e tantos outros.
Moonlight in Vermont e Stars Fell on Alabama são também inesquecíveis. Na verdade, não se pode deixar qualquer uma de fora.
Solitude (Coleção Folha de S.Paulo)
Solitude (Ellington/Mills/De Lange)
Blue Moon (Rodgers/Hart)
East of the Sun (Bowman/Brooks)
These Foolish Things (Link/Marvell/Strachey)
Tenderly (Gross/Lawrence)
Autumn in New York (Vernon Duke)
Love for Sale (Cole Porter)
Stormy Weather (Arlen/Koehler)
Yesterdays (Kern/Harbach)
How Deep Is the Ocean? (Irving Berlin)
I’ll Never Be the Same (Kahn/Malneck/Signorelli)
Mean to Me (Turk/Ahlert)
Miss Brown to You (Rainger/Robin/Whiting)
Billie Holiday, vocals
Faixas 1 a 6: Charlie Shavers (trompete); Flip Phillips (sax tenor); Oscar Peterson (piano); Barney Kessel (guitarra); Ray Brown (baixo); Alvin Stoller (bateria); Norman Granz (1952)
Faixa 7: Oscar Peterson (piano); Norman Granz (1952)
Faixas 8 e 9: Joe Newman (trompete); Paul Quinichette (sax tenor); Oscar Peterson (piano e órgão); Freddie Green (guitarra); Ray Brown (baixo); Gus Johnson (bateria); Norman Granz (1952)
Faixa 10: Charlie Shavers (trompete); Oscar Peterson (piano), Herb Ellis (guitarra); Ray Brown (baixo); Ed Shaughnessy (bateria). Norman Granz (1954)
Faixas 11 a 13: Teddy Wilson (piano); Buck Clayton (trompete, 11 e 12); Roy Eldridge (trompete, 13); Buster Bailey (clarinete, 11 e 12); Benny Goodman (clarinete, 13); Lester Young (sax tenor, 11 e 12); Ben Webster (sax tenor, 13); Freddie Green (guitarra, 11); Allan Reuss (guitarra, 12); John Trueheart (guitarra, 13); Walter Page (baixo, 11); Artie Bernstein (baixo, 12); John Kirby (baixo, 13); Jo Jone (bateria, 11); Cozy Cole (bateria, 12 e 13) – (1937, 11 e 12; 1935, 13)
O instrumento mais próximo do meu coração é o piano, por mais que dezenas de outros disputem minha preferência: flauta, reco-reco, cuíca, órgão, sintetizador… Não tem jeito, desde bebê gorducho tenho fotos em um velho e desafinado piano de armário da família, não um Pleyel francês mas um Bentley inglês. Não me considero um pianista, mas uns dias atrás me sentei em frente a um Essenfelder em um bar praiano e, após algumas cervejas, acompanhei o amigo que tocava violão, tudo no improviso, apenas dando uma olhada nos acordes que ele tocava… posso dizer que não fiz muito feio, até porque a maresia tinha comido várias notas médias então tive uma boa desculpa para me concentrar em terças agudas fortes e extremos graves suaves… E os amigos alcoolizados foram pouco exigentes.
E nesses dias quentes, meu coração tem batido novamente por John Coltrane, mais especificamente pela sua íntima relação com o pianista McCoy Tyner, que tocou com ele de 1960 a 65. Quando Tyner não estava disponível, Coltrane tocava sem piano, com a exceção de uma gravação com Duke Ellington, um ídolo bem mais velho para quem não seria possível dizer não…
McCoy Tyner tinha 22 anos quando começou a tocar no quarteto de Coltrane, mas já estava pronto musicalmente, com todas as suas características: um toque percussivo, agressivo quando necessário, mas harmonicamente muito elegante, preciso, ao contrário da suavidade de um Bill Evans ou da agressividade de um Thelonious Monk, que se dava tanto em termos de peso nas mãos quanto de harmonias (intencionalmente?) caóticas – um crítico chamou Monk de “elephant on the keyboard”! Tyner era agressivo no toque, na dinâmica, dançante e negro nos ritmos (negro demais no coração, diria o Vinícius de Moraes), e ao mesmo tempo com harmonias e arpejos que daria pra confundir com um Chopin.
