Há um texto de Luis Fernando Verissimo no qual um formal concerto de um quarteto de cordas é invadido por um sujeito com uma tuba que tenta ‘participar’ do evento.
Realmente, nada seria mais inusitado, a formalidade e o equilíbrio representado pelo conjunto de câmera todo vestido para a ocasião sendo perturbados pela presença deste inconveniente ‘quinto’ membro, com um instrumento tão diverso.
Lembrei-me do texto enquanto ouvia este disco da postagem. Nas duas peças, o quarteto recebe um visitante que está de passagem para uma boa meia hora de convívio fazendo linda música.
Estas duas peças são maravilhas da música de câmera compostas por Brahms em fases distintas da vida. E elas são bem diferentes, muito contrastantes.
O Quinteto com Piano em fá menor, op. 34, foi composto por volta de 1861 e reflete uma certa inquietude e o vigor da juventude. Já o Quinteto com Clarinete em si menor, op. 115, foi composto trinta anos depois e o uso do clarinete assim como a maturidade do compositor deram a obra um caráter mais contido que permeia também outras obras de Brahms do mesmo período. A palavra outonal costuma aparecer constantemente na literatura que trata destas obras.
Neste disco, o denominador comum às duas peças, além do compositor, é o Bartók Quartet, formado por Péter Komlós e Sándor Devich (violinos), Géza Németh (viola) e Károly Bolvay (violoncelo). Estes músicos húngaros de excelente formação e muito talento têm interessantes registros pelo selo Hungaroton.
No Quinteto com Piano são acompanhados por Desző Ránki, que foi colega de classe de Zoltán Kocsis e András Schiff. Se encontrar algum disco com ele, não deixe de investigar.
No outro Quinteto, o homem da tuba é o clarinetista Béla Kovács. Se for dar uma busca na internet com este nome, acrescente músico ou clarinete, pois caso contrário acabará lendo a biografia de algum político ou com mais sorte, um jogador de futebol. Aparentemente, Béla e Kovács são nomes bem comuns por lá. Mas entre os clarinetistas, Béla é bem conhecido.
Esta é a primeira de uma série de três postagens com as Sonatas para Piano de Mozart, interpretadas pela pianista húngara Klára Würtz. Há algum tempo vinha ensaiando uma postagem destas sonatas e considerei algumas possibilidades, entre elas as gravações de Mitsuko Uchida e Maria João Pires, as duas bem diferentes, ambas excelentes. Mas como são gravações tão conhecidas e cantadas em verso e prosa, achei que as gravações da Klára, que conheci ao longo deste ano, merecem alguma divulgação, mesmo que seja dentro do nosso modesto escopo.
Eu gosto muito desta música, que ouço com frequência bastante razoável. Há excelentes discos com grupos de sonatas, como o gravado por Murray Perahia, mas aqui você tem a oportunidade de ter uma visão do conjunto.
O empurrãozinho que faltava para esta aventura veio de outro grande mestre vienense, quando descobri uma página da net que trata das sonatas, escrita por Paul e Eva Badura-Skoda.
Antes de prosseguirmos, quero repassar para vocês um conselho do crítico do Gramophone Classica Guide, o tipo de publicação que era muito útil antes do advento da internet: ‘Don’t be put off by critics who suggest that these sonatas are less interesting than some other Mozart compositions, for they are fine pieces written for an instrument that he himself played and loved’. Isto é, não se deixe enganar, essas sonatas são ‘papa fina’!
Esta gravação contém 18 sonatas que, seguindo o plano do site, dividiremos em três grupos de seis:
Seis Sonatas K. 279 – 284;
Três Sonatas K. 309 – 311; Três Sonatas K. 330 – 332;
Sonata K. 333; Sonata 457 e Sonatas K. 533/494; 545; 570 e 576.
As Sonatas K. 279 – 284 formam um grupo e são as primeiras a serem preservadas. Mozart certamente produziu ou adaptou sonatas de outros compositores anteriormente, mas estas são as primeiras a entrarem na lista oficial. A primeira delas, Sonata em dó maior, K. 279, foi composta quando Mozart tinha 19 anos e era um músico absolutamente completo e experientíssimo.
A sequência de tonalidades – dó, fá, si bemol, mi bemol, sol e ré maior indica que Mozart considerava estas peças como parte de um grupo. Inclusive com a primeira delas mais fácil e a última uma peça mais elaborada e difícil. No entanto, o conjunto nunca foi publicado como tal durante a vida do compositor, sendo que apenas a última sonata foi publicada algumas vezes.
Esta última sonata foi encomendada a Mozart pelo Barão Thaddäus von Dürnitz e apresenta uma escrita bastante brilhante, se comparada às anteriores e tem vários efeitos como mãos se cruzando e termina com um conjunto de variações.
Eu tenho uma queda especial pela gentil Sonata em mi bemol maior, K. 282, desde que a ouvi no disco The Journey, de Leon Fleisher, que você pode ouvir aqui.
Veja como o crítico Jeffrey J. Lipscomb, FANFARE, fala destas gravações: These astonishing performances are exactly the way I play them myself—in my wildest dreams, that is. As for the set’s modest price, this is surely one of the best bargains since the days when gasoline sold for 30 cents per gallon and free glassware was yours for the asking. Highest recommendation.
Fim de ano, festas e retrospectivas… Eu também preparei uma retrospectiva, levando em conta as minhas postagens no blog. Antes de começar a preparar a postagem, quando a ideia ainda caraminholava em meus confusos miolos, fui checar a ‘concorrência’. O Spotify preparou uma retrospectiva onde aprendi, com um certo desmaio, confesso, que o artista mais ouvido em 2020 (no Spotify, por certo…) foi Bad Bunny (never heard of him). A música mais ouvida foi Blinding Lights (even with shades on, vou passar essa uma).
O ano começou com novidades, Parasita levando a estatueta dourada e tal, até que em 11 de março – bum – a pandemia foi oficializada. Para mim ela começou no dia 16 de março, quando as escolas se fecharam ‘por 15 dias’ e não mais reabriram.
Palavras novas ou pouco usadas ganharam grande uso nestes dias que se seguiram – home office, Meet, remoto, Apps, PIX. Na retrospectiva das notícias, que você verá no seu blog preferido para essas coisas, será mencionado – queimadas atrozes no Pantanal e outros lugares, devastação da Amazônia, a vitória do Biden, eleições municipais, segunda onda, a próxima chegada de vacinas. Não vou adentrar pela coluna de obituários, muito longa e demais dolorosa. Vamos nos ater à seara da música.
Nesta retrospectiva trataremos das postagens, essas efêmeras coisas, delicadíssimas, que me são tão caras. Eu as vejo como mensagens colocadas em garrafas que são lançadas nas correntezas da internet. Elas ficam no topo da primeira página do blog por algumas horas e depois iniciam um movimento de afundamento que eu chamo de ‘sinking into the oblivion’. É isto, vamos em frente que atrás vem gente, a fila anda…
Assim, antes de virar esta página e nos lançarmos no próximo ano, renovados (ou não) e buscando as novidades que ele nos prepara, resolvi dar uma boa olhada na lista do que está ficando e afundando no vasto esquecimento. Algumas pobrinhas alminhas-postagens, nem foram vistas e já esquecidas estão…
Por razões práticas, considerei as minhas postagens que foram ao ar entre 1 de dezembro de 2019 e 30 de novembro de 2020. Foram 151 postagens, quase três por semana. Levei um susto quando fiz as contas. Entre 29 de outubro e 24 de novembro foram ao ar 28 de minhas postagens. Eu me senti, neste período, como aquele estagiário que finalmente pode tomar conta da corporação. Só ficou faltando o telefone tocar mais vezes…
Ouvir música e pensar sobre isso tem sido parte importante de minhas atividades. Por conta do aniversário do Ludovico, mais de 30 destas postagens levaram música dele. Mas nem só do renano foi o ano. Teve Schumann e vários outros interessantes projetos ocorreram nas páginas do blog, em paralelo ao BTHVN#250. Basta lembrar da postagem do Ciclo de Cantatas de Bach, na direção de Ton Koopman, postado pelo FDP Bach, as Sinfonias de Haydn, com regência de Adam Fischer, postadas por Ammiratore. A dupla também foi responsável pela postagem de óperas, com várias possibilidades de escolha de gravações.
Cada disco que escolhi para minhas postagens me deu muito prazer ouvir, alguns muitas vezes. O pessoal aqui em casa já até assobiava junto alguns deles. Mas, com o distanciamento dado pelo tempo e a visão do conjunto, consegui escolher alguns que deram ainda mais alegria e assim acabei preparando uma ‘playlist’, uma espécie de arquivo promocional, como aqueles discos que acompanham algumas revistas sobre música. A lista destas postagens é o ‘core’ desta retrospectiva e o produto um arquivo de perto de 3h20 com as melhores do René. Blasfêmia, dirão uns, mas sinceramente, espero que você goste e que esta playlist instigue sua curiosidade para explorar mais essas atômicas partículas culturais antes que elas entrem em definitiva órbita de esquecimento no internético espaço.
Antes disso, farei uma lista de algumas postagens do blog que muito me impressionaram.
Sinfonias de Haydn – Adam Fischer
Cantatas de Bach – Ton Koopman
Sinfonias de Beethoven – Andris Nelsons
Sinfonias de Shostakovich – Bernard Haitink (reedição)
Sonatas de Schubert – Willelm Kempff
Sonatas para Piano de Beethoven – Jean-Efflam Bavouzet
Concertos para Piano de Beethoven – Jean-Efflam Bavouzet
A Arte da Fuga – Bach – Rachel Podger
As Baladas de Chopin – Stephen Hough
Peças para Piano de Schumann – Guiomar Novaes
Messias de Handel – Hervé Niquet
A Sagração da Primavera de Stravinsky – Andsnes & Hamelin
As Últimas Sonatas para Piano de Beethoven – Solomon
E a lista continuaria, sem mencionar a infindável lista de novidades que o BTHVN#250 nos promoveu. Mas, vamos à lista das minhas postagens mais queridas! Elas estão arranjadas em uma ordem diferente daquela em que foram publicadas…
O disco da Béatrice Rana com peças de Ravel e Stravinsky foi incluído de último momento. Um amigo enviou uma mensagem com a lista (as listas de fim de ano…) do Palmarès des Diapason d’or de l’année 2020 e o disco da Béatrice ganhou o prêmio na categoria ‘Piano’. Pois é, até eu havia esquecido este maravilhoso disco…
Ganhei este disco de brinde em uma outra vida que tive e por vários Natais ele serviu de trilha sonora. Ele já tocou aqui em casa em dias que lá fora fazia muito frio e nevava. Depois, passou um tempo sumido entre as coisas que misteriosamente somem, por um tempo, da vida da gente. Quando chegaram as crianças, ele reapareceu e foi tocado em Natais nos quais fazia muito calor lá fora e dentro da casa.
A capa rachou, o folder soltou uma parte e as crianças o rabiscaram um pouco. Depois ele sumiu de novo. Quando aprendi a ripar CDs, eu (por sorte) o reencontrei e fiz uma cópia digital. Desta forma é que ele passou a ser ouvido. Hoje eu o ofereço para vocês, neste dia de Natal.
O CD é uma coleção promocional de músicas de Natal, coisa bem brega. Mas eu aposto que você vai gostar. Há 24 faixas, uma para cada hora do dia. Eu certamente tenho as minhas preferidas, entre elas Simple Gifts e (é claro) Silent Night. Depois me escreva dizendo quais são as suas…
A DDD Christmas
We Wish You a Merry Christmas (Trad. arr. John Rutter)
Here We Come a-Wassailing (Trad. arr. Robert Chilcott)
Marche des rois (Anon.)
