.: interlúdio :. Ithamara Koorax: Rio Vermelho (1995)

Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 31/12/2015

.Senhorxs: sei que este último dia de 2015 já está carregado até não poder mais de postagens tremendas, mas, desculpem, eu não posso deixar virar para 2016 sem registrar o vigésimo ano deste disco que considero um “unicum”, isto é: sem similar.

Ithamara é mais um desses casos de brasileirx vítima do nosso complexo de vira-lata endêmico: indicada não sei quantas vezes pela Downbeat entre as principais cantoras de jazz do mundo, diva absoluta no Japão, e ainda – ai! – “Ithamara quem?” para a maior parte dos brasileiros – isso quando este disco contém nada menos que a última gravação de Tom Jobim (no piano de algumas faixas); solos inacreditáveis de Ron Carter ao baixo; Luiz Bonfá, Marcos Valle, Paulo Malaguti e o próprio Tom entre os arranjadores – etc. etc.

Mas não deixo de compreender que, para brasileiros, ouvir sua própria música dita “popular” interpretada assim tenha que causar alguma estranheza. É realmente incomum – e tanto, que eu mesmo tenho dificuldades em colocar em palavras de que modo é incomum. Minha hipótese principal: por uma lado, Ithamara faz uma leitura instrumental da melodia – quero dizer, usando a voz como um instrumento solista, muitas vezes a-lu-ci-na-da-men-te; por outro, não esquece o texto, mas faz dele uma leitura teatral, de alta dramaticidade. São duas intensidades simultâneas tão altas que o resultado definitivamente não cabe em situação assim como embalar um jantar: ou você embarca e navega junto, ou se sente jogado para lá e para cá pela turbulência; sem paz – o que parece chegar ao extremo nas duas faixas em inglês, Cry me a river e Empty glass.

Quanto às onze faixas em português, admito que algo dificulta a fruição do disco até para mim: seis delas são um revival da chamada “música de fossa”, ou “música de dor de cotovelo” (ou mesmo sete, se incluirmos ‘Retrato em branco e preto’ nessa categoria) – sendo cinco numa sequência só. Ora, justamente com as leituras de La Koorax, isso pode ser uma travessia de efetivo risco para depressivos e bipolares… Se eu avalio que há um erro neste disco, é este excesso – entre tantos outros excessos que resultaram felizes!

‘Rio Vermelho’ foi o terceiro disco de Ithamara. Conheço bem este e o segundo, ‘Ao Vivo’, um pouco menos colorido timbristicamente porém igualmente intenso – mas conheço pouco dos posteriores, pois me passaram a impressão de que os produtores internacionais tenham conseguido domar um tanto o vulcão inventivo da artista – com o que confesso que meu interesse caiu um pouco.

Estarei dizendo que acho que na média Ithamara pode ter ficado sendo uma cantora menor? Não! Não acho que arte comporte esse tipo de cálculo mesquinho. Para mim, uma sílaba pode ser bastante para consagrar um(a) artista. No caso, sugiro que ouçam com atenção o gradualíssimo crescendo de tensão em Retrato em branco e preto, até a sílaba -CA- de “pecado”. Vocês me considerarão completamente maluco se seu disser que dentro dessa sílaba eu vejo se abrir uma paisagem tão ampla quanto as do Planalto Central, ou quem sabe a de algum mirante da Serra do Mar?

Pois bem: a uma cantora que conseguiu fazer isso comigo eu jamais admitirei que alguém venha a chamar de “menor” – seja lá o que houver feito ou deixado de fazer depois!

ITHAMARA KOORAX : RIO VERMELHO
Data de gravação: outubro de 1994
Data de lançamento: abril de 1995

1. Sonho de Um Sonho (Martinho da Vila/R. De Souza/T. Graúna) – 3:50
2. Retrato Em Branco E Preto (Buarque/Jobim) – 5:38
3. Correnteza (Bonfá/Jobim) – 6:41
4. Preciso Aprender a Ser Só (Valle/Valle) – 4:54
5. Tudo Acabado (Martins/Piedade) – 5:26
6. Ternura Antiga (Duran/Ribamar) – 3:48
7. Não Sei (DeOliveira/Gaya) [d’aprés Chopin] – 4:27
8. É Preciso Dizer Adeus (de Moraes/Jobim) – 3:36
9. Cry Me a River (Hamilton) – 6:06
10. Índia (Flores/Fortuna/Guerreiro) – 7:05
11. Rio Vermelho (Bastos/Caymmi/Nascimento) – 3:44
12. Se Queres Saber (Peter Pan) – 8:14
13. Empty Glass (Bonfá/Manning) – 4:02

Ithamara Koorax – Arranger, Vocals, Executive Producer
Antonio Carlos Jobim – Piano, Arranger
Luiz Bonfá – Guitar, Arranger
Ron Carter – Bass
Sadao Watanabe – Sax (Alto)
José Roberto Bertrami – Arranger, Keyboards
Arnaldo DeSouteiro – Arranger, Producer
Jamil Joanes – Bass (Electric)
Carlos Malta – Flute (Bass), Sax (Tenor)
Pascoal Meirelles – Drums
Paulo Sérgio Santos – Clarinet
Marcos Valle – Arranger, Keyboards
Mauricio Carrilho – Guitar (Acoustic), Arranger
Daniel Garcia – Sax (Soprano), Sax (Tenor)
Paulo Malaguti – Piano, Arranger, Keyboards
Sidinho Moreira – Percussion, Conga
Marcos Sabóia – Engineer, Mixing
Otto Dreschler – Engineer
Fabrício de Francesco – Engineer
Rodrigo de Castro Lopes – Engineer, Mastering
Livio Campos – Cover Photo
Hildebrando de Castro – Cover Design, Cover Art
Celso Brando – Liner Photo
Christian Mainhard – Artwork

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Ranulfus

[restaurado com carinho e saudades por Vassily em 14/3/2023, como parte das homenagens a Ranulfus e ao Dia Internacional da Mulher]

.: interlúdio :. Ira Kaspi – You And The Night And The Music – Semana do Dia Internacional da Mulher

.: interlúdio :. Ira Kaspi – You And The Night And The Music – Semana do Dia Internacional da Mulher

Ira Kaspi é uma cantora finlandesa nascida em 1964. Não há novidades em sua música, é o velho, bom e elegante disco de jazz de cantora + uma competente banda de jazz + cordas. Os solos são dela, do pianista e do saxofonista. Mas como são bons esses finlandeses! Talvez a única surpresa seja o fato de tratar-se de canções autorais, quase todas compostas pelo grupo, mas sempre dentro daquele estilo fora de uma época determinada — quero dizer, são atemporais desde os anos 50… You and the Night and the Music é o 7º álbum de Ira. Suas gravações anteriores incluem álbuns em duo e um outro CD com suas próprias canções de jazz influenciadas pelo pop. Este aqui apresenta o quinteto Ira`s Jazz Diva Band e a Lohja City Symphonic Orchestra. Gostei de tudo, mas me entusiasmei especialmente por duas canções mais agitadas: Call Me Irresponsible e The Best Is Yet to Be Coming.

Ira Kaspi – You And The Night And The Music

1 Don’t Go To Strangers
Lyrics By – Redd Evans
Music By – Arthur Kent, Dave Mason*
4:36

2 You And The Night And The Music
Lyrics By – Howard Dietz
Music By – Arthur Schwartz
6:15

3 How Do You Keep Up The Light
Lyrics By – Ira Kaspi
Music By – Ape Anttila
3:50

4 Someday My Prince Will Come
Lyrics By – Larry Morey
Music By – Frank Churchill
4:35

5 The Gentle Rain
Lyrics By – Matt Dubey
Music By – Luiz Bonfa*
4:24

6 Call Me Irresponsible
Lyrics By – Sammy Kahn*
Music By – Jimmy Van Heusen
5:06

7 The Good Life
Lyrics By – Jack Reardon
Music By – Alexander Distel*
3:08

8 That Old Devil Called Love
Lyrics By – Doris Fisher
Music By – Allan Roberts
5:07

9 In The Wee Small Hours Of The Morning
Lyrics By – Bob Hilliard
Music By – David Mann (3)
4:28

10 The Best Is Yet to Be Coming
Lyrics By – Ira Kaspi
Music By – Ape Anttila
3:30

Arranged By – Ape Anttila, Mikko Hassinen
Bass Guitar, Percussion – Ape Anttila
Conductor – Esa Heikkilä
Drums – Markku Ounaskari
Orchestra – Lohja City Orchestra*
Orchestrated By – Mikko Hassinen
Piano – Mikael Jakobsson
Recorded By [Vocals] – Ape Anttila
Tenor Saxophone – Jussi Kannaste
Vocals – Ira Kaspi

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Kaspi ficou feliz ao saber de sua estreia no melhor e mais tradicional blog de música brasileiro.

PQP

.: interlúdio :. John Zorn: Mount Analogue

.: interlúdio :. John Zorn: Mount Analogue

Classificar este disco é impossível, então ele vai para a categoria, por assim dizer, mais democrática: o jazz. John Zorn construiu uma carreira cavando fundo os confins da expressão musical, torcendo gêneros com uma maestria complicada de explicar mas que não pode deixar de ser admirada. Seus estilos variam do clássico ao jazz, do peso total ao avant-garde, do folclore a coisas ao total rigorismo, passando por quase tudo que há entre eles. Raramente, no entanto, temos a oportunidade de ver Zorn preso à Terra. Em razão destas metamorfoses ele é tão amado por seus fãs, dentre os quais me incluo. Para os não iniciados, a música de Zorn é um pouco hostil, para dizer o mínimo. No entanto, em Mount Analogue, faz um álbum igualmente atraente para os fãs de suas tendências mais vanguardistas, bem como para aqueles que estão ansiosos para encontrar um caminho de entrada para sua discografia pesada.

John Zorn: Mount Analogue

1 Mount Analogue 38:21

Bass, Oud, Guimbri [Gimbri], Vocals – Shanir Ezra Blumenkranz
Composed By, Arranged By, Conductor, Producer – John Zorn
Percussion [Calabash], Drums, Percussion, Bells [Orchestral Bells], Vocals – Tim Keiper
Percussion, Bells [Prayer Bells], Vocals – Cyro Baptista
Piano, Organ, Vocals – Brian Marsella
Vibraphone, Chimes, Vocals – Kenny Wollesen

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John Zorn passeia pelo Palácio do Alvorada após a passagem da família Bolsonaro

PQP

.: interlúdio :. John Coltrane & Don Cherry – The Avant-Garde (1960) / John Coltrane & Rashied Ali – Interstellar Space (1967)

Dois discos de John Coltrane sem piano, e essa ausência não é apenas uma curiosidade: faz toda diferença… O primeiro foi gravado em 1960 com três músicos da banda de Ornette Coleman, com três da cinco composições também assinadas por Coleman: ele e Coltrane tinham uma admiração mútua um pelo outro, embora nunca tenham gravado juntos. E as bandas de Coleman quase nunca contavam com pianistas, o que fazia parte de seu som característico, mais baseado em solos do que em acordes, e que receberia o nome de Free Jazz a partir do álbum com este nome, que seria gravado seis meses depois dessas sessões comandadas por Don Cherry e John Coltrane. (Outros saxofonistas, como Eric Dolphy e Archie Shepp, que surgem após Coltrane e Coleman, vão liderar bandas também sem piano, à vezes com o vibrafone ocupando o espaço dos agudos…)

Curioso, porém, que o disco, no qual Cherry e Coltrane estão em pé de igualdade, dividindo solos em cada faixa, não soe tão livre assim, pelo contrário, às vezes fica uma certa impressão de fórmula aplicada a cada uma das jams, com trompete e sax introduzindo as melodias em uníssono e depois dividindo solos, o trompete com seu som mais nasal e o sax mais “redondo”, sem as “cascatas sonoras” (sheets of sound) que Coltrane fazia em outros álbuns daquele período. Ou seja: alguns grandes solos, belas melodias de Ornette Coleman e Thelonius Monk, mas paradoxalmente organizadas de forma pouco livre, com um jeitão, se me permitem abusar de mais um anglicismo, um jeitão de “one size fits all”. Das suas gravações como convidado com bandas de colegas, Coltrane soa mais livre no disco Bags & Trane, de 1959.

John Coltrane & Don Cherry: The Avant-Garde
1. Cherryco (Don Cherry) – 6:47
2. Focus on Sanity (Ornette Coleman) – 12:15
3. The Blessing (Ornette Coleman) – 7:53
4. The Invisible (Ornette Coleman) – 4:15
5. Bemsha Swing (Thelonious Monk, Denzil Best) – 5:05

John Coltrane – tenor and soprano saxophone
Don Cherry – cornet
Charlie Haden – double bass (tracks 1, 3)
Percy Heath – double bass (tracks 2, 4, 5)
Ed Blackwell – drums
Recorded: June 28, 1960; July 8, 1960 / Released: 1966

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Coltrane (1926-1967) vive em uma rua em Denver, EUA

Quatro meses após as sessões de The Avant-Garde, Coltrane gravaria My Favorite Things e, devido ao grande sucesso não só artístico como comercial deste LP, ele não mais faria outras gravações com bandas alheias: tocaria sempre com o piano de McCoy Tyner e a bateria de Elvin Jones, até o fim de 1965. O baixista variava (às vezes, dois baixos!) e, às vezes, chamava mais alguém nos sopros, como Eric Dolphy e Freddie Hubbard. Como escreveu David Stoesz, no fim do ano de 1965, Coltrane  entrou em um território tão “far out” que os seus leais companheiros — o “quarteto clássico” que havia gravado A Love Supreme e Crescent — não o seguia mais. O que ele buscava eram sentimentos puros, para além de notas e certamente para além de algo tão mundano como acordes.

