O “Decálogo” – uma guirlanda de, bem, dez brilhantes filmes de 55 minutos, cada qual uma pequena obra-prima – constitui o opus magnum de Kieślowski. Produzido pela televisão polonesa e de distribuição modesta quando de seu lançamento, repercutiu enormemente mundo afora, em especial junto aos cineastas – até mesmo o mui recluso e extremamente crítico Stanley Kubrick teceu loas ao roteiro -, e abrindo caminho no exterior para a carreira do diretor. Apesar de algumas semelhanças, como o entrelaçamento de tramas e os personagens demiúrgicos recorrentes, Kieślowski – que iniciou a carreira como documentarista – não lança mão aqui do virtuosismo que exibiria em sua muito mais famosa Trilogia das Cores, iniciada cinco anos depois. A despeito do título, a alusão aos Dez Mandamentos é, para o dizer o mínimo, bastante oblíqua. Pouquíssimo há de bíblico ou religioso nessas histórias que se desenrolam num austero e feiíssimo conjunto habitacional em Varsóvia. O estilo é muito enxuto, a atmosfera é quase árida, e os longos silêncios e ênfase nos closeups exigem um protagonismo da música, que Zbigniew Preisner garante com uma trilha sonora extraordinária, que depois adaptaria para os dois longa-metragens feitos a partir de episódios da série: “Não Matarás” (Krótki film o zabijaniu) e “Não Amarás” (Krótki film o miłości), ambos de 1988. Digna de nota, também, é a primeira menção a Van den Budenmayer, compositor neerlandês fictício, criatura de Kieślowski e Preisner, a quem se atribuem temas e composições que apareceriam também em “A Dupla Vida de Véronique”, “Azul” e “Vermelho”.
DEKALOG – MUZYKA FILMOWA – ZBIGNIEW PREISNER
1 – Dekalog I Part 6
2 – Dekalog I Part 5
3 – Dekalog II Part 1
4 – Dekalog II Part 2
5 – Dekalog III Part 2
6 – Dekalog III Part 3
7 – Dekalog IV Part 1
8 – Dekalog IV Part 2
9 -Dekalog V Part 1
10 – Dekalog V Part 6
11 – Dekalog V Part 9
12 – Dekalog V Part 12
13 – Dekalog VI Part 1
14 – Dekalog VI Part 2
15 – Dekalog VI Part 3
16 – Dekalog VI Part 4
17 – Dekalog VII Part 6
18 – Dekalog VII Part 8
19 – Dekalog VIII Part 1
20 – Dekalog VIII Part 4
21 – Dekalog VIII Part 7
22 – Dekalog IX Part 3
23 – Dekalog IX Part 7
24 – Dekalog IX Part 12
25 – Dekalog IX Part 13
Grande Orquestra Sinfônica da Rádio e Televisão Polonesa em Katowice Zdzisław Szostak, regência
Tão logo terminaram os créditos finais de “Azul”, e enquanto ainda ecoava em meus pouco impressionáveis ouvidos médios a sensacional música de Zbigniew Preisner, determinei a mim mesmo:
– Sai AGORA dessa sala, criança, e consegue essa trilha.
Como naquela época ainda não havia o PQP Bach, e tampouco sonhávamos com a internet para, entre um download e outro, brigarmos com pessoas que sequer conhecemos, fui feito um Dodge na única loja em que eu tinha certeza de que encontraria a gravação. Lá atendia uma gentil, floral senhorinha, mui apropriadamente chamada Margarida, que me serviu café e bolachas e, entre renovados votos de que eu voltasse em breve para sangrar um pouco mais meus já anêmicos bolsos de estudante, entregou-me o CD em troca do que me seriam alguns almoços no bandejão.
Toquei de volta para casa, louco para encontrar meu “toca-discos-laser” – pois assim chamávamos as engenhocas -, enquanto planejava como inserir mais aqueles jejuns em meu minguado orçamento nutricional. Ouvi a trilha com o devido deleite; mais que isso, lambuzei-me com ela. Não só pela música, mas porque escutá-la com atenção me fez perceber detalhes que me escaparam do estupor que foi assistir a “Azul”. Dei-me conta, entre tantas outras coisas, de que o “Canto pela Reunificação da Europa”, a peça cuja composição é um dos fios condutores da trama, era baseado no texto grego da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, aquela extravagante apologia do Amor – e isso bem antes dele virar o batido tema da prédica dos sacerdotes em 9 em cada 10 casamentos. Constatei, também, que havia excertos da trilha sonora de “Vermelho”, que eu nem imaginava estar em produção, posto que nem sabia tratar-se duma trilogia (o que era uma senhora patetice minha, considerando com a considerável dica das “Três Cores” nos prenomes dos filmes) e, menos ainda, que as tramas, assim como as trilhas sonoras, se entrelaçavam.
Ao ouvir aquela vinheta do filme vindouro, um sinuoso bolero, flagrei-me novamente falando comigo mesmo:
– Véronique.
Sim, Véronique – que, esclareço, que não era propriamente Véronique, mas sim sua intérprete, a magnífica Irène Jacob, que me fizera prostrar em admiração, sialorreia e silêncio durante toda projeção de “A Dupla Vida de Véronique”, também de Kieślowski, alguns anos antes. Aquele bolero, repetia para mim mesmo, era a CARA dela.
Alguns meses depois, “Branco” chegou aos cinemas e, na saída, dei de cara com Irène/Véronique no pôster de “Vermelho”. Sim, eu acertara em cheio: aquele bolero era seu retrato sonoro, e Preisner, tsc, sabia mesmo das coisas. E não só isso: a seu lado no pôster, estava o mítico Jean-Louis Trintignant, o que, com a música de Preisner e sob a direção de Kieślowski, só me podia deixar a esperar o sublime. Alguns poucos e apreensivos meses depois, “Vermelho” veio e arrebentou todas minhas expectativas: este então jovem saco de tripas deixou a sala com a certeza de ter assistido a um dos melhores filmes que veria em toda sua vida.
Conto-lhes tudo isso para admitir que é difícil falar criticamente de algo que se adora tanto. Posso, num arremedo de crítica, admitir que falta aqui a opulência da trilha de “Azul” e a acidez da de “Branco”. O supracitado bolero, leitmotiv de Irène/Valentine e formoso como a protagonista, flerta de perto com o mundo do easy listening – e meu pai, fã do gênero, chegou-me mesmo a perguntar se quem tocava era Franck Pourcel. Talvez a música não se sustente sozinha como a das trilhas que a antecederam. Se ela, todavia, tão só instigar o leitor-ouvinte a conhecer a Trilogia das Cores, obra-prima e canto do cisne de Kieślowski, lamentavelmente falecido dois anos após o lançamento de “Vermelho” – bem, este meu bolero todo já terá valido a pena.
TROIS COULEURS: ROUGE
Trilha sonora original do filme
Música composta por Zbigniew Preisner
1 – Miłość od pierwszego wejrzenia
2 – Fashion Show I
3 – Meeting the Judge
4 – The Taped Conversation
5 – Leaving the Judge
6 – Psychoanalysis
7 – Today is my Birthday
8 – Do Not Take Another Man’s Wife I
9 -Treason
10 – Fashion Show II
11 – Conversation at the Theatre
12 – The Rest of the Conversation at the Theatre
13 – Do Not Take Another Man’s Wife II
14 – Catastrophe
15 – Finale
16 – L’ Amour Au Premier Regard
Silesian Philharmonic Choir Sinfonia Varsovia Wojciech Michniewski, regência
Nota: a trilha sonora abre com um recitativo baseado num poema da polonesa Wisława Szymborska, Prêmio Nobel de Literatura em 1996, interpretado no original pelo ator Zbigniew Zamachowski (protagonista de “Branco”), e encerra-se com uma versão francesa. A peça não é ouvida em momento algum no filme, e sua audição, dessa forma, parece-me uma sugestão de poslúdio ao convoluto amor que se desenrola na tela.
AMOR À PRIMEIRA VISTA Wisława Szymborska
Ambos estão certos de que uma paixão súbita os uniu.
É bela essa certeza, mas é ainda mais bela a incerteza.
Acham que por não terem se encontrado antes nunca havia se passado nada entre eles. Mas e as ruas, escadas, corredores nos quais há muito talvez se tenham cruzado?
Queria lhes perguntar, se não se lembram – numa porta giratória talvez algum dia face a face? um “desculpe” em meio à multidão? uma voz que diz “é engano” ao telefone? – mas conheço a resposta. Não, não se lembram.
Muito os espantaria saber que já faz tempo o acaso brincava com eles.
Ainda não de todo preparado para se transformar no seu destino juntava-os e os separava barrava-lhes o caminho e abafando o riso sumia de cena.
