Os arquivos deste post foram compartilhados com CVL por Ranulfus antes de entrar para a equipe. Os comentários também, mas com licença do CVL foram revisados hoje, pois evidentemente um Ranulfus pós-PQP só pode ser outra pessoa…
***
Já se falou que professores costumam ter um “beijo da morte”, com que tornam tediosos até os assuntos mais tesudos. Acho que na escola poucos de nós tiveram a sorte de ver trovadorismo, cantigas d’amigo e cantigas d’amor de forma estimulante, sem falar de Dom Dinis, na verdade um dos governantes mais instigantes da História em respeitos tão diferentes como agricultura e sociedades secretas, passando pela poesia e música.
Música? Sim, é evidente que aqueles textos cheios de repetições eram letra de música, não “poesia pura”. Vem já daí o nosso “se você teve uma idéia incrível / é melhor fazer uma canção”.
Mas ao contrário dos diversos cancioneiros espanhóis preservados, ressuscitados e presentes em gravações, a música em galego-português arcaico parecia se resumir às Cantigas de Santa Maria, atribuídas… a um rei da Espanha!
Mas, aleluia!, há poucos anos descobriu-se a notação de sete das cantigas de Dom Dinis. Manoel Pedro Ferreira escreveu todo um livro sobre isso, Cantus Coronatus, inteiro disponível em http://bit.ly/a5ol62
E aí Paul Hillier, que fez nome oferecendo interpretações de música supostamente impregnadas de teatralidade com o grupo (justamente) Theatre of Voices, juntou essas sete cantigas com sete de outros autores da época, e fez um CD que tinha tudo para ser um acontecimento – mas sobretudo no que tange a Dom Dinis me foi uma grande decepção. É verdade que as cantigas de trovador não eram coisa de rua, eram obras de certa forma eruditas, cerebrais – mas, francamente, me parece impossível soassem tão monótonas. Ou será que eram ouvidas e foram registradas só por serem do rei?
Minha aposta é diferente: desconfio que faltou a Hillier envolvimento orgânico com a alma lusa, e ibérica em geral, para saber quê movimentos de alma – e de voz – realmente se escondem por trás dos lembretes frios da notação.
Apesar disso, a gravação é um acontecimento histórico para a cultura lusófona, e merece, sim, ser conhecida.
No mínimo porque algumas das cantigas são satíricas e às vezes impagáveis: “Un cavalo non comeu” ouve-se igual “un cavalo non como eu”. E “Non quer’eu donzela fea que ant’a mia porta pea” é nada menos que “não quero donzela feia que peide na minha porta”.
Ou quem sabe para alguém de nós se animar a tentar uma nova leitura (alô grupo Carmina? Que tal?).
Ou porque vocês talvez adorem, e o chato seja eu! (Ranulfus)
***
Cantigas from the Court of Dom Dinis
01. Porque ben Santa María sabe os seus dões dar
(Cantiga de Santa María 327 – atribuída a D. Alfonso X o Sábio)
02. Par Deus ai dona Leonor (cantiga d’amor – Roi Paes de Ribela)
03. Un cavalo non comeu (cantiga de escárnio – Joan Garcia de Guilhade)
04. Non quer’eu donzela fea (cantiga de mal-dizer, atribuída a D. Alfonso X o Sábio)
05. Fois’o meu amigo a cas d’elrei (cantiga d’amigo – Joan Airas de Santiago)
06. Quand’eu vejo las ondas (cantiga d’amigo – Roi Fernandes de Santiago)
07. Muitas vezes volv’ o demo
(Cantiga de Santa María 198 – Atribuída a D. Alfonso X o Sábio)
. . . . AS SETE CANTIGAS D’AMOR DE DOM DINIS . . . .
08. I. Pois que vos Deus, amigo, quer guisar (cantiga d’amor de Don Dinis)
09. II. A tal estado m’adusse, senhor (cantiga d’amor de Don Dinis)
10. III. O que vos nunca cuidei a dizer (cantiga d’amor de Don Dinis)
11. IV. Que mui gran prazer que eu ei, senhor (cantiga d’amor de Don Dinis)
12. V. Senhor fremosa, non poss’eu osmar (cantiga d’amor de Don Dinis)
13. VI. Non sei como me salv’a mha senhor (cantiga d’amor de Don Dinis)
14. VII. Quix ben, amigos, e quer’e querrei (cantiga d’amor de Don Dinis)
Theatre of Voices – Paul Hillier (voz e direção), Margriet Tindemans (viela) e outros
BAIXE AQUI
CVL