Do fim de 1965 em diante, teria sempre ao seu lado o piano de Alice Coltrane. Não fez mais freelances… confiram o último mês em que Coltrane tocaria ao vivo e em estúdio com o grupo de Miles Davis: março de 1961, mesmo mês de lançamento de My Favorite Things

Então o disco Interstellar Space, gravado em fevereiro de 1967, é uma raridade por apresentar novamente um Coltrane sem piano (e agora sem baixo), apenas com bateria e, agora sim, absolutamente livre. Dessa vez, após alguns anos que lhe trariam mais experiência e várias viradas de rumo, Coltrane soa sem amarras, nada parece planejado, a começar por aquela própria seção de gravação, se acreditarmos no jornalista Ben Ratliff: segundo ele, Interstellar Space foi gravado em um dia em que Rashied Ali (na banda de Coltrane desde 65) chegou no estúdio em New Jersey e não encontro nenhum outro músico, para logo depois ver Coltrane chegar:

Soon Coltrane arrived. / “Ain’t nobody coming?” he said to Coltrane. / “No, it’s just you and me.” / “What are we playing? Is it fast? Is it slow?” / “Whatever you want it to be. Come on. I’m going to ring some bells.”

Coltrane improvisou acompanhado apenas do baterista Rashied Ali, alçando alguns de seus voos mais altos e ao mesmo tempo incompreensíveis. Se você estiver iniciando sua jornada pela discografia do saxofonista, ouça primeiro alguma coisa de 1959 a 1964 e chegue aqui só depois de se apaixonar pelo timbre de Coltrane, sua maneira de respirar e de “fazer arte” (também no sentido de quem fala em crianças “fazendo arte”, ou seja, bagunça). No LP (lançado em 1974) temos a informação de que a música foi produzida por John Coltrane e o álbum, por Ed Michel e Alice Coltrane – suponho que o papel desses dois tenha sido, entre outros detalhes, nomear as faixas e escolher a ordem delas no disco. No CD (1991), temos duas faixas adicionais que entram no meio da bagunça de uma forma coesa, afinal foram gravadas no mesmo dia pela mesma dupla.

Aqui, só temas novos, não há espaço para standards de outros compositores – embora nos shows ao vivo da época ainda aparecessem versões muito peculiares de My Favorite Things e Naima (de Giant Steps, de 1959). Esses dois álbuns citados, e em um grau ainda maior A Love Supreme (1964), transformaram John Coltrane em uma celebridade internacional e ele poderia passar muitos anos repetindo a formação de quarteto e lotando show dos dois lados do Atlântico Norte. Mas se repetir certamente não era o objetivo de John Coltrane, ele queria sempre fazer algo novo e desde 1961 já havia inovado em outras formações, seja com mais músicos ou com menos e, nesse caso, uma forma de bagunçar o coreto era com só dois instrumentistas tocando: Saxofone e Bateria/Percussão. Sem baixo e piano, os improvisos podiam seguir ainda mais livres: é assim, sozinho com Elvin Jones, que ele toca já em 1961 em alguns trechos da faixa Chasin’ the Trane do disco “Live at the Village Vanguard”. No ano seguinte, o piano também se calava na metade final de Traneing In ao vivo na Suécia, lançada no disco póstumo “Bye Bye Blackbird”, além de alguns trechos de Crescent, disco de 1964… Mas um disco inteiro de saxofone e percussões, só em Interstellar Space.

John Coltrane & Rashied Ali: Interstellar Space
1 Mars 10:41
2 Venus 8:28
3 Jupiter 5:22
4 Saturn 11:33
5 Leo 10:53
6 Jupiter Variation 6:44

John Coltrane – tenor saxophone, bells, producer
Rashied Ali – drums
Recorded February 22, 1967 at Van Gelder Recording Studio, Englewood Cliffs, New Jersey; Released September 1974

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Rashied Ali (1935-2009)

Tony Whyton wrote that the tracks on Interstellar Space “clearly demonstrate the full glory of Coltrane’s late style”[32] and notes that “the removal of identifiable structures, a steady pulse, and clear sense of meter opens up the music and removes familiar aids of orientation for the listener. In this respect, although Coltrane’s sound and approach can be understood as part of the same continuum, the context has changed dramatically to the point where the music is clearly experienced more as an immediate sensation. This leads to recordings such as Interstellar Space being received as musical processes rather than as products; they encourage us to listen in the here and now as opposed to assimilating what has happened before and predicting what will happen next.”

Pleyel

.: interlúdio :. John Coltrane ao vivo, 1961: Village Vanguard (NYC, USA) (“Live” e “Impressions”)

Ao contrário das gravações ao vivo na Europa postadas aqui dias atrás, feitas por rádio ou TV e lançadas postumamente, esses dois discos de hoje foram produzidos com a participação de John Coltrane e sua gravadora, a partir de momentos selecionados em uma temporada de quatro concertos no Village Vanguard, famosa casa em Nova York.

Por um lado, temos o selo de aprovação dos músicos para o lançamento. Por outro lado, há um certo ar de colagem de datas diferentes, sem aquela sensação de um show com início, meio e fim. Só foram selecionados temas inéditos, deixando de fora músicas que eram comuns nos set lists do quinteto de Coltrane à época, como My Favorite Things, do álbum homônimo; Naima, de Giant Steps; e Greensleeves, lançada meses antes em Africa/Brass.

O clarinete baixo de Eric Dolphy soa em complemento ao sax de Coltrane em Spiritual, composição inspirada na música vocal devocional afro-americana, e que traz indícios do que faria Coltrane bem depois a partir de A Love Supreme. Mas se quiserem ouvir Eric Dolphy tocando flauta com o acompanhamento elegante do piano de McCoy Tyner, aí só ouvindo outros shows…

Inamu Baraka, autor de livros sobre jazz, assistiu John Coltrane ao vivo várias vezes e escreveu:
“There is a daringly human quality to John Coltrane’s music that makes itself felt, wherever he records. If you can hear, this music will make you think of a lot of weird and wonderful things. You might even become one of them.”

John Coltrane – Live at the Village Vanguard, 1961
1. Spiritual
2. Softly As In A Morning Sunrise
3. Chasin’ The Trane

John Coltrane — soprano and tenor saxophone
Eric Dolphy — bass clarinet on “Spiritual”
McCoy Tyner — piano on 1, 2
Reggie Workman — bass on 1, 2
Jimmy Garrison — bass on 3
Elvin Jones — drums
Recorded: November 1961, Village Vanguard, NYC, USA

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Live at the Village Vanguard (mp3 320kbps)

Eric Dolphy & John Coltrane

Impressions não se apresenta na capa como um disco ao vivo, mas as suas duas faixas mais longas – India e Impressions, cada uma por volta dos 15 minutos – foram gravadas ao vivo no Village Vanguard em 1961. As três faixas curtas, porém, foram gravadas em estúdio e na formação de quarteto, sem Dolphy. Apesar desse jeitão de colcha de retalhos, é considerado um dos pontos altos de Coltrane, especialmente devido à parte ao vivo. No início de 1963 o quarteto gravou em estúdio a composição Impressions, mas devem ter preferido a gravação ao vivo de 61, que lançaram em julho de 63. Só em 2018, no álbum “Both Directions at Once” (outra colcha de retalhos supervisionada pelo filho de John Coltrane), foi lançada a Impressions de estúdio. Para uma outra versão dela ao vivo e em vídeo, confiram o quinteto em Baden-Baden, Alemanha, aqui.
Em India, assim como em Olé Coltrane (gravada em estúdio meses antes), temos dois baixistas servindo como chão para os outros músicos se aventurarem por toques exóticos e escalas inspiradas em outros países. As faixas gravadas em estúdio e lançadas nesse disco Impressions (nº 2, 4 e 5) são, ao menos para mim, mais fracas: não sei apontar o motivo ou circunstância, mas naquele período (1962-63) algumas gravações de estúdio do quarteto de Coltrane, embora com extrema competência e bom gosto, parecem mostrar um certo bloqueio de criatividade, que seria definitivamente superado em 1964 com os discos de estúdio Crescent e A Love Supreme.

John Coltrane – Impressions
1. India (Live, November 3 1961, Village Vanguard)
2. Up ‘Gainst the Wall (September 18 1962, Van Gelder Studio)
3. Impressions (Live, November 3 1961, Village Vanguard)
4. After the Rain (April 29 1963, Van Gelder Studio)
5. Dear Old Stockholm (April 29 1963, Van Gelder Studio, CD reissue bonus track)

John Coltrane – soprano and tenor saxophone
Eric Dolphy – bass clarinet (track 1), alto sax (track 3, final chord only)
McCoy Tyner – piano (tracks 1, 3, 4, and 5)
Jimmy Garrison – double bass
Reggie Workman – double bass (track 1)
Elvin Jones – drums (tracks 1, 2, and 3)
Roy Haynes – drums (tracks 4 and 5)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Impressions (mp3 320kbps)

Elvin Jones (bateria) e John Coltrane (sax soprano) em Baden-Baden, 1961, um mês após os shows no Village Vanguard

Pleyel

.: interlúdio :. Dois grandes grupos com Don Cherry (1936-1995)

Este mês de janeiro tem sido de muitos momentos de alívio, alguns de tensão e muitos interlúdios jazzísticos aqui no PQPBach. Não rolou uma combinação nem uma pressão do patrão, apenas um daqueles transmimentos de pensação… Vamos então a mais dois álbuns em que os improvisos vão se construindo de forma horizontal e coletiva, difícil até de imaginar para certas cabeças obcecadas por ordem, dominação e esmagamento de uns por outros… Afinal, como disse meu colega WellBach, é difícil imaginar algo mais democrático que o Jazz.

Uma tendência do jazz dos anos 1970, que já aparece no disco de 1969 abaixo, foram os grupos sem um líder bem marcado. Naquela época se aposentavam ou saíam de cena Duke Ellington and his Orchestra, Thelonious Monk Quartet, John Coltrane Quartet, Miles Davis Quintet e as novidades eram Weather Report (com Joe Zawinul, Wayne Shorter e Jaco Pastorius dividindo holofotes), Return to Forever (Chick Corea, Stanley Clarke, Al Di Meola, Airto Moreira) ou o quarteto europeu de Keith Jarrett com um grande protagonismo de Jan Garbarek…

Don Cherry – supondo que dê pra conhecer a personalidade de alguém pelos seus solos de trompete e de flauta – tem um jeitão tranquilo, com alguns momentos mais intensos, gritos repentinos, mas predominância mesmo dos solos mais suaves (aqui!) e ao mesmo tempo imprevisíveis. Com essa suposta personalidade tranquila, apesar de ser uma das mais amadas figuras no jazz da segunda metade do século XX, ele não é tão lembrado pelos momentos em que organizou uma banda pra chamar de sua e exerceu liderança. Esse floreio é pra dizer que Don Cherry funciona bem em grupos mais democráticos.

O primeiro, lançado por um selo obscuro em 1969, tem uma história misteriosa: aparentemente o jovem James Mtume, de 23 anos, convenceu vários medalhões do jazz a gravarem um disco com suas composições e alguns trechos falados ligados ao movimento negro daquele período politicamente turbulento. O baterista Albert ‘Tootie’ Heath – tio de Mtume – parece ter sido quem conseguiu o contrato de gravação, e por isso ele aparecia na contracapa do LP. Já na reedição de 1975, Herbie Hancock e Don Cherry aparecem em letras maiores, o que não significa que eles tenham liderado as sessões, apenas que eram mais famosos.

Herbie Hancock frequentemente é quem faz a base das composições, junto com as percussões de Mtume, Tootie Heath e Ed Blackwell… sim, é um disco com bastante percussão, como já era de se esperar em um trabalho afrocentrado. Na 2ª faixa do álbum, temos voz muito interessante cantando sem palaras, aquele famoso “la-la-la”, mas na 3ª faixa a voz se intromete mais, supomos que seja a de Mtume, fazendo discurso político… os ouvidos mais apressados podem pular para a metade daquela faixa, quando as duas flautas ficam mais interessantes e a voz, mais discreta. Nos anos seguintes, Mtume tocaria percussão nas bandas de fusion de Miles Davies no início dos anos 1970, além de gravar alguns discos solo e, nos anos 80, lançar alguns hits pop/R&B (mais detalhes nesta resenha aqui).

Mas quando Don Cherry aparece ele quase sempre rouba a cena, ao contrário de Jimmy Heath, grande acompanhante (gravou com Milt Jackson, Freddie Hubbard e muitos outros), mais destinado ao papel de coadjuvante que ao de principal.

Ao contrário dessa breve e improvável constelação de estrelas que seguiriam seus rumos e nunca mais se encontrariam, o segundo disco de hoje é de um grupo que tocou junto por alguns anos, criou uma certa intimidade, o que não significa, claro, que tenham ligado o piloto automático e começado a se repetir, pecado imperdoável no jazz…

No disco de 1979, Codona, o nome do trio é uma junção de Collin, Don e Naná. Este último, o brasileiro Naná Vasconcellos, brilha no berimbau, cuíca e vários outros instrumentos de percussão. Nascido no Recife, Naná batucou desde pequeno em dezenas de instrumentos, gravou com Milton Nascimento (Milagre dos Peixes, entre outros) e, por intermédio de Gato Barbieri e Egberto Gismonti, se aproximou do jazz europeu de artistas que circulavam em volta da gravadora alemã ECM. Don Cherry e Collin Walcott nasceram nos EUA mas fizeram boa parte da carreira na Europa, com interesses musicais bem internacionais: Don se interessando por instrumentos africanos e Collin tendo estudado com Ravi Shankar e outros mestres indianos.

Kawaida (1969)
A1. Baraka
A2. Maulana
B1. Kawaida
B2. Dunia
B3. Kamili

Piano – Herbie Hancock; Trumpet [and flute?] – Don Cherry; Tenor Saxophone, Soprano Saxophone – Jimmie Heath; Albert “Tootie” Heath; Percussion – Ed Blackwell; Congas [and voice?] – James Mtume; Bass – Buster Williams; Flute, Percussion on B1 – Billy Bonner
All tracks composed by Mtume, except B2 by Tootie Heath
Recording date: December 11 1969
Recording place: The Universe

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Capa da reedição de 1975, colocando Hancock e Cherry em letras maiores

Collin, Don e Naná: Codona 1 (1979)
1. Like That of Sky (Walcott)
2 Codona (Cherry, Vasconcelos, Walcott)
3. Colemanwonder: Race Face/Sortie/Sir Duke (Ornette Coleman/Coleman/Stevie Wonder)
4 Mumakata (Walcott)
5. New Light (Walcott)
Recorded at Tonstudio Bauer in Ludwigsburg, West Germany in September 1978

Collin Walcott — sitar, tabla, hammered dulcimer, kalimba, voice
Don Cherry — trumpet, wood flute, doussn’ gouni, voice
Naná Vasconcelos — percussion, cuíca, berimbau, voice

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Don Cherry (circa 1971). Dizem que quanto menor o trompete, maior a… coragem!