Houve marcas, sinais, que importa se ilegíveis. Quem sabe três anos atrás ou terça-feira passada uma certa folhinha voou de um ombro ao outro? Algo foi perdido e recolhido. Quem sabe se não foi uma bola nos arbustos da infância?
Houve maçanetas e campainhas onde a seu tempo um toque se sobrepunha ao outro. As malas lado a lado no bagageiro. Quem sabe numa noite o mesmo sonho que logo ao despertar se esvaneceu.
Porque afinal cada começo é só continuação e o livro dos eventos está sempre aberto no meio.
Inaugurar a Trilogia das Cores com um filme tão soberbo quanto “Azul” trouxe uma imensa expectativa sobre como seria em seu ato seguinte. Surpreendentemente, Krzysztof Kieślowski serviu ao público, ainda assoberbado pelo grande drama cerúleo, uma comédia que teve recepção morna, e não sem “nhés” de decepção.
Explicar-lhes por que adorei este filme sucinto e ácido, algo como um “Andantino semplice” inserido entre dois suntuosos movimentos sinfônicos, foge ao escopo deste blogue, mas não me furto a afirmar-lhes que trilha sonora que Zbigniew Preisner lhe compôs é tão essencial à trama quanto a do primeiro filme. Não cabe à música, aqui, o protagonismo que tivera em “Azul”, como força condutora a sublinhar os longos close-ups da personagem da divina Juliette Binoche e entrecortar-lhe os doídos silêncios. O que ouvimos, reiteradamente, é um tango – o gênero tragipatético por excelência – a acompanhar o protagonista em sua volta do exílio, seu reencontro humilhante com o rincão e suas tentativas de recomeço (e, enquanto escrevo isso, dou-me conta de que no tango, assim como em “Branco”, o homem conduz os passos, enquanto “Azul” e “Vermelho” são conduzidos por mulheres). Não haveria espaço, entre tanta neve e bruscos diálogos em polonês, para as grandes massas sonoras da trilha sonora anterior. Assim, Preisner limita-se a comentar cameristicamente, e com modos eslavos bem apropriados à desolação do inverno em Varsóvia, o tema comum a todos os filmes da trilogia: o trôpego caminhar de uma criatura rumo ao que pensa ser sua redenção.
TROIS COULEURS – BLANC
Trilha sonora original do filme
Música composta por Zbigniew Preisner
1 – The Beginning
2 – The Court
3 – Dominique tries to go home
4 – A Chat in the Underground
5 – Return to Poland
6 – Home at last
7 – On the Wisla
8 – First Job
9 – Don’t fall asleep
10 – After the first transaction
11 – Attempted Murder
12 – The Party on the Wisla
13 – Don Karol I
14 – Phone Call to Dominique
15 – Funeral Music
16 – Don Karol II
17 – Morning at the Hotel
18 – Dominque’s Arrest
19 – Don Karol III
20 – Dominique in Prison
21 – The End
Mariusz Pedzialek, oboé Jan Cielecki, clarinete Zbigniew Preisner Light Orchestra Zbigniew Paleta, violino e regência
Josef Mysliveček (1737-1781), natural de Praga, produziu música copiosamente durante sua carreira, boa parte da qual passou na Itália a compor óperas. Foi bastante amigo de Leopold e Wolfgang Mozart, que o menciona dezenas de vezes em sua correspondência. O jovem gênio foi provavelmente influenciado por Mysliveček, dado o número de arranjos e anotações de trechos de suas obras encontrados nos alfarrábios de Amadeus, juntamente com comentários preocupados (ou, talvez, invejosos) acerca do que chamava de “devassidão” do músico mais velho. Apesar de ter feito fortuna, o boêmio, ahn, “boêmio” morreu só e desfigurado, provavelmente pelos efeitos tardios da sífilis.
Quase todas as gravações da obra de Mysliveček incluem excertos de suas vinte e tantas óperas, a maioria delas em italiano, mas entre uma ejaculação e outra o sujeito conseguiu compor cerca de oitocentas obras. Há várias sinfonias, muito bem escritas, e os primeiros quintetos de cordas com duas violas da história. As sonatas para duo de violoncelos, que apresentamos aqui, são italianizadas, bastante agradáveis, ao menos para mim, dão uma boa ideia de como soariam obras do jovem Mozart para violoncelo, se o prodígio se tivesse importado, uma vez que fosse, em escrever qualquer obra solo para o instrumento.
MYSLIVEČEK – SEIS SONATAS PARA DOIS VIOLONCELOS E BAIXO
Josef MYSLIVEČEK (1737-1781)
Seis Sonatas para dois violoncelos e baixo contínuo
Sonata no. 1 em Lá maior
01 – Andante
02 – Allegro
03 – Presto
Sonata no. 2 em Ré maior
04 – Allegretto
05 – Andante
06 – Presto assai
Sonata no. 3 em Sol maior
07 – Allegro
08 – Andante
09 – Presto
Sonata no. 4 em Fá maior
10 – Allegretto
11 – Andante
12 – Allegro
Sonata no. 5 em Dó maior
13 – Andante
14 – Allegro
15 – Presto
Sonata no. 6 em Si maior
16 – Andante
17 – Allegro
18 – Tempo di menuetto
Jan Širc e Radomír Širc, violoncelos Václav Hoskovec, contrabaixo Robert Hugo, cravo
Tão logo iniciamos esta série sobre os instrumentos de cordas, já fomos questionados sobre quando a harpa faria sua aparição. Chegou, então, sua hora, com essas sonatas do boêmio Jan Křtitel Krumpholc – ou, como queiram, “Johann Baptist Krumpholz” em alemão, ou, ainda, “Jean-Baptiste Krumpholtz” no idioma da França, onde viveu e se afogou, jogando-se ao Sena após uma crise grave daquilo a que, lá no meu pago austral, damos o nome de “dor de guampa”.
Seja lá como o chamemos, Krumpholc/z/tz (a pronúncia é a mesma) foi um dos primeiros virtuoses da harpa a constituir carreira internacional com recitais solo, colaborou estreitamente com luthiers e fabricantes para aprimorar o instrumento, ampliou seu repertório e fundou, com seus tratados e intensa atividade como professor, as importantes escolas francesa e boêmia de harpistas.
Hana Müllerová é muito boa, e a gravação certamente satisfará os fanáticos por esse mais formoso entre os instrumentos. As Sonatas Op. 13 são agradáveis, embora nelas Herr Krump não pareça muito disposto a aventurar-se além de clichês batidíssimos do rococó – e o fato dessas sonatas terem sido compostas para “harpa OU pianoforte”, conforme o frontispício, tampouco ajuda. A coisa melhora bastante nas Sonatas Op. 14, que decididamente não podem ser executadas ao piano, pelos efeitos inerentes aos novos pedais da harpa, em cujo desenvolvimento o infeliz Krumpholc teve participação decisiva.
KRUMPHOLZ – SIX SONATES POUR LA HARPE OP. 13 & 14
Jan Křtitel KRUMPHOLC [Jean-Baptiste Krumpholtz] (1742-1790)
Quatro Sonatas para harpa, Op.13
No. 1 em Si bemol maior:
01 – Allegretto
02 – Romance
03 – Rondo. Allegretto.
No. 2 em Mi bemol maior:
04 – Allegro vivace
05 – Andante
06 – Rondo. Allegro
No. 3 em Dó maior
07 – Allegretto
08 – Andante
09 – Scherzo. Allegretto
No. 4 em Sol maior:
10 – Presto
11 – Andante
12 – Prestissimo
Duas Sonatas para harpa, Op. 14
No. 1 em Mi bemol maior:
13 – Largo – Allegro molto/attacca
14 – Poco adagio/attacca
15 – Allegro molto agitato/attacca
16 – Recitatif. Moderato. Allegro
No. 2 em Dó menor:
17 – Adagio avec expression
18 – Allegro molto
19 – Rondeau. Allegro
Continuamos nossa minissérie sobre a família das cordas abordando aqueles primos afastados, meio esquecidos, de quem quase nunca se ouve falar e dos quais, apesar de nos parecerem esquisitos, sempre tem quem goste.
A viola d’amore já tinha quase saído de voga quando Vivaldi escreveu estes concertos que hoje são o cerne de seu repertório. Suas seis a sete cordas tocadas com o arco, e outras tantas ressonando por simpatia sob elas, garantem-lhe um timbre rico e algo, digamos, anasalado, que foi gradualmente preterido em favor daquele mais brilhante do violino.
A violinista Rachel Barton Pine, uma apaixonada pela viola d’amore, esperou muito tempo para finalmente por suas mãos num desses instrumentos, como conta nessa entrevista (em inglês). Depois de muito estudo, e de breves experimentos com o repertório, que incluíram alguns bis de viola d’amore em recitais dedicados ao violino, ela resolveu estrear com a gravação que ora lhes apresento, lançada no mês passado. A discografia desses concertos de Vivaldi, que já contava com ótimas versões de Fabio Biondi e Catherine Mackintosh, enriqueceu sobremaneira com este CD, particularmente pelo adorável, elegante uso que Pine faz do rubato.
