.: interlúdio :. Yamandu, 40 anos: Dois Tempos – Lucio Yanel e Yamandu Costa (2001)

Anteontem, Yamandu Costa celebrou seu aniversário, como o faz desde 2013, no aconchegante espaço do StudioClio em Porto Alegre, oferecendo um recital intimista, com mínima amplificação, para um punhado de privilegiadas pessoas -entre as quais estava eu, seu fã incondicional. Desde a primeira vez que o ouvi, eu e ele ainda garotos, dar uma canja num boteco em minha agriamarga Dogville natal, já se passaram vinte anos. Neles, acompanhei a trajetória hiperbólica do tipo sui generis e sem-cerimonioso, sempre de alpargatas e bombachas, de seus pagos meridionais para encantar o mundo todo. Sempre o achei um assombro, tanto pela aparente facilidade com que faz tudo o que quer com o violão, quanto pela habilidade com que, a partir de referências regionais, lança ao mundo criações amplamente improvisadas, de apelo instantâneo e universal, reinventando-as cada vez que as revisita. No entanto, como sói acontecer com os frutos dessa província corroída há tanto tempo pelo costume de incensar bairristicamente os medíocres enquanto estilinga os grandes talentos, espinafrar o garoto-prodígio já foi um esporte muito popular: seu som era “sujo”, suas ideias eram mais rápidas que seus dedos, que sua improvisação era só um sem-fim de micagens com escalas, ele era um enganador que nada duraria – um “fogo de palha”, como por aqui se diz. Ao ouvi-lo ontem, e pela primeira vez num ambiente tão camerístico, a destilar seus inúmeros truques violonísticos para servir sua assombrosa criatividade, o agora quarentão Yamandu conseguiu emocionar-me para além do assombro e do estupor. Depois de acompanhá-lo ao longo de quase toda carreira, por tantos shows e recitais, solo e nas mais diversas companhias musicais, eu finalmente entendi por que Kurt Masur chamou-o de “Paganini do violão” e Paco de Lucía o aplaudiu de pé. Escutando seu som desnudo tão de perto, consegui enfim embarcar no mesmo transe em que ele se imbui a cada peça que toca, e do qual parecia, anteontem, demorar ainda para despertar. Meus olhos suavam tanto quanto suava o aniversariante na canícula porto-alegrense: seu som, talvez agora “limpo” o bastante para os detratores, continuava inconfundível; seus dedos acompanhavam todas suas ideias; as escalas despachadas em velocidade lúbrica eram apenas um entre seus incontáveis recursos técnicos; e o garoto-prodígio, brilhante e cru, tornara-se um artista maduro e expressivo, capaz mesmo da improvável proeza de comover as nada impressionáveis fibras deste meu miocárdio empedernido.

Para celebrar os quarenta anos do genial passo-fundense, cidadão adorado do mundo que não esquece de seu pago, compartilhamos uma de suas primeiras gravações. Lançada em 2001 – ano em que Yamandu se projetou nacionalmente – e fora de catálogo, “Dois Tempos” é um duo com seu mentor e amigo, o correntino Lucio Yanel – um venerável violonista que, por doença da esposa, está afastado dos palcos e estúdios e, por isso, precisando de ajuda. Quem gostar da gravação e quiser ajudá-lo pode seguir este link. Tenho certeza de que o aniversariante adoraria ser presenteado com uma ajuda a seu mestre!

DOIS TEMPOS – LUCIO YANEL & YAMANDU COSTA

1 – Dois Tempos
2 – Doutor Sabe Tudo
3 – La Cau
4 – Pot-pourri: El Paraná en una Zamba – Zamba Del Grillo
5 – Amazônia
6 – Brejeiro
7 – La Libre
8 – Itá Enramada
9 – Milongueo Del Ayer
10 – Cristal
11 – Brasiliana Número 4: Samba Bossa Nova – Valsa – Choro
12 – Por Do Sol

Lucio Yanel e Yamandu Costa, violões

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Mestre e pupilo

Vassily

4 comments / Add your comment below

  1. Vassily
    Tenho Yamandu hoje como o mais expressivo de nossos músicos vivos. Eu o vi a primeira vez aos 18 anos e era um cavalo selvagem que em pouco tempo demonstrou sua capacidade de expressão que foi lapidada em outra dimensão depois do casamento com Elodie. Hoje ele é um concertista fino que causa comoção em qualquer plateia do mundo, mas nunca perdeu aquele espírito campeiro, causa a impressão que deixou o cavalo no estacionamento. Ele levou o Rio Grande, e também o Brasil, para o mundo e tornou aquelas vestimentas compatíveis com um fraque. Sou seu fã e não tenho a menor dúvida que neste país alguns poucos merecem um espaço de prestígio na música: Ernesto Nazareth, Pixinguinha… e hoje Yamandu Costa.

  2. Oi Vassily. Belíssimio texto.
    Compoartilho a observação do Wellington: o Yamandu esta no mesmo patamar dos maiores músicos brasileiros. Amadureceu e realmente deixou a cavalaria de lado. Hoje ele é muito expressivo tanto em suas composições como nas interpretações.
    Valew

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