Pleyel

.: interlúdio :. John Coltrane Quintet with Eric Dolphy – Live, 1961: Copenhagen, Baden-Baden, Paris

John Coltrane devia ter muitos admiradores em Copenhagen, porque após este show gravado em excelente qualidade de áudio na segunda-feira 20/11/1961, e após circular por outros países da Europa do norte, seu quinteto voltaria à capital da Dinamarca para um segundo show no domingo 26/11.

Além de faixas mais comuns no repertório de Coltrane, como Impressions, Naima e a balada de Cole Porter Ev’ry Time We Say Goodbye, o destaque do show de Copenhagen é Delilah, um tema de tipo orientalista (no sentido de Edward Saïd: um oriente mais nos olhos de quem vê) que, antes de ser introduzida ao mundo do jazz pelo timbre cool do trompete de Clifford Brown, havia sido composta como parte da trilha sonora de um Sansão e Dalila, superprodução bíblica de Hollywood em 1949. Aqui, esse tema serve para o quinteto “se esquentar”: começando meio lenta e também cool, a música ganha solos sucessivos de Coltrane e Dolphy, depois um de Tyner, para finalmente decolar nas notas rápidas do sax soprano de Coltrane nos minutos finais…

Jones na bateria, Coltrane no sax soprano (Baden-Baden 1961)

O outro destaque dessa turnê europeia foi o show em um estúdio de TV em Baden-Baden, Alemanha, todo gravado em som e vídeo, coisa rara na época. O quinteto de Coltrane certamente tinha algum grau de estranhamento com a ideia de serem gravados pelas diversas câmeras de um estúdio de TV. As câmeras, para músicos de jazz naquela época, eram bem mais raras do que os gravadores. Então eles escolheram o repertório mais tocado, para não correrem riscos: três temas que apareciam em quase todas as apresentações de 1961 e 62. Dois deles haviam sido lançados no LP My Favorite Things e o terceiro (a composição modal Impressions) ainda era inédito para os públicos mas vinha sendo retrabalhado pelo grupo praticamente a cada noite. Talvez seja o único registro em vídeo do grupo de Coltrane ainda com Reggie Workman, que sairia no ano seguinte. É verdade que Jimmy Garrison duraria mais tempo com Coltrane e faria solos mais longos (hipótese: os solos de baixo e bateria entram em 1962 para cobrir o buraco com a saída de Dolphy?) Mas Workman – que esteve em gravações como Olé Coltrane, Africa/Brass, Village Vanguard – também é um baixista sofisticado que, nas últimas notas de Ev’ry time we say goodbye, ataca o contrabaixo com o arco, como dá pra ver no vídeo mais abaixo, que também segue para download, para os excêntricos que ainda baixam vídeos.

Jones na bateria, Dolphy na flauta (Baden-Baden 1961)

A My Favorite Things de Copenhagen deve ser uma das mais longas já tocadas por Coltrane: dura 28 minutos com longos solos de (nesta ordem) Tyner no piano, Dolphy na flauta e Coltrane no sax. Pra não dizerem que não avisei: enquanto o solo de Tyner é brilhante mas ao mesmo tempo harmonicamente situado nas mudanças de acordes da versão do LP de 1960, o solo de flauta de Dolphy é bem mais free jazz, sem medo de em certos momentos soar em desalinho com os outros instrumentos. Já na “Things” de Baden-Baden, o quinteto funciona sob a pressão do relógio da gravação televisiva, o que por um lado poda as alturas alcançáveis, mas por outro lado coloca restrições que levam os músicos a inventar novas ideias.. O solo de pouco menos de 3 minutos de Dolphy na flauta (dos 6 aos 9 minutos do vídeo) é uma verdadeira obra-prima do improviso jazzístico.

Com uma qualidade de gravação pior e, portanto, apenas para os fãs mais dedicados – embora em primeiro na lista abaixo que é cronológica na ordem da turnê – temos o show no Olympia de Paris, outra grande casa de espetáculos, em atividade até hoje e com lugares para cerca de duas mil pessoas. Ali, o quinteto toca Blue Train, do disco homônimo de 1957-58, o primeiro lançado por Coltrane como artista principal e não coadjuvante. Blue Train começa com frases em uníssono dos dois saxofones (tenor de Coltrane, alto de Dolphy), que soam bastante interessantes com o eco da sala L’Olympia. Mas a gravação (que, pelo eco, podemos supor que foi feita da plateia e não do palco ou da mesa de som) deixa a desejar sobretudo nos detalhes de piano, baixo e bateria. Então as prioridades são o show em Copenhagen e a sessão televisionada em Baden-Baden.

John Coltrane Quintet:
L’Olympia, Paris – November 18, 1961 (late show)
1. Blue Train (J. Coltrane)
2. I Want to Talk About You (Billy Eckstine)
3. My Favorite Things (Rogers/Hammerstein)

Falconer Salen, Copenhagen – November 20, 1961
1. Intro by Norman Granz
2. Delilah (Victor Young)
3. Ev’ry Time We Say Goodbye
4. Impressions (J. Coltrane)
5. Naima (J. Coltrane)
6. My Favorite Things (false start) > Announcement by Coltrane
7. My Favorite Things (Rogers/Hammerstein)

Südwestfunk TV Studio, Baden-Baden – December 4, 1961
1. My Favorite Things (Rogers/Hammerstein) 11:06
2. Ev’ry Time We Say Goodbye (C. Porter) 5:25
3. Impressions (J. Coltrane) 7:30

Tenor Saxophone, Soprano Saxophone – John Coltrane
Alto Saxophone, Bass Clarinet, Flute – Eric Dolphy
Piano – McCoy Tyner
Drums – Elvin Jones
Bass – Reggie Workman

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (link para pasta com os três shows separados)

McCoy Tyner, durante o solo, olha para o piano – reparem que na outra foto abaixo ele olha para Coltrane enquanto o acompanha
Jones, Coltrane (sax soprano), Workman, Tyner: Baden-Baden 1961
Workman (baixo), Coltrane (sax tenor), Dolphy (sax alto) em Baden-Baden, 1961

Dolphy died on June 29, 1964 in a diabetic coma, leaving a short but tremendous legacy in the jazz world. He was quickly honored with his induction into the Down Beat magazine Hall of Fame in 1964. Coltrane paid tribute to Dolphy in an interview: “Whatever I’d say would be an understatement. I can only say my life was made much better by knowing him. He was one of the greatest people I’ve ever known, as a man, a friend, and a musician.”

Recebendo Prêmio Edison no Concertgebouw de Amsterdam (1961)

Pleyel

.: interlúdio :. John Coltrane: Meditations (1965)

Após o sucesso dos álbuns Giant Steps (1959-60), My Favorite Things (1960-61) e A Love Supreme (1964), John Coltrane era uma celebridade internacional e ele poderia passar muitos anos repetindo a formação de quarteto e lotando show dos dois lados do Atlântico Norte, ganhando prêmios e, claro, dinheiro.

Mas se repetir certamente não era o objetivo de Coltrane. No álbum Meditations, gravado em 1965, temos o quarteto “clássico” dos anos anteriores aumentado para sexteto com o saxofone de Pharoah Sanders e a a percussão de Rashied Ali. Mas na maior parte do tempo o piano e o baixo ficam mais discretos e o foco musical circula entre saxofones e percussão. Há exceções, como o fim de Consequences e o início de Serenity, onde finalmente temos uma participação mais marcante do pianista McCoy Tyner.

Através de sua carreira, a música de Coltrane foi tomando progressivamente uma dimensão espiritual. Ele dizia que, após esse acordar espiritual, “não dá mais para esquecê-lo. Torna-se parte de tudo que você faz. Nesse aspecto, este álbum é uma extensão de A Love Supreme, já que minha concepção dessa força continua mudando. Meu objetivo ao meditar sobre isso pela música, no entanto, continua o mesmo. É colocar as pessoas para cima, o máximo que eu posso. Inspirá-las a realizar mais e mais da sua capacidade de ter vidas cheias de sentido. Porque certamente há sentido na vida.” (John Coltrane no booklet de Meditations)

Por volta de 1957-58 ele havia largado o vício em álcool e heroína, embora essas substâncias sejam a provável causa do câncer de fígado que causaria sua morte aos 40 anos. E a partir desses fins dos anos 50, sua música vai se tornando cada vez mais permeada de religiosidade em um sentido amplo pois, como Coltrane dizia, “Acredito em todas as religiões”.

Rashied Ali (1935-2009) com vergonha de sorrir pra câmera

Ao mesmo tempo a música do Coltrane dos últimos anos vai se tornando mais estranha e inovadora, também, com influências do free jazz de Ornette Coleman e de Eric Dolphy (que tocou com Coltrane por cerca de um ano em 1961-62). Em Meditations, gravado em novembro de 1965, temos dois bateristas – e outra característica da última fase de Coltrane é a presença mais forte da percussão nos arranjos. Dizia ele que sentia necessidade de “mais ritmo ao meu redor. E com mais de um baterista, o ritmo pode ser mais multi-direcional.” Trata-se do último álbum com a presença do grande pianista McCoy Tyner, que por tantos anos fez a cama sonora para Coltrane brilhar. Justamente esse chão harmônico de Tyner não era mais o que Coltrane buscava a partir de meados de 1965, e o oposto também é verdadeiro: Tyner parecia um pouco sufocado pelas percussões intensas e, em muitos momentos de Meditations, sua participação é discreta, apesar de dois belos solos, sobretudo o do final de Consequences. Poucos meses depois, Tyner sairia do grupo (“I didn’t see myself making any contribution to that music… I didn’t have any feeling for the music, and when I don’t have feelings, I don’t play”), após mais de cinco anos juntos. Entraria no seu lugar Alice Coltrane, que já era uma pianista de longa carreira antes de adquirir esse sobrenome de casada. Com um estilo mais baseado em notas soltas e menos em acordes, ela se encaixaria bem nessa última fase da banda. Depois da morte de John, Alice gravaria alguns álbuns com Pharoah no sax, Garrison no baixo e/ou Rashied na bateria.

Enquanto o pianista Tyner estava perto de sair, o saxofonista Pharoah Sanders era um recém-chegado. O álbum utiliza bem a tecnologia stero, ainda recente à época, apenas por volta de 1958 surgem no mercado vitrolas capazes de reproduzir em dois canais separados, enquanto as transmissões de rádio FM em stereo se iniciaram em 1960. Sanders toca no canal direito, Coltrane no canel esquerdo (com fone de ouvido isso fica mais evidente… e os dois bateristas também estão um de cada lado!) Quando fazia uma dobradinha de saxofonistas com Cannonball Adderley (fim dos anos 50) ou com Eric Dolphy (início dos anos 60), Coltrane e seu colega frequentemente tocavam instrumentos de tamanho e alcance diferente: um no sax tenor e um no sax alto ou soprano, ou ainda no clarinete baixo. Aqui nessa fase final da carreira de Coltrane, que infelizmente durou apenas dois anos até sua morte precoce, Pharoah Sanders – que estava vivo e tocando fantasticamente até 2022 – toca um sax tenor igual ao de Coltrane, mas cada um com um timbre diferente, ao mesmo tempo em que um influencia o outro: muitos momentos de sopro intenso, forte e dando a impressão de estar forçando o instrumento para além do seu limite sonoro nos agudos…

Mas como Coltrane diz na entrevista que aparece no encarte de Meditations, não se chega nunca nesse limite:

“Nunca existe um fim”, Coltrane disse ao concluir nossa conversa sobre este álbum. “Sempre existem novos sons para se imaginar, novos sentimentos para se alcançar. E sempre há a necessidade de seguir purificando esses sentimentos e sons para vermos o que nós descobrimos no seu estado mais puro. Então podemos ver mais e mais claramente o que nós somos. Dessa forma, podemos chegar à essência, ao melhor do que somos. Mas para isso, a cada momento, temos que estar sempre limpando o espelho.”

Entenderam? Mais ou menos, né? Se fosse fácil de entender, não teria tanta graça…

John Coltrane: Meditations
1. The Father and the Son and the Holy Ghost
2. Compassion
3. Love
4. Consequences
5. Serenity

Personnel
John Coltrane – tenor saxophone, percussion (left channel)
Pharoah Sanders – tenor saxophone, tambourine, bells (right channel)
McCoy Tyner – piano
Jimmy Garrison – bass
Elvin Jones – drums (right channel)
Rashied Ali – drums (left channel)

Released: August 1966
Recorded: November 23, 1965, Van Gelder Studio, New Jersey
All tracks written by John Coltrane

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE 

Pharoah Sanders em 1969

Pleyel

.: interlúdio :. Billie Holiday (1915-1959): All or nothing at all – Songs for Distingué Lovers & Body and Soul (Produção de Norman Granz – Verve) ֍

.: interlúdio :. Billie Holiday (1915-1959): All or nothing at all – Songs for Distingué Lovers & Body and Soul (Produção de Norman Granz – Verve) ֍

All or nothing at all

Songs for Distingué Lovers

Body and Soul

Billie Holiday, vocals

Harry “Sweets” Edison, trumpet

Bem Webster, tenor sax

 

Jimmy Rowles, piano

Barney Kessel, guitar

Red Mitchell or Joe Mondragon, bass

Alvin Stoller, drums

 

Ela nasceu Eleanora Fagan, em 1915. Tornou-se Billie Holiday, cantora inovadora e precoce. Viveu num período difícil de ser mulher negra americana e teve uma vida cheia de relacionamentos complicados, com pessoas e substâncias. Ganhou de seu amigo e parceiro musical Lester Young o (lindo) apelido Lady Day. É uma das cantoras americanas mais incônicas e ao ouvir sua voz você entenderá a razão. Seu legado é apaixonante.