VIVALDI – THE COMPLETE VIOLA D’AMORE CONCERTOS RACHEL BARTON PINE – ARS ANTIQUA
Antonio Lucio VIVALDI (1678-1741)
Concerto em Ré maior para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 392
01 – Allegro
02 – Largo
03 – Allegro
Concerto em Ré menor para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 393
04 – Allegro
05 – Largo
06 – Allegro
Concerto em Fá maior para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 97
07 – Largo – Allegro
08 – Largo
09 – Allegro
Concerto em Ré menor para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 394
10 – Allegro
11 – Largo
12 – Allegro
Concerto em Ré menor para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 395 13 – Allegro
14 – Andante
15 – Allegro
Concerto em Lá maior para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 396
16 – Allegro
17 – Andante
18 – Allegro
Concerto em Lá menor para viola d’amore, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 397
19 – Vivace
20 – Largo
21 – Allegro
Concerto em Ré menor para viola d’amore, alaúde, orquestra de cordas e baixo-contínuo, RV 540* 22 – Allegro
23 – Largo
24 – Allegro
Rachel Barton Pine, viola d’amore
*Hopkinson Smith, alaúde
Ars Antiqua
Se fôssemos puristas, não poderíamos incluir esta gravação numa série de música antiga da Boêmia. Afinal, Pavel Vejvanovský era morávio da gema: nasceu no mesmo vilarejo de Hukvaldy onde, mais de dois séculos depois, Leoš Janáček encontraria a luz; passou boa parte da vida em Olomouc (para cujo príncipe-bispo trabalhou no auge da carreira) e morreu em (tente pronunciar isso sem deglutir a própria língua) Kroměříž – todos eles logradouros da Morávia. No entanto, se os próprios boêmios da Supraphon resolveram incluir Vejvanovský na série Musica Antiqua Bohemica, quem sou eu, com meu pobre nome sem diacríticos, para contestá-los?
Vejvanovský foi um trompetista virtuoso que sabia escrever brilhantemente para seu instrumento, sem saber lá dotar de muita espessura ou profundidade suas obras. A oportunidade de escutar solistas tão bons quanto Miroslav Kejmar e Zdeněk Šedivý – distintos ocupantes, cada um a seu tempo, do posto de primeiro trompete da Filarmônica Tcheca – garante uma experiência agradável, ainda mais após a overdose de cordas com que entupimos os martelos, as bigornas e os estribos de nossos leitores-ouvintes nas últimas semanas. Quem não for lá tão fã de metais quererá, provavelmente, passar esse naco em nosso rodízio.
PAVEL JOSEF VEJVANOVSKÝ – SONATAS
Pavel Josef VEJVANOVSKÝ (1633/39-1693)
01 – Serenada, MAB 49/27
02 – Sonata venatoria em Ré maior, MAB 36
03 – Sonata secunda a 6, MAB 47/7b
04 – Sonata vespertina a 8, MAB 47/1
05 – Sonata a 4, MAB 36
06 – Sonata a 5, MAB 49/27
07 – Serenada em Dó maior, MAB 36
Miroslav Kejmar e Zdeněk Šedivý, trompetes Orquestra de Câmara de Praga (ou, para quem gosta de diacríticos e encontros consonantais: Pražský komorní orchestr) Libor Pešek, regência
Senhoras e senhores: é com imensa satisfação, dir-se ia prazer quase libidinoso (quase) que iniciamos nosso ANO BEETHOVEN, no qual celebraremos o ducentésimo quinquagésimo aniversário de nosso preclaro Lud Van, a apresentar-lhes a OBRA COMPLETA DE BEETHOVEN PARA BANDOLIM – tão imensa, verão os senhores, que não ocupa sequer um terço de um CD.
É interessante matutar o que deve ter levado um renano de sangue belga radicado em Viena a escrever algo para um instrumento mediterrâneo como o bandolim – algum amador talentoso e/ou rico, talvez, ou mais provavelmente um rabo de saia por quem, para variar, nutria sentimentos inconfessos que lhe alargavam as úlceras e o catapultavam para as tabernas mais pulguentas da capital austríaca. Já as obras que completam o álbum, que incluem algumas das numerosas “Árias Nacionais” arranjadas por Beethoven para duos e trios no final de sua vida, essas tiveram a vil inspiração do ouro: pagavam contas como ninguém, quanto mais em tempos de Guerras Napoleônicas, nas quais os patronos do “Espanhol Louco” se viam em maus lençóis e tinham que escolher entre cortar da própria carne e racionar o caviar, ou suspender as remessas de dinheiro para o apartamento mais caótico de Viena.
Nada há aqui de muito importante, embora eu ache muito simpáticas as diminutas peças para bandolim e piano. Entendam esta postagem, por favor, como uma caixa de bombons – aquelas que têm cada vez menos guloseimas interessantes, e cada dia mais renegados como o Smash e o Milkybar – que lhes ofereço para que possa ter tempo de tomar um cafezinho.
A propósito: podem me passar o Sensação?
BEETHOVEN – RARITIES
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
01 – Adágio em Mi bemol maior para bandolim e piano, WoO 43/2
02 – Sonatina em Dó maior para bandolim e piano, WoO 44/1
03 – Sonatina em Dó menor, WoO 43/1
Andante e variações para bandolim e piano, WoO 44/2
04 – Andante
05 – Variazioni I-VI
Lájos Mayer, bandolim Imre Rohmann, piano
Seis Árias Nacionais com variações para violino e piano, Op. 105
06 – Ária escocesa – Andantino quasi allegretto
07 – Ária escocesa – Allegretto scherzoso
08 – Ária austríaca – Andantino
09 – Ária escocesa – Andante espressivo assai
10 – Ária escocesa – Allegretto spiritoso
11 – Ária escocesa – Allegretto più tosto vivace
12 – Seis Danças Alemãs para violino e piano, WoO 42
ORIGINALMENTE PUBLICADO EM 31/12/2015, LINK REVALIDADO EM 31/12/2019 COM OS MESMÍSSIMOS PLANOS DE FOLGA PARA O ANO VINDOURO
Já imagino a claque tomateira rugindo:
– Pô, Vassily: VALSAS DE STRAUSS?
– Daqui a pouco tu tá postando André Rieu!
– Tá achando que o PQP Bach é lugar pra pai de debutante achar valsinha de quinze anos?
– Que chavãozinho, hein, postar concertinho de ano novo no Ano Novo?
– Você já ouviu música de verdade, Sr. Vassily Genrikhovich???
Ao que replico:
– Mas peraí, gurizada: já viram QUEM ESTÁ REGENDO???
Respeito, senhores: trata-se de Carlos Kleiber, figura enigmática e polêmica, mas – e isso ninguém discute – um dos maiores regentes do século XX. Crescentemente avesso a apresentações e gravações (o que, pressupomos, é bastante inconveniente para um regente), já estava bastante afastado dos palcos quando retornou (porque ele já o tinha feito em 1989) à Grande Sala do Musikverein (Associação de Música) de Viena para conduzir a Filarmônica daquela cidade no tradicional Concerto de Ano Novo de 1992. O ensaio meticuloso e o tremendo comando de Carlos sobre a orquestra garantem que estas peças bastante batidas, mas muito atraentes, soem como se as ouvíssemos pela primeira vez na vida – uma das características do “Estilo Kleiber”.
Sobre o final do ano, sou realmente meio cabreiro acerca das grandes mudanças que todos esperam para os trezentos e sessenta e poucos próximos dias do calendário. Não deixo aqui meus votos, portanto, mas antecipo uma resolução (mais que isso: uma autoimposição!) de Ano Novo: terei que reduzir a frequência de minhas postagens e resenhá-las, se tanto, mais sucintamente. Não que não tenha apreciado demais a oportunidade de postar quase diariamente desde meu ingresso na ademais fabulosa equipe do PQP Bach e de interagir com os poucos de vocês que se dispuseram, além de acessar o que lhes disponibilizo, a deixar-me um “joinha”, um resmungo ou algum pedido. Se desfrutaram de meus esforços um naquinho que seja do que eu desfrutei ao empenhá-los, imagino então que se divertiram.