Outra característica de Tyner é sua facilidade com melodias cantáveis de standards como, nesse ao vivo na Áustria, Autumn Leaves (que Nat King Cole e vários outros gravaram) e Ev’ry Time We Say Goodbye (canção de Cole Porter). Essas duas canções têm melodias tão notáveis que Coltrane e Tyner nem precisam se esforçar tanto, é só seguirem a linha melódica e harmônica, é bola pronta pra chutar pro gol. Esse tipo de invenção jazzística mais contida sobre melodias notáveis ocupa todo o álbum Ballads, gravado em estúdio nos EUA apenas uma semana antes da turnê europeia que rendeu estes registros ao vivo, embora nenhum tema de Ballads apareça aqui.
Já em Bye-Bye Blackbird e My Favorite Things, melodias mais simples e banais, o quarteto faz um jazz bem mais modal, no qual a melodia original é apenas um pretexto inicial para invenções ao sabor do momento. Também é tipicamente modal a composição Impressions, do próprio John Coltrane, e que aparece no concerto na Áustria em um andamento mais lento e relaxado do que na gravação (também ao vivo) de 1961 no álbum de mesmo nome. Irmã de So What, do disco Kind of Blue no qual Coltrane também tocou, Impressions tem a mesma sequência de modos da composição de Miles Davis, que vão se repetindo tendo sempre o piano de Tyner como a cama, o chão.
O outro álbum que trago hoje, gravado na Suécia no mesmo mês de 1962, não tem o show inteiro, apenas dois destaques longos e cheios de improvisos: o standard Bye Bye Blackbird (de novo) e a autoral Traneing in. Lançado em 1981, este álbum ao vivo deu a Coltrane um Grammy póstumo de melhor performance de jazz instrumental.
John Coltrane Quartet: Konserthuset Stockholm, Sweden, 19 November 1962
1 Bye Bye Blackbird
2 Traneing In
John Coltrane logo após descer do avião (aeroporto de Schiphol-Amsterdam)
John Coltrane Quartet: Grosser Stefanien-Saal, Graz, Austria, 28 November 1962
1 Bye Bye Blackbird
2 The Inchworm
3 Autumn Leaves
4 Every Time We Say Goodbye
5 Mr. P.C.
6 I Want to Talk About You
7 Impressions
8 My Favorite Things
John Coltrane – tenor and soprano saxophones
McCoy Tyner – piano
Jimmy Garrison – double bass
Elvin Jones – drums
Um outro detalhe curioso: o quarteto de Coltrane podia brilhar tanto em grandes salas de concerto na Europa com cerca de 2 mil assentos (além dessas de Graz e Estocolmo, o Concertgebouw de Amsterdam e o Olympia de Paris), como também em inferninhos americanos. De forma geral, as grandes salas de concerto nos EUA pareciam menos abertas ao jazz: talvez a única aparição de Coltrane no Carnegie Hall tenha sido em um enorme evento beneficente em 1957 que incluía o saxofonista na banda de Thelonius Monk além de Billie Holiday, etc. Na Filadélfia, terra natal de Coltrane e Tyner, não sei se eles tocaram nas salas onde se apresentava na época a grande orquestra local com Eugene Ormandy, mas sei que em 1963 o quarteto de Coltrane se apresentou algumas vezes no Showboat, localizado no porão de um hotel, com capacidade para 200 pessoas bem apertadas, que pediam drinks aos garçons e certamente fumavam enquanto os músicos tocavam. Longe de mim dizer que esse espaço esfumaçado convenha menos ao jazz do quarteto de Coltrane do que a arquitetura e acústica refinada das salas europeias. Coltrane, Tyner, Garrison e Jones transitavam por esses dois ambientes e isso faz parte da sua grandeza.
A grandiosa sala de concertos em Graz data de 1885, lembra o Concertgebouw de Amsterdam, construído na mesma década
John Coltrane’s music is a cry, revolting against the coldness of our world […] Moreover he seems to be the only one who is able to present ballads with the emotional depth of a Hawkins, Webster or Elridge. His playing is characterized by straightforward, harmonically traditional themes that are the basis for ranging note cascades. (Review of a concert in Vienna Konzerthaus, Austria, 1962-11-27, by Willie Gschwedner)