Suas principais inspirações, segundo ela mesma, foram Louis Armstrong e Bessie Smith, que ela conheceu ouvindo seus discos nos lugares onde viveu, trabalhou e começou a cantar. Ela tentava fazer com sua voz aquilo que ouvia Louis fazer com seus solos de trompete e de Bessie admirava a maneira intensa como ela cantava blues e como usava as suas características vocais.

Billie viveu 44 anos, dos quais muitos foram minados pelos seus problemas pessoais, mas seu legado é enorme. Aos 23 anos já havia gravado ou se apresentado com personalidades do jazz tais como Duke Ellington, Count Basie, Lester Young, Teddy Wilson, Benny Carter, Artie Shaw, entre outros.

Lester ‘Prez’ Young

Seu estilo de cantar se concentrava nas palavras, nas letras das canções, sua dicção e a maneira como apresenta a canção são inesquecíveis. Nesta postagem apresentaremos música que ela gravou em dois períodos (principais) de sua carreira. Por sete anos, iniciando em 1935, gravou lindas canções acompanhadas do pianista Teddy Wilson e seus músicos. Entre essas teremos as típicas I’ll Never Be the Same e Mean to Me, gravações onde poderemos ouvir o saxofone de seu amigo Lester Young, que ganhou dela o apelido de President, Prez… O estilo de Lester Young contrastava enormemente dos saxofonistas famosos daquela época, como Coleman Hawkins, por adotar uma maneira mais relaxada de tocar, mais cool, usando sofisticadas harmonias.

Norman Granz, produtor (Verve)

A partir de 1952 Billie Holiday gravou muitas canções para o selo Clef (posteriormente Verve) do produtor Norman Granz, culminando com uma série de seções em agosto de 1956 e janeiro de 1957.

O contraste entre as gravações feitas com Teddy Wilson e as gravações no selo Verve é grande. Muitos preferem as primeiras, onde a voz de Billie está em boa forma e as canções são dançantes e alegres. Nas gravações posteriores, a voz da cantora já apresentava o desgaste resultante de sua vida difícil. Por outro lado, a qualidade das canções escolhidas é espetacular assim como o acompanhamento musical, sem contar a qualidade sonora. Além disso, as interpretações certamente amadureceram com a cantora que ainda contava com perto dos 40 anos.

Ben Webster, sax tenor nas gravações da Verve

Escolhi três discos (CDs) para a postagem. Um disco de banca, da Coleção da Folha de São Paulo, trazendo 10 canções com produção de Norman Granz, gravadas principalmente em 1952, e 3 canções cujos acompanhamentos são de Teddy Wilson, gravadas na década de 1930.

Os outros dois CDs formam o Volume 7 da Billie Holiday Story na Verve. Esse conjunto reúne 26 canções que foram gravadas nas das seções de 1956 e 1957 e foram lançadas em três LPs – Body and Soul (1957), Songs for Distingué Lovers (1958) e All or Nothing at All (1959).

 

O primeiro CD dá um panorama desses dois períodos e contém algumas pérolas musicais, como Blue Moon, Love for Sale e How Deep is the Ocean? As outras músicas que formam os três LPs lançados entre 1957 e 1959 são verdadeiras joias musicais e formam um conjunto de canções americanas praticamente insuperáveis. Todos os monstros sagrados da música americana as gravaram e vários deles se declararam influenciados pelas interpretações de Billie Holiday. Você encontrará essas músicas associadas a nomes como Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, entre outros. Os músicos que a acompanharam nestas gravações eram os melhores e todos se conheciam muito bem. No libreto descobrimos que essas gravações pareciam ser apenas ‘one more for the road’ – apenas uma saideira, até a próxima seção, mas tornaram-se muito especiais. Nestas canções, a cantora deu uma dimensão a mais, devido às suas experiências pessoais e com a música. Como disse Miles Davis: ‘Sometimes you can sing a song words every night for years, and all of a sudden it dawns on you what the song means’ (Você pode cantar as palavras de uma canção por anos a fio, e assim como que de repente, o significado da canção se revela para você). Ele certamente disse com bastante mais poesia…

Se você não conhece a língua inglesa, mas tem alguma curiosidade, vale a pena penetrar em algumas dessas canções. Eu sou fascinado por elas e acho que merecem nossa atenção por si só, mas a interpretação da Billie joga ainda mais beleza sobre elas.

Os compositores e letristas desse conjunto de canções formam um grupo formidável, como os irmãos Gershwin, Irving Berlin, Cole Porter, Kurt Weil e Duke Ellington, alguns dos mais conhecidos. Muitas delas foram escritas para musicais da Broadway e algumas foram cantadas pela primeira vez por Bing Crosby, no palco e nos filmes. As letras são a um tempo imaginativas e cativantes. Uma boa maneira de penetrar na língua inglesa, pelo menos como é falada na terra do Tio Sam.Se você tiver pouco tempo para essa coisa das letras, escolha algumas poucas e faça uma tentativa. As recompensas podem ser enormes. Veja, por exemplo, Let’s Call The Whole Thing Off, de George e Ira Gershwin. A canção é uma enorme brincadeira sobre as diferentes maneiras de pronunciar as palavras, dependendo do sotaque: you say ‘ider’ and I say ‘aider’, you say ‘nither’ and say ‘naither’… Adorable! Essa canção também faz parte do repertório de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, jogando um para o outro…

Outra letra adorável é Comes Love, de Lew Brown. Diante de qualquer eventualidade, mesmo uma dor de dente, você já sabe o que fazer… mas quando é amor, nothing can be done! Nada se pode fazer. Ah, e a música! Solos de guitarra, de sax, intermediados com as letras. Você precisa ouvir muitas vezes.

Há canções que contam uma pequena história, ou narram uma cena, coisa de crônica. Veja, por exemplo, A Foggy Day, ainda dos irmãos Gershwin. Em poucas palavras descobrimos que a americana está em um nublado dia em Londres, se arrastando pelo Museu Britânico, mas o dia se torna ensolarado (metaforicamente, dã…) com a presença de ‘alguém’… E lá está, de novo, a música do pequeno enorme conjunto musical. Outra pequena crônica está em One For My Baby (And One More for the Road). O pobre garçom do bar tem que ouvir mais uma história…

Aqui LD ao lado de Jimmy Rowles, o pianista das gravações para a Verve

Todas as letras dessas canções estão ao alcance de seus dedos, na internet, e se você se der ao trabalho, dobrará ainda mais o prazer de ouvir a maravilhosa Lady Day, acompanhada por Ben Webster, ora por Lester Young ou Oscar Peterson e tantos outros.

Moonlight in Vermont e Stars Fell on Alabama são também inesquecíveis. Na verdade, não se pode deixar qualquer uma de fora.

 

Solitude (Coleção Folha de S.Paulo)

  1. Solitude (Ellington/Mills/De Lange)
  2. Blue Moon (Rodgers/Hart)
  3. East of the Sun (Bowman/Brooks)
  4. These Foolish Things (Link/Marvell/Strachey)
  5. Tenderly (Gross/Lawrence)
  6. Autumn in New York (Vernon Duke)
  7. Love for Sale (Cole Porter)
  8. Stormy Weather (Arlen/Koehler)
  9. Yesterdays (Kern/Harbach)
  10. How Deep Is the Ocean? (Irving Berlin)
  11. I’ll Never Be the Same (Kahn/Malneck/Signorelli)
  12. Mean to Me (Turk/Ahlert)
  13. Miss Brown to You (Rainger/Robin/Whiting)

Billie Holiday, vocals

Faixas 1 a 6: Charlie Shavers (trompete); Flip Phillips (sax tenor); Oscar Peterson (piano); Barney Kessel (guitarra); Ray Brown (baixo); Alvin Stoller (bateria); Norman Granz (1952)

Faixa 7: Oscar Peterson (piano); Norman Granz (1952)

Faixas 8 e 9: Joe Newman (trompete); Paul Quinichette (sax tenor); Oscar Peterson (piano e órgão); Freddie Green (guitarra); Ray Brown (baixo); Gus Johnson (bateria); Norman Granz (1952)

Faixa 10: Charlie Shavers (trompete); Oscar Peterson (piano), Herb Ellis (guitarra); Ray Brown (baixo); Ed Shaughnessy (bateria). Norman Granz (1954)

Faixas 11 a 13: Teddy Wilson (piano); Buck Clayton (trompete, 11 e 12); Roy Eldridge (trompete, 13); Buster Bailey (clarinete, 11 e 12); Benny Goodman (clarinete, 13); Lester Young (sax tenor, 11 e 12); Ben Webster (sax tenor, 13); Freddie Green (guitarra, 11); Allan Reuss (guitarra, 12); John Trueheart (guitarra, 13); Walter Page (baixo, 11); Artie Bernstein (baixo, 12); John Kirby (baixo, 13); Jo Jone (bateria, 11); Cozy Cole (bateria, 12 e 13) – (1937, 11 e 12; 1935, 13)

Lester ‘President’ Young

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

MP3 | 320 KBPS | 96 MB

Body and Soul

  1. Body And Soul (John W. Green – Edward Heyman – Robert Sour – Frank Eyton)
  2. They Can’t Take That Away From Me (George e Ira Gershwin)
  3. Darn That Dream (James Van Heusen – Edgar de Lange)
  4. Let’s Call The Whole Thing Off (George e Ira Gershwin)
  5. Comes Love (Lew Brown – Sam H. Stept – Charles Tobias)
  6. Gee, Baby, Ain’t I Good To You (Donald Matthew “Don” Redman – Andy Razaf)
  7. Embraceable You (George e Ira Gershwin)
  8. Moonlight In Vermont (Karl Suessdorf – John Blackburn)

Songs For Distingué Lovers

  1. Day In, Day Out (Rube Bloom – John Herndon “Johnny” Mercer)
  2. A Foggy Day (George e Ira Gershwin)
  3. Stars Fell On Alabama (Frank S. Perkins – Mitchell Parish)
  4. One For My Baby (And One More For The Road) (Harold Arlen – Johnny Mercer)
  5. Just One Of Those Things (Cole Albert Porter)
  6. I Didn’t Know What Time It Was (Richard Rodgers – Lorenz Hart)

All or Nothing at All

  1. Do Nothin’ Till You Hear From Me (Edward Kennedy “Duke” Ellington – Bob Russell)
  2. Cheek To Cheek (Irving Berlin)
  3. Ill Wind (You’re Blowin’Me No Good) (Harold Arlen – Theodore “Ted” Koehler)
  4. Speak Low (Kurt Weill – Ogden Nash)
  5. I Wished On The Moon (Ralph Rainger – Dororthy Parker)
  6. But Not For Me (George e Ira Gershwin)
  7. All Or Nothing At All (Arthur Altman – Jack Lawrence)
  8. We’ll Be Together Again (Carl Fischer – Frankie Lane)
  9. Sophisticated Lady (Duke Ellington – Mitchell Parish – Irving Mills)
  10. April In Paris (Vernon Duke – E. Y. “Yip” Harburg)
  11. Say It Isn’t So (Irving Berlin)
  12. Love Is Here To Stay (George e Ira Gershwin)

Billie Holiday, vocal

Harry Edison, trumpet

Ben Webster, tenor saxophone

Jimmy Rowles, piano

Barney Kessel, guitar

Red Mitchell, double bass

Alvin Stoller, drums

Joe Mondragon, double bass

Larry Bunker, drums

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

MP3 | 320 KBPS | 311 MB

Billie Holiday, a Lady Day!

Aproveite!

René Denon

.: interlúdio :. John Coltrane Quartet – Live, 1962: Konserthuset (Estocolmo, Suécia) e Stefaniensaal (Graz, Áustria)

McCoy Tyner em 1961

O instrumento mais próximo do meu coração é o piano, por mais que dezenas de outros disputem minha preferência: flauta, reco-reco, cuíca, órgão, sintetizador… Não tem jeito, desde bebê gorducho tenho fotos em um velho e desafinado piano de armário da família, não um Pleyel francês mas um Bentley inglês. Não me considero um pianista, mas uns dias atrás me sentei em frente a um Essenfelder em um bar praiano e, após algumas cervejas, acompanhei o amigo que tocava violão, tudo no improviso, apenas dando uma olhada nos acordes que ele tocava… posso dizer que não fiz muito feio, até porque a maresia tinha comido várias notas médias então tive uma boa desculpa para me concentrar em terças agudas fortes e extremos graves suaves… E os amigos alcoolizados foram pouco exigentes.

E nesses dias quentes, meu coração tem batido novamente por John Coltrane, mais especificamente pela sua íntima relação com o pianista McCoy Tyner, que tocou com ele de 1960 a 65. Quando Tyner não estava disponível, Coltrane tocava sem piano, com a exceção de uma gravação com Duke Ellington, um ídolo bem mais velho para quem não seria possível dizer não…

McCoy Tyner tinha 22 anos quando começou a tocar no quarteto de Coltrane, mas já estava pronto musicalmente, com todas as suas características: um toque percussivo, agressivo quando necessário, mas harmonicamente muito elegante, preciso, ao contrário da suavidade de um Bill Evans ou da agressividade de um Thelonious Monk, que se dava tanto em termos de peso nas mãos quanto de harmonias (intencionalmente?) caóticas – um crítico chamou Monk de “elephant on the keyboard”! Tyner era agressivo no toque, na dinâmica, dançante e negro nos ritmos (negro demais no coração, diria o Vinícius de Moraes), e ao mesmo tempo com harmonias e arpejos que daria pra confundir com um Chopin.

Outra característica de Tyner é sua facilidade com melodias cantáveis de standards como, nesse ao vivo na Áustria, Autumn Leaves (que Nat King Cole e vários outros gravaram) e Ev’ry Time We Say Goodbye (canção de Cole Porter). Essas duas canções têm melodias tão notáveis que Coltrane e Tyner nem precisam se esforçar tanto, é só seguirem a linha melódica e harmônica, é bola pronta pra chutar pro gol. Esse tipo de invenção jazzística mais contida sobre melodias notáveis ocupa todo o álbum Ballads, gravado em estúdio nos EUA apenas uma semana antes da turnê europeia que rendeu estes registros ao vivo, embora nenhum tema de Ballads apareça aqui.