The Babe of Bethlehem (Anon.)
Verbum caro – Y la Virgen (Anon.)
O Come, O Come, Emmanuel (Gregorian Chant arr. Alice Parker & Robert Shaw)
In dulci jubilo (Trad.)
O Come, All Ye Faithful (Trad. arr. David Wilcocks)
The Little Drummer Boy (Davis-Onorati-Simeone arr. John McCarthy)
The Gift (Simple Gifts) (Isaacs-Trad., arr. Robert Chilcott)
Quem pastores laudavere (Anon.)
Quanno nascete ninno (Anon.)
Messiah (Handel) – He shall feed His flock
– For unto us a Child is born
The First Nowell (Trad. arr. Frank Denson)
Joy to the World (Trad. arr. Frank Denson)
Deck the Hall (Trad. arr. Gordon Langford)
The Wexford Carol (Trad. arr. Robert Chilcott)
What Child Is This? (Trad. arr. Michael Gibson)
Away in a Manger (Trad. arr. Michael Gibson)
Rise Up, Shepherd (Trad. arr. Robert Sadin)
Bring a Torch, Jeanette, Isabella (Trad. arr. Joseph Flummerfelt)
Silent Night (Franz Gruber)
God Rest You Merry, Gentlemen (Trad. arr. David Willcocks)
1, 2, 9, 10, 17, 18 – The King’s Singers e City of London Sinfonia – Richard Hickox
I purchased this CD in the early 90’s and it has earned a place in my heart that no other cd has earned. The King’s Singers, Kathleen Battle, and others, provide a breadth of beauty from renditions from Handel’s Messiah, to English traditional Christmas music. This is no album featuring obnoxious Christmas music, which we hear blaring in countless stores in the season. It is an expression of true joy!
Feliz Natal, apesar de tudo… ou especialmente por isso!
É Natal e eu vos ofereço outro Messias. Este oratório trata do nascimento de Cristo, depois falará sobre a morte – a redenção pelo sacrifício – e da Vitória do Messias sobre a morte. Termina com hino de louvores como uma torcida alegre pela vitória. De qualquer forma, é música ótima para se ouvir nestes dias.
Esta gravação é anterior ao movimento HIP, de uso de instrumentos antigos e práticas historicamente informadas. Raymond Leppard, que faleceu faz pouco mais do que um ano, era uma referência para música barroca. Gravava com a English Chamber Orchestra para os grandes selos, principalmente para a Philips, e sempre dispunha de ótimos cantores. Colaborou especialmente com Dame Janet Baker.
Esta gravação do Messias, agora que o movimento HIP já não é mais novidade e muitas de suas práticas foram incorporadas pelos outros grupos musicais, pode parecer um pouco lenta ou antiquada. Mas, na época em que foi lançada fazia um contraste enorme com as gravações de então, com coros e orquestras enormes e andamentos bem mais lentos ainda. Acho que esta gravação envelheceu graciosamente e tive muito prazer em ouvi-la novamente e preparar tudo para oferecê-la para vocês.
Handel compôs música para reis e rainhas de carne e osso e aqui oferece toda a sua experiência e talento para o Rei dos reis!
O Natal é a festa do nascimento de Deus, feito menino e depois homem. Ele fez isso para trazer uma mensagem que ainda hoje soa revolucionária – amar o próximo como a si mesmo. Nestes dias de tantas atribulações e sofrimentos, mesmo para os não religiosos, esta mensagem de amor pode trazer um recado atual e oferecer um momento de consolo e de conforto. Que traga também esperança para que tantos sacrifícios não sejam vãos e que possamos realmente renascer melhores destes dias.
A obra é muito conhecida e é possível que você já a tenha ouvido, mesmo que seja alguns trechos. De qualquer forma, enumero aqui alguns momentos que você não pode perder.
– Logo após a abertura, temos um recitativo – Comfort ye, my people, seguido da ária para tenor – Ev’ry valley shall be exalted, onde se anuncia a vinda do Deus-Menino. As frases ‘The voice of him, that crieth in the wilderness: Prepare the way of the Lord … … the crooked straight, and the rough places plain’ falam do Batista, que anuncia a chegada do Senhor. Os caminhos devem ser aplainados!!
– O Messias é uma obra na qual o coro é um dos protagonistas. Eu nunca deixo de me emocionar em diversos números corais e For unto us a child is born é um deles. Todos os nomes e títulos atribuídos ao Messias são declamados, terminando com o mais bonito de todos – o Príncipe da Paz.
– O nascimento de Cristo é geralmente associado à simplicidade e ao mundo de pastores e pessoas simples. Não é diferente aqui e Pifa – Pastoral, um número orquestral inicia uma sequência que trata exatamente de anjos e pastores.
– A primeira parte do oratório se encerra com o lindo coral His yoke is easy.
– A segunda parte trata do sofrimento de Cristo e a ária para contralto, He was despised and rejected of man! É bem forte. A letra inclui as impressionantes palavras ‘a man of sorrows and acquainted with grief’.
– Alguns números corais merecem atenção aqui. All we like sheep, nesta gravação ganha um acompanhamento de órgão, tocado por Leslie Pearson, para um efeito divertido, espalhando as ovelhinhas – gone astray – para todos os lados. He trusted in God e Lift up your heads também são bem inspiradores.
– A segunda parte se encerra com o mais famoso coral de todos, Hallelujah. Contagiante! Prepare a caixa de lenços…
A terceira parte do oratório é mais curta, mas não deixe de notar a ária para soprano, I know my Redeemer liveth, o recitativo e ária para baixo The trumpet shall sound e o dueto para tenor e contralto, O death, where is thy sting, permitindo assim que os solistas se despeçam da audiência. Todos estes números celebram a vitória do Messias sobre a morte. E tudo termina com dois corais, um seguido ao outro – Worthy is the Lamb e Amen!
George Frideric Handel (1685 – 1750)
Messiah
Felicity Palmer, soprano
Helen Watts, contralto
Ryland Davies, tenor
John Shirley-Quirk, baixo
English Chamber Orchestra & Choir
Raymond Leppard
Nos arquivos anexados você encontrará muitas informações sobre as faixas e tudo o mais, inclusive o libreto.
Em março de 2012 o pianista Jeremy Denk escreveu um artigo intitulado ‘Porque Eu Odeio As Variações Goldberg’ – ‘Why I Hate The Goldberg Variations’.
Ele inicia o artigo dizendo que a melhor razão para odiar as Variações Goldberg – além da óbvia razão de todo o mundo perguntar o tempo todo qual das duas gravações do Glenn Gould você prefere – é que todo o mundo ama as variações. Eu muito me simpatizei com o Jeremy. Eu também tenho assim uma certa tendência a evitar, a enfastiar daquilo que todo o mundo ama, especialmente em música. Até hoje não vi ‘A Casa de Papel’…
E como ele observou, não há uma semana que passe sem que uma nova gravação das tais variações surja seguida de comentários e críticas. O próprio Jeremy Denk se rendeu e gravou a obra e naquele período produziu alguns conteúdos para a NPR – National Public Radio, o serviço público de rádio americano. No artigo de Denk, que você pode ler aqui, ele explica as razões pelas quais claramente a série de variações sobre a tal ária estão fadadas ao fracasso: 80 minutos de música essencialmente em sol maior! Teria sido este o desafio para o mestre maior da composição, fazer com que amemos algo impensável?
Eu mesmo já postei uma gravação feita pela Zhu Xiao-Mei, que fez outra gravação posteriormente. Angela Hewitt também gravou duas vezes as VG para a Hyperion, o mesmo selo da gravação desta postagem. Um famosíssimo pianista asiático (excelente pianista, mas talvez um pouco midiático) acaba de lançar uma… na verdade, duas gravações das Goldberg – uma feita em estúdio e outra feita ao vivo.
Assim, quando um pianista se senta para gravar mais uma interpretação destas multivariadas peças, precisa estar certo de ter algo a dizer, mas sem cair em truques de ser diferente apenas. E se o artista é jovem, o desafio é ainda maior.
Na minha opinião (e na de alguns críticos que consegui ler), Pavel Kolesnikov venceu todas as armadilhas e apresentou uma gravação que prima pela simplicidade, mas também com bastante personalidade.
O que me chamou a atenção de imediato foi o som do disco. O piano é moderno (ele escolheu um piano da Yamaha, está lá no livreto) mas produz um som macio, aveludado, que empresta uma boa dose de intimidade à música que, afinal, foi composta para embalar as horas insones de um conde. Basta dizer que a excelente produção estava a cargo de Andrew Keener, um bamba dos estúdios.
Outro fator que acredito tenha contribuído para o sucesso desta beleza de disco está na maneira como Pavel incorporou a peça a seu repertório. Ele teria se esquivado da música de Bach até ser convidado a colaborar com a coreógrafa e dançarina Anne Theresa De Keersmaeker num projeto que usa as Variações Goldberg. O resultado desta colaboração (de 2018) resultou em uma série de espetáculos nos quais Anne Theresa dançava enquanto Pavel tocava ao vivo as Goldberg. Creio que esta aproximação com a dança certamente acrescentou uma outra dimensão à preparação deste disco e sugiro a você imediata investigação. Ouça a Variação 26, logo depois da Pérola Negra. Veja como o intérprete inicia sutilmente e como as duas vozes, a mais alta primeiro e logo depois a mais grave se perseguem e se buscam até o final. Eu gostei muito. Ouça e depois diga lá se o meu entusiasmo todo se justifica. Não deixe de ouvir também as Variações 11, 14, 16 e 23….
Kolesnikov’s Goldbergs are softly spoken, but they are also extraordinarily eloquent.
Produced by Andrew Keener, I regard this Hyperion issue as significant—with a strong claim equally on the dedicated Goldberg collector and the listener feeling his/her way through this monumental masterpiece.
… but my new favourite arrived this week from pianist Pavel Kolesnikov … in some ways I think it’s the antithesis of Lang Lang’s Goldbergs—a different kind of introspection, a natural rather than forced intimacy, ornamentation that’s delicately applied and feels organic, and a hushed, gentle pianism that draws you effortlessly inside the music and Bach’s imagination …
A minha concepção de Lied sempre foi de uma canção com acompanhamento de piano. Mahler expandiu este modelo colocando uma orquestra como a acompanhamento da voz. Quando vi este disco gostei bastante da seleção das canções, todas muito representativas da arte de Schubert e uma mais bonita do que a outra. Mas fiquei um pouco preocupado com o tal do acompanhamento com o violão. Mas a preocupação logo se desfez nas primeiras canções. O álbum é excelente.
O libreto lembra a frugalidade da vida de Schubert, que em muitas ocasiões dividiu a morada com amigos e nem sempre tinha um piano a sua disposição, um luxo com o qual nem sempre podia contar. O autor menciona que Schubert aprendeu a tocar violão ainda bem jovem e que ao longo da vida possuiu vários destes instrumentos, que eram bem populares em Viena. Assim, não é difícil imaginar a visita de amigos e uma nova canção sendo apresentada com o acompanhamento de um violão.