1992 NEW YEAR’S CONCERT of the 150th Jubilee Year of the WIENER PHILARMONIKER – CARLOS KLEIBER
Carl Otto Ehrenfried NICOLAI (1810-1849)
01 – Die Lustigen Weiber Von Windsor: Abertura
Johann STRAUSS II (1825-1899)
02 – Stadt und Land, Polka Mazur, Op. 322
Josef STRAUSS (1827-1870)
03 – Dorfschwalben aus Österreich, Valsa Op. 164
Johann STRAUSS II
04 – Vergnügungzug, Polca Rápida Op. 281
05 – Der Zigeunerbaron: Abertura
06 – Tausend und Eine Nacht, Valsa Op. 346
07 – Neue Pizzicato-Polka, Op. 449
08 – Persischer Marsch, Op. 289
09 – Tritsch-Tratsch-Polka, Op. 214
Josef STRAUSS
10 – Sphärenklänge, Valsa Op. 235
Johann STRAUSS II
11 – Unter Donner und Blitz, Polca Rápida Op. 324
12 – An der Schöner Blauen Donau, Valsa Op. 314
Johann Baptist STRAUSS (1804-1849)
13 – Radetzky-Marsch, Op. 228
Gostei dessa estratégia de postagens em série, pois ajuda este colecionador compulsivo a orientar-se em meio à sua Babilônia de gravações e deixa alguns de vocês (calculo que uns três ou quatro) na expectativa sobre o que mais virá.
Ao longo dessa semana, postaremos obras de compositores tchecos, alguns muito pouco conhecidos. Aliás, antes que perguntem: “tcheco” deriva de “Čech”, que quer dizer “boêmio” – o natural da Boêmia, uma das três regiões históricas que formam a atual República Tcheca, correspondendo aproximadamente às terras do antigo Reino da Boêmia que, desde sempre, foi centrado em Praga (as outras regiões são a Morávia, centrada em Brno, e a parte tcheca da Silésia, centrada em Ostrava).
Um dos incontáveis prazeres de se viver em Praga (o que fiz por sete meses, em tempos imemoriais) é desfrutar da grande música feita por excelentes músicos, e na maioria das vezes em joias arquitetônicas de extraordinária acústica. De quebra, ainda se encontram gravações baratíssimas (menos que um lanche lá naquele palácio da gordura trans e dos arcos dourados), em CD e vinil, do ótimo selo Supraphon, cujo catálogo parece um poço sem fundo donde não para de se encontrar coisa boa.
Uma das séries do Supraphon, “Musica Antiqua Bohemica” (da qual já postamos, na semana passada, a gravação com as sonatas para harpa solo de Krumpholz), aborda justamente tesouros pouco tocados, ou recém redescobertos, da música daquela região. É impressionante a quantidade de bons compositores cujas obras volumosas jazem nas bibliotecas da Boêmia. Os músicos daquela época não se enxergavam como gênios que compunham para eras vindouras, mas sim como artífices que trabalhavam para cumprirem seus deveres laborais. Dessa feita, eles compunham obras para alguma ocasião ou intérprete e, uma vez executadas, elas perdiam sua razão de ser e acabavam, muitas vezes vendidas pelo preço de papel velho, nalguma estante poenta.
Jan Křtitel Vaňhal, também conhecido como Johann Baptist Wanhal – a versão alemã, com menos diacríticos e muito mais amistosa de seu nome – já estreou no PQP numa postagem de nosso patrão. O que trago hoje para vocês é uma gotícula no verdadeiro manancial que é a sua obra: sonatas escritas para a viola com acompanhamento de cravo e piano. A essas cinco sonatas juntar-se-ão pelo menos outras oito, redescobertas e reconstruídas por uma querida violista e musicóloga de Brno que pretende fazer sua primeira gravação tocando-as ela mesma, com acompanhamento deste que vos fala.
Já pensaram? Uma estreia mundial, aqui neste eudaimônico blogue? Se o improvável encontro for gravado, e se talvez eu beber MUITO – quiçá uns Keep Coolers a mais no Ano Novo -, prometo postar a gravação aqui no PQP!
VAŇHAL – SONATAS FOR VIOLA AND HARPSICHORD (PIANO)
Jan Křtitel VAŇHAL (1739-1813)
Quatro Sonatas para viola e cravo, com baixo ad libitum, Op. 5
Sonata no. 4 em Dó maior
01 – Allegro moderato
02 – Adagio
03 – Finale con variazioni
Sonata no. 2 em Ré maior
04 – Allegretto moderato
05 – Arieta
06 – Finale. Andante
Sonata no. 3 em Fá maior
07 – Allegreto moderato
08 – Adagio
09 – Allegreto
Sonata no. 1 em Dó maior
10 – Allegro moderato
11 – Minuetto
12 – Rondo. Allegro.
Karel Špelina, viola Josef Hála, cravo Ladislav Pospíšil, violoncelo
Sonata em Mi bemol maior para viola e piano
13 – Allegro vivace
14 – Poco adagio
15 – Rondo. Allegretto.
Pensaram que tínhamos esgotado a família dos arcos? Nah: nós nos lembramos do esquecido arpeggione, que gozou de breve voga no começo do século XIX, quando um visionário fabricante de violões teve a ideia, que certamente considerou brilhante, de construir um violão que se tocava com um arco.
Sim, ideia medonha.
E não fosse um Schubert a lhe dedicar uma ótima sonata (que hoje faz parte do repertório de violistas e violoncelistas), hoje ninguém sequer se lembraria da criação de Herr Johann Georg Stauffer.
Não pensem, entretanto, que esse ostracismo do arpeggione foi imerecido: o som do instrumento é acanhado, o que dificultava tanto seu uso em grandes salas de concerto quanto seus duos com outros instrumentos. Além disso, os trastos – exatamente iguais aos dos violões – e a pouca tensão nas cordas acarretavam problemas de articulação, que são notórios nas poucas gravações disponíveis no mercado, e mesmo nas mãos de especialistas. Um deles é Nicolas Deletaille, que já deu o ar de sua graça aqui a tocar a Sonata “Arpeggione” de Schubert com acompanhamento do incansável Paul Badura-Skoda e, depois de trocar seu arpeggione por um violoncelo, juntar-se a um quarteto de cordas no maravilhoso Quinteto D. 956 do mesmo compositor.
O outro é Gerhart Darmstadt, que estrela este álbum que, logicamente, serve a “Arpegionne” como prato principal, junto com um punhado de outras peças originais para o instrumento e de uma pitada de outras transcrições – algumas delas feitas por um certo Vincenz Schuster, que foi amigo de Schubert e carrega a distinção de ter sido o único, er, ARPEGGIONISTA profissional de toda a história do planeta. O acompanhamento – a cargo de um pianoforte de som bem menos robusto que um piano moderno e de uma guitarra romântica com cordas de tripa – tem o mérito de não sufocar o algo fanhoso protagonista.
DER ARPEGGIONE – GERHARDT DARMSTADT
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
01 – Sonatina (Adagio) em Dó menor, WoO 43a
02 – Árias Nacionais, Op. 107 – no. 7: Ária russa em Lá menor
Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
03 – Quatro Canções do “Wilhelm Meister” de J. W. von Goethe, D. 877 – no. 4: Lied der Mignon em Lá menor
Franz Peter SCHUBERT
Sonata para arpeggione e pianoforte em Lá menor, D. 821
04 – Allegro moderato
05 – Adagio
06 – Allegretto
Louis (Ludwig) SPOHR (1784-1859)
transcrição de Vincenz Schuster (1800-?) para arpeggione e guitarra
07 – Tempo di Polacca em Lá maior, da ópera “Faust”
Bernhard Heinrich ROMBERG (1767-1841)
transcrição de Vincenz Schuster (1800-?) para arpeggione e guitarra
08 – Adagio em Mi maior
Folclore UCRANIANO
transcrição de Vincenz Schuster (1800-?) para arpeggione e guitarra
09 – Schöne Minka – Moderato em Lá menor
Johann Friedrich Franz BURGMÜLLER (1806-1874)
10 – Noturno em Lá menor para arpeggione e guitarra
Gerhart Darmstadt, arpeggione
Egino Klepper, pianoforte
Björn Colell, guitarra romântica
Se falávamos ontem que nem sempre ser uma das maiores virtuoses vivas transforma alguém numa boa duetista, hoje constataremos que o bom duo multiplica seus fatores. As irmãs Labèque são excelentes pianistas, seu duo é dos melhores que existem, e elas acumulam álbuns impecáveis. Sinceramente, tenho ao ouvi-las a impressão de que uma só pianista está a tocar com vinte dedos. E, se tocar Debussy com dez dedos já é complicado, que se dirá então de fazê-lo vinte conjuntos de falanges? Este álbum, que inclui obras da juventude e do final de sua vida do pai de Chouchou, mostra a capacidade das Labèque de transpor os desafios timbrísticos e de articulação propostos por este compositor tão peculiar para o teclado. Uma de minhas peças favoritas em todo repertório para duo pianístico é justamente aquela que dá nome ao álbum, e os velhinhos saudosistas como eu reconhecerão o primeiro movimento de “En Blanc et Noir” como a vinheta de abertura do programa “Teclado”, que o pianista Gilberto Tinetti apresentava semanalmente na FM Cultura de São Paulo nos anos 90.