Já em Bye-Bye Blackbird e My Favorite Things, melodias mais simples e banais, o quarteto faz um jazz bem mais modal, no qual a melodia original é apenas um pretexto inicial para invenções ao sabor do momento. Também é tipicamente modal a composição Impressions, do próprio John Coltrane, e que aparece no concerto na Áustria em um andamento mais lento e relaxado do que na gravação (também ao vivo) de 1961 no álbum de mesmo nome. Irmã de So What, do disco Kind of Blue no qual Coltrane também tocou, Impressions tem a mesma sequência de modos da composição de Miles Davis, que vão se repetindo tendo sempre o piano de Tyner como a cama, o chão.

O outro álbum que trago hoje, gravado na Suécia no mesmo mês de 1962, não tem o show inteiro, apenas dois destaques longos e cheios de improvisos: o standard Bye Bye Blackbird (de novo) e a autoral Traneing in. Lançado em 1981, este álbum ao vivo deu a Coltrane um Grammy póstumo de melhor performance de jazz instrumental.

John Coltrane Quartet: Konserthuset Stockholm, Sweden, 19 November 1962
1 Bye Bye Blackbird
2 Traneing In

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – FLAC

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – MP3 320kbps

John Coltrane logo após descer do avião (aeroporto de Schiphol-Amsterdam)

John Coltrane Quartet: Grosser Stefanien-Saal, Graz, Austria, 28 November 1962
1 Bye Bye Blackbird
2 The Inchworm
3 Autumn Leaves
4 Every Time We Say Goodbye
5 Mr. P.C.
6 I Want to Talk About You
7 Impressions
8 My Favorite Things

ORF Radio Broadcast

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John Coltrane – tenor and soprano saxophones
McCoy Tyner – piano
Jimmy Garrison – double bass
Elvin Jones – drums

Um outro detalhe curioso: o quarteto de Coltrane podia brilhar tanto em grandes salas de concerto na Europa com cerca de 2 mil assentos (além dessas de Graz e Estocolmo, o Concertgebouw de Amsterdam e o Olympia de Paris), como também em inferninhos americanos. De forma geral, as grandes salas de concerto nos EUA pareciam menos abertas ao jazz: talvez a única aparição de Coltrane no Carnegie Hall tenha sido em um enorme evento beneficente em 1957 que incluía o saxofonista na banda de Thelonius Monk além de Billie Holiday, etc. Na Filadélfia, terra natal de Coltrane e Tyner, não sei se eles tocaram nas salas onde se apresentava na época a grande orquestra local com Eugene Ormandy, mas sei que em 1963 o quarteto de Coltrane se apresentou algumas vezes no Showboat, localizado no porão de um hotel, com capacidade para 200 pessoas bem apertadas, que pediam drinks aos garçons e certamente fumavam enquanto os músicos tocavam. Longe de mim dizer que esse espaço esfumaçado convenha menos ao jazz do quarteto de Coltrane do que a arquitetura e acústica refinada das salas europeias. Coltrane, Tyner, Garrison e Jones transitavam por esses dois ambientes e isso faz parte da sua grandeza.

A grandiosa sala de concertos em Graz data de 1885, lembra o Concertgebouw de Amsterdam, construído na mesma década

John Coltrane’s music is a cry, revolting against the coldness of our world […] Moreover he seems to be the only one who is able to present ballads with the emotional depth of a Hawkins, Webster or Elridge. His playing is characterized by straightforward, harmonically traditional themes that are the basis for ranging note cascades. (Review of a concert in Vienna Konzerthaus, Austria, 1962-11-27, by Willie Gschwedner)

Pleyel

.: interlúdio :. Milt Jackson & John Coltrane – Bags & Trane

51lRi9eV21L._SL500_AA280_A primeira vez em que ouvi esta versão de “Be-Bop” foi em uma coletânea, um LP duplo, e fiquei impressionado. E não poderia deixar de ficar, afinal foi esta lendária música que nomeou o ritmo de jazz que se tornaria famoso no mundo inteiro, e que revelou gente com Dizzie Gillespie, Charlie Parker, Miles Davis, Coltrane entre tantos outros. E o que Coltrane e Jackson fazem aqui é de arrepiar.
Milton Jackson e John Coltrane são duas lendas no mundo do jazz, disso ninguém em sã consciência duvida. E o resultado da parceria desta dupla só poderia ser esse disco, “Bags & Trane”, fácil, fácil, classificável como um dos melhores discos de jazz gravados na história da indústria fonográfica. Ele é tão perfeito que fica difícil qualquer comentário, a única coisa que posso dizer aos senhores é para ouvir e ouvir e ouvir, e não esqueçam de ouvir inteiro, novamente, para preencherem seus cérebros com o que de melhor produziram dois dos maiores gênios da música do século XX.  Lhes garanto que após sua audição irão enxergar o mundo com outros olhos, e um sorriso lhes vai brotar nos lábios quando lembrarem que quando chegarem em casa, este disco vai estar lhes esperando para ser ouvido, novamente.

Milt Jackson & John Coltrane – Bags & Trane

1 Stairway to the Stars (Matty Malneck, Mitchell Parish, Frank Signorelli)
2 The Late Late Blues (Milt Jackson)
3 Bags & Trane (Milt Jackson)
4 Three Little Words (Harry Ruby)
5 The Night We Called It a Day (Matt Dennis, Tom Adair)
6 Be-Bop (Dizzy Gillespie)
7 Blues Legacy (Milt Jackson)
8 Centerpiece” (Sweets Edison, Bill Tennyson)

Milt Jackson (vibraphone)
John Coltrane (tenor saxophone)
Hank Jones (piano)
Paul Chambers (bass)
Connie Kay (drums)

Recorded: January 15, 1959 – Atlantic Studios, New York City
Released: July 1961

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Milt Jackson (1923-1999)

FDP Bach (postagem original, 2014) / Pleyel (repostagem, 2023)

.: interlúdio :. BASIE JAM 2 & 3, 1976

.: interlúdio :. BASIE JAM 2 & 3, 1976

Um país que concede carteira de habilitação automobilística a um sujeito como eu, ‘barbeiro de carteirinha’, não pode ser um país sério, embora hoje, nesta data de 2 de janeiro de 2022 d.C., saibamos o quanto podemos ser seríssimos (pelo menos em pouco mais de 50% da população). Permitam-me contar, a propósito da tal credencial, que há alguns anos, quando ainda não aprendêramos a duríssimas penas o quanto poderíamos ser tão sérios, precisei renovar a carteira de motorista. Aproveitando o ensejo de estar num Taxi, indaguei ao chofer como andavam as coisas quanto a ‘renovação de carteira’. Ele me olhou ‘seríssimo’ e de olhos esbugalhados, me falou: “Ah, isso agora é uma DEMOCRACIA!”. Eu jamais cometeria a indelicadeza de rir do meu seríssimo informante e condutor, decerto desabituado a utilizar o termo ‘burocracia’; apenas me veio a ideia de que contaria o ocorrido a alguns colegas do meu círculo musical e eles dariam boas gargalhadas. Hoje, sob o lábaro do nosso gratíssimo momento histórico, me vem a lembrança deste divertido episódio, mais a referência de um ótimo livro de Tom Holland (historiador inglês, não o ator do Homem Aranha mais insosso do cinema). Em seu formidável “Fogo Persa”, Mr. Holland nos traz detalhes sobre a criação da Democracia (por vezes um verdadeiro presente de grego, mas ainda assim a melhor filosofia). Na lente da História os antigos nos sabem a semideuses. O fato é que onde há poder e porfia pelo mesmo, há veneno. Clístenes, filho de dona Agarista de Sicião com o compadre Mégacles, assomou pelos milênios como um dos pais, senão o pai, da chamada Democracia. Clístenes, vendo-se quase que literalmente com a peixeira no pescoço, num momento de sagacidade digna do Odisseu, lançou à multidão a ideia democrática e cativou o público. Angariando, todavia, o ódio dos asseclas com os quais chegara a Atenas aspirando a tirania. Enfim, em nossa História, só foi santo J. S. Bach. Evoco a Democracia nessa postagem, não apenas porque é a palavra do momento e a virtude cívica pela qual devemos primar. Trago o termo também porque não existe gênero musical mais democrático do que o Jazz.

Também não existe gênero musical mais difícil de se classificar, analisar e definir, quanto o Jazz – que um dia foi Jass. Fosse um termo indecoroso referente ao refocilo da carne ou uma referência aos jasmins dos cabelos das ninfas de ébano de New Orleans, este derivado do blues com o ragtime cumpriu uma celeríssima evolução no espaço de poucas décadas, na dinâmica de um século vertiginoso. Fazendo o século XX, como diria Dizzy Gillespie, soar como nenhum outro. No Jazz temos estilos conforme o tempo e lugar, e dentro de cada estilo intérpretes, os quais, cada um em si constitui um universo particularíssimo de manifestação musical. Não há também estilo mais gregário e dúctil, aberto a influências conforme diferentes culturas e veículo de novas expressões – únicas, a cada artista que o cultiva. Para além disso, o Jazz é dificílimo de se conceituar. Existem intérpretes que mal usam o material do blues, elemento considerado fundamental no gênero, embora seu espírito esteja presente. Defender que a preeminência da improvisação define o Jazz é plausível, todavia, a peça Fontainebleau, de Tadd Dameron, é escrita com o rigor de uma fuga barroca, sem espaços para improviso, e é Jazz. Mais inúmeros arranjos de orquestras e big-bands estruturadíssimos, apesar dos momentos de solo. O elemento do swing pode ser apontado como fator determinante para definir o que seria Jazz, porém que swing? New Orleans Style, Be-bop, Hard Bop, Jazz Manouche, Fusion… Louis Armstrong, Django Reinhardt, Basie, Ellington, Moacir Santos, Hermeto Pascoal… Impossível capturar uma definição precisa. Convenhamos, nada menos aplicável a uma arte do que um dogma. Assim sendo, melhor seguir o conselho do meu tio Wilde e aproveitar a rosa, ao invés de ficarmos analisando suas raízes num microscópio.

O mais puro exercício de democracia em música acontece numa Jam Session, onde cada um tem a sua vez na construção musical. Mesmo que parte da chamada cozinha, bass e drums, não se pronunciem em solo em todas as faixas, haverá sempre seus momentos, o que os ressalta de forma especialíssima. Não há ostracismo na Jam Session. Os longos movimentos em Tacet, onde o pobre tocador de pratos numa certa sinfonia de Tschaikovsky fica de castigo até o último momento. O chorus (o bloco harmônico a ser utilizado ao longo de certo número de compassos) é dividido em número pré estabelecido entre os solistas, e a ordem de atuação deve ser respeitada. Cada nota é um voto pela construção da obra total e, grande lição, pelo bem comum. Não há partidos numa Jam Session. E o único roubo se dá quando um solista aproveita e desenvolve uma ideia tocada pelo outro ao final do seu solo. Na verdade, uma reciclagem motívica.

Esta postagem traz dois tesouros da Pablo Records, que tantas maravilhas jazzísticas nos legou, envoltas em suas características e belas capas em preto e branco: Basie Jam 2 e 3 de 1976. Escolhi estes e não o Basie Jam 1, de 1973 (que poderá vir futuramente) porque ambos, 2 e 3, trazem o mesmíssimo grupo em ação e foram gravados em sequência. Temos aqui um brilhantíssimo exemplo da democracia musical supracitada, nas mãos de verdadeiros tótens do Jazz, liderados por Sua Majestade (sem qualquer apologia monárquica) Count Basie. Certa vez lhe indagaram como desenvolveu o seu lacônico estilo ao piano. Sutis tilintares no mar sereno da condução rítmica e harmônica, monossilábicas blue-notes que dizem tudo o que precisamos saber – ou sentir. Ele respondeu que tocando nas noites se via obrigado a revezar a sua mão direita entre o piano, o copo de whisky, o charuto e as mãos dos que vinham cumprimentá-lo. Ora, o que para outros gêneros musicais poderia ser uma limitação, no Jazz transmuta-se em estilo. Orbitando o piano de Basie, um gigante do trompete, o queridíssimo Clark Terry. Um daqueles artistas reconhecíveis com apenas duas notas. Dono de uma habilidade e verve que marcaram a história do gênero. Aqui deflagrando estonteantes solos repletos de feeling. Ao seu lado, no sax tenor, Eddie “Lockjaw” Davis, também chamado “Jaws” (nada a ver com o cara dos filmes de 007), devorando os solos como se come pelas beiradas um delicioso pastel quente. No trombone, Al Grey, egresso das melhores big bands, especialmente de Count Basie, onde se notabilizou pelo som vibrante, pelo contagiante swing dos seus solos e pelo uso da surdina plunger (desentupidor de pia), com a qual tecia verdadeiros e quase vocálicos comentários no efeito ‘wa-wa’. Integrando essa constelação, o grande Benny Carter no sax alto. Um dos músicos mais representativos do Jazz, como multi-instrumentista, compositor e arranjador, além de uma personalidade ímpar e admirável. Junto com Johnny Hodges foi pioneiro no seu instrumento (embora deva ser lembrado Frank Trumbauer, colega de copo e de orquestra do genial Bix Beiderbecke, que tocava algo similar, um chamado Sax Melody). Carter foi um dos mais destacados, prolíficos e queridos músicos do Jazz. Por trás desta quadra de ases, à guitarra, Joseph Anthony Jacobi Passalaqua, mais conhecido como o fenomenal Joe Pass. Outro dos mais relevantes e atuantes criadores daquele idioma musical, especialmente no seu instrumento, do qual é, inegavelmente e junto a Django Reinhardt, Charles Christian e Wes Montgomery, um dos maiores e influentes nomes – um daqueles nomes dos quais duas ou três postagens ainda seria pouco para se falar. No Double Bass, John Heard, baixista, mas também artista plástico. Pintor e escultor. Músico de extensa atuação junto a demarcados artistas e que aqui se ressalta especialmente pela virtude que se espera de um grande contrabaixista: uma base fidelíssima e cheia de swing, que a certa altura percebemos ser fundamental; sem a qual nada poderia acontecer na linha de frente. Finalmente, no trono da bateria, um dos brilhantes nomes desse instrumento junto a Chick Webb e Gene Krupa, o ítalo-americano Luigi Paulino Alfredo Francesco Antonio Balassoni: Louis Bellson, com sua ‘discretíssima’ e famosa peruca. Drumer, bandleader, compositor e arranjador, educador musical (ufa!); ah, e pioneiro no uso de dois Bass Drums, os tambores maiores da bateria. Como podemos ver, amigos, num time desses só falta o Rei Pelé – que Deus o tenha!