As canções deste disco foram preparadas e arranjadas para acompanhamento de violão pelo ótimo violonista John Charles Britton, que nasceu no Texas e estudou em São Francisco com Sérgio Assad. Ele tem colaborado com o canadense Philippe Sly já há alguns anos e creio que boa parte da beleza deste álbum vem desta vivência. O violão certamente ajuda a criar um ambiente bastante intimista e lírico. Isto não quer dizer que os momentos mais arrojados sejam diminuídos, muito pelo contrário.
Mas a coleção de canções é definitivamente espetacular. Seis delas são dos três grandes ciclos, duas de cada um deles – Die Schöne Müllerin, Winterreise e Schwanengesang. Estas canções e mais as outras dez formam um ótimo painel que exprime o quanto se desenvolveu com Schubert a arte da canção.
Auf dem Wasser zu singen e Der Müller und der Bach fazem alusão à água corrente, ao riacho que dita o ritmo e sempre dava grande inspiração a Schubert.
Erlkönig e Der Tod und das Mädchen são baladas cheias de tons fantasmagóricos nas quais o cantor precisa interpretar diferentes vozes. São duas das canções mais conhecidas de Schubert.
Ständchen (Serenata) e Der Lindenbaum são canções dos ciclos Schwanengesang e Winterreise que se destacam dos ciclos e certamente tem suas melodias reconhecidas em todas as partes.
Wohin, a segunda canção do Die Schöne Müllerin trata de um tema caro à cultura germânica, que reúne o amor pela natureza e a compulsão por seguir caminhando – Para onde?
Du bist die Ruh, Du liebst mich nicht e Der Jüngling an der Quelle são lindas canções de amor e de um pouco de dor de cotovelo. Afinal, o Franz sabia dessas coisas. O tema da água está aí de novo, na Quelle. Aqui, a dificuldade apresentada ao cantor(a) é manter um legato e produzir um som, assim, que traga paz…
Der Leiermann, Der Doppelgänger e Des Fischers Liebesglück são canções compostas no fim da vida e atingem uma profundidade especialmente tocante e com tons bastante sombrios. São canções bem sérias.
An die Musik só poderia ter sido composta por alguém que tinha uma intimidade enorme com a música. Os versos são simples, mas a arte de Schubert os eleva muito, muito.
Du holde Kunst, ich danke dir dafür,
Du holde Kunst, ich danke dir!
As duas canções que ainda não mencionei têm nomes de mulheres. An Sylvia é uma tradução para o alemão de um texto de Shakespeare, que cria assim uma conexão entre as canções de Schubert e de Dowland. Conexão esta que fica reforçada nesta interpretação com acompanhamento de violão. Finalmente a canção que eu gostei mais no disco, Alinde! Esta é a segunda faixa do disco e como ficou bonito o acompanhamento do violão. Esta merece bis, quando terminares de ouvir o álbum.
Coloquei na pasta uma faixa extra, uma gravação bastante antiga desta canção, na voz do ótimo Hans Hotter, com acompanhamento de piano. Fica aí uma possibilidade de comparar.
Ouça tudo umas quatro ou cinco vezes e depois me conte se não é mesmo uma beleza de disco. Este vai para a minha retrospectiva deste ano que começa a desenhar seu fim, mas ainda com muitíssimas preocupações e angústias.
Franz Schubert (1797 – 1828)
Auf dem Wasser zu singen, D774
Alinde, D904
Du bist die Ruh D776
An Sylvia, D89
Erlkönig, D328
An die Musik D547
Ständchen ‘Leise flehen meine Lieder’, (No. 4 do Schwanengesang, D957)
Wohin (No. 2 do Die schöne Müllerin, D795)
Der Müller und der Bach (No. 19 do Die schöne Müllerin, D795)
“Philip Sly possesses a fine, velvet bass-baritone voice, clear diction and splendid, true intonation.” – Gramophone Magazine 2014
This is an amazing collection of Schubert for guitar and low voice. Phillipe and John compliment each other well and the blend they achieve is superb.
Philippe Sly hat eine phantastisch klare Stimme, gute Diktion, einen guten Gitarrenbegleiter… und trifft, wie ich meine, genau das, was Schubert ausdrücken wollte: Romantik pur. Bin begeistert.
Além de Noites nos Jardins de Espanha e Dança Ritual do Fogo, pouca ou coisa alguma eu conhecia de Manuel de Falla. Assim, quando me dei com a capa ensolarada deste álbum, decidi investigá-lo. A Fantasia Bética quase me derrubou, mas a insistência encorajada pelas Peças Espanholas que abrem o disco valeu a pena. As danças dos balés que completam o disco são ótimas!
Manuel de Falla nasceu em Cádiz e era um esquisitão – católico estremado, hipocondríaco e cheio de manias. Foi celibatário (dizem as minhas fontes) e como Bruckner, passou boa parte da vida sob os cuidados de uma irmã, que era chamada María del Carmen. Muito reservado e introvertido, no entanto, sempre foi muito amigo de seus amigos.
O disco começa com as Cuatro piezas españolas que ele compôs entre 1907 e 1908, com influência do amigo Isaac Albéniz. Em 1907 foi para a França a convite de um empresário para uma tournée de concertos. É claro, era propaganda enganosa. Mesmo assim ele ficou por lá até 1914, principalmente em Paris. Neste período produziu pouco (seu processo de composição era lento e ele muito crítico e exigente), mas aprendeu muito. Conviveu com Dukas, Debussy, Ravel e Albéniz.
Sua primeira obra a fazer sucesso foi a ópera A Vida Breve, que custou, mas estreou bem em Nice, em abril de 1913 e passou a lhe render algum dinheiro. Além disso, o editor Max Eschig o contratou para a publicação de Noites nos Jardins de Espanha, que só ficaria pronta em 1915.
A Fantasia Bética, assim como A Vida Breve e o balé El Amor Brujo se destacam pelo uso de melodias do cante hondo, da Andaluzia.
Completam o disco três danças do balé El sombrero de tres Picos, resultado do encontro em 1916 com Diaghilev quando o empresário passou pela Espanha com sua companhia. A pedido dele, de Falla se ocupou da composição do balé até quando foi estreado em Londres, em 1919, com figurinos e cenários de Pablo Picasso. E com sucesso. Além dessas três danças, temos uma suíte do balé El Amor Brujo, com a famosíssima Dança Ritual do Foge.
A faixa 6, que abre a sequência de peças de El sombrero de tres picos é como a capa deste disco – ensolarada! A interpretação de Alicia de Larrocha é garantia de extremo bom gosto na interpretação, além da qualidade técnica e autenticidade. Quer mais?
Aproveite!
René Denon
PS: Se ainda tiver um tempinho, veja esta postagem:
Este disco é um tesouro repleto de pequenas gemas – linda poesia, ótima música e excelente interpretação – mas pede uma audição cuidadosa, demanda tempo para ser devidamente apreciado.
É claro, você poderá ouvi-lo uma vez e coloca-lo naquela pasta de discos interessantes, seguindo em frente para outras aventuras sonoras. Mas, se você dispuser de um pouco mais de tempo, poderá deleitar-se devidamente e abrir uma porta ou uma janela para um universo cultural bastante rico.
Digo isto pois John Dowland é um compositor cuja música pode ser facilmente rotulada de dolente, melancólica, cheia de sofrência… Realmente, tem isso, faz parte do pacote. Mas vai bem além disso. Não por acaso o seu Primeiro Livro de Canções – The First Booke of Songs – editado pela primeira vez em 1597 foi seguido de quatro edições, a última em 1613, e foi o primeiro do gênero em língua inglesa, estabelecendo um padrão altíssimo.
Outros livros do compositor seguiram e sua arte permanece como um retrato da cultura de seu tempo – ele foi contemporâneo da Rainha Elizabeth I e de Shakespeare. Há em sua música uma componente de atemporalidade que percebemos ao vê-la interpretada até pelo pop-star Sting. Afinal, canções que falam de amor – love, love, love – são sucesso de compositores ingleses até hoje.
Escolhi este álbum para ser o primeiro de uma série de postagens com obras de Dowland por achar que ele evita as principais armadilhas que se não forem afastadas na preparação de um projeto como este, acabaria resultando um disco chato – booooring!
Primeiro obstáculo – excesso de melancolia e tempo por demais moroso. A questão do tempo é fundamental. Dowland viveu no fim do século 16, começo do século 17. A passagem do tempo, a velocidade das coisas era diferente da que experimentamos hoje. Uma viagem de Londres a Paris, que seria feita apenas por pessoas distinguidas, demoraria dias. Um destes sites de perguntas estranhas me informa que cavalos bem treinados e tratados podem manter a velocidade de uns 15 quilómetros por hora, por horas. São 300 quilómetros de Paris a Calais – umas 25 horas, pois há que parar de vez em quando para trocar os pobres cavalos, refresca-los e essas coisas. Coloque mais umas 11 horas para ir de Dover a Londres. Isso sem contar a travessia do canal, a espera das conexões, a maré certa. Pois é, outros tempos, outro tempo.
Tem também a questão dos intérpretes. Como vamos ouvir canções, a voz é um fator relevante. É comum ouvir as canções de Dowland nas vozes mais altas – soprano e contra tenor. No meu caso, isso pode ser um problema. Além disso, o acompanhamento do cantor em geral é feito por um alaúde. Isso é certo, John fazia isso, mas se houver mais instrumentos, fica mais colorido e isso também é perfeitamente adequado. O cantor deste disco, Joel Frederiksen, é baixo-barítono, toca o alaúde e se faz acompanhar pelo excelente grupo Ensemble Phoenix München e a gravação é espetacular.
A escolha absolutamente criteriosa das canções e dos números instrumentais nos dá um ótimo panorama da obra de Dowland – um desfile de big hits!
A primeira canção, do terceiro livro, é um ótimo exemplo de como música e poesia vão de mãos dadas, no mais alto nível. Veja o refrão: And love is love in beggers and in kings! A canção demora curtíssimos 2’14! Se você não a ouvir de novo, não se embebedar da música, vai perder.
E Dowland conviveu com nobres e reis. A letra da segunda das canções – Can she excuse my wrongs with vertues cloak? – foi escrita pelo segundo Conde de Essex – Robert Devereaux – favorito da Rainha, nobre e corsário inglês, que acabou executado em razão de conspirações muitas. A própria Rainha é constante referência nas canções de Dowland, que esperava uma posição na corte, mas que veio apenas no fim de sua vida, quando assumiu o trono outro monarca. Dowland era católico e chegou a ser acusado de traição. Não foi condenado, mas também nunca ganhou as graças da Rainha Virgem. Na canção When Phoebus first did Daphne love, o frustrado Apolo manda: Past fifteene none, none but one should live a maid! Já deu para perceber quem seria esta uma… Veja também que na outra canção, que a segue no disco, também do Terceiro Livro, ouvimos:
Say Love if ever thou didist find,
A woman with a constant mind,
None but one,
And what should that rare mirror be,
Some Goddesse or some Queene is she,
She, she, she, and only she,
She only quenn of love and beautie.
Mesmo assim, nada de emprego…
A alternância de canções mais dolentes com outras mais animadas é muito bem-feita. A famosíssima Flow my Teares – também conhecida por Lachrimae na sua versão instrumental, é seguida por uma peça instrumental, My Lord Chamberlain his Galliard, e depois pela alegre Fine knacks for ladies, que nos transporta para uma feira ao ar livre – com frivolidades e muita animação.
Entre as peças instrumentais, chamo a atenção para The Frog Galliard, aqui interpretada por um conjunto de três alaúdes, cuja versão com letra Now o now I needs must part é uma belíssima canção do Primeiro Livro, em breve num distribuidor do PQP Bach Ars Blog mais perto de você. Até lá, veja só este avant premiere!