EN BLANC ET NOIR – THE DEBUSSY ALBUM KATIA AND MARIELLE LABEQUE
Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
En Blanc et Noir, para dois pianos
01 – Avec emportement
02 – Lent. Sombre
03 – Scherzando
Petite Suite, para piano a quatro mãos
04 – En bateau
05 – Cortège
06 – Menuet
07 – Ballet
Nocturnes para orquestra (versão para piano a quatro mãos)
08 – Nuages
09 – Fêtes
Épigraphes antiques, para piano a quatro mãos
10 – Pour invoquer Pan, dieu du vent d’été
11 – Pour un tombeau sans nome
12 – Pour que la nuit soit propice
13 – Pour la danseuse aux crotales
14 – Pour l’Égyptienne
15 – Pour rémercier la pluie au matin
Um CD sensacional com o registro de um dos mais significativos concertos da longa história da veneranda Orquestra Filarmônica Tcheca, na abertura do Festival Primavera de Praga em 12 de maio de 1990.
Nele, o legendário maestro Rafael Kubelík (1914-1996), ex-diretor artístico da Filarmônica, idealizador do Festival e regente do concerto de abertura de sua primeira edição, em 1946, retornava a seu país e ao pódio da magnífica Sala Smetana da Casa Municipal de Praga após um exílio de 42 anos.
Kubelík, que conseguira manter a Filarmônica ativa mesmo durante a brutal ocupação nazista da Tchecoslováquia, deixou o país após o golpe comunista de 1948, jurando só voltar depois que o país fosse liberado da opressão (“tendo vivido sob uma forma de tirania bestial, o Nazismo, por uma questão de princípios não iria viver sob outra”). Desenvolveu uma brilhante carreira no Reino Unido, Estados Unidos (onde teve problemas na Sinfônica de Chicago por aceitar músicos negros) e, principalmente, na Alemanha, elevando a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara, sob sua batuta, à condição de um dos melhores conjuntos do mundo. Como o mais ilustre exilado tcheco de seu tempo, recebeu vários convites do governo comunista para retornar, ao que respondeu que só voltaria sob a condição de “liberdade de opinião, liberdade de criação, liberdade de expressão, e liberdade de movimento para qualquer tcheco e eslovaco decente, com ou sem talento” – o que, claro, só poderia acontecer depois do colapso do regime comunista da Tchecoslováquia, após a incruenta “Revolução de Veludo” liderada pelo escritor e dramaturgo Václav Havel em 1989.
“Esperei ansiosamente por este momento e sempre acreditei em que algum dia ele chegaria. Sou grato a Deus, à nossa nação inteira, aos amigos, e a todos vocês”, declarou Kubelík ao aterrissar em Praga e beijar o chão da pátria. Esta interpretação elétrica para o ciclo “Má Vlast” de Smetana – tradicional programa de abertura do Festival Primavera de Praga – só atesta sua excitação pela oportunidade longamente aguardada. Alguns leitores-ouvintes estranharão os andamentos escolhidos por Kubelík nesta sua quinta gravação da obra, em especial o do célebre “Vltava” (“O Moldava”), muito diferente do Allegro commodo non agitato prescrito pelo compositor. Entendo que, em lugar de considerar cada um dos poemas sinfônicos peças avulsas, como Smetana os concebeu, Kubelík preferiu abordá-los como movimentos de uma obra maior, enfatizando as citações dos Leitmotiven de cada um que vão ressurgindo nos demais e dando à obra uma coesão raramente vista em outras gravações. Especialmente tocante é a interpretação do solene hino hussita de “Tábor”, evocação da cidade-fortaleza fundada pelos seguidores do reformador Jan Hus e que, aqui, soa como o cerne emocional da obra.
SMETANA – MÁ VLAST – CZECH PHILARMONIC ORCHESTRA – RAFAEL KUBELÍK
Bedřich SMETANA (1824-1884)
Má vlast (“Minha Pátria”), Ciclo de Poemas Sinfônicos
01 – Vyšehrad
02 – Vltava
03 – Šárka
04 – Z českých luhů a hájů (“Das Florestas e Bosques da Boêmia”)
05 – Tábor
06 – Blaník
Česká filharmonie Rafael Kubelík, regência
Gravado ao vivo na Sala Smetana da Casa Municipal de Praga (“Obecní dům”) na abertura do Festival Primavera de Praga (“Pražské jaro”) em 12 de maio de 1990
Quem apreciou a gravação certamente gostará de assistir ao vídeo com a íntegra do concerto da Filarmônica Tcheca e do retorno de Kubelík do exílio. Notem a aclamação, durante a fanfarra de abertura (extraída da ópera “Libuše” de Smetana), que o presidente Vacláv Havel e sua esposa recebem ao ingressarem na tribuna de honra; o hino nacional tocado, que ainda é o tchecoslovaco – um híbrido do tcheco “Kde domov můj?” (“Onde está minha casa?”) e do eslovaco “Nad Tatrou sa blýska” (“Sobre os Tatras o clarão”), pois a dissolução pacífica da Tchecoslováquia só ocorreria dois anos depois; o comovente vigor com que Kubelík, então com 86 anos e já muito doente, conduz a Filarmônica Tcheca; e a maravilhosa arquitetura da Sala Smetana, uma das melhores casas de concerto do mundo, que fica dentro da não menos magnífica Casa Municipal de Praga, que é talvez o mais belo exemplo do estilo Art Nouveau e atração imperdível para todos que tiverem o privilégio de conhecer essa Rainha dos Superlativos que é a belíssima capital da Boêmia.
Não me lembro da fonte, mas li certa vez que os tchecos são o povo que menos frequenta igrejas na Europa. De fato, quem explora as cidades e vilarejos na Boêmia e Morávia encontra normalmente nas igrejas mais turistas do que locais, mais flashes do que orações. Por isso, considero um fenômeno que esta pequena Missa, escrita para amadores e num estilo pastoral, seja tão popular naquelas terras, e de tal modo que mesmo tchecos seculares lotem as igrejas na véspera de Natal (conhecida por lá como “Štědrý den”, ou “Dia Generoso”, devido à fartura das mesas humanas, que se estende até as manjedouras dos animais) para escutar essa peça tão arraigada às suas tradições de final de ano.
O compositor Ryba (“peixe”, em tcheco), mestre de música em várias escolas e pequenas igrejas da Boêmia, teve uma vida muito triste, que acabou por tirar de si depois de, pela milionésima vez, ter sido exonerado de suas funções. Numa deprimente ironia, um dos poucos monumentos à sua memória fica justamente no bosque em que se matou – além, claro, desse delicado memorial musical que é sua Missa de Natal Tcheca. Ainda que publicada com o pomposo título Missa solemnis Festis Nativitatis D. J. Ch. accommodata in linguam bohemicam musikamque redacta – que redacta per Jac. Joa. Ryba, a Missa de Ryba encanta justamente por nada ter de solene e pomposo. Ela é, por isso mesmo, imensamente popular em seu país: nas ruas de Praga, perto do Natal, escutei muitas pessoas assobiando ou cantarolando o “Hej, mistře!” (“Ei, mestre!”) que abre a obra.
Apesar dos títulos latinos do movimentos, a Missa é toda cantada na língua tcheca, que a música consegue, num pequeno milagre, fazer soar menos árida que o habitual. O libreto, do próprio Ryba, transpõe os acontecimentos da Judeia para os pequenos vilarejos da Boêmia, ao estilo das encantadoras e rústicas gravuras que, ainda hoje, os artesãos vendem nos mercados de Natal em toda República Tcheca.
Este álbum encantador também inclui alguns hinos natalinos, também em tcheco, harmonizados para as mesmas forças vocais e instrumentais da Missa. Espero que seja do agrado dos leitores-ouvintes de todos os credos, observantes ou seculares, e que enriqueça o “Dia Generoso” daqueles que o celebram.
JAKUB JAN RYBA – ČESKÁ MŠE VÁNOČNÍ – KOLEDY
Jakub Šimon Jan RYBA (1765-1815)
Missa de Natal Tcheca
01 – Kyrie
02 – Gloria
03 – Graduale
04 – Credo
05 – Offertorium
06 – Sanctus
07 – Benedictus
08 – Agnus Dei
09 – Communio
Hinos natalinos
10 – Čas radosti, veselosti
11 – Veselme se všichni nyní
12 – Vánoční hospoda
13 – Byla cesta, byla ušlapaná
14 – Nastal nám den veselý
15 – Vánoční roztomilosti
16 – Vánoční magnét a střelec
17 – Maria hustým lesem šla
18 – Vánoční vinšovaná pošta
Zdena Koublová, soprano Pavla Vykopalová, mezzo soprano Tomáš Černý, tenor Roman Janál, barítono
Coro Infantil Kühn Coro de Câmara da Rádio de Praga Virtuosi di Praga
Um leitor-ouvinte apontou sons “alienígenas” na gravação que postei originalmente, frutos de meu semianalfabetismo em questões de mixagem. Com os devidos pedidos de desculpas pela bisonhice, e enquanto agradeço pela atenciosa notificação de minha patinada, convido as senhoras e senhores a baixarem a versão alien-free da ótima gravação de Wanda Wiłkomirska e de nosso “muso” Antonio.