Dedico esta postagem ao amigo José Maria Avallone (em memória), clarinetista e artista plástico, um dos maiores amantes e conhecedores do Jazz que conheci.

BASIE JAM 2
1 Mama don’t Wear No Drawers (Basie, Carter, Terry)
2 Doggin’ Around (Battel, Evans)
3 Kansas City Line (Basie)
4 jump (Basie, Carter, Tery, J.J. Johnson)

BASIE JAM 3
1 Bye Bye Blues (Bennet, Gray, Lows)
2 Moten Swing (Bennie Moten)
3 I Surrender Dear (Berris, Clifford)
4 Song of the Islands (Charles King)

BASIE JAM 2
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BASIE JAM 3
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Nada mais democrático que o Jazz.

WellBach

.: interlúdio :. Jean-Philippe Scali: Evidence

.: interlúdio :. Jean-Philippe Scali: Evidence

IM-PER-DÍ-VEL !!!

O que você quer de um grande disco de jazz? Uma boa banda? Tem. Arranjos espetaculares e surpreendentes? Tem. Um monte de gente ouvindo um ao outro e criando belos contrapontos? Tem. Mingus revisitado? Tem. Um Monk cheio de novidades? Tem. Ainda pouco conhecido, Jean Philippe Scali oferece-nos aqui um lindíssimo álbum. O saxofonista faz-se acompanhar por excelentes músicos, majoritariamente do sul de França. Este é o primeiro álbum dele. É de 2012. Ouvi uma vez e tive que repetir e repetir. A cada vez, ouço novos sons, antes ocultos, óbvio. Um álbum muito bonito e divertido!

.: interlúdio :. Jean-Philippe Scali: Evidence

01. Brother James – 5:48
02. Autoportrait d’Un Chat Sauvage – 10:32
03. Fables Of Faubus – 9:19
04. Eternel Present – 5:37
05. Five Minutes’ Walk – 4:33
06. Come Sunday – 3:46
07. Evidence – 9:04
08. When The Saints Go Marching In… Suite (Part 1) – 4:53
09. When The Saints Go Marching In… Suite (Part 2) – 4:42
10. Hope – 4:54
11. Dragui’s Mood – 6:01

Personnel:

Jean-Philippe Scali, saxophone & compositions
Julien Alour, trumpet & flugelhorn
Jerry Edwards, trombone
Adrien Chicot, piano & Fender Rhodes
Simon Tailleu, bass
Manu Franchi, drums
Stephan Carracci, vibraphone
Bastien Ballaz, trombone
François Théberge, tenor saxophone
Thomas Savy, bass clarinet

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Informação: músico trabalha duro, Scali é o da direita.

PQP

.: interlúdio :. Ellington – Strayhorn – Tchaikovsky – The Nutcracker Suites

Tentar atender um chavão como postar “O Quebra-Nozes” no Natal ao mesmo tempo que se o subverte marotamente é puro sumo deste blogue, pelo que resolvi trazer-lhes hoje estas gravações. Se certamente há na discografia de “Duke” álbuns mais brilhantes, também há muita beleza e humor nessas transmutações do balé de Tchaikovsky que fizeram tanto e tão tremendo sucesso em sua época quanto foram rapidamente esquecidas entre os jorros da cornucópia criativa de Ellington. Digno de nota é o destaque então inédito dado a seu braço direito: o incansável Billy Strayhorn, compositor de “Take the ‘A’ Train” e de “Chelsea Bridge”, excelente pianista e, sobretudo, arranjador responsável por muito do que de imediatamente reconhecível há no som de “Duke” e sua orquestra. Seu sobrenome aparece, merecidamente, entre os de “Duke” e Pyotr na capa do LP original, da mesma forma que seu nome ganha as mesmas maiúsculas que o dos colegas mais velhos na capa do álbum que lhes apresentamos na sequência, aquele que interrompeu inacreditáveis cinquenta anos até que tivessem a ideia de lançar o “Quebra-Nozes” de Tchai ao lado de sua suingueira recriação pelos talentos do Novo Mundo.


THE NUTCRACKER SUITE (1960)
Ellington – Strayhorn – Tchaikovsky

Música de Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893)
Arranjos de Duke Ellington e Billy Strayhorn

1 – Overture
2 – Toot Toot Tootie Toot (Dance of the Reed-Pipes)
3 – Peanut Brittle Brigade (March)
4 – Sugar Rum Cherry (Dance of the Sugar-Plum Fairy)
5 – Entr’acte
6 – Volga Vouty (Russian Dance)
7 – Chinoiserie (Chinese Dance)
8 – Danse of the Floreadores (Waltz of the Flowers)
9 – Arabesque Cookie (Arabian Dance)

Duke Ellington, piano
Willie Cook, Fats Ford, Ray Nance e Clark Terry, trompetes
Lawrence Brown, Booty Wood e Britt Woodman, trombones
Juan Tizol, trombone valvulado
Jimmy Hamilton, clarinete e sax tenor
Johnny Hodges, sax contralto
Russell Procope, sax contralto e clarinet
Paul Gonsalves, sax tenor
Harry Carney, sax barítono, clarinete e clarone
Aaron Bell, contrabaixo
Sam Woodyard, bateria

Gravado em 26 e 31 de maio e 3, 21 e 22 de junho de 1960 nos estúdios Radio Recorders, Los Angeles, Estados Unidos.

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NUTCRACKER SUITES (2013)
Harmonie Ensemble New York

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Suíte do balé Shchelkuntchik (“O Quebra-Nozes”), Op. 71a
1 – Abertura
2 – Marcha
3 – Dança da Fada Açucarada
4 – Trépak (Dança Russa)
5 – Dança Árabe
6 – Dança Chinesa
7 – Dança das Flautas de Bambu
8 – Valsa das Flores

The Nutcracker Suite
Arranjo de Billy Strayhorn e Duke Ellington para a Suíte do balé “Quebra-Nozes” de Tchaikovsky
9 – Overture 3:19
10 – Toot Toot Tootie Toot (Dance of the Reed Pipes)
11 – Peanut Brittle Brigade (March)
12 – Sugar Rum Cherry (Dance Of The Sugar Plum Fairy)
13 – Entr’acte 1:56
14 – The Volga Vouty (Russian Dance)
15 – Chinoiserie (Chinese Dance)
16 – Dance of the Floreadores (Waltz of the Flowers)
17 – Arabesque Cookie (Arabian Dance)

George Cables, piano
Lew Soloff, Robert Millikan e Steve Bernstein, trompetes
Art Baron, Curtis Fowlkes e Wayne Goodman, trombones
Scott Robinson, clarinete, sax contralto e flauta de bambu
Mark Gross, sax contralto
Bill Easley, clarinete e sax tenor
Bobby Lavell e Lew Tabackin, sax tenor
Ron Janelli, sax barítono e clarone
Hassan Shakur, contrabaixo
Victor Lewis, bateria

Harmonie Ensemble New York
Steven Richman, regência

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Por Thomate (http://thomate.blogspot.com/)

 

.: interlúdio :. John Zorn – A Dreamers Christmas

.: interlúdio :. John Zorn – A Dreamers Christmas

Não, não é preciso tirar as crianças da sala. Tio Zorn fez um disco de natal, sim, mas que é verdadeiramente cândido como um… disco de natal. Não, nada de torrentes agressivas de saxofone; na verdade nem há um saxofone nesse álbum. Mas, estranhamente, há uma guitarra havaiana, que reforça o clima de algumas canções: algo lounge, lembrando um tantinho o Beach Boys Christmas Album. Uma faixa puxa para o blues, e outras ainda são verdadeiramente peças de jazz onde se pode facilmente ignorar a temática. Apesar da mistura de estilos, o talento de Zorn se destaca exatamente na composição da banda e na sofisticação dos arranjos, que dão a uniformidade necessária. E ele ainda se sai (bem) com duas composições em meio aos standards: “Santa’s Workshop” and “Magical Sleigh Ride”.

O resultado é francamente agradável, e pra mim, uma surpresa; que quer o Zorn, judeu de quatro costados, Radical Jewish Culture series etc, tocando música de natal? Pesquisei, e deu o óbvio: lembranças de infância. A família dele celebrava o natal e esse disco é uma homenagem àqueles tempos, e uma tentativa de renovar as opções do catálogo disponível. Óbvio, justo, e possivelmente o melhor disco de natal já feito, junto com aquele do Charlie Brown.

John Zorn – A Dreamers Christmas /2011 [320]
John Zorn, producer, arranger;
Cyro Baptista, percussion;
Joey Baron, drums;
Trevor Dunn, bass;
Mike Patton, vocal;
Marc Ribot, guitars;
Jamie Saft, keyboards;
Kenny Wollesen, vibes, chimes, glockenspiel

download – 109MB

01 Winter Wonderland
02 Snowfall
03 Christmas Time is Here
04 Santa’s Workshop
05 Have Yourself a Merry Little Christmas
06 Let it Snow! Let it Snow! Let it Snow!
07 Santa Claus is Coming to Town
08 Magical Sleigh Ride
09 The Christmas Song

Feliz 2023!

Blue Dog

.: interlúdio :. John Zorn: The Gnostic Preludes

.: interlúdio :. John Zorn: The Gnostic Preludes

O compositor John Zorn é um homem de muitos projetos, gêneros e estilos. Quando perguntado sobre estilos, ele respondeu: “Não tenho medo de estilos, gosto de todos.” Sua música é um cruzamento único — seja jazz de vanguarda, clássico, música de desenho animado, improvisação livre, etc. –, ele mergulha continuamente em territórios musicais diferentes. Sendo um explorador intrépido e uma esponja musical, seus interesses são tão vastos e em constante mudança que é inútil colocá-lo em qualquer coisa, exceto em uma categoria para si mesmo. Parece que a exploração é a motivação e o principal motor que conduz Zorn. Aqui, com Bill Frisell, Carol Emanuel e Kenny Wollesen, prepare-se para algumas das músicas mais bonitas que Zorn já fez. Ele se volta para a delicadeza da música de câmara com um conjunto íntimo de harpa, vibrafone e violão inspirado na Música Antiga, em Debussy, no minimalismo de Reich e nas tradições espirituais esotéricas de todo o mundo. A música é lírica e hipnótica, perfeita para meditação matinal, para uma tarde solitária ou contemplação à meia-noite. Interpretado com grande emoção por colaboradores de longa data de Zorn, eles interagem com sensibilidade e graça. Os Gnostic Preludes são uma das criações mais delicadas e sutis de Zorn.

John Zorn: The Gnostic Preludes

1 Prelude 1: The Middle Pillar 6:39
2 Prelude 2: The Book Of Pleasure 6:06
3 Prelude 3: Prelude Of Light 5:56
4 Prelude 4: Diatesseron 4:35
5 Prelude 5: Music Of The Spheres 8:14
6 Prelude 6: Circumambulation 6:34
7 Prelude 7: Sign And Sigil 6:22
8 Prelude 8: The Invisibles 3:35

Composed By, Arranged By – John Zorn
Ensemble – The Gnostic Trio
Guitar – Bill Frisell
Harp – Carol Emanuel
Vibraphone, Bells – Kenny Wollesen

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John Zorn explorando a discoteca multiestilo da PQP Bach Corp.

PQP

.: interlúdio :. Keith Jarrett: Selected Recordings

.: interlúdio :. Keith Jarrett: Selected Recordings

As tais “gravações selecionadas” são todas boas, mas não têm quase nada a ver umas com as outras. Este álbum duplo é formado por diversos grupinhos de gravações afins, porém, quando mudamos de grupo, o clima muda de tal forma que tomamos um susto. Não condeno o disco. Afinal, serve para que a gente tome contato com o ecletismo de Jarrett, mas a audição de enfiada é penosa. O CD começa com improvisações ao clavicórdio e finaliza com uma bela peça para órgão. De entremeio, temas para piano solo e para o quarteto escandinavo de KJ. Aprovado com restrições.

Keith Jarrett: Selected Recordings

1. Book Of Ways – 18 7:21
2. Book Of Ways – 12 4:07
3. Book Of Ways – 14 7:10
4. Bregenz, May 28, 1981 – Heartland 4:55
5. Spirits 16 2:10
6. Spirits 20 5:13
7. Spirits 2 1:37
8. Spirits 13 5:09
9. Spirits 25 2:18
10. Spheres – 7th Movement 8:17
11. The Windup 8:22
12. ‘Long As You Know You’re Living Yours 6:10
13. My Song 6:09
14. The Journey Home 10:32

1. Recitative 11:15
2. Americana 7:05
3. First (Solo Voice) 5:22
4. Fifth (Recognition) 5:04
5. Munich, June 2, 1981 – Part IV 11:06
6. Late Night Willie 8:45
7. The Cure 10:30
8. Bop-Be 6:16
9. No Lonely Nights 5:34
10. Hymn of Remembrance 4:03

Keith Jarrett, piano, clavicórdio, órgão, sopros
Mais seu quarteto escandinavo

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Jarrett em disco de produtor
Jarrett em disco de produtor

PQP

.: interlúdio :. Keith Jarrett: Bordeaux Concert (Live)

.: interlúdio :. Keith Jarrett: Bordeaux Concert (Live)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Em 1975, a verdadeira odisseia musical chamada The Köln Concert tornou-se o mais improvável produto de vendas multimilionárias. No Köln, Keith Jarrett revelou como uma relação privada, não planejada, desplugada e não comercial — entre apenas ele e um piano tradicional — poderia hipnotizar ouvintes em todo o mundo. Jarrett também tocou bastante música clássica e em grupos de jazz com grandes estrelas. Gravou dezenas de discos com mil artistas diferentes. Mas seguiu valorizando corajosamente sua arte sem esconderijos da improvisação em piano solo, como testemunhado por álbuns ao vivo, incluindo o Carnegie Hall Concert de 2006, o Rio de 2011 e, claro, aquela obra de 1975. Em 2018, dois golpes sucessivos interromperam essa alquimia espontânea — assim como as outras –, o que torna esta performance a final solo de Jarrett. Ela foi gravada em julho de 2016. Depois, Jarrett sofreu dois grandes AVCs em fevereiro e maio de 2018. Após o segundo, ficou paralisado e passou quase dois anos em uma clínica de reabilitação. Embora ele tenha recuperado a capacidade limitada de andar com bengala e possa tocar piano com a mão direita, permanece parcialmente paralisado do lado esquerdo e não deve se apresentar novamente. “Não sei como deve ser meu futuro. Não me sinto agora como um pianista”, disse Jarrett ao The New York Times em outubro de 2020. Neste disco, tudo começa com longos fragmentos de improvisação livre, cheio de agudos brilhantes e acordes melancólicos, enquanto Jarrett sente o instrumento e a sala. Quando um gospel de balanço lento surge na Parte III, seus assobios e ganidos irrompem, e quando os loops minimalistas frenéticos da Parte V param, o público entra em erupção. No final, tudo, desde as baladas improvisadas mais suaves até os blues mais exuberantemente pesados, é sensacional. E é notável a variação entre as partes. O público viu surgir uma música única que morava apenas na cabeça de Jarrett, naquele espaço, naquela tarde. Uma pena esses AVCs de merda.

