Já estamos quase na sexta-feira e o final de semana se aproxima benfazejo; este cão inicia os trabalhos – no clima e no temperamento, ao menos – jogando alto com a intensidade e a vivacidade do jazz de Wes Montgomery.
Aos que precisam de apresentações, não percamos tempo: eis o homem que verteu Django Reinhardt para o jazz e fez da guitarra um instrumento de solo no bop. Clichês à parte, Wes reinventou a guitarra com seu estilo – que não apenas se tornou referencial para todos os guitarristas de jazz posteriores mas encantou cérebros como os de Jimi Hendrix. Não falo muito de técnica porque não muito entendo, e também porque nem sempre é necessário; mas este era um músico que, além de tocar sem palheta, podia dobrar o dedão pra trás até tocar o punho. (Nossa sorte é que ele não se deixou envolver pela gypsy music.)
“Full House” foi gravado em 25 de junho de 1962 no Tsubo, um bar de jazz na Califórnia. O acompanhamento é excelente: o Winton Kelly Trio, que tocava com sempre exigente Miles Davis, e Johnny Griffin, talentoso e veloz saxofonista, amigo dos tempos em que tocaram com Lionel Hampton. Miles estava na cidade e o trio tinha uma noite livre. Toparam fazer um show e em breve mandavam o trompetista às favas para gravar com Wes. Em estúdio, Wes é brilhante; mas nos registros ao vivo, sua música irrompe dos alto falantes para existir como no instante em que foi captada. Mágico assim. A abertura, homônima, tem um dos riffs easy-living mais memoráveis do jazz. De súbito, o solo de Wes cresce com harmonia e suavidade; a seção rítimca insiste em dissonâncias e o guitarrista responde os desafios com mais notas suavemente colocadas nas esquinas do tema. Quer dizer, se você não for cativado pelos 3 minutos do primeiro solo de Full House, tente de novo após uma dose de uísque. Esse é o solo que, uma vez assimilado, vai ser o parâmetro de todos os outros. Momento de gênio em bits digitais? Não deixe passar. Wes é daqueles que toca com a banda, e que surge daqui é um dos menires que marca toda a história.
A faixa dois é a outra face: as baladas. Canções suaves e dedilhadas em notas médias, gentis e suaves e quase bossa nova (no espírito). Uma pausa antes de Blue ‘n’ Boogie, de Gillespie – ou seja, um hard bop de tirar o fôlego) e de Carlba, um swing verdadeiramente rejuvenescedor. Come Rain or Come Shine vem com take duplo (assim como a seguinte, S.O.S. – o rip é da versão desse ano, da Original Jazz Classicas); no take 2, além da qualidade melhor no som, Wes está mais solto, menos preso ao tema. S.O.S tem um riff dobrado de sax e guitarra em alta velocidade que é genial; no take 3, se ouve o sax um pouco mais alto. O encerramento, Born to be Blue, é uma desaquecida – como de costume de Wes, que também gostava de fechar os shows com (uma leitura fantástica de) Round About Midnight, de Monk. Outra balada virtuosa e contemplativa, em solos que deixam refletir a música recém adquirida. A música de Wes Montgomery é generosa e deixa os ouvintes gratificados.
Como fica claro, é um dos meus preferidos entre os preferidos. Ataquem-no!
Post ampliado + links revalidados nov/2011. Ainda bem que o link daquela cópia em 128k expirou; agora o temos em sabor V0. Pra não perder o trem da edição do post, adicionei ainda Far Wes, disco de 1958, tempo em que o jovem Wes ainda era um obscuro guitarrista; neste, que é apenas seu segundo disco, ele começaria a ganhar a atenção devida. A formação tem como base o Montgomery Trio, e as composições próprias já demonstram o caminho que hoje bem conhecemos. No entanto o par de faixas superiores no disco é de outrem: Hymn for Carl e Monk’s Shop se destacam e grudam no ouvido sem pedir licença.
Wes Montgomery – Full House /1962 [V0]
Wes Montgomery, guitar; Johnny Griffin, tenor sax; Wynton Kelly, piano; Paul Chambers, bass; Jimmy Cobb, drums. Produzido por Orrin Keepnews para a Riverside
download – mediafire /60mB
01 Full House (Montgomery) – 9’14
02 I’ve Grown Accustomed to Her Face (Lerner, Loewe) – 3’18
03 Blue ‘n’ Boogie (Gillespie, Paparelli) – 9’31
04 Cariba take 2 (Montgomery) – 9’35
05 Come Rain or Come Shine take 2 (Mercer, Arlen) – 6’49
06 Come Rain or Come Shine take 1 – 6’49
06 S.O.S. take 3 (Montgomery) – 4’57
06 S.O.S. take 2 – 4’57
07 Born To Be Blue (Tormé, Wells) – 7’23
Boa audição!
Blue Dog