Os temas das canções são o amor platônico, o amor mundano, fidelidade e essas coisas. As raízes de sua música estão fortemente fincadas nas tradições madrigais que aprendeu em Paris, onde aprofundou sua predileção pelo alaúde. Para lá foi aos 17 anos a serviço de Sir Henry Brooke Cobham, embaixador junto ao Rei da França. Boa parte de sua vida, John Dowland passou longe da Inglaterra, muitos anos a serviço do Rei da Dinamarca, de onde enviou seu Segundo Livro de Canções para que sua mulher o publicasse.
Enfim, mais histórias guardo para as próximas postagens. Enquanto isto, aproveite este disco e se familiarize com esta música que permanece tão acima do tempo como as emoções que retratam e as perguntas que fazem.
Veja um exemplo da eterna sabedoria que está escondida nestas letras: Que tolos são os que não sabem que o amor não aprecia qualquer lei que não seja a sua própria…
A música de Bach sempre é bem-vinda aqui, mas esta gravação das Suítes Orquestrais com o apelativo título ‘Suítes Orquestrais para um Jovem Príncipe’ nos oferece algumas novidades.
Temos as conhecidas quatro suítes que Bach compôs quando estava a serviço do Príncipe Leopold of Anhalt-Köthen, o tal jovem príncipe do título, mas três delas em suas versões ‘originais’ – as suítes de Nos. 2, 3 e 4.
Essas reconstruções buscam apresentar o que teria sido as primeiras versões destas peças. Não se preocupe muito, a música está toda aí e com a interpretação excelente da Monica Huggett e o Ensemble Sonnerie, com toda a sua grandeza preservada, especialmente se levarmos em conta a excelente produção da Avie.
Na Segunda Suíte, sai a flauta e entra um oboé. Inicialmente acreditava-se que o instrumento original (que não seria uma flauta) tenha sido um violino. No entanto, o oboísta Gonzalo X. Ruiz argumentou teoricamente e depois mostrou na prática que o oboé é o tal instrumento com destaque na primeira versão.
Nas duas últimas suítes as principais mudanças são a eliminação dos tímpanos e dos trompetes cujas partes foram acrescentadas posteriormente por Carl Philippe Emanuel na Terceira e por Johann Sebastian, para uso na Cantata BWV 110, na Quarta Suíte. Essas modificações não roubaram da música seu caráter festivo pois que foram aqui substituídas por instrumentos de cordas e oboés.
Temos assim uma reconstrução das Suítes como o Príncipe as deve ter ouvido. Se você baixar os arquivos e não se der conta de que é uma ‘reconstrução’ das Suítes, poderá se sentir como o alemão que comprou o disco da Amazon e se disse enganado, uma vez que a música não se apresenta conforme a intenção do Herr Bach. Cadê a flauta e os tímpanos e os trompetes que estavam aqui??? Mas se você gosta de música e tem a mente um pouco mais arejada, vai gostar muito, especialmente porque a Monica e a Sua Turma farão as Suítes dançarem para você!
Como disse outro ilustre crítico amador: The Ensemble Sonnerie, under Ms Huggett seems to play a much livelier set of suites than I have been used to. So far, it seems to be the way it should be played. and I actually love their performance.
O universo sonoro criado por Maurice Ravel é extremamente rico, luxuoso, sofisticado. Todas as suas obras, desde as peças para piano, música de câmera ou com orquestra apresentam riqueza de detalhes e características absolutamente próprias que as tornam fáceis de serem identificadas como obras suas.
Eu não consigo ouvir ou fazer qualquer alusão a Ravel e sua obra sem lembrar de Artur da Távola, que (provavelmente) produzia e apresentava um programa sobre a vida e a obra de Ravel na Rádio MEC, que eu ouvia no Rio de Janeiro.
Mas quanto ao disco da postagem, temos uma coleção de peças de música de câmera interpretadas por músicos da Berliner Philharmoniker que têm alguma ligação, um certo compromisso com a música e a sonoridade francesa, apesar de não serem todos de origem francesa. O disco também não apresenta qualquer ‘integral’ da música de câmera de Ravel, que deveria então incluir o maravilhoso Trio com Piano ou a Sonata para Violino. Mas, o que temos aqui é excelente e muito representativo da obra de Ravel.
Inclusive porque duas obras foram escritas para outra combinação de instrumentos e Ravel ele mesmo orquestrou eventualmente peças que havia escrito para piano.
Começamos com a belíssima Introdução e Allegro para flauta, clarinete, harpa e quarteto de cordas. É música de câmera, mas com um conjunto sonoramente muito diverso e rico. A peça parece um pequeno concerto para a harpa.
Em seguida, o quarteto de cordas da BP apresenta a sua leitura do belíssimo quarteto de cordas.
A peça que segue é um arranjo para conjunto de câmera da Sonatine (escrita originalmente para piano) feito por Carlos Salzedo para flauta, harpa e violoncelo. Nesta gravação, o violoncelo foi substituído pela viola, fazendo assim a mesma formação que a Sonata de Debussy. Belíssimo!
Ravel escreveu um Duo para Violino e Violoncelo em 1922 e esta é a peça que posteriormente ganhou o status e título de Sonata e é a mais modernosa das peças aqui apresentadas. A interpretação dos músicos da BP enfatiza essa modernidade com os ataques bem pronunciados e evitando de ‘embelezar’ a peça. Um bom contraste para com as peças anteriores.
Para completar, o grupo todo se reúne para apresentar um arranjo do último movimento da Suíte ‘Ma Mère l’Oye’, Le Jardin féerique, escrita originalmente para piano a quatro mãos, mas que o próprio Ravel posteriormente ampliou e orquestrou.
Nos arquivos postados, às 13 faixas originais do disco eu acrescentei algumas ‘faixas bônus’ para ilustrar e servir de comparação com as versões do disco.
Temos uma gravação para dois pianos da ‘Introdução e Allegro’, aqui interpretado pelos excelentes Stephen Coombs e Christopher Scott. Esta gravação mostra o poder do(s) piano(s) de recriar o universo sonoro obtido com outras combinações de instrumentos.
Escolhi a gravação do Bavouzet da Sonatine, na versão original para piano. E para a última peça do disco, de título imaginoso, Le Jardin féerique, a versão para piano a quatro mãos da simpaticíssima dupla Marylène Dosse e Annie Petit.
Maurice Ravel (1875 – 1937)
Introdução e Allegro para flauta, clarinete harpa e quarteto de cordas
Introdução e Allegro
Quatuor à cordes en Fa Majeur
Allegro moderato – très doux
Assez vif – très rythmé
Très lent
Vif et agité
Sonatine en Trio (flauta, harpa e viola)
Modéré
Mouvement de Menuet
Animé
Sonate para Violono e Violoncelo
Allegro
Très vif
Lent
Vif, avec entrain
Ma mère l’Oye
Le Jardin féérique, para flauta, clarinete, harpa e cordas
Wenzel Fuchs, clarinete
Emmanuel Pahud, flauta
Marie-Pierre Langlamet, harpa
Christophe Horak, violino
Simon Roturier, violino
Ignacy Miecznikowski, viola
Bruno Delepaire, violoncelo
Faixas Bônus
Introdução e Allegro para flauta, clarinete harpa e quarteto de cordas
Introdução e Allegro
Stephen Coombs e Christopher Scott, pianos
Sonatine (para piano)
Modéré
Mouvement de Menuet
Animé
Jean-Efflam Bavouzet, piano
Ma mère l’Oye
Le Jardin féérique
Marylène Dosse e Annie Petit, piano (a quatro mãos)
Ontem recebi a ligação de um amigo com quem não falava há tempo. Custou um pouco para entender de quem se tratava, hoje recebemos tantas indesejadas chamadas. É claro que eu não conheço alguém por nome Selim Gidnek e a pessoa falava como se estivesse em uma cabine de telefone de Londres. Mas, rapidamente matei a charada. Uma vez espião, mesmo aposentado certos hábitos de disfarces persistem. Pois a ligação era do Miles Kendig, o espião que ama a música de Mozart. E como ele sabe de minha enorme predileção pelo piano, foi logo entabulando conversa sobre o tema. Lá onde ele se encontra agora, faz muito sucesso a gravação dos concertos de Wolfgang pelo Géza Anda. Imagine só… Ele fez um som como quem faz um muxoxo quando mencionei pianofortes e instrumentos de época. Isto não é para o Miles. É claro ele interessou-se pelas novidades e prometeu ouvir tão logo pudesse a gravação do Pennetier que postei dia destes aqui.
Adorei o papo com o Miles e resolvi ouvir um bom disco com concertos para piano de Mozart. O difícil aqui só é mesmo escolher, pois há muitos. Assim, olhando pela prateleira com os Concertos de Mozart cheguei no espaço reservado para o Alfred Brendel. Ele gravou várias vezes as obras de Beethoven, Schubert e Mozart, assim como outros compositores. Primeiro para a Vox e depois para a Philips – analógico, digital. Certamente há preferências por esta ou aquela fase do artista, mas tratando-se de Concertos para Piano de Mozart, temos a integral, na qual ele é acompanhado pela Academy of St. Martin-in-the-Fields e o onipresente Neville Marriner. E temos também algumas gravações feitas posteriormente, estas acompanhadas pela Scottish Chamber Orchestra regida por Sir Charles Mackerras. Eu, que sou easy to please, como aquela famosa camiseta que você sonha dar para o cunhado, gosto de todas…
Um disco me chamou a atenção, por ter dois concertos que gosto muito – os de Nos. 12 e 17. Pois bem ao lado dele, um disco que custei bastante a conseguir, onde a EMI ‘empresta’ o Brendel da Philips e o coloca junto com o Alban Berg Quartett para gravarem a versão do Concerto No. 12 com o piano acompanhado por um quarteto de cordas. Este disco nos oferece uma oportunidade de ouvir um excelente pianista tocando com um dos melhores quartetos de cordas de seus dias. Alfred Brendel e Alban Berg Quartet é assim, um dream team.
O disco de concertos que escolhi ouvir já havia sido postado em 2008 pelo FDP Bach. Como o link da postagem já não está mais ativo, decidi fazer uma dupla postagem. O que o FDP chamou de ‘falta de vigor’ da SCO, regida pelo excelente Mackerras, eu chamo de ‘excesso de experiência’. Acho que os dois músicos principais, tanto Alfred quanto Charles, sabiam que suas experiências com concertos e gravações estavam se aproximando do fim (Brendel aposentou-se devido a problemas com artrites) e acredito que poderiam estar se aproveitando bastante do momento… Fica aí para você decidir, como disse antes o FDP Bach.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Concerto para piano No. 12 em lá maior (arranjado por Mozart para Piano e Quarteto de Cordas)
Allegro
Andante
Allegretto
Quarteto com piano No. 2 em mi bemol maior, K. 493
L’accoppiata Brendel/Mozart non fallisce mai e in questa magnifica edizione brilla in partnership con il fenomenale Alban Berg Quartett. Un tassello encomiabile per chi ama la musica da camera.
Sobre o segundo disco:
Alfred Brendel’s Mozart concertos with Mackerras and the Scottish Chamber Orchestra have been a major pleasure over the past few years, and this latest issue doesn’t disappoint. BBC Music Magazine
Aproveite!