.: interlúdio :. Keith Jarrett: Bordeaux Concert (Live)

1. Keith Jarrett – Part I (Live)
2. Keith Jarrett – Part II (Live)
3. Keith Jarrett – Part III (Live)
4. Keith Jarrett – Part IV (Live)
5. Keith Jarrett – Part V (Live)
6. Keith Jarrett – Part VI (Live)
7. Keith Jarrett – Part VII (Live)
8. Keith Jarrett – Part VIII (Live)
9. Keith Jarrett – Part IX (Live)
10. Keith Jarrett – Part X (Live)
11. Keith Jarrett – Part XI (Live)
12. Keith Jarrett – Part XII (Live)
13. Keith Jarrett – Part XIII (Live)

Keith Jarrett, piano

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O gênio extirpando música de sua cabeça. O jazz é algo livre, que morre se vê um Ustra ser elogiado por uma besta repugnante

PQP

.: interlúdio :. Discografia completa de Alice Coltrane (1937-2007) com Pharoah Sanders (1940-2022)

O saxofonista Pharoah Sanders caminhou para uma outra dimensão ontem, na Califórnia, aos 81 anos, cercado de amigos e familiares. Além uma longa carreira solo dedicada ao jazz, ele também colaborou com muita gente, desde o último grupo de John Coltrane (de 1965 a 67) até um álbum que muitos consideraram o melhor de música instrumental de 2021, com a London Symphony Orchestra e o DJ/instrumentista/compositor Floating Points, álbum que você encontra no link abaixo ou no Spotify, Tidal e similares.

Nosso foco aqui hoje, porém, se volta para uma grande, imensa dupla de instrumentistas, aquela formada por Alice Coltrane e Pharoah Sanders, dois seres humanos que parecem ter canalizado as mesmas energias musicais enraizadas em referências pan-africanas pinçadas com muito ecletismo – com espaço para antigo Egito, yoga, hinduismo… – e sobretudo preocupadas com um tipo de expressão musical que desafia os rótulos, talvez porque o tipo de união mística que eles buscavam vai além das divisões nossas de cada dia… aliás, Expression (1967) é o nome do último álbum gravado por John Coltrane com seu último quinteto, que incluía Alice e Pharoah. Após o sucesso do álbum Karma (1969) com a longa e mística gravação The Creator has a master plan, o nome de Sanders aparece na capa do álbum Journey In Satchidananda que já postamos aqui:

https://pqpbach.ars.blog.br/2022/03/26/interludio-alice-coltrane-1937-2007-journey-in-satchidananda-1970/

Mas, mesmo sem o nome na capa, Pharoah tem uma participação importantíssima também em dois outros álbuns de estúdio de Alice Coltrane, além de uma gravação de rádio ao vivo no Carnegie Hall. Sua tendência a explorar o limite dos agudos do sax (tenor?) permite identificá-lo facilmente quando ele toca com outros saxofonistas como Joe Henderson e Archie Shepp. Na biografia de Sun Ra – pioneiro do afrofuturismo, corrente que aliás se aplicaria a Sanders se este fosse do tipo que se encaixa em qualquer rótulo – consta que foi aquele pianista que convenceu o jovem Farrell Sanders a usar o nome Pharoah. E mais não digo, porque o importante mesmo é ouvir essa música que vai muito além dos conceitos e definições. Deixo apenas as palavras de mais algumas pessoas que também foram profundamente impactadas pelo respirar tão especial de Pharoah Sanders:

“What I like about him is the strength of his playing, the conviction with which he plays. He has will and spirit, and those are the qualities I like most in a man.” – John Coltrane
(“O que eu gosto nele é a força, a convicção com que ele toca…” – John Coltrane)

“Pharoah Sanders, Whose Saxophone Was a Force of Nature, Dies at 81” – The New York Times

“Even at his most beatific, Pharoah Sanders brings a sense of holy destruction to his playing. The Creator has a master plan, but the journey isn’t always gentle.” – Jason P. Woodbury
(“Mesmo no seu momento mais espiritual, Pharoah Sanders traz um elemento de destruição sagrada quando toca. ‘The Creator has a master plan’, mas a jornada não é sempre tranquila.” – Jason P. Woodbury)

“Pharoah is more abstract, more transcendental.” – Alice Coltrane
(“Pharoah é mais abstrato, mais transcendental.” – Alice Coltrane)

“Em suas obras com Alice Coltrane e Phyllis Hyman, ele tocou com mulheres negras por décadas. Como um par e colaborador. Não são todos que veem as mãos de Alice Coltrane no desenvolvimento do free jazz, jazz cósmico/espiritual, fusion… ela era um par perfeito para os ouvidos de Pharoah e John. Eles ouviam Alice.” – Lynnée Denise (@lynneedenise)

Alice Coltrane – A Monastic Trio (1968, 1998 remaster)
1. Lord, Help Me to Be
2. The Sun
3. Ohnedaruth
4. Gospel Trane
5. I Want to See You
6. Lovely Sky Boat
7. Oceanic Beloved
8. Atomic Peace
9. Altruvista

Tracks 1-3: Ben Riley — drums, Jimmy Garrison — bass, Pharoah Sanders — tenor saxophone, bass clarinet, flute, Alice Coltrane — piano
Tracks 4-9: Rashied Ali — drums, Jimmy Garrison — bass, Alice Coltrane — piano, harp
Recorded at the Coltrane home studio, Dix Hills, New York, 1968

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Alice Coltrane – Ptah – The El Daoud (1970)
1. Ptah, the El Daoud
2. Turiya and Ramakrishna
3. Blue Nile
4. Mantra

Alice Coltrane — harp (track 3), piano
Pharoah Sanders — tenor sax (right channel), alto flute (track 3), bells
Joe Henderson — tenor sax (left channel), alto flute (track 3)
Ron Carter — bass
Ben Riley — drums
Recorded at the Coltrane home studio in Dix Hills, New York on 26 January 1970

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Pharoah Sanders e Joe Henderson

Alice Coltrane – Carnegie Hall ’71
1. Africa (28:35)

Live at the Carnegie Hall, New York, February 21, 1971
FM radio soundboard

Alice Coltrane – piano, harp
Pharoah Sanders – ts, ss, fl, perc, fife
Archie Shepp – ts, ss, perc
Jimmy Garrison – b
Cecil McBee – b
Clifford Jarvis – d
Ed Blackwell – d
Tulsi – tamboura
Kumar Kramer – harmonium

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Pharoah Sanders, Frankfurt, 2013

Pleyel

.: interlúdio :. Chick Corea: The Continents – Concerto for Jazz Quintet & Chamber Orchestra

.: interlúdio :. Chick Corea: The Continents – Concerto for Jazz Quintet & Chamber Orchestra

Fala Chick Corea: “Fazer música para uma combinação de músicos de orquestra e músicos de jazz tem infinitas possibilidades. A valorização das habilidades que cada um tem pelo outro cria uma atmosfera carregada de alto interesse, comunicação criativa e novas ideias. Este foi o cenário para a composição e gravação de The Continents para mim, um sonho tornado realidade. O processo de fazer a gravação foi mágico. O moral dos músicos e da equipe de gravação estava tão alto que terminamos de gravar os seis movimentos do concerto um dia e meio antes do previsto. Depois de se despedir dos músicos da orquestra, o Quinteto fez uma jam improvisada apenas por diversão. Claro, o gravador estava ligado. Eu então tive a noite seguinte para gravar alguns trechos de solo de piano que achei que se encaixariam nas seções de cadência do concerto. Depois de gravá-los, senti que ainda havia algo incompleto na gravação do The Continents. Então eu decidi tentar chegar ao que era improvisando no piano sozinho. Senti que o material básico estava de alguma forma faltando, algo estava faltando. Naquela última noite, enquanto esperava Bernie arrumar as coisas e ligar o gravador, toquei piano, começando minha exploração para encontrar o que estava faltando. Como você vai ouvir, depois de tocar várias pequenas peças, perguntei a Bernie se ele estava pronto para gravar, ao que Bernie respondeu que estava gravando o tempo todo, mas não queria me interromper. Então continuamos gravando a partir daí até que eu senti que tinha terminado. Depois de ouvir a jam do Quinteto e os solilóquios de piano, agora sinto que a gravação de The Continents está completa (pelo menos por enquanto). A música pode ter suas falhas técnicas, pois a perfeição nunca foi o objetivo, mas estou satisfeito que a música tenha sido feita no espírito e no prazer jazzístico, que foi a intenção inicial da composição depois de ser convidado a escrever um concerto para piano no espírito de Mozart. pelo Wiener Mozartjahr”.

Chick Corea: The Continents – Concerto for Jazz Quintet & Chamber Orchestra

1-1 Africa 8:22
1-2 Europe 20:28
1-3 Australia 6:26
1-4 America 12:32
1-5 Asia 11:09
1-6 Antarctica 12:45
2-1 Lotus Blossom 14:30
2-2 Blue Bossa 6:19
2-3 What’s This? 5:14
2-4 Just Friends 9:15
2-5 Solo Continum 31 1:05
2-6 Solo Continum 42 2:05
2-7 Solo Continum 53 1:15
2-8 Solo Continum 64 2:45
2-9 Solo Continum 75 7:24
2-10 Solo Continum 86 2:52
2-11 Solo Continum 97 1:27
2-12 Solo Continum 108 2:56
2-13 Solo Continum 119 3:10
2-14 Solo Continum 1310 3:46
2-15 Solo Continum 1411 3:29

Bass Guitar – Hans Glawischnig
Clarinet, Flute, Soprano Saxophone, Bass – Tim Garland
Concertmaster – Fred Sherry
Conductor – Steven Mercurio
Drums – Marcus Gilmore
Piano [Solo] – Chick Corea (faixas: 2-5 to 2-15)
Piano, Liner Notes, Producer, Executive-Producer – Chick Corea
Trombone – Steve Davis (7)
Written-By – Strayhorn* (faixas: 2-1), Chick Corea (faixas: 1-1 to 1-6, 2-3, 2-5 to 2-15), Klenner* (faixas: 2-4), Dorham* (faixas: 2-2)

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Um inteligente amante do jazz e da cultura jamais votará em Bolsonaro. Chico Correia está em nossa trincheira, mesmo que in memoriam!

PQP

.: interlúdio :. Tom Waits: Rain Dogs

.: interlúdio :. Tom Waits: Rain Dogs

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Em mim, poucos álbuns tiveram um impacto tão forte na primeira audição como Rain Dogs. Embora essa primeira audição tenha ocorrido há 30 anos, suas canções permanecem poderosas até hoje. Se você nunca ouviu este disco antes, sugiro fortemente que o faça, mesmo que seja apenas uma vez. É um álbum longo — 19 faixas num vinil — primitivo, exótico, inteligente, abrasivo, bonito e estranho. O disco é doce o suficiente para não desanimar todo mundo, mas Waits o manteve dissonante o suficiente para ser interessante também. Seus sons mais distintos são bastante incomuns: a voz rouca característica de Tom Waits, a guitarra de Marc Ribot, os metais distorcidos de alguns dos melhores instrumentistas do jazz do underground de Nova York, a percussão estranha e, talvez o mais bizarro, o toque frequente da marimba – um instrumento quase nunca ouvido na música popular… A variedade de Rain Dogs é inacreditável. O disco contém números de cabaré, músicas country, gospel, polcas, baladas e temas de jazz. Waits é teatral e carnavalesco, mas traz também damas de olhos tristes e uma garota com lágrima tatuada – “uma para cada ano que ele está longe, ela disse”. Waits pode ser extremamente engraçado – eu amo a formação hilária e grotesca de parentes seniores mesquinhos na Cemetery Polka – mas ele também pode controlar seus impulsos e escrever músicas dolorosamente bonitas, como Hang Down Your Head e a obra-prima que é Anywhere I Lay My Head.