Damos um tempo na interminável série sobre a Família das Cordas para atendermos ao coro uníssono de mimimis clamando por mais uma gravação com o Mestre Esquecido, nosso muso Antonio Guedes Barbosa.
Contentar gregos e troianos não é muito fácil, mas acho que esta gravação, estrelada por uma violinista, não deixará tão bicudos os amantes das cordas. Diferentemente do álbum anterior que postamos do duo, com miniaturas de Kreisler, neste aqui as obras têm partes bem mais importantes para o piano, ricos substratos para que nosso ídolo mostre seu brilho. A interpretação da Sonata de Franck é das melhores que conheço, e a tríade de peças de Szymanowski nos faz lamentar ainda mais que aquele maldito infarto do miocárdio tenha colhido o enorme talento de Barbosa antes que ele pudesse gravar outras coisas do polonês.
Sonata em Lá maior para violino e piano
01 – Allegretto ben moderato
02 – Allegro
03 – Recitativo – Fantasia (ben moderato)
04 – Allegretto poco mosso
Karol Maciej Korwin-SZYMANOWSKI (1882-1937)
Mythes, Três Poemas para violino e piano, Op. 30
05 – No. 1: La Fontaine d’Arethuse 06 – No. 2: Narcisse 07 – No. 3: Dryades et Pan
Wanda Wiłkomirska, violino Antonio Guedes Barbosa, piano
a partir de um LP de 1973 da Connoisseur Society. Gravação relançada em 1987 em CD, mas que, como sói acontecer com a discografia do Mestre Esquecido, em nenhuma das formas chegou ao Brasil
Prestamos, antes tarde que ainda mais tarde, nossa homenagem ao magnífico Mariss Jansons, que deixou este vale de lágrimas no estrebucho do último novembro. Falo em lágrimas, e também de como Jansons, depois de longa enfermidade, deixou o mundo, antes mesmo de lembrar as duras circunstâncias em que veio a ele: na Letônia ocupada por Hitler, talvez o pior momento no século para se nascer letão e de ventre judeu, um pouco depois de sua mãe escapar do gueto de Riga e de sua liquidação. Cresceu sob a inspiração do pai regente, que sucumbiu a um infarto no palco, e de uma mãe cantora lírica, e seguiu sua formação no mesmo Conservatório de Leningrado em que depois lecionaria, no qual também estudaram Tchaikovsky e Shostakovich, que sempre estariam no cerne de seu repertório. O posto de assistente na Filarmônica local, liderada pelo legendário Mravinsky, trouxe-lhe notoriedade e convites, não sem várias pestanas queimadas por conta de seus opressores de Moscou, para trabalhar e estudar com Karajan e Swarowsky. Sob sua direção (1979-2000), a discreta Filarmônica de Oslo saltou para um patamar com que nunca sonhara entre as orquestras do mundo. Depois de mais de vinte anos a comandá-la, deixou-a para assumir a Sinfônica de Pittsburgh (1997-2004), não sem antes repetir a escrita do pai e infartar no palco, desgraça que só não foi completa porque foi prontamente atendido depois do colapso. Em seguida, encontraria os conjuntos mais importantes de sua formidável carreira: a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam (2004-2015) e, ainda mais notavelmente, a Sinfônica da Rádio Bávara, que conduziu até o final da vida, e com quem realizou a gravação ao vivo que ora compartilhamos.
O Réquiem de Wolfgang Rihm, composto em 2016 e cuja première nossos leitores-ouvintes apreciarão nas faixas a seguir, é, na tradição de “Um Réquiem Alemão” de Brahms, menos uma obra litúrgica do que uma reflexão sobre a vida e a morte, baseada em textos tão diversos quanto sonetos de Michelangelo, poemas de Rilke e salmos bíblicos, e concluída por “Strophen”, de Hans Sahl, donde seu epíteto. Constrito, ainda que com momentos de velada celebração, é uma composição que me deu, desde a primeira audição, a impressão de merecer manter-se no repertório. Jansons demonstra aqui sua fabulosa capacidade de compreender uma obra por inteiro – no caso, imensa, novíssima, inédita, sem qualquer tradição interpretativa em que se pudesse basear – e expressar em sua leitura um maravilhoso senso de continuidade e coerência. Rihm derramou-se em elogios, e nossos leitores-ouvintes, creio eu, hão de se lhe juntar ao coro.
Já com saudades do maiúsculo Maestro que, por todos os relatos, era um humilde servo da Música, tão exigente quanto gentil com seus colegas e generoso com seus muitos protegidos, e enquanto me desculpo pelo que talvez seja a indelicadeza de colocá-lo a reger seu próprio Réquiem, faço votos de que, lá nas Esferas, haja música tão extraordinária quanto a que nos deixou moldada pela batuta.
RIHM – REQUIEM-STROPHEN – MARISS JANSONS
Wolfgang RIHM (1952)
REQUIEM-STROPHEN, para solistas, coro e orquestra (ESTREIA MUNDIAL)
PARTE I
1 – I: Initial
2 – II
3 – III: Kyrie
PARTE II
4 – IV: Sonett I
5 – V.a: Psalm
6 – VI: Sonett II
7 – V.b: Psalm
8 – VII: Sonett III
PARTE III
9 – VIII
10 – IX: Lacrimosa I
11 – X: Sanctus
12 – XI
PARTE IV
13 – XII: Lacrimosa II
14 – XIII: Agnus Dei
15- XIV: Epilog (Strophen)
Mojca Erdmann e Anna Prohaska, sopranos Hanno Müller-Brachmann, barítono Coro e Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara Mariss Jansons, regente
Sim, prometi a saideira, e quem melhor para oferecê-la que o responsável por tudo o que lhes alcancei nos últimos dias – sim, ele mesmo, o próprio Dmitri Dmitrievich?
Shostakovich legou-nos versões próprias de quase metade de seu Op. 87, gravadas entre vários estúdios e radiodifusões, com qualidade entre sofrível e lamentável. Como já puderam ouvir em outros registros que compartilhamos aqui no PQP, Dmitri Dmitrievich era um pianista muito competente, inda que impaciente, e um prestidigitador propenso a esbarrar em várias notas indesejadas e, ainda assim (pois eu lhes falei que ele era impaciente), considerar o take feito e a gravação aprovada. Noutras palavras, sua preferência como intérprete era a mesma que tenho como ouvinte: a impressão do todo à precisão nota a nota.
Já os leitores-ouvintes que consideram as versões de Tatiana Nikolayeva definitivas e as mais próximas às intenções de Shostakovich – dada sua posição única como inspiradora da obra, sua consultora durante toda a composição, e sua intérprete na estreia, na primeira gravação e ao longo de toda sua carreira de recitalista – estes ficarão surpresos com as ideias que Dmitri tinha ao teclado para seu Op.87.
Dmitri Dmitrievich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
VINTE E QUATRO PRELÚDIOS E FUGAS PARA PIANO, OP. 87 (seleção)
Dmitri Shostakovich, piano
01 – Prelúdio e Fuga no. 1 em Dó maior
02 – Prelúdio e Fuga no. 2 em Lá menor
03 – Prelúdio e Fuga no. 3 em Sol maior
04 – Prelúdio e Fuga no. 4 em Mi menor
05 – Prelúdio e Fuga no. 5 em Ré maior
06 – Prelúdio e Fuga no. 6 em Si menor
07 – Prelúdio e Fuga no. 7 em Lá maior
08 – Prelúdio e Fuga no. 8 em Fá sustenido menor
09 – Prelúdio e Fuga no. 12 em Sol sustenido menor
10 – Prelúdio e Fuga no. 13 em Fá sustenido maior
11 – Prelúdio e Fuga no. 14 em Mi bemol menor
Foi só desistir da busca de muitos anos para que, do nada, me caíssem na mão estes improváveis CDs russos com aquela que, até onde se sabe, foi a primeira versão integral jamais gravada do monumental Op. 87 de Shostakovich.
Quem a gravou, quem inspirou a obra e acompanhou sua gestação, visitando o compositor repetidamente em seu apartamento e singrando a espessa fumaça de cigarros a cada peça que completava, e quem teve a honra de estreá-la em Leningrado em 1952 foi a extraordinária Tatiana Nikolayeva, que vocês já conheceram em gravações outras da mesma obra, postadas aqui e ali, artista tão indissoluvelmente ligada ao Op.87 que veio mesmo a falecer em consequência de um acidente vascular encefálico sofrido durante a interpretação de um desses prelúdios – parece-me que o em Si bemol menor – num recital em San Francisco.