René Denon
Faça como o Miles, não deixe de visitar a postagem a seguir:
Alguns filhos de famosos relutam seguir a carreira dos pais por diversas razões e certamente o peso da comparação está entre elas. No caso de Carl Philippe Emanuel, além do pai, também o padrinho era famoso. Talvez até mais famoso. No entanto, Emanuel era um Bach e naqueles dias, Bach e músico era quase a mesma coisa.
O florescimento da carreira de Emanuel ocorreu quando o ambiente cultural em que eles viviam fazia assim uma revisão do gosto musical, com o estilo barroco que se desenvolvera por gerações chegando a um ápice e com sua arte extremamente requintada da qual seu pai e seu padrinho eram assim dois grandes representantes começava a dar lugar a uma música menos estudada e mais leve, o estilo galante que abriria caminho para o classicismo. A contribuição de Emanuel para este estilo foi enorme e quando Mozart reverenciava um certo Bach em sua famosa frase, era a Emanuel a quem ele se referia.
Neste disco onde a Kammerakademie Potsdam tem importante papel, tendo como solista o oboísta Ramón Ortega Quero, temos quatro concertos dos três compositores – pai, filho e padrinho.
Mesmo que alguns deles não tenham sido compostos originalmente para o oboé, as adaptações fazem jus à maravilhosa música dessa época e é bem representativa da arte destes geniais compositores, que assim conviveram num período de transição artística.
O disco abre com o concerto do mais jovem compositor, escrito originalmente para flauta e arranjado para oboé pelo excelente solista. Aliás, Ramón tem desempenhado o papel de principal oboé de várias importantes orquestras, sendo mais recentemente indicado para assumir está posição na Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks. Veja uma entrevista sua aqui.
Em seguida, o Concerto em lá menor, BWV 1041, de Johann Sebastian Bach, aqui tendo o oboé no lugar do violino.
O Concerto de Telemann é o único em quatro movimentos e inicia com um lindo movimento mais lento – Siciliano.
Para terminar, o Concerto em sol menor, BWV 1056 de Bach, que tem o movimento lento mais lindo de todos. Confira!
Carl Philipp Emanuel Bach (1714 – 1788)
Concerto para flauta em ré menor, Wq. 22, H. 425 (arranjo para Oboé, cordas e cravo por R. O. Quero)
[Allegro]
[Andante]
Allegro assai
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto para violino em lá menor, BWV1041
[Allegro moderato]
Andante
Allegro assai
Georg Philipp Telemann (1681 – 1767)
Concerto em lá maior para oboé d’amore, cordas e baixo contínuo, TWV 51:A2
This is Ramón Ortega Quero’s debut Genuin CD and is part of the Movimentos edition. He won the ARD Music Competition and is solo oboist in the BR-Symphonieorchester.
Well supported here by the highly versatile Kammerakademie Potsdam.
Digamos que você tenha acordado com uma insaciável vontade de ouvir Bach – música para teclado – piano em geral é o meu caso. Você corre os olhos pela prateleira onde normalmente coloca os CDs com esse tipo de música ou dá aquela blitz pela pasta de arquivos digitais com o nome Bach-Klavier e só encontra coleções enormes: O Cravo Bem Temperado, as Partitas, as Suítes Francesas e Inglesas. Até aquela gravação de A Arte da Fuga tão almejada e que você ainda não encontrou tempo para ouvir.
Mas, acalme-se, trago aqui a solução para o problema. Uma coleção de peças para teclado do Bach Maior, mas que não lhe tomará o dia todo para ouvir: as Invenções (Sinfonias a Duas Vozes) e as Sinfonias (a Três Vozes).
E vos digo mais, gravadas por uma maravilhosa pianista – Zhu Xiao-Mei. As peças foram escritas por Bach para servirem de exercícios para o aprendizado do teclado, mas reúnem tanta beleza dentro de sua simplicidade que se tornaram obras primas.
Zhu Xiao-Mei é realmente uma pessoa muito especial. Suas enormes experiências de vida, algumas verdadeiramente difíceis, certamente contribuíram, assim como seu enorme talento, a forjar uma pianista muito especial e que tem pela música de Bach uma grande afinidade. Assim, é com muito prazer que faço esta postagem e espero que os leitores-seguidores do blog tenha a oportunidade de apreciar suas interpretações tanto quanto eu.
Não resisto a traduzir um pedacinho da abertura do livro autobiográfico que Xiao-Mei relutantemente escreveu, o qual já tenho lido uma parte. Ela inicia contando como sua avó contava uma história sobre o dia de seu nascimento. ‘Na tarde em que você nasceu, eu olhei para o céu sobre Xangai. O sol ia se pondo por entre as nuvens. Eu jamais havia visto tão lindo por do sol. Eu me lembro de ter pensado que a sua vida seria como uma grande e resplandecente tapeçaria, assim como aquela paleta de tons vermelhos. Eu tinha certeza disso’. Não é maravilhoso poder ouvir uma história como esta?
Portanto, sem mais delongas, baixe o disco e deleite-se! Este é verdadeiramente ‘papa-fina’.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Invenções a Duas Partes Nos. 1-15, BWV772-786
Invenção No. 1 em dó maior, BWV 772
Invenção No. 2 em dó menor, BWV 773
Invenção No. 3 em ré maior, BWV 774
Invenção No. 4 em ré menor, BWV 775
Invenção No. 5 em mi bemol maior, BWV 776
Invenção No. 6 em mi maior, BWV 777
Invenção No. 7 em mi menor, BWV 778
Invenção No. 8 em fá maior, BWV 779
Invenção No. 9 em fá menor, BWV 780
Invenção No. 10 em sol maior, BWV 781
Invenção No. 11 em sol menor, BWV 782
Invenção No. 12 em lá maior, BWV 783
Invenção No. 13 em lá menor, BWV 784
Invenção No. 14 em si bemol maior, BWV 785
Invenção No. 15 em si menor, BWV 786
Invenções a Três Partes (Sinfonias) Nos. 1-15, BWV787-801
Zhu Xiao-Mei sings the sinfonias with her finger tips. When I want to have peaceful blissful moment in the evening, this fills the bill.
Alberic Lagier of Musikzen (01/2016) has the following interesting comment about Zhu Xiao-Mei’s interpretation of the Inventions and Sinfonias of Bach: « It is not music to be taken on a desert island, it is rather the music that will take you there ».
si vous avez aimé les variations Goldberg, vous allez adorer ces inventions, la même fluidité, ce même refus du cliquant ou de l’ épate, juste de la musique par une merveilleuse artiste qui, loin des “effets” et pourtant sans austérité aucune, nous offre un pur moment de plaisir.
“Johann Sebastian Bach’s Inventions and Sinfonias become real musical pearls in Zhu Xiao Meis incomparably refined playing, peppered by a totally respectful imagination and creativity. Enchanting!” Pizzicato
She follows Bach’s instructions to perform in a “cantabile” style, the melodic lines always emerging with crystalline clarity over the counterpoint. — New York Times
“Zhu Xiao-Mei turns her attention to these smaller-scale pieces, finding the drama in each miniature and rendering the set with myriad nuances.” Arts Beat, The New York Times
この曲集こそ「ミクロコスモス」、まさに小宇宙であることを気付かせてくれました。
各曲・各声部が、その歌を自然に歌っています。鍵盤楽器の技術教本ではなく、歌の宝石箱。(Essa coleção de músicas me fez perceber que “Microcosmos” é realmente um microcosmo. Cada música e cada voz canta a música naturalmente. Uma caixa de joias para canções, não um livro técnico para instrumentos de teclado.)
Nas muitas críticas feitas por amadores e profissionais sobre este álbum, recorrentemente ouvimos palavras como fluidez, ‘cantabile’, e também, prazer, encantamento, que bem descrevem as interpretações. Mas a citação que eu mais gostei foi a que listei por último, escrita em japonês. Uma excelente maneira de explicar o disco.
Dia destes postei estes dois concertos para piano de Beethoven – suas primeiras tentativas a chegar na lista de opus, pois que houve esboços anteriores. Digo isso para enfatizar que ele teve que percorrer um bom trecho antes fazer suas enormes conquistas.
Naquela postagem a motivação era a cadência escrita por Glenn Gould para o primeiro movimento do Primeiro Concerto. Para esta postagem a motivação é bem outra. O que me chamou a atenção neste disco é a perspectiva contemporânea da interpretação, na qual a orquestra toca com instrumentos modernos, mas é de tamanho reduzido e as experiências das interpretações que consideram as práticas da época se fazem ouvir. Olivier Cavé além de ter uma excelente técnica, tem uma forte identificação com este tipo de repertório, música do período clássico, como ficou bem evidente de seus discos até agora, sendo que alguns deles podem ser encontrados aqui no blog, com Concertos para Piano de Mozart, assim como Sonatas de Haydn e do próprio Beethoven. Para completar o pacote, um jovem e promissor regente que impele sua orquestra com sua energia e uma produção primorosa do selo Alpha.
Veja o que um site holandês disso do disco, via Google Translator: Olivier Cavé nos oferece aqui pela primeira vez sua interpretação dos dois primeiros concertos de Beethoven, escritos entre 25 e 30 anos. Nos concertos de Mozart que gravou em 2016, houve uma verdadeira alquimia e este novo projeto caracteriza-se pela mesma vitalidade juvenil em duas obras de um Beethoven ainda impregnado da influência de Mozart. Sua energia ganha um impulso extra com a colaboração com Kammerakademie Potsdam, uma orquestra com muita experiência no repertório de Beethoven, e com o jovem maestro Patrick Hahn, um dos membros mais promissores da nova geração, que celebrará seu 25º aniversário em 2020.
Tá esperando o que? Anda, baixe logo e depois nos conte…
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Concerto para Piano No. 1 em dó maior, Op. 15
Allegro com brio
Largo
Rondo (Allegro)
Concerto para Piano No. 2 em si bemol maior, Op. 19
Você sabia? At the time [that the First Piano Concerto was written], Beethoven regularly gave piano lessons to various young women of noble descent. Amongst his various pupils was the young princess Odeschali, born Barbara de Keglevics. The precise nature of their relationship sparked numerous rumours, given that the composer dedicated no less than fours works to the princess, including the Concerto no.1 for piano. Though there was no indication of a romantic attachment, the two were neighbours and Beethoven would allegedly often come to give his lessons in a dressing gown and slippers! (Michel Lecompte, La Musique Symphonique de Beethoven).
Um disco para quem gosta de música para piano! Mas, também adequado para quem gosta de música. Que festa de sons!
É impressionante o número de maravilhosos pianistas gravando e regravando um repertório que há quarenta ou cinquenta anos era restrito a um círculo de menos do que meia dúzia deles.
Basta tomar como parâmetro a obra para piano de Ravel, com o dificílimo Gaspard de la nuit, que pode ser acomodada em dois CDs. Veja só alguns nomes que podem lhe ser familiares: Angela Hewitt, Bertrand Chamayou, Jean-Efflam Bavouzet, Jean-Yves Thibaudet, Alexander Tharaud, Artur Pizarro e Steven Osborne, só para ficar nos selos mais conhecidos…
Mesmo assim, ao ouvir um disco como este, não posso deixar de admirar a qualidade técnica e a beleza da interpretação. Sem mencionar a escolha do repertório, de capa e outras pequenas coisas que distinguem um lançamento como este.
O disco começa com duas peças menos conhecidas, para chamar a nossa atenção e, então, L’isle joyeuse – um verdadeiro show de pirotecnia ao piano. Impossível ficar indiferente.