Tom Waits: Rain Dogs

1 Singapore 2:46
2 Clap Hands 3:47
3 Cemetery Polka 1:51
4 Jockey Full Of Bourbon 2:45
5 Tango Till They’re Sore 2:49
6 Big Black Mariah 2:44
7 Diamonds & Gold 2:31
8 Hang Down Your Head 2:32
9 Time 3:55
10 Rain Dogs 2:56
11 Midtown (Instrumental) 1:00
12 9th & Hennepin 1:58
13 Gun Street Girl 4:37
14 Union Square 2:24
15 Blind Love 4:18
16 Walking Spanish 3:05
17 Downtown Train 3:53
18 Bride Of Rain Dog (Instrumental) 1:07
19 Anywhere I Lay My Head 2:48

Performer
Tom Waits – vocals (1–10, 12–17, 19), guitar (2, 4, 6, 8–10, 15–17), organ (3, 19), piano (5, 12), harmonium (8, 18), banjo (13)

Musicians
Michael Blair – percussion (1–4, 7, 8, 12, 13, 17), marimba (2, 7, 10, 12), drums (8, 14, 18), congas (4), bowed saw (12), parade drum (19)
Stephen Hodges – drums (1, 2, 4, 6, 10, 11, 15, 16), parade drum (3)
Larry Taylor – double bass (1, 3, 4, 6, 8–10, 15), bass (7, 11, 14, 16)
Marc Ribot – guitar (1–4, 7, 8, 10)
“Hollywood” Paul Litteral – trumpet (1, 11, 19)
Bobby Previte – percussion (2), marimba (2)
William Schimmel – accordion (3, 9, 10)
Bob Funk – trombone (1, 3, 5, 10, 11, 19)
Ralph Carney – baritone saxophone (4, 14), saxophone (11, 18), clarinet (12)
Greg Cohen – double bass (5, 12, 13)
Chris Spedding – guitar (1)
Tony Garnier – double bass (2)
Keith Richards – guitar (6, 14, 15), backing vocals (15)
Robert Musso – banjo (7)
Arno Hecht – tenor saxophone (11, 19)
Crispin Cioe – saxophone (11, 19)
Robert Quine – guitar (15, 17)
Ross Levinson – violin (15)
John Lurie – alto saxophone (16)
G.E. Smith – guitar (17)
Mickey Curry – drums (17)
Tony Levin – bass (17)
Robbie Kilgore – organ (17)

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Tom Waits quando jovem. Também já fui…

PQP

.: interlúdio :. Tom Waits: Swordfishtrombones

.: interlúdio :. Tom Waits: Swordfishtrombones

Em seu último registro para a Elektra, Heartattack and Vine, revelou um Tom Waits com um instinto especial para sons mais estranhos e sujos e uma atração por um material menos comercial, mas mesmo isso não foi suficiente para avisar o que estava por vir em Swordfishtrombones. Swordfishtrombones deu um passo drástico em uma direção totalmente nova, longe do blues mais tradicional e das baladas pop de seus álbuns dos anos 70. Este é o trabalho de um artista totalmente diferente. Waits saiu do music hall e entrou em um submundo surrealista. Ou pelo menos era o que parecia. Este era o som de um homem deixando para trás a segurança das expectativas para uma nova e estranha jornada. A partir da marimba de abertura e trompa de Underground, fica claro que o Tom Waits que cantou Ol’ 55 foi aposentado e substituído por um mais barulhento (e sensacional). Apareceu outro cantor e uma instrumentação excêntrica. Waits ressurgiu totalmente reformado como um artista muito mais estranho e interessante do que sua música até aquele momento poderia ter sugerido. Swordfishtrombones foi o primeiro disco a ter Tom Waits entrando em seu estranho mundo de personagens excêntricos e melodias distorcidas e também é um bom ponto de partida para aqueles que ainda não deram o passo para o espetacular segundo ato do cantor/compositor — trata-se de uma coleção brilhante, peculiar e colorida que abriu as portas para a imaginação bizarra de Waits.

Tom Waits: Swordfishtrombones

1 Underground 1:58
2 Shore Leave
Percussion [Metal Aunglongs] – Francis Thumm
4:12
3 Dave The Butcher 2:15
4 Johnsburg, Illinois 1:30
5 16 Shells From A Thirty-Ought-Six
Trombone – Joe Romano (4)
4:30
6 Town With No Cheer
Bagpipes – Anthony Clark Stewart
Synthesizer – Clark Spangler
4:22
7 In The Neighborhood
Trombone – Bill Reichenbach (2), Dick Hyde
3:04
8 Just Another Sucker On The Vine
Trumpet – Joe Romano (4)
1:42
9 Frank’s Wild Years
Organ [Hammond] – Ronnie Barron
1:50
10 Swordfishtrombone 3:00
11 Down, Down, Down
Guitar – Carlos Guitarlos
Organ – Eric Bikales
2:10
12 Soldier’s Things 3:15
13 Gin Soaked Boy 2:20
14 Trouble’s Braids 1:18
15 Rainbirds

Glass Harmonica – Francis Thumm, Richard Gibbs, Stephen Taylor Arvizu Hodges*
3:05
Arranged By – Francis Thumm (faixas: A1, A4, A7, B8)
Baritone Horn, Trombone – Randy Aldcroft (faixas: A1, A2, A7)
Bass – Greg Cohen (faixas: A4, B3, B5, B8), Larry Taylor (faixas: A1, A2, A5, A7, B2 to B4, B6, B7)
Drums – Stephen Taylor Arvizu Hodges* (faixas: A1, A2, A5, A7, B4, B6, B7)
Featuring – Victor Feldman (faixas: A1 to A3, A5, A7, B3, B4, B7)
Guitar – Fred Tackett (faixas: A1, A2, A5, B6)
Lacquer Cut By – JS*
Mixed By – Biff Dawes
Written-By, Producer, Arranged By – Tom Waits

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Tom Waits visitando a sede campestre da PQP Bach Corp. da cidade de Não me toque.

PQP

.: interlúdio :. Hank Jones & Charlie Haden: Come Sunday

.: interlúdio :. Hank Jones & Charlie Haden: Come Sunday

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Um CD maravilhoso! Hank Jones e Charlie Haden improvisando sobre spirituals. O que não consigo conceber é que conheço todos os temas. E nunca estive escondido num porão de nenhuma igreja do sul dos EUA. Gravado pouco antes da morte de Jones, em 2010, aos 91 anos, “Come Sunday” é uma sequência da gravação da dupla “Steal Away”, de 1995, que também explorou o spiritual. Embora Haden tenha explorado órbitas mais avant-garde com Ornette Coleman e sua própria Liberation Music Orchestra, tanto ele quanto Jones tratam essas melodias tradicionais com reverência, permitindo que as canções respirem com seu sentimento original enquanto são coloridas com uma elegância amorosamente inventiva que as leva a algum lugar novo. Há algo no tom do baixista Charlie Haden que soa cheio de história como os ecos de uma capela rural. Cada canção é exuberantemente reproduzida, muitos das quais são ligadas ao movimento dos direitos civis.

Hank Jones & Charlie Haden: Come Sunday

1 Take My Hand, Precious Lord
Written-By – Thomas A. Dorsey
4:28
2 God Rest Ye Merry, Gentlemen
Arranged By – Charlie Haden
Written-By – Traditional
2:32
3 Down By The Riverside
Arranged By – Charlie Haden, Hank Jones
Written-By – Traditional
3:00
4 Going Home
Arranged By – Charlie Haden, Hank Jones
Written-By – Traditional
4:14
5 Blessed Assurance
Written-By – Van Alstyne*, Fanny Crosby, Phoebe P. Knapp*
2:10
6 It Came Upon The Midnight Clear
Written-By – Edmund Hamilton Sears*, Richard Storrs Willis*
3:00
7 Bringing In The Sheaves
Written-By – George A. Minor, Knowles Shaw
2:56
8 Deep River
Arranged By – Charlie Haden
Written-By – Traditional
1:58
9 Give Me That Old Time Religion
Arranged By – Charlie Haden, Hank Jones
Written-By – Traditional
3:01
10 Sweet Hour Of Prayer
Written-By – William B. Bradbury, William W. Walford
2:31
11 The Old Rugged Cross
Written-By – Rev. Geo. Bennard*
3:58
12 Were You There When They Crucified My Lord
Arranged By – Charlie Haden, Hank Jones
Written-By – Traditional
3:11
13 Nearer My God To Thee
Written-By – Sarah Flower Adams
2:18
14 Come Sunday
Written-By – Duke Ellington
3:38

Bass, Producer – Charlie Haden
Piano – Hank Jones

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Estes dois senhores jamais votariam em Bolsonaro.

PQP

.: interlúdio :. Paolo Fresu & Omar Sosa (com Jaques Morelenbaum): Alma

.: interlúdio :. Paolo Fresu & Omar Sosa (com Jaques Morelenbaum): Alma

Tentar acompanhar os projetos musicais do pianista cubano Omar Sosa ou do trompetista italiano Paolo Fresu é algo quase atlético. Chamar qualquer um de prolífico é um eufemismo, mas, mais impressionante do que a quantidade de música que eles lançam é a qualidade de sua produção. Amo ambos. Ambos exploram uma fonte de criatividade que escapa à maioria dos artistas. Grande parte dos temas deste CD é bastante discreta, mas sempre de alto em conteúdo emocional. O uso de percussão e da eletrônica em alguns lugares — juntamente com a presença do violoncelista brasileiro Jaques Morelenbaum, dá ao projeto uma sensação de profundidade e variedade, mas essa união de duas almas musicais espiritualmente conectadas teria sido suficiente para fazer a mágica, se esta fosse simplesmente uma gravação nua de piano + trompete. Morelenbaum, Fresu e Sosa criam uma mistura celestial na pacífica faixa-título, que começa em um lugar sereno e chega a um espaço latino firme, enquanto equilibra humores sombrios e imponentes em “Crepuscolo”.

Paolo Fresu & Omar Sosa com Jaques Morelenbaum: Alma

1 S’Inguldu 5:35
2 Inverno Grigio 5:28
3 No Trance 3:36
4 Alma 5:49
5 Angustia 4:34
6 Crepuscolo 3:15
7 Moon On The Sky 5:59
8 Old D Blues 6:36

Medley
9 Niños 4:00
10 Nenia 5:23

11 Under African Skies 7:28
12 Rimanere Grande! 2:58

Cello – Jaques Morelenbaum
Composed By – Omar Sosa (faixas: 2 to 8, 9), Paolo Fresu (faixas: 1, 3, 9, 10, 12), Paul Simon (faixas: 11)
Piano [Acoustic], Sampler, Electric Piano [Fender Rhodes], Synthesizer [Microkorg], Percussion, Vocals, Effects [Multieffects], Producer – Omar Sosa
Trumpet, Flugelhorn, Percussion, Whistle, Effects [Multieffects], Producer – Paolo Fresu

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Omar Sosa e Paolo Fresu

PQP

.: interlúdio :. Bassekou Kouyaté: Segu Blue (ou: sutis sinais malineses da ancestralidade africana do jazz)

.: interlúdio :. Bassekou Kouyaté: Segu Blue (ou: sutis sinais malineses da ancestralidade africana do jazz)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Cada vez que penso no Máli não consigo deixar de lembrar que a primeira caracterização desse país que uma enciclopédia me ofereceu começava dizendo: “um dos países mais pobres do mundo” – afirmação seguida, naturalmente, de uma série de números que, pela mentalidade ocidental dominante, resumem tudo o que existe de relevante no real.

Por isso vocês hão de imaginar meu espanto quando mais tarde descobri que há não tantos séculos assim esse era o nome de um nos impérios mais extensos e poderosos do mundo. Ao ver fotos de crianças lindas e evidentemente bem nutridas às margens do Rio Níger. Ao saber da imensa diversidade étnica e cultural que a região contém, e que se mostra exuberantemente todos os anos no Festival sur le Niger, na cidade de Segu ou Ségou. Diante da espantosa arquitetura em adobe de Djenné ou de Mopti, e dos 600 mil manuscritos remanescentes da universidade medieval de Tombúktu – etc. etc. E, talvez mais que tudo, diante da sutil e refinada tradição de música instrumental que se expressa, por exemplo, em Toumani Diabaté, de que já fiz uma postagem aqui.

O som que trago hoje parecerá menos “clássico” – quem sabe já por envolver palavra cantada em vozes não impostadas -, e não estranharei se alguém disser que “parece tudo igual”. Caso isso aconteça, pedirei antes de mais nada que o ouvinte lembre de conceitos como “minimalismo” antes de descambar pra palavras como “primarismo”; e em segundo lugar que microscopize um pouco mais sua atenção e seus ouvidos, lembrando que, segundo dizem, não apenas o diabo mas também Deus mora nos detalhes (hora em que cabe invocar o desafio de não lembro qual compositor dos anos 60-70 que o Padre Penalva lançava sempre aos seus alunos: “quando estiver achando uma música monótona, desconfie de si mesmo”).

Bassekou Kouyaté já trabalhou com Toumani Diabaté mas não toca a espécie de harpa que é a kora, toca ngoni, instrumento de cordas com braço. Seu conjunto de ngonis, percussão e voz se chama Ngoni Ba, e conta com a participação vocal da sua mulher Ami Sacko. O CD, premiado como o melhor de “world music” em 2007 pela BBC3, tem “blue” no nome. Um disco de blues?

Não. Ou… quem sabe talvez. Ou talvez de certa forma sim… Querem saber? Ouçam! Mas sugiro que também “ouvejam” o primeiro dos vídeos abaixo: no calor da interpretação ao vivo diante da multidão, parece gritante um caráter de blues – e na quietude “cool” da gravação de estúdio onde é que ele foi parar? É a mesma música… Minha impressão é que o tal caráter não está ausente, mas como que “virado para dentro”; ou em estado latente, potencial.

Algum bluesman que tocou com Bassekou (não lembro qual, desculpem, li faz anos) saiu declarando que havia descoberto a região de origem do blues. Suspeito que seja exagero. Quando falo de “ancestralidade” no título não quero dizer que essa música do Máli seja avó do blues ou do jazz ou algo assim, e sim que têm ancestralidade em comum. Afinal, Bassekou Kouyaté vive hoje, nasceu quando Muddy Waters e Howlin’ Wolf já tinham mais de 50 anos (cada!), e as vias que unem a África ao resto do mundo não são de mão única. Bassekou é um cultor atual da música de raiz de sua terra, mas nesse cultivo não deixa de levar em conta o aroma dos frutos que a mesma árvore produziu quando transplantada a outros continentes. E muito mais que um avô, eu o veria como um primo dos jazzmen e bluesmen desse mundo.

Bom, essa a minha impressão – e agora é com vocês.

Bassekou Kouyate & Ngoni Ba: SEGU BLUE (2007)
01 Tabeli te
02 Bassekou
03 Jonkoloni
04 Juru nani
05 Mbowdi
06 The River Tune
07 Andra’s Song
08 Ngoni fola
09 Banani
10 Bala
11 Segu tonjon
12 Sinsani
13- Lament For Ali Farka
14- Segu Blue (Poyi)

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Ranulfus