Esta gravação valiosa mostra uma Nikolayeva imprimindo andamentos mais rápidos às peças e, assim, concluindo o ciclo em meros dois discos. Ainda que prefira sua versão intermediária, gravada ainda na União Soviética em 1987, fico fascinado com a riqueza e frescor dessa interpretação, que certamente muito carrega das sugestões do compositor.
Lembram-se da lista, aquela? Pois ela agora está completa:
Konstantin Scherbakov Vladimir Ashkenazy Tatiana Nikolayeva, em três versões: a primeira (1962), a segunda (1987) e a derradeira (1990)
Keith Jarrett Peter Donohoe Alexander Melnikov BÔNUS: DVD sobre Nikolayeva com uma integral do Op. 87 de Shosta
Se encerramos? Bem, apreciem mais este portento da Nikolayeva que amanhã teremos a saideira para vocês!
Dmitri Dmitrievich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
VINTE E QUATRO PRELÚDIOS E FUGAS PARA PIANO, OP. 87
Tatiana Nikolayeva, piano
DISCO 1
01 – Prelúdio no. 1 em Dó maior
02 – Fuga no. 1 em Dó maior
03 – Prelúdio no. 2 em Lá menor
04 – Fuga no. 2 em Lá menor
05 – Prelúdio no. 3 em Sol maior
06 – Fuga no. 3 em Sol maior
07 – Prelúdio no. 4 em Mi menor
08 – Fuga no. 4 em Mi menor
09 – Prelúdio no. 5 em Ré maior
10 – Fuga no. 5 em Ré maior
11 – Prelúdio no. 6 em Si menor
12 – Fuga no. 6 em Si menor
13 – Prelúdio no. 7 em Lá maior
14 – Fuga no. 7 em Lá maior
15 – Prelúdio no. 8 em Fá sustenido menor
16 – Fuga no. 8 em Fá sustenido menor
17 – Prelúdio no. 9 em Mi maior
18 – Fuga no. 9 em Mi maior
19 – Prelúdio no. 10 em Dó sustenido menor
20 – Fuga no. 10 em Dó sustenido menor
21 – Prelúdio no. 11 em Si maior
22 – Fuga no. 11 em Si maior
23 – Prelúdio no. 12 em Sol sustenido menor
24 – Fuga no. 12 em Sol sustenido menor
25 – Prelúdio no. 13 em Fá sustenido maior
26 – Fuga no. 13 em Fá sustenido maior
27 – Prelúdio no. 14 em Mi bemol menor
28 – Fuga no. 14 em Mi bemol menor
01 – Prelúdio no. 15 em Ré bemol maior
02 – Fuga no. 15 em Ré bemol maior
03 – Prelúdio no. 16 em Si bemol menor
04 – Fuga no. 16 em Si bemol menor
05 – Prelúdio no. 17 em Lá bemol maior
06 – Fuga no. 17 em Lá bemol maior
07 – Prelúdio no. 18 em Fá menor
08 – Fuga no. 18 em Fá menor
09 – Prelúdio no. 19 em Mi bemol maior
10 – Fuga no. 19 em Mi bemol maior
11 – Prelúdio no. 20 em Dó menor
12 – Fuga no. 20 em Dó menor
13 – Prelúdio no. 21 em Si bemol maior
14 – Fuga no. 21 em Si bemol maior
15 – Prelúdio no. 22 em Sol menor
16 – Fuga no. 22 em Sol menor
17 – Prelúdio no. 23 em Fá maior
18 – Fuga no. 23 em Fá maior
19 – Prelúdio no. 24 em Ré menor
20 – Fuga no. 24 em Ré menor
Fazemos um tributo ao aniversário do genial filho de Bonn, do dono do apartamento mais caótico de Viena, criatura de vida atribulada (muito em função de seu temperamento irascível – e vice-versa) e, principalmente (e é por isso que lembramos dele), um criador meticuloso que empenhava enormes esforços na composição de suas obras, cuja evolução artística – dos Trios Op. 1 ao último Quarteto Op. 135 – é talvez a mais impressionante e bem documentada entre as dos grandes compositores.
O acervo PQPBachiano já inclui inúmeras gravações da obra do “espanhol louco” (como era chamado pelos colegas da orquestra de Bonn, por conta da morenice e do temperamento medonho – e na qual, como se a desgraça já não fosse bastante, era certamente alvo de piadas por tocar viola), então resolvi postar-lhes algo diferente: um dos programas da série “Omnibus”, criada e apresentada por Leonard Bernstein nos anos 50, em que o próprio aborda o processo de criação da Quinta Sinfonia, comparando a versão final com esboços dos cadernos de anotação do compositor e ilustrando, assim, o meticuloso cuidado de Beethoven para dar-nos a impressão, como Leonard Bernstein afirma com muita felicidade, de que cada próxima nota soa como se fosse a única nota possível.
O episódio está em inglês, mas vale a pena a visita, nem que seja para CHORAR DE DOR ao imaginar que, algum dia, a TV aberta foi capaz de veicular coisas desse gabarito – enquanto declaramos abertas as festividades do ducentésimo quinquagésimo aniversário de Ludovico, que culminarão dentro de exatamente uma circunvolução terrestre.
[caso necessário, ativem as legendas em inglês]
O episódio (somente no original em inglês) pode ser baixado aqui: DOWNLOAD HERE
Segue a recuperação das gravações desta obra-prima do século XX junto ao acervo PQP Bachiano. Para muitos, as interpretações de Tatiana Nikolayeva são as melhores que existem. Meu indeciso coração divide-se entre as dela e a de Keith Jarrett, que recuperarei nas próximas semanas. O que não se discute é que, na condição de inspiradora, consultora e intérprete da première, Nikolayeva foi a maior autoridade imaginável nessa obra monumental.
Estava pronto a restaurar os links da postagem original feita pelo PQP Bach ainda em 2009, quando percebi que esta gravação que ora lhes alcanço é diferente daquela disponibilizada por nosso patrão. Salvo melhor juízo, Nikolayeva fez três gravações completas do ciclo: uma nos anos 60, outra em 1987 (ambas pelo selo soviético Melodiya) e esta aqui, feita em Londres em 1990, lançada pela Hyperion. Considero a gravação de 1987 superior em vários aspectos, mas aprendi a gostar dos andamentos mais lentos e do tom mais reflexivo desta aqui, parte do testamento musical da grande pianista, falecida em 1993 por conta de um acidente vascular encefálico – iniciado, justamente, durante um recital do Op.87 de Shostakovich em San Francisco.
Mesmo que a gravação postada pelo PQP tenha sido provavelmente a de 1987 (que eu tinha, mas foi destruída por cães – vocês duvidam, mas é porque não conhecem meus cães!), eu recomendo fortemente a leitura da ótima postagem original, com riquíssima descrição da obra, de sua gênese e de sua repercussão.
Nossa listinha de gravações a recuperar, agora, é a seguinte:
Konstantin Scherbakov
Vladimir Ashkenazy
Tatiana Nikolayeva, em três versões: a primeira (1961), a segunda (1987) e a derradeira (1990)
Keith Jarrett
Peter Donohoe
Aleksander Melnikov
BÔNUS: DVD sobre Nikolayeva com uma integral do Op. 87 de Shosta
Dmitri Dmitrievich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
VINTE E QUATRO PRELÚDIOS E FUGAS PARA PIANO, OP. 87
TATIANA NIKOLAYEVA, piano
DISCO 1
01 – Prelúdio no. 1 em Dó maior
02 – Fuga no. 1 em Dó maior
03 – Prelúdio no. 2 em Lá menor
04 – Fuga no. 2 em Lá menor
05 – Prelúdio no. 3 em Sol maior
06 – Fuga no. 3 em Sol maior
07 – Prelúdio no. 4 em Mi menor
08 – Fuga no. 4 em Mi menor
09 – Prelúdio no. 5 em Ré maior
10 – Fuga no. 5 em Ré maior
11 – Prelúdio no. 6 em Si menor
12 – Fuga no. 6 em Si menor
13 – Prelúdio no. 7 em Lá maior
14 – Fuga no. 7 em Lá maior
15 – Prelúdio no. 8 em Fá sustenido menor
16 – Fuga no. 8 em Fá sustenido menor
17 – Prelúdio no. 9 em Mi maior
18 – Fuga no. 9 em Mi maior
19 – Prelúdio no. 10 em Dó sustenido menor
20 – Fuga no. 10 em Dó sustenido menor
01 – Prelúdio no. 11 em Si maior
02 – Fuga no. 11 em Si maior
03 – Prelúdio no. 12 em Sol sustenido menor
04 – Fuga no. 12 em Sol sustenido menor
05 – Prelúdio no. 13 em Fá sustenido maior
06 – Fuga no. 13 em Fá sustenido maior
07 – Prelúdio no. 14 em Mi bemol menor
08 – Fuga no. 14 em Mi bemol menor
09 – Prelúdio no. 15 em Ré bemol maior
10 – Fuga no. 15 em Ré bemol maior
11 – Prelúdio no. 16 em Si bemol menor
12 – Fuga no. 16 em Si bemol menor
13 – Prelúdio no. 17 em Lá bemol maior
14 – Fuga no. 17 em Lá bemol maior
01 – Prelúdio no. 18 em Fá menor
02 – Fuga no. 18 em Fá menor
03 – Prelúdio no. 19 em Mi bemol maior
04 – Fuga no. 19 em Mi bemol maior
05 – Prelúdio no. 20 em Dó menor
06 – Fuga no. 20 em Dó menor
07 – Prelúdio no. 21 em Si bemol maior
08 – Fuga no. 21 em Si bemol maior
09 – Prelúdio no. 22 em Sol menor
10 – Fuga no. 22 em Sol menor
11 – Prelúdio no. 23 em Fá maior
12 – Fuga no. 23 em Fá maior
13 – Prelúdio no. 24 em Ré menor
14 – Fuga no. 24 em Ré menor
Lembram quando postei a gravação tcheca das Suítes de Bach com Rostropovich e mencionei que a crítica execrou a versão que ele lançou pela EMI nos anos 90?
Pois é: no encarte da execrada gravação dos anos 90, o próprio mestre execrou sua tentativa anterior com essas venerandas Suítes, feita nos anos 50 – que é a que trago agora para vocês. Nela, Slava limitou-se às Suítes nos. 2 e 5, ambas em tom menor, que ficaram curiosas com o “som Rostropovich”, tão peculiar a quem sentou à mesa com Shostakovich e Prokofiev para burilar suas obras para violoncelo, era professor nos dois mais conceituados conservatórios da União Soviética e ainda tinha tempo para ser um livre-pensador e crítico aberto ao regime, preparando o terreno para seu banimento daquele país em 1974.
Acho que vocês odiarão esta gravação, em que as Suítes estão entremeadas por dois curtos excertos à guisa de bis (digno de nota é o regente da orquestra de cordas inominada que o acompanha na “Ária”, que foi pai de Gennadi Rozhdestvensky). Fiquem à vontade, mas nunca percam de vista que este disco é raro e, até onde me consta, esta é a única fonte em que está disponível na rede – e o bom leitor-ouvinte, mesmo que os deteste, entenderá que o privilégio de escutá-lo talvez valha engavetar os resmungos que tiver guardados.
Sim, Rostropovich foi um dos maiores violoncelistas do século. Sim, sua gravação das Suítes para violoncelo de Bach lançada pela EMI foi detestada pela crítica. Sim, o grande Slava foi sempre reticente – e admite isso com muita franqueza no encarte do álbum – quanto a gravar essas obras, por considerar que, muito além de questões técnicas, sua “infinita riqueza” e “transcendência espiritual” não estavam ao seu alcance para tentar uma sua versão definitiva. E, sim, no mesmo encarte Slava execra sua própria gravação anterior, considerando-a imatura e insensata.
Esta versão que aqui postamos não é nem aquela detestada pela crítica em 1995, nem a execrada pelo próprio Rostropovich, mas sim uma outra, feita ao vivo durante o Festival Primavera de Praga de 1955 e lançada pelo sempre surpreendente selo Supraphon. Sou um fã de Slava e, ao contrário da maioria de meus concidadãos planetários, aprecio suas gravações dessas Suítes que ele tanto amava, e que respeitava ao ponto do temor. Reconheço que o som vigoroso e ultraexpressivo de seu violoncelo (um dos poucos, aliás, que me é inconfundível) dá a essas gravações, talvez, o que numa licença poética chamo de “excesso de músculo” que, muitas vezes, não lhes é adequado. O que esta gravação em Praga tem, e que falta às demais, é a espontaneidade dos registros ao vivo, em contraste franco com a estudada, constrita gravação de 1995 e a gravação feita na União Soviética pelo selo Melodiya (e que serão oportunamente postadas aqui no PQP Bach).
Esta longa série com as Suítes para violoncelo solo não tem, claro, a intenção de agradar a todos. Entre as noventa e seis gravações que delas tenho, em vários instrumentos, certamente não há só pontos altos. Ao final da epopeia, espero que os leitores-ouvintes tenham escolhido seu quinhão preferido e que, no processo, saibam dar ao grande Rostropovich uma nova oportunidade de agradá-los.
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Seis Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012
No. 1 em Sol maior, BWV 1007 01 – Prélude
02 – Allemande
03 – Courante
04 – Sarabande
05 – Menuet I & II
06 – Gigue
No. 2 em Ré menor, BWV 1008 07 – Prélude
08 – Allemande
09 – Courante
10 – Sarabande
11 – Menuet I & II
12 – Gigue
No. 3 em Dó maior, BWV 1009 13 – Prélude
14 – Allemande
15 – Courante
16 – Sarabande
17 – Bourrée I & II
18 – Gigue
No. 4 em Mi bemol maior, BWV 1010] 19 – Prélude
20 – Allemande
21 – Courante
22 – Sarabande
23 – Bourrée I & II
24 – Gigue
No. 5 em Dó menor, BWV 1011 25 – Prélude
26 – Allemande
27 – Courante
28 – Sarabande
29 – Gavotte I & II
30 – Gigue
No.6 em Ré maior, BWV 1012 31– Prélude
32 – Allemande
33 – Courante
34 – Sarabande
35 – Gavotte I & II
36 – Gigue
Belíssima versão das Suítes para violoncelo de J. S. Bach, esta do holandês Anner Bylsma, lançada pelo saudoso selo Seon em 1979 – uma das primeiras feitas com técnica e violoncelo barrocos. Serena e equilibrada, sem abusar de contrastes dinâmicos, realça uma das mais distintas qualidades do gênio de Bach: sua capacidade de insinuar, engenhosamente, harmonias e contraponto ao escrever para um instrumento essencialmente melódico como o violoncelo. O mestre holandês, recente falecido, que além de excelente instrumentista era uma tremenda figura humana, gravaria em 1992 uma outra versão pela Sony, que algum dia também surgirá por aqui.
Aluno de Pau Casals, o também catalão Gaspar Cassadó i Moreu (1897-1966) era tido como o outro grande violoncelista da primeira metade do século XX (título que teria cabido, com sobras, ao maravilhoso Emanuel Feuermann, se não tivesse morrido tão jovem). De estilo sóbrio e som nobre e pouco opulento, não muito afeito a rubatos, Cassadó deixou-nos uma leitura clássica das Suítes para violoncelo de J. S. Bach que, talvez, soará opaca para aqueles que se acostumaram a violoncelos barrocos, cordas de tripa e liberdades agógicas. Ainda que Cassadó já tivesse seus sessenta anos ao entrar no estúdio e apesar da estranheza da escolha de tocar a quarta suíte um tom acima (que talvez algum violoncelista entre nossos leitores-ouvintes possa tentar explicar, quem sabe por ficar mais ressonante nas cordas soltas do violoncelo, normalmente afinado Dó-Sol-Ré-Lá), acho que sua gravação tem, especialmente nas Suítes em tom menor, um toque melancólico muito atraente.
O grande Slava Rostropovich, músico fenomenal e extraordinário ser humano, provavelmente me desculparia se eu lhe dissesse que o húngaro János Starker (1924-2013) foi, para mim, o maior violoncelista de seu tempo. Sua técnica assombrosa garantia interpretações enérgicas e impecáveis para um repertório imenso. Starker foi, afinal, o sujeito que tinha tenros quinze anos quando tocou a famigerada Sonata de Kodály para o compositor e ouviu dele que, se corrigisse alguns pequenos detalhes (de andamento – nada de mundanas dificuldades técnicas!), sua interpretação ser “a Bíblia”. A técnica, entretanto, era para Starker apenas um veículo para a expressividade, e não há disso prova mais cabal que as cinco versões que ele nos legou destas preciosas Suítes para violoncelo solo.
O que ora lhes apresento é a última dessas versões, registrada em 1992, mas lançada somente em 1997. Diferentemente das anteriores, nesta gravação Starker acata todas as repetições indicadas por Bach, e os andamentos são, em geral, mais lentos. Ainda que tenha, talvez, menos do que se convencionou chamar de “brilho”, essa versão recheada de sabedoria, ponto culminante de quase oitenta anos de música, é uma de minhas gravações preferidas das Suítes, a impressão final de um mestre sobre as obras que tanto amava.
J. S. BACH – SUITES FOR SOLO CELLO – JÁNOS STARKER