A seguir os dois trípticos chamados de Images, começando com a peça Reflets dans l’eau, que é também usada como encore por vários pianistas.
Seguindo as Images, mais um tríptico, Estampes. As três peças – Pagodes, de inspiração oriental (javanesa), La soirée dans Grenade e o Jardins sous la pluie, mais uma vez a inspiração das gotas de água e os seus ritmos, soam são tão inovadoras como eram ao serem escritas.
Completando o programa a suíte Children’s Corner com seus títulos em inglês. Debussy dedicou a suíte à sua filha, Claude-Emma, de apelido Chou-Chou. Na dedicatória ele colocou: ‘Para minha querida pequenina Chouchou, com a terna desculpa de seu pai pelo que seguirá’. E aí, toma de música linda com inspiração no universo das crianças e seus brinquedos. Enfim, um disco para ser ouvido miles de vezes.
Atenção! A peça Et la lune descend sur le temple qui fut é uma das mais bonitas do disco, mas é muito especial e merece ser ouvida com toda a atenção, especialmente numa linda e silenciosa noite. Não deixe o encanto ser quebrado…
I couldn’t agree more: here Osborne’s phrasing and pacing is pure and poetic, as well as raptly atmospheric in ‘The Snow is Dancing’ and it finishes with a deliciously louche cake-walk. — BBC Music Magazine, October 2017
Aproveite!
René Denon
Se você gostou da música desta postagem, poderá se interessar em visitar estas postagens aqui:
Esta postagem traz dois discos – dois álbuns – com sonatas para piano de Beethoven interpretadas por um dos mais famosos pianistas noruegueses – Einar Steen-Nøkleberg.
Apesar da única capa, realmente são dois álbuns. No primeiro três das mais famosas sonatas para piano de Beethoven, três sonatas com apelidos. Este disco é de 1990. O outro não poderia ser mais contrastante, tanto em repertório quanto na interpretação, e é 13 anos mais novo, de 2003.
No disco com as Sonatas ‘Pathétique’, ‘Mondschein’ e ‘Appassionata’ o som é de acordar os vizinhos, a interpretação não economiza no virtuosismo. Disco para tirar o fôlego! Faz pensar na teoria de que Beethoven foi o último compositor clássico e o primeiro músico romântico!
No disco com as três últimas sonatas, a interpretação é mais contida, mas não é menos intensa por isso. Parece mais adequada a um pianista 13 anos mais velho, interpretando um compositor que já amadurecera não só na experiência profissional, mas principalmente com as agruras da vida.
Eu tenho uma grande admiração pelas três últimas sonatas para piano de Beethoven. Acho que ele atingiu um alto nível de criação artística nestas peças, assim como foi no caso dos últimos quartetos.
Eu sei que o artista da postagem é o pianista, mas esse tema do romantismo e Beethoven mexeu comigo e fui buscar no baú de minhas notas um resumo deixado sobre o tema pelo inesquecível Leonard Bernstein. Fala aí, Lenny!
‘Os compositores românticos não realizaram uma convenção em Chicago onde decidiram se tornar românticos: novamente, é um reflexo das mudanças que acontecem na história, a maneira como as pessoas vivem, pensam, sentem e agem. E tudo começou, por estranho que pareça, com o maior classicista de todos, Beethoven. Veja, ele era duas coisas ao mesmo tempo: ele foi o último homem do período clássico, e o primeiro homem do período romântico, tudo de uma vez. Acho que você poderia dizer que ele foi um classicista que foi longe demais; ele estava tão cheio de sentimento e emoção que não conseguia se manter acorrentado a todas aquelas regras e regulamentos do século 18; e então ele quebrou suas correntes e começou um novo tipo de música. E esse foi o fim da música clássica.
Beethoven é o início da música romântica. Não se esqueça que ele ainda sai do século 18, embora tenha vivido por cerca de 25 anos no século 19; mas suas regras, embora ele as quebre, ainda são regras clássicas. Ele ainda estava tentando aperfeiçoar essas regras; e no melhor de sua música ele chegou tão perto da perfeição quanto qualquer ser humano desde o início do mundo’.
Veremos como se sai então nessa diversa empreitada nosso pianista que veio da Noruega!
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
CD1
Sonata para Piano No. 8 em dó menor “Pathétique”, Op. 13
Grave-Allegro molto e con brio
Adagio cantabile
Rondo: Allegro
Sonata para Piano No. 14 em dó sustenido menor “Mondschein”, Op. 27/2
Adagio sostenuto
Allegretto
Presto agitato
Sonata para Piano No. 23 em fá menor “Appassionata”, Op. 57
Allegro assai
Andante con moto
Allegro ma non troppo
CD2
Sonata para Piano No. 30 em mi maior, Op. 109
Vivace, ma non troppo
Prestissimo
Andante molto cantabile ed espressivo
Sonata para Piano No. 31 em lá maior, Op. 110
Moderato cantabile molto espressivo
Allegro molto
Adagio, ma non troppo- Fuga: Allegro, ma non troppo
Beethoven mudou-se para Viena em 1792 para estudar com Haydn e passou lá o resto de sua vida. Seus primeiros anos na capital austríaca foram de muitos estudos e muito trabalho, na busca de sua afirmação como compositor. Ele era reconhecido como exímio pianista e improvisador, mas os grandes compositores estabelecidos eram Haydn e Mozart, que morrera em 1791. Estes eram os padrões que Beethoven buscava alcançar.
Se olharmos a lista de suas 21 primeiras publicações ‘oficiais’, compostas entre (essencialmente) 1793 e 1800, podemos ver como ele se esforçou para a um só tempo conquistar sua própria voz, impregnando suas obras com seu imenso talento e criatividade, mas como ele também mantinha um olhar atento na ‘concorrência’.
Nestas 21 primeiras publicações temos principalmente sonatas e música de câmera. Os trios com piano, trios de cordas e o trio com clarinete estão nos Op. 1, 3, 8, 9 e 11. As sonatas para violoncelo e piano ou violino e piano nos Op. 5, 12 e 17. As maravilhosas sonatas para piano nos Op. 2, 7, 10 e 13, com mais as duas sonatazinhas do Op. 14 e a sonata para piano a 4 mãos do Op. 6. Entre estas uma das primeiras obras a ganhar um apelido, a Sonata Patética, Op. 13.
De olho no quinteto para piano e sopros de Mozart, Beethoven produziu o seu Op. 16, que com o quinteto do Op. 4 e o Septeto, Op. 20, formam assim a sua preparação para a primeira obra orquestral que viria com a Primeira Sinfonia, no opus 21. Isso mais os dois primeiros concertos para piano, publicado como Op. 15 e Op. 19.
Para fechar este primeiro ciclo, a menos de obras corais, faltava um gênero importante – o quarteto de cordas, cuja excelência havia sido alcançada pelas criações de Haydn, geralmente publicadas em grupos de seis ou dois grupos seguidos de três, e os maravilhosos seis quartetos produzidos por Mozart e dedicados a Haydn.
Assim, podemos imaginar a importância dada por Beethoven às peças que formam o número que falta na nossa lista – Opus 18.
Estes quartetos ocuparam Beethoven entre 1798 e 1800 e foram encomendados pelo príncipe Joseph Franz Maximilian Lobkowitz. As peças saíram maravilhosas e cumprem seu papel de estabelecer o Ludovico como mestre do quarteto clássico. As inovações viriam nas obras posteriores, mas estes são representantes absolutos do modelo estabelecido por Haydn e Mozart.
Eu gosto particularmente do Quarteto em lá maior, No. 5, e do Quarteto em si bemol maior, No. 6, com seu último lindíssimo movimento, La Malinconia. No início deste movimento, Beethoven deixou um importante recado: Questo pezzo si deve trattare colla più gran delicatezza.
Para a postagem escolhi a gravação feita por um quarteto suíço, o Quarteto Sine Nomine. Ao evitar escolher o nome de um específico compositor ou aludir a um especial momento da história da música, eles reafirmam seu desejo de estarem abertos a qualquer compositor e as suas músicas e com a intensão de apresentá-las com objetividade. Isto não quer dizer que suas interpretações sejam desprovidas de expressividade ou de intensidade.
Você poderá dizer por si mesmo, se baixar e ouvir estas belezuras de quartetos postados aqui.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Quartetos de Cordas, Op. 18
Quarteto de Cordas em fá maior, Op. 18 No. 1
Allegro con brio
Adagio affettuoso ed appassionato
Scherzo
Allegro
Quarteto de Cordas em sol maior, Op. 18 No. 2
Allegro
Adagio cantabile
Scherzo
Allegro molto, quasi presto
Quarteto de Cordas em ré maior, Op. 18 No. 3
Allegro
Andante con moto
Allegro
Presto
Quarteto de Cordas em dó menor, Op. 18 No. 4
Allegro ma non tanto
Andante scherzoso quasi allegretto
Menuetto. Allegro
Allegretto
Quarteto de Cordas em lá maior, Op. 18 No. 5
Allegro
Menuetto
Andante cantabile
Allegro
Quarteto de Cordas em si bemol maior, Op. 18 No. 6
These are performances that allow Beethoven’s music to speak for itself, and are all the better for it. Speeds on the whole are temperate, with none of the racing allegros and galloping finales favoured by many.
Nesta postagem vamos homenagear o aniversariante LvB e apresentar para vocês um jovem e sensacional pianista russo que vai assim estrear no nosso blog. Pavel Kolesnikov já está por aí há um certo tempo. Ele ganhou a atenção do mundo musical em 2012 ao tornar-se Prize Laureate do Honens International Piano Competition, que acontece em Calgary, no Canada. Desde então, Pavel Kolesnikov tem seguido uma ótima carreira musical, com muitas turnês pelo mundo, tocando inclusive com a Orquestra Sinfônica Brasileira.
Tem gravado uma sequência de ótimos discos para o selo Hyperion, com uma Goldberg saindo fresquinha do forno por estes dias – com muitos elogios dos críticos.
Por tanto, nosso leitor seguidor não perderá por esperar, mas começamos com este disco que traz um repertório assim … surtido.
Para aquecer os dedos, quatro peças sem número de opus seguidas pela romântica Sonata ‘Ao Luar’, que inicia com aquele movimento lento e termina no melhor estilo virtuose. Temos também o conjunto de Bagatelas do Opus 33, mais uma sonatazinha e, para arrematar ao estilo beethoveniano, as Variações em dó menor. Um ótimo recital para ser ouvido ao cair da tarde, vendo as cortinas da sala esvoaçarem. Mas, se você gosta de seu Beethoven logo pela manhã, sem problemas!
Vale a pena conferir. Espero poder trazer mais discos do moço para você em breve. Quem sabe, as Goldberg, que tal?
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Quatro Peças para Piano
Andante in C major
Bagatelle in C minor, WoO52
Bagatelle in C major, WoO56
Allegretto in C minor,WoO 53
Sonata para Piano No. 14 em dó sustenido menor, Op. 27 No. 2 ‘Ao Luar’
Adagio sostenuto
Allegretto
Presto agitato
Bagatelles (7), Op. 33
1 in E flat major. Andante grazioso, quasi allegretto
2 in C major. Scherzo. Allegro – Trio
3 in F major. Allegretto
4 in A major. Andante
5 in C major. Allegro ma non troppo
6 in D major. Allegretto quasi andante
7 in A flat major. Presto
Sonata para Piano No. 10 em sol maior, Op. 14 No. 2
Allegro
Andante
Scherzo: Allegro assai
Variações para Piano sobre um Tema Original em dó menor, WoO 80
Veja o que disse a prestigiosa BBC Music Magazine sobre as interpretações do Pavel: Unexpected tempos, but the atmosphere is unmistakable. Kolesnikov finds nocturnal quietude in the Moonlight Sonata, and his lucid, thoughtful approach pays off elsewhere too.
E também a Gramophone: […] The G major Sonata, Op. 14 No. 2, also suits Kolesnikov well…And he gives a sparkling account of the playful and perky finale.
Esta é a primeira de pelo menos duas postagens que farei envolvendo o nome Hans Zender. Se chover reclamações, farei ainda mais… Johannes “Hans” Wolfgang Zender foi um compositor e maestro alemão que morreu em 22 de outubro de 2019. No momento em que escrevo a postagem falta dez dias para completar um ano de sua morte. Como em nossas quase seis mil e quinhentas postagens o nome Hans Zender aparece só uma vez, como regente em um disco com músicas de Morton Feldman, em 2008 – postagem esta cujos links e arquivos se encontram already no grande oblivium, espero assim poder chamar a atenção de nossos leitores-seguidores para ele, trazendo outros de seus trabalhos.
Hans Zender subiu a ladeira dos empregos musicais na Alemanha, passando por casas de óperas e trabalhando muito com as orquestras das rádios, um pouco assim como Michael Gielen. Com orquestras como SWR Sinfonieorchester Baden-Baden und Freiburg, Rundfunk-Sinfonieorchester Saarbrucken e Radio-Symphonie-Orchester Berlin, deixou registros de obras de compositores seus contemporâneos, como Boulez, Rhim, Morton Feldman, e compositores anteriores como Mozart, Schubert e Mahler.
Aqui temos uma gravação que pode parecer um pouco antiquada, mas merece ser ouvida. Do ano de 1985, mostra como foi cuidadoso e reverente o trabalho de Zander. A peça é uma obra máxima, Die Kunst der Fuge – A Arte da Fuga – de Bach, um ótimo desafio para os intérpretes, já que Bach não deixou muitas instruções de como a obra deveria ser executada. Aqui temos um arranjo, uma distribuição do material musical para os diferentes instrumentos da orquestra, feito por Fritz Stiedry, que também foi ótimo regente além de arranjador, mas de uma geração anterior a de Hans Zender.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Die Kunst der Fuge, BWV 1080.
(Arranjo para grande orquestra, por Fritz Stiedry)
Esta postagem traz um disco que segue uma tradição – um disco no qual uma grande orquestra inglesa interpreta um repertório de música francesa, regida por um maestro francês. E que disco! A música não poderia ser mais bonita, a orquestração é um verdadeiro luxo. E tudo realizado com maestria e competência. O melhor de dois mundos, disco gravado ao vivo, que acrescenta a energia e excitação da ocasião, mas com técnica para evitar ruídos estranhos.
O maestro François-Xavier Roth é o Diretor Musical Geral em Colônia desde 2015 e assim dirige a Gürzenich Orchestra e a Ópera. É o Principal Regente Convidado da London Symphony Orchestra e é Artista Associado (o primeiro a assumir tal posição) da Philharmonie de Paris. O sujeito está em plena atividade!
A Rapsódia Espanhola inicia o disco de maneira gentil, fazendo que prestemos bastante atenção e depois nos vai revelando os sons que aludem ao mundo Ibérico. A orquestra tem grandes oportunidades de exibir sua técnica, brilhando nos pequenos detalhes e exibindo seu potencial sonoro que aqui é enorme.
Funcionando como um interlúdio temos o Prélude à l’après-midi d’um faune de Debussy, destilando toda a sensualidade que uma orquestra de senhores e senhoras ingleses pode produzir sob o comando de um maestro francês.
Para completar, a grande peça orquestral de Debussy – La mer.
Mas esta postagem, além de divulgar tão linda música, tem a intensão de propor uma comparação entre diferentes formatos de arquivos musicais.
PQP Bach goes techno!
Provavelmente você já sabe a diferença entre mp3 e flac. Aqui está um resumo:
De certa forma, se o MP3 é semelhante a imagem em JPG (que têm compressão com perda de qualidade), um arquivo FLAC (Free Lossless Audio Codec) é mais parecido com uma imagem em PNG. Isso porque os arquivos FLAC também passam por compressão, mas sem que isso implique em perda de qualquer parte da informação original. As palavras LOSSY e LOSSLESS são usadas para reforçar a diferença.
A escolha entre um formato e outro deve levar em conta o fato de que a perda é pequena e para que possa ser notada é necessário um sistema de som adequado, sem contar com os ouvidos treinados e sensíveis do ouvinte. Estou aqui considerando mp3 de 320kbps, pois há outras versões nas quais a perda da qualidade é mais acentuada. O tamanho dos arquivos também é um fator a ser levado em conta.
Agora, entrando na arena, temos o flac-[Hi Re]. Enquanto os arquivos flac tem a qualidade de um CD, um arquivo flac de alta resolução seria o equivalente ao Master-Tape, a gravação de estúdio. Ou seja, oferecem mais qualidade ainda do que a de um CD. Estes arquivos são bem maiores do que os equivalentes arquivos mp3 e flac. Em um CD a amostra de música é feita em16 bit 44.1kHz. No caso da High Resolution Audio normalmente as amostras serão de 24bit 88.2kHz, 96kHz, 176.4kHz ou 192kHz.
Qual formato você escolheria? É preciso levar em conta a sua capacidade de armazenar (memória), a qualidade dos equipamentos disponíveis para a reprodução, a ocasião e as condições nas quais os arquivos serão ouvidos. Assim, espero que ao disponibilizar esse belo disco nestes três diferentes formatos possa contribuir para sua reflexão sobre o assunto. Depois me conte se essa provocação foi de alguma utilidade para você.
Veja parte da crítica que você poderá ler na íntegra aqui: Although placed second, Debussy’s Faun makes for an ideal listening Prelude […] – sultry, fluid and ravishing from François-Xavier Roth, featuring numerous stellar LSO solos, not least a bewitching flute aperitif from Gareth Davies, and glorious strings. […] For the record Roth eschews the ad lib brass fanfares in La mer’s final movement and the recorded sound is superb in its clarity and presence.
Eu repito: Superb!
Aproveite!
René Denon
Se você gostou da música desta postagem, poderá se interessar por estas aqui:
Um dos grandes prazeres naqueles dias era o de fazer a ronda – ir às lojas de CDs, ver as novidades. Como essas lojas também tinham seus barflies, sempre encontrava algum conhecido ou mesmo, com sorte, um amigo. Sabíamos os gostos (e desgostos) uns dos outros e parte da diversão consistia em correr na frente para provocar quem ficava para trás – sobrou só uns Tchaikoviskys aí para você… era o bordão.
Depois íamos tomar café e exibir os resultados das compras. Não sou saudosista, os tempos são outros, mas o prazer de ir passando os discos e se deparar com um álbum com a combinação – compositor – repertório – intérprete reunidos é algo difícil de esquecer.
Uma dessas últimas emoções, desses prazeres do passado, foi encontrar este álbum da postagem e me ocorreu na Arlequim, uma linda loja que havia no Paço Imperial, no Centro do Rio de Janeiro.
O álbum duplo com as Partitas de Bach, interpretadas pelo então desconhecido Igor Levit foi a prenda do dia! I snaped it up, sem vacilar! E valeu cada centavo investido.
Revivo isto tudo e os faço saber pois que Igor Levit ganhou não um, mas dois prestigiosos prêmios da edição deste terrível ano de 2020 da Gramophone Awards, a premiação da prestigiosa revista de música inglesa.
O prêmio na categoria Instrumental, pela gravação das Sonatas para Piano de Beethoven, disponível já há um bom tempo no seu distribuidor PQP Bach Ars Blog mais próximo, já seria para monumentais comemorações. Mas Igor levou outro premio ainda, talvez de maior prestígio. Ele ganhou também na categoria Artista do Ano. Certamente suas aptidões artísticas o levaram a tanto, como você poderá verificar ouvindo o álbum desta postagem, mas a razão pela qual Levit segue ganhando prêmios de diversos segmentos vem de sua atitude e seus posicionamentos firmes e exemplares frente a tantas questões que nos afligem nestes tempos deveras conturbados que vivemos. Ele ganhou também o Beethoven Prize por suas claras e fortes posições externadas nas mídias, como você poderá ver aqui.
Mas hoje é dia de Bach e Levit nos levará pelo mundo maravilhoso das Partitas. Bach já havia produzido duas coleções de suítes para o teclado quando a Primeira das Partitas foi impressa em 1726 – com a promessa de mais outras que a seguiriam. A coleção ficou completa em 1731 e foi designada Clavier-Übung (Exercícios para Teclado), terminologia que já havia sido adotada por Johann Kuhnau, o predecessor de Bach como Kantor de Santo Tomás, em Leipzig.
A impressão desta coleção – Opus 1 de Bach – pode ter sido uma tentativa de aumentar a renda e criar uma nova frente de atividade, uma vez que o interesse pela música religiosa vinha declinando devido a várias dificuldades. Inclusive, esta seria a motivação para a criação de mais um novo ciclo de suítes, pois que os pretensos compradores da coleção eram os muitos estudantes de Bach e outros músicos profissionais, que já tinham certamente suas cópias das lindas Suítes Inglesas e Francesas. E melhor ainda para nós, que ganhamos mais uma coleção primorosa de Suítes de Bach, um verdadeiro compendio de estilos musicais – aberturas francesas, tocatas, fugas e fantasias, assim como uma miríade de danças. E tudo isto entregue a você pelas mãos do artista do ano: Igor Levit!
Quando Igor Levit deu seu primeiro recital nos Estados Unidos da América, em 2014, Alex Poots, que era o diretor artístico do Park Avenue Armory em 2014, ficou encantado com sua musicalidade e sua consideração. Ele teve então a ideia de apresentá-lo a Marina Abramović.
Foram então todos ao Chiltern Firehouse, um hotel chique em Londres, com um bar lotado e barulhento depois da meia-noite, quando Marina Abramović pediu ao Levit que tocasse alguma coisa ao piano.
Levit lembra-se de ter dito “Marina, eu não posso tocar o piano aqui, todo o mundo está dançando”. Mas o dono do local silenciou o D.J. e Levit tocou o último movimento da Sonata Hammerklavier.
Mr. Poots disse que o salão ficou em silêncio: “Em um bar barulhento, cheio de festa e de vida, podia-se ouvir um alfinete cair ao chão”.
Uma boa festa de aniversário tem seus diferentes momentos, tais como a chegada dos primeiros convidados, os últimos retoques na decoração, os animadores atuando. Com sorte, um número de mágica. Se a festa é para um adulto, boa parte da diversão vem das conversas, papos entre pessoas que há muito não se veem, até alguns distantes desafetos, essas coisas. Com o decorrer da festa, certos protocolos se fazem necessários, fotos com parentes ou amigos mais íntimos e o momento mais aguardado, de cantar parabéns, apagar as velinhas e cortar o bolo. Daí em diante é debandada geral, a festa está terminando.
Mais ou menos é este o sentimento aqui nestas postagens – de que o momento de cantar parabéns está próximo e assim nosso projeto #BTHVN250 inicia suas últimas voltas em órbita e se prepara para reentrar na atmosfera.
Mas ainda há oportunidades de rememorar grandes momentos do aniversariante. No caso do Ludovico, eu preciso ainda mencionar algumas obras que são muito significativas. É claro, toda a sua obra está sendo meticulosamente postada num trabalho cuidadoso especialmente do Vassily, mas eu gostaria de lhes falar daquelas que me são especialmente caras. Pois agora vos falo da Hammerklavier. Não foi uma amizade – uma relação – assim fácil, desde o início. Nosso caso realmente ficou sério depois da gravação feita por Emil Gilels para a Deustche Grammophon. Com certeza esta gravação está por aí postada por algum de meus colegas de blog, pois que esta turma está ativa há um bom tempo e eles não dão mole em serviço.
Eu já fiz uma postagem de uma gravação que considero também maximal (isto é, uma gravação que atingiu, na minha concepção, um nível artístico insuperável, mas que não pode ser comparada com outra gravação maximal, como a de Gilels, pois que estas coisas não são comparáveis como se estivéssemos em um torneio ou em um concurso) feita por Murray Perahia também para a Deutsche Grammophon.
Mas, hoje, no contexto do #BTHVN250, apresento-vos a gravação feita pelo Steven Osborne, para a Hyperion. Magistral! Muscular, física, intensa! Eu fiquei de queixo caído. Claro, cada um tem a sua gravação preferida, uma interpretação que chegue tão próximo quanto possível de sua imagem de gravação ideal da tal obra. Pois nestes dias estranhíssimos deste ano de 2020, para mim, Osborne, que tem sobrenome de roqueiro, é o cara da Hammerklavier. E para arredondar o disco, as duas outras sonatas que a antecederam, que formam assim um estranho, mas interessante triunvirato. Uma sonatinha com dois movimentos (Opus 90), uma sonata com quatro movimentos, os dois últimos ligados um ao outro (Opus 101) e a grande sonata Hammerklavier! Mas, no disco, elas são dispostas ao contrário da ordem cronológica.
Espero que você tenha a oportunidade de ouvir este disco lindo, gravado com os altíssimos padrões técnicos da Hyperion, com a produção sempre excelente de Andrew Keener. Achei que a capa foi feita pela equipe que estava de plantão quando o time oficial saiu de férias. Mas, tão pequena queixa não chega a macular o disco.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Sonata para Piano No. 29 in si bemol maior, Op. 106 ‘Hammerklavier’
Allegro
Scherzo: Assai vivace – Presto
Adagio sostenuto, appassionato e con molto sentimento
Largo – Allegro – Allegro risoluto
Sonata para Piano No. 28 in lá maior, Op. 101
Allegretto ma non troppo (Etwas lebhaft und mit der innigsten Empfindung)
Vivace alla marcia (Lebhaft, Marschmäßig)
Adagio, ma non troppo, con affetto (Langsam und sehnsuchtsvoll) + IIIb. Allegro (Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit)
Sonata para Piano No. 27 in mi menor, Op. 90
Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
[this] is about the big picture, objectivity and a powerful kinaesthesia that could propel rockets into space…the result is a virtuoso apotheosis as brilliant as molten iron from a blast furnace Grammophone – 2016
The Scottish pianist plays with an authority built on intelligent, very human musicianship: his accounts of these three late-period Beethoven sonatas are hugely personal but are never about him. The Guardian – 2016
Esta é a minha primeira postagem de um disco só com música do George Felipe e a escolha me fez pensar bastante sobre música, talento e coisas do gênero.
A pergunta que martelei estes dias, por conta disso, vai mais ou menos assim: Pode um talento a um só tempo ser prêmio e castigo? Pode o afortunado portador de um talento assombroso acabar, de certa forma, sucumbindo a ele?
Telemann, Handel e Bach nasceram próximos uns aos outros tanto do ponto de vista cronológico como geográfico e foram músicos de imenso talento (dããã…). Mas cada um deles usou seus talentos de maneira bastante diversa, como podemos observar nas obras destes três compositores que chegaram até nós.
Em seus dias, Telemann era mais famoso do que Bach e, de certa forma, Handel também. Este era cosmopolita, um verdadeiro cidadão do mundo.
Bach nos legou uma música ‘definitiva’, mais profunda, se pudesse aplicar este adjetivo para algo tão efêmero como música. Certamente isto se deve ao seu talento, mas também à sua atitude ao preparar seu legado, aperfeiçoando sua música de forma intensa, especialmente na fase final de sua vida. Os outros dois talentosos compositores desta já um pouco estranha conversa produziram em profusão, aspergindo sobre tudo que escreviam seus abundantes atributos, sua imensa facilidade musical, sua fluência no trato com a composição musical. Mas certamente tinham uma atitude mais pragmática em relação à sua obra.
O tema deste disco são as suítes orquestrais e já falei um pouco sobre elas em postagem dia destes. Pois enquanto Bach nos deixou quatro delas, Telemann, dito por ele mesmo, deitou pena em mais do que duzentas, das quais umas 134 foram preservadas. Assim, não foi difícil escolher mais duas para acompanhar neste álbum a mais famosa das três, a Wassermusik.
Com uma orquestração rica, dois piccolos, duas flautas doce, oboés, fagote, cordas e contínuo, esta suíte foi apresentada em 6 de abril de 1723 nas comemorações do Centenário do Almirantado de Hamburgo. Fez tanto sucesso que foi repetida pelos seguintes quatorze anos e ganhou nome: ‘Hamburger Ebb und Fluth” ou ‘Musica maritima’. Impossível não pensar em um paralelo com a Música Aquática de Handel. Há inclusive uma gravação que reúne as duas peças. A suíte composta para o Almirantado leva em conta o fato de Hamburgo ser um importante porto no rio Elba. Assim, figuras mitológicas relacionadas às águas são aludidas nos movimentos que a compõem. Deusas e deuses, ninfas, o movimento do mar e até os felizes (por estarem enfim em um porto) marinheiros.
Telemann deixou-nos tanta música que é preciso uma forma de catalogação científica, para distinguir as peças. As outras duas suítes são mais simples na orquestração e no escopo, mas adoráveis a seu próprio mérito. Veja, a Ouvertüre (Orchestersuite) C-dur, TWV 55: C6 foi composta para três oboés, cordas e contínuo, enquanto a Ouvertüre e-moll, TWV 55: e5 apenas para cordas e contínuo. É simples, C-dur é dó maior na notação germânica. TWV 55 atende ao grupo de suítes de Telemann. C6 quer dizer que esta é a de número 6 das suítes em dó maior. A Wassemusik é a TWV 55: C3. Isto é, a terceira suíte em dó maior catalogada. A e5 então é qual?
Este disco foi gravado entre 1985 e1987 e a edição que ouvi é de 1992. A Cappella Coloniensis é da cidade de Colônia e foi fundada em 1954 na Nordwestdeutscher Rundfunk (Radio Alemã), inspirada na Orquestra da Corte de Dresden, famosa na Europa no século 18 e alcançava cerca de 40 músicos. A Cappella Coloniensis é um grupo pioneiríssimo na prática de música com instrumentos e técnica de época. Aqui eles estão sob a regência de Hans-Martin Linde, um virtuose da flauta doce que fundou também uma orquestra – Linde Consort – e gravou inúmeros discos. Ele hoje está com 90 anos.
Georg Philipp Telemann (1681 – 1767)
Abertura (Suíte Orquestral) em dó maior, TWV 55: C6
Ouverture
Harlequinade
Espagnol
Bourree en trompette
Sommeille
Rondeau
Menuet I-II
Gigue
Abertura (Suíte Orquestral) em dó maior, TWV 55: C3 ‘Wassermusik’ – ‘Hamburger Ebb’ und Flut’
Ouverture: Hamburger Ebb und Fluth
Sarabande: Die schlaffende Thetis
Bouree: Die erwachende Thetis
Loure: Der verliebte Neptunus
Gavotte: Die spielenden Najade
Harlequinade: Der schertzende Tritonus
Der sturmende Aeolus
Menuet: Der angenehme Zephir
Gigue: Ebbe und Fluth
Canarie: Die lustigen Bots-Leute
Abertura (Suíte Orquestral) em mi menor, TWV 55: e3
Um pianista que nasceu no Chile e aperfeiçoou a sua arte na Alemanha, tornando-se um grande intérprete de Beethoven! Esta frase nos faz pensar imediatamente em um nome – Claudio Arrau! Bem, um nome e um sobrenome. Mas o disco da postagem foi gravado há poucos dias e seu lançamento oficial é hoje (30/10/2020, dia no qual escrevo estas mal traçadas). Assim, não pode ser Claudio, mas o jovem pianista Christoph Scheffelt preenche as características descritas na frase e já ganhou o prêmio “Claudio Arrau”, o renomado Rahn Music Prize. E ganhou também mais outras coisas.
Neste disco recentíssimo ele coloca todo o seu talento e sua preparação para nos brindar com sua interpretação das três coleções de pequenas joias do grande Ludovico, as Bagatelas op. 33, op. 119 e op. 126. A famosa ‘Pour Elise’ foi colocada também na cesta…
A crítica de The Observer, Fiona Maddocks, nos conta que as 11 pequenas peças que formam o Opus 119 foram compostas enquanto Beethoven trabalhava nas gigantescas peças corais e sinfônicas – a Missa Solemnis e a Nona Sinfonia. Talvez ele fosse do tipo que polia pedrinhas enquanto descansava de carregar pedronas. O seu editor em Leipzig reclamou que essas pecinhas, umas bagatelas, nem pareceriam que eram de Beethoven. Vejam que obtuso. Beethoven sabia do valor artístico delas e as enviou para seu antigo aluno Ferdinad Ries, que estava em Londres, onde elas foram então publicadas. Com estas peças, que foram compostas ao longo de toda a sua vida, Beethoven podia explorar uma grande variedade de sentimentos, expressões musicais, fazendo inovações. Mostrar todas estas cores e sons, a ideia de um caleidoscópio nos vem à mente, exige bastante do intérprete. Na minha opinião, Christoph Scheffelt conseguiu realizá-las com graça e eloquência e tudo isso sem resvalar na pieguice. Basta ver sua interpretação da surrada ‘Pour Elise’.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Bagatelles (7), Op. 33
1 in E flat major. Andante grazioso, quasi allegretto
2 in C major. Scherzo. Allegro – Trio
3 in F major. Allegretto
4 in A major. Andante
5 in C major. Allegro ma non troppo
6 in D major. Allegretto quasi andante
7 in A flat major. Presto
Bagatelles (11), Op. 119
1 in G minor. Allegretto
2 in C major. Andante con moto
3 in D major. À l’Allemande
4 in A major. Andante cantabile
5 in C minor. Risoluto
6 in G major. Andante – Allegretto
7 in C major. Allegro ma non troppo
8 in C major. Moderato cantabile
9 in A minor. Vivace moderato
10 in A major. Allegramente
11 in B flat major. Andante ma non troppo
Für Elise (Bagatelle in A minor, WoO59)
Bagatela
Bagatelles (6), Op. 126
1 in G major. Andante con moto
2 in G minor. Allegro
3 in E flat major. Andante
4 in B minor. Presto
5 in G major. Quasi allegretto
6 in E flat major. Presto – Andante amabile e con moto – Tempo I
Nesta página aqui você poderá ver um vídeo mostrando como foi feita a gravação do disco.
Para nosso momento ‘The Book is on the Table’: A genius is also interesting in his little things. And what seems small on the outside, it does not necessarily have to be. Thus the Bagatelles are among the remarkable piano works of Ludwig van Beethoven.
Aproveite!
René Denon
Aqui está uma opção de bagatelas com tempero russo: