É difícil não gostar do ultra produtivo Telemann. Ele é um barroco que já se dirigia ao clássico. Muitas vezes parece à frente do tempo de Bach — falo em tempo, não em qualidade, bem entendido –, outras vezes, parece estar junto do mestre. Ouvi-lo é uma importante lição de história da música, pois ele ocupa uma nesguinha de espaço entre Bach e seus filhos. Esta é uma coletânea. Claro que aqui e ali há gravações melhores — assim como outras bem piores… –, mas o saldo é positivo. Patrick Peire e seu Collegium Instrumentale Brugense são ótimos. Telemann devia ser bem alguém bem sarcástico. A Alster Ouvertüre, por exemplo, é uma gozação de cabo a rabo. Ele foi o compositor mais famoso da Alemanha em seu tempo. Compôs em todas as formas e estilos existentes em sua época. Em qualquer estilo, sua música tem um caráter inconfundível, sendo clara e fluida. Como disse, apesar de ser quatro anos mais velho do que seus contemporâneos Bach e Haendel, utilizou um estilo muito mais avançado e pode ser considerado um precursor do estilo musical clássico.
Georg Philipp Telemann (1681-1767): Aberturas — CDs 1-4 de 8 (Collegium Instrumentale Brugense, Patrick Peire)
Overture In D Major TWV 55: D18 For 2 Trumpets, Timpani, Strings & B.C.
1-1 Ouverture 5:09
1-2 Menuet 1 Alternat. – Menuet 2 3:02
1-3 Gavotte (En Rondeau) 1:35
1-4 Passacaille 3:38
1-5 Air (Lentement) 1:37
1-6 Les Postillons 2:01
1-7 Fanfare (Très Vite) 2:07
Overture In G Major “Burlesque De Quixotte” TWV 55: G10 For Strings & B.C.
1-8 Ouverture 4:20
1-9 Le Reveil De Quixotte 1:43
1-10 Son Attaque Des Moulins à Vent (Très Vite) 1:47
1-11 Ses Soupirs Amoureux Après La Princesse Dulcinée 2:11
1-12 Sanche Panse Berné 1:41
1-13 Le Galope De Rosinante – Celui D’ane De Sanche 2:25
1-14 Le Couché De Quixotte 1:09
Overture In C Minor TWV 55: C2 For 2 Oboes, Strings & B.C.
1-15 Ouverture 3:14
1-16 Air (Vivement) 1:16
1-17 Rondeaux 1:11
1-18 Fugue (Vivement) 2:11
1-19 Gavotte 1 Alternat. – Gavotte 2 1:30
1-20 Menuet 1 Alternat. – Menuet 2 2:15
1-21 Gig 2:06
Overture In F Major “Alster Ouvertüre” TWV 55: F11 For 4 Horns, 2 Oboes, Bassoon, Strings & B.C.
2-1 Ouverture 5:08
2-2 Die Canonierende Pallas 2:18
2-3 Das Älster Echo 2:01
2-4 Die Hamburgischen Glockenspiele 2:10
2-5 Der Schwanen Gesang 2:47
2-6 Der Älster Schäffer Dorf Music 0:59
2-7 Die Concertierenden Frösche Und Krähen 2:01
2-8 Der Ruhende Pan 3:54
2-9 Der Schäffer Und Nymphen Eilfertiger Abzug 2:31
Overture In B Flat Major “Völker Ouvertüre” TWV 55: B5 For Strings & B.C.
2-10 Ouverture 4:13
2-11 Menuet 1 Alternat. – Menuet 2 (Doucement) 4:14
2-12 Les Turcs 2:25
2-13 Les Suisses (Grave-Viste) 1:37
2-14 Les Moscovites 0:45
2-15 Les Portugais (Grave-Viste) 2:21
2-16 Les Boiteux Alternat. 1:26
2-17 Les Coureurs 2:21
Overture In D Minor TWV 55: D2 For Oboe, Strings & B.C.
2-18 Ouverture 3:59
2-19 Rondeau 1:04
2-20 Irlandoise 1:07
2-21 Réjouissance 1:21
2-22 Sarabande 1:52
2-23 Les Scaramouches 0:47
2-24 Menuet 1 1:33
2-25 Menuet 2 (Doucement) 1:17
2-26 Entrée 1:44
Overture In B Flat Major TWV 55: B7 For 2 Oboes, Bassoon, Strings & B.C.
2-27 Ouverture 3:26
2-28 Réjouissance 1:42
2-29 Loure 1:44
2-30 Rondeau 1:01
2-31 Menuet En Trio 2:51
2-32 Gigue 1:43
Overture In A Minor TWV 55: A4 For 2 Recorders, 2 Oboes, Strings & B.C.
3-1 Ouverture 3:12
3-2 Passepied En Trio 2:37
3-3 Bourrée 1:34
3-4 Menuet En Trio 3:19
3-5 Rondeau 1:22
3-6 Polonoise 1:27
3-7 Gigue 1:57
Overture In A Major TWV 55: A4 For Violin Solo, Strings & B.C.
3-8 Ouverture 4:44
3-9 Divermento 1:53
3-10 Le Lusinghe 3:50
3-11 Minuetta 1 – Min. 2 3:02
3-12 Passa Tempo 4:13
3-13 Tempo Di Giga 2:07
Overture In D Major TWV 55: D23 For 2 Flutes, Bassoon, Horn, Strings & B.C.
3-14 Ouverture 3:37
3-15 Menuet 1 Alternat. – Menuet 2 (Doux) 3:23
3-16 Plainte – Gaillarde, Qui S’alterne Avec La Plainte (Vite) 2:49
3-17 Plainte – Gaillarde, Qui S’alterne Avec La Plainte (Vite) 0:43
3-18 Plainte – Gaillarde, Qui S’alterne Avec La Plainte (Vite) 1:27
3-19 Sarabande 1:22
3-20 Passepeid 1 Alternat. – Passepied 2 1:47
3-21 Passacaille 2:42
3-22 Fanfare 1:22
Ouverture Des Nations Anciens Et Modernes In G Major TWV 55: G4 For Strings & B.C
3-23 Ouverture 3:15
3-24 Menuet 1 – Menuet 2 2:27
3-25 Les Allemands Anciens 1:35
3-26 Les Allemands Modernes (Viste) 1:13
3-27 Les Suédois Anciens 2:01
3-28 Les Suédois Modernes (Viste) 0:48
3-29 Les Danois Anciens 1:39
3-30 Les Danois Modernes (Viste) 0:46
3-31 Les Vieilles Femmes 1:32
Overture In D Major “Ouverture Jointes D’Une Suite Tragi-Comique” TWV 55:D22 For 3 Trumpets, Timpani, Strings & B.C.
4-1 Ouverture 3:20
4-2 Le Podagre (Loure) 2:41
4-3 Remède Expérimenté: La Poste Et La Dance (Menuet En Rondeau) 1:06
4-4 L’Hypocondre (Sarabande – Gigue – Sarab. – Bourré – Sara. – Hornp. – Sarab. – La Suave) 2:41
4-5 Remède: Souffrance Héroique (Marche) 1:07
4-6 Le Petit-Maitre 1:49
4-7 Remède: Petite-Maison (Furies) 0:57
Overture In E Minor TWV 55:e7 For Strings & B.C.
4-8 Ouverture 4:05
4-9 Le Contentement 1:18
4-10 Gavotte 1:06
4-11 Loure 1:21
4-12 Menuet 1:23
4-13 Rondeau 1:02
4-14 Canarie (Tres Viste) 0:58
Overture In B Minor TWV 55:h4 For Violin Solo, Strings & B.C.
4-15 Ouverture 5:11
4-16 Gavotte 2:18
4-17 Loure 1:44
4-18 Rejouissance (Tres Viste) 2:45
4-19 La Bravoure 2:38
4-20 Menuet 1 Menuet 2 2:50
4-21 Rodomontate 2:26
Overture In E Minor TWV 55:e3 For 2 Flutes, 2 Oboes, Bassoon, 2 Violins, Strings & B.C.
4-22 Ouverture 4:37
4-23 Les Cyclopes 2:32
4-24 Menuet Trio 2:31
4-25 Galimatias En Rondeau 2:02
4-26 Homepipe 2:14
Overture In C Minor TWV 55:c4 For 2 Oboes, Violin, Strings & B.C.
4.27 Ouverture 4:10
Overture In D Minor TWV 55:d3 For 3 Oboes, Bassoon, Strings & B.C.
Conductor – Patrick Peire
Orchestra – Collegium Instrumentale Brugense
As descrições das semelhanças entre Claude-Achille Debussy (1862-1918) e Maurice Ravel (1875-1937) às vezes são pertinentes e às vezes são exageradas. É claro que os dois viveram na mesma cidade, se viram frequentemente e, até onde se sabe, admiravam-se mutuamente. Talvez seja nas obras para piano solo que as semelhanças entre os dois são mais profundas. Já nas obras vocais, tanto essas para cantora com piano, seja em peças mais amplas com acompanhamento orquestral, as diferenças ficam mais claras. Debussy era um admirador da poesia refinada de Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé e Pierre Louÿs, sendo amigo próximo deste último. Ele escreveu chansons sobre versos desses quatro poetas e, inspirado em Mallarmé, ainda fez o famoso Prélude à l’après-midi d’un faune. Obras cheias de sutilezas e de dissonâncias sedutoras, com uma certa tendência às imagens noturnas (o luar, as estrelas…), o que também aparece na sua única ópera. Nos três poemas de Louÿs extraídos do livro “As canções de Bilitis”, Debussy faz um arco dramático de referências pagãs e termina em tom de luto com versos como “os sátiros estão mortos e as ninfas também”. Louÿs, na época do lançamento do livro (1894), afirmava que os poemas foram encontrados nas paredes de uma tumba em Chipre, escritos por uma mulher da Grécia Antiga chamada Bilitis, uma contemporânea de Safo (a famosa poetisa lésbica). Após enganar o público e mesmo especialistas em antiguidades helênicas, anos depois Louÿs admitiu a pegadinha.
Já Ravel habita um mundo mais simples, menos melancólico, embora o piano de acompanhamento tenha semelhanças com o de Debussy e também com o de Gabriel Fauré (1845-1924), que aliás foi seu professor. As cinco melodias aqui gravadas são canções populares gregas. Assim como em outras de suas obras inspiradas pela Espanha e em seus dois concertos tardios inspirados no jazz, nas canções gregas mesmo os momentos mais lentos e pensativos são mais solares do que quase tudo de Debussy. O pianista aqui é Marc-André Hamelin, que mais recentemente tem gravado muitos discos pela Hyperion, incluindo obras de Debussy (aqui) e de Fauré.
Fête Galante
1-4. Gabriel Fauré: Mandoline, Clair de Lune, Aurore, En sourdine
5-9. Maurice Ravel: Cinq mélodies populaires grecques
10-12. Claude Debussy: Fêtes galantes (En sourdine, Fantoches, Clair de lune)
13-15. Claude Debussy: Trois chansons de Bilitis (La flûte de Pan, La chevelure, Le tombeau des Naïades)
16-23. Francis Poulenc: Métamorphoses, Deux poèmes de Louis Aragon, Trois poèmes de Louis Lalanne
24-29. Arthur Honegger: Saluste du Bartas
30-32. Emile Vuillermoz: Chansons populaires françaises et candiennes
Karin Gauvin (soprano), Marc-André Hamelin (piano)
Recorded circa 1999
Links revalidados em 2024, postagem original de 2022
160 anos de Debussy
Claude-Achille Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 — Paris, 25 de Março de 1918)
Debussy escreveu esta nota introdutória para os Noturnos:
“O título Noturnos deve ser entendido aqui em um sentido geral e, sobretudo, decorativo. Não se trata, portanto, da forma usual de um noturno, mas das várias impressões e efeitos especiais da luz que a palavra sugere.
Nuages (Nuvens) evoca o aspecto imutável do céu com o movimento lento e melancólico das nuvens, que se dissolvem em tons de cinza com leves toques de branco.
Fêtes (Festas) trazem o ritmo vibrante, dançante da atmosfera, com lampejos súbitos de luz. Há também o episódio da procissão (uma visão deslumbrante, quimérica), que passa pela cena festiva e se mistura com ela. Mas o pano de fundo permanece sempre o mesmo: o festival com sua mistura de música e poeira luminosa participando do ritmo geral.
Sirènes (Sereias) nos mostra o mar com seus incontáveis ritmos e então, dentre as ondas prateadas pela luz da lua, ouve-se o canto misterioso das Sereias que riem e vão embora.”
Tão geniais quanto o Fauno e La Mer, e situados cronologicamente entre essas duas obras, os Noturnos dão às orquestras e regentes a oportunidade de mostrarem suas capacidades de produzirem sonoridades raras, suaves, momentos de luz e sombra, solos que dependem mais de um cuidadoso cantabile do que de virtuosismo acelerado. Nesse sentido, e só nesse, eles lembram os Noturnos para piano de Chopin, porque em aspectos mais formais essas composições são bem diferentes das do polonês: como o próprio Debussy deixou claro, não se trata de forma dos noturnos que as pianistas adoravam tocar para seus namorados e noivos. Debussy teria sido inspirado por uma série de quadros impressionistas, também intitulados Nocturnes, de James Whistler, pintor que vivia em Paris naquela época. Sem dúvida estão mais próximos da pintura do que dos Noturnos de Chopin.
Em homenagem aos 160 anos de Debussy, vamos fazer um passeio pelas grandes gravações desses Noturnos. De início, nos voltamos para dois regentes dos tempos da brilhantina e das fotos em preto e branco, dois franceses que alcançaram o auge de suas carreiras regendo repertório francês nos EUA: Charles Munch e Paul Paray. A gravação da Symphonie Fantastique de Berlioz por Paray é muito recomendável, assim como o Ravel de Munch, cheio de delicadeza e energia ao mesmo tempo, que você confere nas postagens de FDP Bach aqui (Bolero, La Valse, etc.) e aqui (Daphnis et Chloé). Ambos os maestros também gravaram versões espetaculares da Sinfonia com Órgão de Saint-Saëns, nos primeiros anos do stereo, gravações que muitos audiófilos usaram para testar equipamentos de som, tamanha era a potência dos graves da orquestra e do órgão nos LPs.
Mas o assunto hoje é Debussy, e mais especificamente os seus Noturnos, compostos ao longo de alguns anos, finalizados em 1899 e estreados em 1900 (1º e 2º movimentos) e em 1901 (3º mov.) O motivo para a demora na estreia do 3º movimento, “Sereias”, foi a dificuldade de se ter disponível um coral feminino de altíssimo nível para cantar apenas essa obra de cerca de 10 minutos. Provavelmente por esse motivo, Munch gravou em Boston apenas os dois primeiros noturnos, que não precisam de coral. Toscanini e Bernstein, ambos em Nova York, também gravariam apenas os dois primeiros, talvez pela falta de um coral à disposição.
Arturo Toscanini, aliás, tinha credenciais para se impor como referência em Debussy. Consta que, quando Toscanini regeu a estreia italiana da ópera Pelléas, em 1908, ele convidou Debussy para assistir aos ensaios e à grande estreia. Ele não foi, mas escreveu uma carta que mostra a intimidade entre os dois: “Coloco a sorte de Pelléas em suas mãos, certo como estou de que não poderia desejar outras mais leais ou mais capazes. Pelo mesmo motivo, gostaria de de ter trabalhado ela com você”. Ouçam La Mer com Toscanini, é uma das melhores gravações. Mas aqui, com base nas suas gravações dos Noturnos, ele foi desclassificado porque faltou o 3º movimento.
O francês Paul Paray nasceu em 1886, mesmo ano do alemão W. Furtwangler, e as personalidades dos dois podem ser consideradas como polos extremos. Muito se falou, na crítica especializada, sobre Toscanini como o anti-Furtwangler: de fato, assim como o francês Paray, o italiano corre muito no primeiro movimento: as “Nuvens” parecem sopradas por um forte vento. Enfim, voltando a Paray, ele tentou a sorte como compositor e, após alguns sucessos na década de 1910, largou a caneta para se dedicar à batuta a partir de 1920, ou seja, dois anos após a morte de Debussy. Paray estreou obras de Maurice Ravel, Florent Schmitt, Lili Boulanger e muitos outros. Após passar a vida na França à frente das orquestras Lamoureux e Colonne (se demitindo desta em 1940 em protesto contra os nazistas), Paray deve ter ganhado bem mais dinheiro já idoso, quando assumiu a Orquestra Sinfônica de Detroit, que ele elevou ao nível das maiores do mundo no período em que ali viveu, 1953 a 1963, recebendo altos salários na cidade da Ford, que vivia o boom dos automóveis e do american way of life. As gravações de Paray são quase sempre com andamentos rápidos e um clima leve, despreocupado, é nesse sentido que ele polariza com seu contemporâneo Furtwangler, famoso pelos adagios intermináveis e temperamento sério e grave que, aos olhos de Debussy, soaria como pura prepotência vazia. A gravação de Paray dos Noturnos, porém, me parece exagerar no clima leve e apressado: as nuvens, como já disse, são sopradas com força, e a procissão do segundo movimento corre a ponto de suar… E as sereias, com Paray, cantam tudo em 7min46s, sem o ar de mistério e de suavidade que pedem as indicações da partitura (“modérément animé“, “sourdine“, “trèsexpressifettrèssoutenu“…). Paray poderia ser eliminado nessa competição por queimar a largada, mas mantive sua gravação aqui para termos justamente essa diversidade de pontos de vista sobre Debussy, e repito: ponto de vista de um maestro que, como Toscanini, já era adulto quando Debussy morreu, conheceu vários de seus amigos, então não é nenhum palpiteiro que caiu de para-quedas nesse repertório. Além do mais, o álbum traz a interessante e pouco gravada Petite Suite, de 1889, originalmente para piano e aqui em orquestração de Henri Büsser. Supõe-se que Debussy aprovava essa orquestração, porque ele a regeu em uma das vezes em que pegou a batuta para ganhar uns trocados. Essas gravações da Petite Suite (obra bucólica e simples, que combina mais com o jeitão de Paray) e das Valsas Nobres e Sentimentais de Ravel são absolutamente sensacionais.
Além de Paray, escolhemos outra gravação dos primeiros anos do stereo, período em que a cada ano surgiam inovações nos microfones e outras mudanças tecnológicas muito rápidas. O Debussy da Orquestra da Filadélfia com Ormandy não é tão lembrado, mas chamou nossa atenção desde a primeira audição. Eugene Ormandy (Budapeste 1899 – Filadélfia 1985) estudou violino na Hungria, onde também foi aluno de Bartók e Kodály. Viajou para os EUA para atuar como solista, mas acabou se tornando maestro, primeiro acompanhando filmes mudos e depois passando para o repertório sinfônico.
De 1936 a 1980 esteve à frente da orquestra da Filadélfia, que ficou famosa pelo belo som de seu naipe de cordas, aliás, segundo alguns críticos, certas obras ficavam com uma beleza exterior e sem profundidade. Os maiores solistas da época gravaram na Filadélfia com Ormandy, incluindo Rubinstein, Oistrakh e muitos outros. Como, nos EUA dos anos 1950 e 60, o repertório francês estava praticamente “reservado” para Charles Munch, Paul Paray e Pierre Monteux, Ormandy se destacou em outros compositores como seu compatriota Bartók , o russo Mussorgsky e o espanhol Rodrigo. Mas essas obras de Debussy gravadas entre 1959 e 1964 mostram que Ormandy se sentia em casa também com este compositor – por quem Bartók nutria verdadeira adoração, aliás.
Além de um Prelúdio ao entardecer de um fauno de grande beleza e de uma Danse: Tarantelle styrienne na versão orquestrada por Ravel, temos aqui Noturnos que servem como pinturas detalhadas de três paisagens: primeiro o céu (Nuvens), depois a terra (Festas) e o mar (Sereias). Ormandy segura um pouco os andamentos para mostrar cada detalhe, como o faria depois Haitink com a orquestra do Concertgebouw. Talvez Debussy preferisse sereias um pouco mais agitadas, cantando um pouco mais depressa, mas perdoamos Ormandy pela enorme beleza do conjunto, que não soa arrastado nem pretensioso, ao contrário das interpretações de Giulini (Philharmonia) e Celibidache (Stuttgart). Estes dois últimos regentes (que, grosso modo, são continuadores da tradição germânica de Richard Strauss e Furtwangler) conduzem os Noturnos de forma pomposa, grandiosa, alemã, nada a ver com a suavidade imaginada por Debussy. E no extremo oposto, Paul Paray, o especialista em música francesa já mencionado lá em cima, que despachou os noturnos com uma pressa doida.
Então após ouvir Ormandy, Paray e os desclassificados Giulini e Celibidache, chegamos à conclusão de que a duração do canto das nereias no último noturno deve ficar com não menos que 8 e não mais que 11 minutos. O coro não deve soar heroico (não é Beethoven) nem devocional (não é música religiosa), nem soar carnal e próximo demais: na Odisseia de Homero, ao contrário da feiticeira Circe e da ninfa Calipso, as sereias não encostam em Ulisses, não consumam o ato, apenas cantam no mar enquanto os gregos navegam. Este movimento das Sereias provavelmente foi a partitura que Debussy mais revisou em sua vida, ao longo de vários anos, movido pela enigmática dificuldade de encaixar o som da orquestra e o do coro de mulheres cantando sempre distantes. Vamos ver como os outros maestros e orquestras encaram esse desafio…
Pularemos as décadas de 1970 e 1980, deixando apenas mencionadas três grandes, imensas gravações dos Noturnos que já apareceram aqui no PQPBach: Martinon/Orquestra da Radio Francesa em Paris, Haitink/Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam e Jordan/Orquestra da Suisse Romande em Genebra. Nos anos 1990, mais três grandes gravações na América do Norte: Dutoit em Montreal, Boulez em Cleveland, Salonen em Los Angeles. Claudio Abbado é outro maestro com uma forte ligação com esses Noturnos, que ele gravou duas vezes: em Boston (1970) e em Berlim (2001). Só a comparação entre essas duas gravações de Abbado já daria muito pano pra manga.
Mas vamos nos concentrar aqui em duas gravações menos famosas, a de Svetlanov/Philharmonia e a de Paavo Järvi/Cincinnati. Antes, breves palavras sobre duas gravações recentes: Jun Märkl e a Orchestre National de Lyon (2007) têm problemas muito sérios, como os tímpanos em pianissimo em Nuages que ficaram quase inaudíveis… O jovem francês Stéphane Denève e a Scottish National Orchestra (2012) soam bem mais interessantes e anotei aqui que preciso conhecer melhor esse maestro que também tem gravado Ravel, Franck, Roussel, Poulenc… A conferir.
Paavo Järvi (não confundir com seu pai Neeme, também regente) foi eleito artista do ano pelas revistas Gramophone e Diapason no mesmo ano (2016), lançou uma integral de Tchaikovsky no ano passado, enfim, está no auge da sua carreira. Na década de 2010 foi regente principal em Frankfurt e também na Orchestre de Paris, onde curiosamente não gravou nenhum Debussy (seus principais discos em Paris: integral das sinfonias de Sibelius; Réquiem de Fauré; Chopin com Khatia Buniatishvili). Até 2022 esteve à frente da NHK, principal orquestra de Tóquio, e hoje chefia a Tonhalle-Orchester de Zürich, Suíça. Mas a gravação que trazemos aqui é anterior, Paavo Järvi aos quarenta e poucos anos regendo Debussy em Cincinnati, nos EUA.
Ele foi titular da Orquestra de Cincinnati entre 2001 e 2011, com várias gravações realizadas para o semi-defunto selo Telarc. Além do repertório mais famoso neste álbum – Prélude à l’après-midi d’un faune, Nocturnes, La Mer – temos uma obra curta e pouco gravada: Berceuse Héroïque, de 1914, um raríssimo momento em que Debussy expressa sentimentos tristes e solenes. Trata-se de uma “homenagem a Sua Majestade o Rei da Bélgica e a seus soldados”, composta logo após a invasão da Bélgica pelas tropas alemãs, sob resistência heroica dos belgas. É realmente estranho ouvir Debussy melancólico e heroico, mas afinal, o que a guerra não faz com as pessoas, não é?
Mas após esse breve passagem pela Berceuse (em francês: canção de ninar), voltemos aos Noturnos, compostos ainda muito antes de qualquer rumor de guerra: aqui temos o Debussy bem distante de sentimentos românticos, o que lhe preocupava era o lento movimento das nuvens, do mar e, quando ele chega ao elemento humano, no movimento central, são festas e procissões, nada de herói romântico solitário. E há algo de hipnótico nas sereias de Cincinnati, na forma como elas repetem seu canto. Nessa gravação elas estão meio distantes, parecem guardar alguns metros de distância da orquestra, mas talvez seja mera ilusão… é o tipo de música que pode iludir.
Além do canto das sereias que temos enfatizado aqui, outra coisa interessante de se comparar entre as gravações é o rufar grave dos tímpanos no início e do fim do primeiro noturno. Os tambores devem sempre soar discretos, um som atmosférico, pois a partitura indica pianissimo, alternando entre dois e quatro pês (pp, ppp, pppp). E ao mesmo tempo devem ser audíveis, missão nada fácil para músicos e engenheiros de som. Os tambores de Cincinnati com Järvi ficaram bem gravados, mas menos expressivos do que os da Philadelphia Orchestra com Ormandy.
Deixamos por último o disco que, na classificação aqui de casa, reina supremo como a maior gravação dos noturnos: não é um francês, e sim o russo Evgeny Svetlanov (1928-2002) regendo a orquestra inglesa Philharmonia em 1992. Muito lembrado por suas interpretações do repertório russo da chamada belle époque anterior à 1ª Guerra Muncial (Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov, Glazunov, Scriabin) e também de Mahler, ele mostra aqui sua proximidade com a estética do compositor francês do mesmo período. Ou será que são os músicos da Philharmonia, orquestra fundada em Londres em 1945 e famosa por suas gravações com Klemperer? O timbre suave e elegante das cordas da Philharmonia lembra as orquestras germânicas, mas sem o ar grandiloquente que Debussy detestava em Wagner.
Na ressonante acústica de igreja onde Svetlanov e a Philharmonia gravaram, o fim do movimento Nuages, com as cordas agudas e os tímpanos suaves e misteriosos enquanto as cordas graves atacam em pizzicato, toda essa combinação ecoando poderia ter resultado em um desastre, mas o resultado aqui também é bastante interessante. O coro The Sixteen, mais famoso por suas gravações de música renascentista (aqui), mostra aqui que também se entende muito bem com esse repertório modernista: as sereias estão distantes e misteriosas, mas não tão distantes a ponto de se dissolverem na água salgada e na maresia. Enfim, uma gravação improvável, pouco badalada, em um selo pequeno, mas que eu considero IMPERDÍVEL.
Svetlanov preferia as gravações ao vivo, mas também gravou em estúdio: sinfonias de Scriabin, de Myaskovsky, de Shostakovich e muito mais. Ele era filho de uma cantora lírica do teatro Bolshoi, e costumava dizer: “Meu ideal é que uma orquestra tenha sua própria personalidade, focando em um som específico e não um som padrão. Com a Orquestra Estatal da URSS [e da Rússia desde 1989], consegui manter uma qualidade lírica especial por 30 anos: as boas orquestras são aquelas que cantam.” [P.S. em 2024: confiram aqui mais Svetlanov regendo repertório francês, dessa vez a Valsa e os Concertos de Ravel e em Moscou]
Porém, mais do que em Moscou, ou em Paris onde ele também gravou Debussy com a Orchestre National de France, parece que Svetlanov brilhou mais ainda nesse repertório francês em Londres: lembremos, aliás, que essa cidade sempre acolheu muito bem a música de Debussy desde quando este ainda era vivo. As cordas da Philharmonia, as cantoras do The Sixteen, a acústica da St. Augustine’s Church, tudo funciona à perfeição aqui.
Conclusão: Todas as gravações aqui trazidas são interessantes, ainda que a do velho Paray em Detroit o seja mais por motivos históricos, para ouvirmos os noturnos na marcha apressada que também era a preferência de Toscanini, regente elogiado pelo próprio Debussy. Ormandy, na Filadélfia, atinge o sublime com o legato misterioso das cordas e com o som de seus sopros e do coro feminino gravado em stereo – tecnologia nova na época – com microfones bastante próximos, mostrando por exemplo as diferenças entre as sereias sopranos e as sereias mezzo-sopranos. Já a orquestra de Cincinnati, com Järvi, foi gravada com microfones mais distantes, uma sonoridade mais suave, um Debussy às vezes imerso em nuvens, às vezes com movimentos hipnóticos. E finalmente, meu favorito é um maestro que, a princípio, não teria currículo para disputar com especialistas em Debussy: o russo Svetlanov. A orquestra Philharmonia, gravada em uma igreja de Londres em 1992, consegue soar ao mesmo tempo próxima e distante, os instrumentos muitos claros mas misteriosos, enfim, tudo com uma fluência típica de um mar calmo ou do vento movendo as nuvens no horizonte.
Paul Paray/Detroit Symphony Orchestra (1958-1961)
1-3. Ravel: Daphnis et Chloé, Suite no. 2
4-11. Ravel: Valses nobles et sentimentales
12. Ravel: Bolero
13-15. Debussy: Nocturnes
16-19. Debussy: Petite Suite (orch. Henri Büsser)
Recorded: Detroit, 1958, 1959, 1961
.
. Eugene Ormandy/Philadelphia Orchestra (1959-1964)
1-3. La Mer
4. Prélude à l’après-midi d’un faune
5. Danse (Tarantelle Styrienne) (orch. Maurice Ravel)
6-8. Nocturnes
Recorded: Broadwood Hotel & Town Hall, Philadelphia, 1959, 1964
.
. Paavo Järvi/Cincinnati Symphony Orchestra (2004)
1. Prélude à l’après-midi d’un faune
2-4. Nocturnes
5-7. La Mer
8. Berceuse héroïque
Recorded: Music Hall, Cincinnati, 2004
A formação de meu gosto musical se deu no vai-e-vem dos discos usados, comprados e trocados nos sebos da vida. Com o passar do tempo e dos LPs pela agulha da vitrola, certas escolhas se tornaram mais decisórias e algumas empolgações acabaram descartadas. Lembro-me de um período imerso nos concertos para violino de Paganini e Vieuxtemps, que não durou muito.
Uma dessas escolhas que se reforçou cedo e que permanece até agora é a de ouvir a música para teclado de Bach interpretada ao piano. Discos com essa característica estavam sempre na minha mira. Havia um disco do Wilhelm Kempff, bem famoso pelo Mozart e Beethoven, com a Suíte Francesa No. 5, que ainda me encanta e também um disco com transcrições, gravado por Alexis Weissenberg. Depois dois discos do então ainda húngaro András Schiff, que sempre me deram muito prazer. Um disco definitivo tem como intérprete o controverso pianista croata Ivo Pogorelich. Acho seus discos com música de Bach e Scarlatti maravilhosos e você poderá ouvi-los clicando aqui e aqui.
Muitos nomes de pianistas, famosos e não tão famosos, recheiam minha lista de bons discos com esse tipo de música, mas não deixo de sentir curiosidade e até uma certa antecipação ao encontrar um disco como este da postagem. O pianista Rudolf Buchbinder (Rodolfo Encadernador) é um bamba e, como diria meu amigo Adrew, he has been around… Gravou muitos discos para a TELDEC (Telefunken-Decca), depois passou um tempo com a Sony, período no qual gravou esse disco, e desde 2019 tem contrato exclusivo com o gravadora do selo amarelo. Veja como o site da DG o apresenta: Admirado por colegas intérpretes, aclamado pela crítica e reverenciado por amantes da música em todo o mundo, Rudolf Buchbinder está entre os grandes pianistas do nosso tempo. Suas interpretações fluem de uma fusão única de percepção espiritual e rigor intelectual, espontaneidade expressiva e controle técnico, refinados ao longo de uma carreira que abrange mais de sessenta anos. O poder irresistível de sua arte continua a crescer, reforçado pelo estudo incansável e uma paixão ao longo da vida pelas obras-primas da literatura do piano.
Sobre o disco de Bach, a Gramophone inicia a crítica com essa promissora frase: Rudolf Buchbinder oferece uma interpretação de Bach cheia de confiança e inteligência, sem medo de ornamentar e interessado em destacar o drama da música. Posteriormente, algumas rugas surgem na testa do crítico, mas eu não sou assim tão rigoroso e gostei bastante do disco…
[…] the delight of this recording lies in the detail. When full-dress grandeur is called for, as in the Sinfonia to the Second Partita, Buchbinder provides it in spades, and when athleticism is required – as in the final two movements of that work – he’s ready with that too…his next Bach recording can’t come too soon. BBC Music Magazine November 2015
Berwald é um injustiçado. Hoje é um compositor um pouquinho conhecido por suas quatro sinfonias, mas não é um nome familiar. Em sua Suécia natal, ele lutou bravamente para fazer um nome para si mesmo — lutando contra uma sociedade musical conservadora, contente em seus próprios caminhos e feliz em continuar a desfrutar de sua música principalmente na forma de peças íntimas para consumo doméstico. O país era um deserto musical principalmente para um compositor sueco cujo objetivo era escrever sinfonias aventureiras. Ele era um habilidoso cirurgião que seguia escrevendo em seu tempo livre. Sem deixar sua marca no país natal, partiu para ter um discreto sucesso em Viena e voltou para a Suécia a fim de dirigir uma fábrica de vidro (!). Percebendo que seus planos de composição precisavam mudar, começou a escrever música de câmara e a maior parte da música neste disco é desse período (1849-59). Berwald era violinista e, seguindo a moda, estava regularmente envolvido em tocar música íntima e em pequena escala com amigos à noite. Os instrumentistas suecos deste CD são excelentes e a gravação é ótima.
Franz Berwald (1796-1868): Complete Duos (Bergstrom, Lundin, Ringborg, Rondin)
Duo in D Minor for Violin and Piano
1 Allegro 08:36
2 Andante 04:03
3 Allegro giocoso 05:47
Fantasy on Two Swedish Folk Melodies for Piano Solo
4 Fantasy on Two Swedish Folk Melodies for Piano Solo 07:34
Concertino in A Minor for Violin and Piano (fragment)
5 Concertino in A Minor for Violin and Piano 02:43
Duo Concertant in A Minor for Two Violins
6 Adagio con espression 02:53
7 Andantino con variazioni 15:57
8 Rondo 05:38
Duo in B-Flat Major for Cello and Piano
9 Allegro ma non troppo 06:11
10 Poco adagio quasi andante 05:12
11 Allegro agitato 05:44
Bergstrom, David — violino
Lundin, Bengt-Åke — piano
Ringborg, Tobias — violino
Rondin, Mats — violoncelo
Shostakovich é conhecido principalmente por causa das suas 15 sinfonias e outras obras com orquestra. Mas sua música de câmara também tem grandes obras cheias de personalidade: além dos quartetos de cordas, há muitas obras com piano, incluindo os dois trios que postei semana passada, um quinteto e a sonata para violoncelo e piano. Todas essas são do período em que Shosta era um jovem adulto, a sonata para violoncelo, por exemplo, foi estreada quando ele tinha 28 anos e é cheia de temas arrebatadores, quase românticos, um pouco como as sinfonias nº 4 e 5. O pianista tem uma parte tão interessante quanto o violoncelista: tive o privilégio de assistir essa sonata com Martha Argerich e Mischa Maisky, cujos temperamentos fogosos combinam perfeitamente com a música, como também é o caso dos músicos tchecos deste CD aqui.
Já as sonatas do fim da vida do compositor, uma para violino, de 1968, e uma para viola, de 1975 (sempre com piano) são obras da maturidade, com um certo distanciamento das convenções, uma certa despreocupação de quem já não precisa provar nada a ninguém, uma certa fantasia sem limites, como na Polonaise-Fantaisie e na Barcarola de Chopin, características também das sonatas tardias de Beethoven. E o alemão, aliás, é mencionado no último movimento: Adagio (à memória de Beethoven) nas palavras de Shosta, que colocou nas partes do piano citações bem óbvias da Sonata ao luar. Apesar do tom frequentemente melancólico – é preciso um bocado de tristeza, já disse um poeta – Shosta anotou que o caráter geral da obra deveria ser brilhante, claro e radiante.
A linguagem de Shosta, ainda que com uma personalidade toda diferente, é romântica como o Beethoven maduro e Chopin, sem os excessos de romantismo de seus compatriotas Rachmaninoff e Glazunov (este último, professor de Shosta). As coisas, na vida, não são absolutas, tudo depende da sua posição em relação aos outros. Shosta era bem menos romântico que Rach e bem mais do que Boulez, Ligeti e Lutoslawski. É por meio dessas comparações com quem está ao redor – como mostrou recentemente Mbappé, que está bastante à esquerda de Neymar – que a gente chega mais perto da verdade, bem mais do que em frases categóricas e desposicionadas e até meio sem sentido como por exemplo “Shostakovich era um romântico.” Violoncelistas têm tocado essa sonata para viola desde os anos 1970, com a concordância da viúva do compositor. O “sotaque” tcheco trazido por Kaňka e Klepáč, ao menos para os meus ouvidos, combina perfeitamente com a linguagem do compositor de São Petersburgo.
Dmitri Shostakovich (1906-1975):
1-4. Cello Sonata in D Minor, Op. 40
5-6. Two Pieces for Cello and Piano (from the Second Ballet Suite)
A caixa está ao lado. São 3 CDs dos quais o terceiro foi arruinado pelo tempo, conforme foto abaixo. Tudo por causa de uma esponjinha “protetora” que foi se desmanchando e penetrando no plástico do CD. Sem dúvida, a esponjinha foi uma notável invenção da DG/Archiv. Não me apresentem o autor da brilhante ideia. Quem tiver este terceiro CD, faça o favor. Nele há obras para cravo tocadas pelo Trevor Pinnock. Asseguro-lhes, é excelente. Então, ficamos só com os dois CDs do Koopman, o que não é pouco, mas é menos do que foi comprado. Temos uma seleção das melhores obras de Bach para o instrumento. Todas moram no meu coração, mas tenho especial afeto pela Passacaglia e pelo BWV 564. E o BWV 540, que maravilha!
J. S. Bach (1685-1750): Obras para Órgão e Cravo (Koopman / Pinnock)
Toccata & Fuga In D Minor BWV 565
1-1 Toccata 6:40
1-2 Fuga 1:19
Toccata, Adagio & Fuga In C Major BWV 564
1-3 Toccata 5:07
1-4 Adagio 4:05
1-5 Fuga 4:26
Toccata & Fuga In F Major BWV 540
1-6 Toccata 7:27
1-7 Fuga 5:21
6 Chorales Of Diverse Kinds (“Schubler” Chorales)
2-5 Wachet Auf, Ruft Uns Die Stimme BWV 645 4:10
2-6 Wo Soll Ich Fliehen Hin BWV 646 1:35
2-7 Wer Nur Den Lieben Gott Läßt Walten BWV 647 4:10
2-8 Meine Seele Erhebet Den Herren BWV 648 3:25
2-9 Ach Bleib’ Bei Uns, Herr Jesu Christ BWV 649 2:19
2-10 Kommst Du Nun, Jesu, Vom Himmel Herunter BWV 650 3:25
(Atendendo, mais de uma década depois, os desesperados pedidos).
Posto para vocês a extraordinária ópera Orfeu e Eurídice de Gluck. Como estou com reais dificuldades de tempo, vou copiar aqui dois textos: o primeiro sobre Gluck e o segundo sobre a ópera:
Christoph Willibald Ritter von Gluck (2 July 1714 Erasbach, Upper Palatinate – 15 November 1787 in Vienna) was an opera composer of the early classical period. After many years at the Habsburg court at Vienna, Gluck brought about the practical reform of opera’s dramaturgical practices that many intellectuals had been campaigning for over the years. With a series of radical new works in the 1760s, among them Orfeo ed Euridice and Alceste, he broke the stranglehold that Metastasian opera seria had enjoyed for much of the century.
The strong influence of French opera in these works encouraged Gluck to move to Paris, which he did in November 1773. Fusing the traditions of Italian opera and the French national genre into a new synthesis, Gluck wrote eight operas for the Parisian stages. One of the last of these, Iphigénie en Tauride, was a great success and is generally acknowledged to be his finest work. Though he was extremely popular and widely credited with bringing about a revolution in French opera, Gluck’s mastery of the Parisian operatic scene was never absolute, and after the poor reception of his Echo et Narcisse, he left Paris in disgust and returned to Vienna to live out the remainder of his life.
Fonte: nem deus sabe.
Orfeu e Eurídice foi a primeira de três óperas conhecidas como as óperas da reforma, onde Gluck, em parceria com Calzabigi, procurou, através da “nobreza da simplicidade” da acção e da música, substituir os complicados enredos e os floreados musicais que se tinham apoderado da Ópera Séria.
A verdade é que Gluck já tinha composto numerosas óperas na estética convencional de Metastasio. Assim, a parceria com Calzabigi, proporcionava-lhe uma oportunidade quase única para se pôr em prática uma nova concepção do teatro musical: mais sóbrio e mais dramático, e que se aproximasse da unidade da tragédia grega.
Orfeu e Eurídice estreia com enorme sucesso, no dia 5 de Outubro de 1762 e tornou-se na obra mais popular de Gluck.
Já traduzida em música por compositores como Monteverdi e Peri, esta é a história de como Orfeu traz de volta Eurídice para o mundo dos vivos. Enfrenta os infernos para recuperar a amada, com a imprescindível ajuda da música-apaziguadora de almas atormentadas.
Apesar do enorme sucesso que foi a estreia de Orfeu e Eurídice em 1762, a partir do ano seguinte até 1769, a ópera nunca mais foi interpretada.
A recuperação desta obra surge pelas mãos do próprio Gluck, quando a dirige, de novo, em Parma. Fazia parte de um tríptico – La Feste d’Apollo – onde Orfeu e Eurídice foi apresentada sem um único intervalo e com a parte destinada ao castrado contralto transposta para um castrado soprano.
Depois, em 1774, Gluck submete a partitura a mais uma revisão para ser posta em cena na Academia Real de Música de Paris: transpõe e adapta o papel de Orfeu para a voz de haute-contre – muito em voga na altura em França, sobretudo para a interpretação de papéis heróicos; altera a orquestração para a tornar mais grandiosa; inclui novas peças, vocais e instrumentais; e encomenda um novo libreto para ser cantado em francês.
Sinopse
I Acto
No primeiro acto, após um breve prelúdio, a cortina ergue-se por cima do túmulo de Eurídice. Orfeu chora a perda da amada, rodeado pelos seus amigos.
Aparece então o Cupido que traz uma mensagem: sensibilizados com a dor de Orfeu, os deuses autorizam-no a descer aos infernos para trazer Eurídice. Mas há uma condição: Orfeu não pode olhar para a amada antes estar de volta sob um céu mais clemente.
II Acto
Orfeu é acolhido nos infernos pelas Fúrias e pelo Cérbero, o cão das três cabeças de Hades. Perante o perigo, Orfeu começa a cantar, fazendo-se acompanhar pela sua lira e consegue apaziguar estes terríveis guardiães. Assim, chega à morada das sombras felizes onde encontra Eurídice. Toma-a pela mão, sem a olhar para ela directamente, e pede-lhe que volte com ele.
III Acto
Euridice não compreende porque é que Orfeu não olha para ela uma única vez. Atribui a atitude à frieza de espírito e não dá oportunidade a Orfeu para se explicar. É então, que depois de muito censurado, Orfeu perde a paciência e se volta para ela. Como consequência Eurídice cai inanimada – uma das cenas mais aguardadas de toda a ópera, à qual se segue a ária “Che farò senza Euridice?”, cantada por Orfeu desesperado. Surge de novo o Cupido. Orfeu provou merecer Eurídice, por isso é-lhe restituída a vida.
Na última cena, no templo do Cupido, Orfeu, Eurídice e Cupido unem as suas vozes às dos pastores e cantam os mistérios e a força do amor.
Christoph Willibald Gluck (1714-1787): Orfeu e Eurídice (completa) (Baltsa, Marshall, Gruberova, Philharmonia Orchestra, Muti)
01. Overtura
02. Ah ! se intorno a ques’ urna funesta
03. Basta, basta, o compagni!
04. Ballo
05. Ah! se intorno a quest’ urna funesta 2
06. Chiamo, il mio ben cosi
07. Numi! barbari Numi!
08. T’assiste Amore!
09. Gli sguardi trattieni
10. Che disse Che ascoltai
11. Ballo – Chi mai dell’Erebo
12. Deh! placatebi con me
13. Misero giovane!
14. Mille pene, ombre moleste
15. Ah quale incognito
16. Ballo 3
17. Che puro ciel!
18. Vieni a’regni del riposo
19. Ballo 4
20. Anime avventurose
21. Torna, o bella
01. ATTO III SCENA 1 Vieni, segui i miei passi
02. Vieni, appaga il tuo consorte! (Orfeo,Euridice)
03. Qual vita e questa mai
04. Che fiero momento! (Euridice)
05. Ecco un nuovo tormento! (Orfeo, Euridice)
06. Che faro senza Euridice
07. Ah finisca e per sempre (Orfeo)
08. ATTO III SCENA 2 Orfeo, che fai (Amore, Orfeo, Euridice)
09. ATTO III SCENA 3 Introduzione
10. Ballo I
11. Ballo II
12. Ballo III
13. Ballo IV (Orchestra)
14. Trionfi Amore! (Orfeo,Coro,Amore,Euridice)
Agnes Baltsa
Margaret Marshall
Edita Gruberova
Ambrosian Opera Chorus
John McCarthy
Philharmonia Orchestra
Riccardo Muti
Desde a sua inauguração, em 2006, o PQP Bach perdeu 3 pessoas que aqui postavam. Alguns de nós nem se conhecem pessoalmente. Nos unimos através da rede e conversamos como grandes amigos. Eu não sei mais a ordem exata, mas creio que o primeiro foi Ammiratore, o segundo, Avicenna e o terceiro, Ranulfus. Avicenna veio a falecer com mais de 70 anos e após longa doença. Ammiratore perdeu a luta para a covid e a ignorância daquele governo lamentável. Sua morte foi especialmente dolorida para todos nós, muito dolorida mesmo. Mas, sei lá, o passamento de Ranulfus me atingiu mais fortemente. Tínhamos a mesma idade — nascemos com diferença de dois meses –, os mesmos gostos, incrivelmente tínhamos os mesmos CDs e vinis, ele parecia ter lido tudo o que li, só que tinha uma cultura muito maior, obtida sei lá onde. Tinha viajado muito mais — morara na Inglaterra, discutia línguas eslavas — e nos ensinava muito sobre literatura e música. Como eu, ele também não tinha muita grana, não. Quando nos conhecemos em um restaurante paulistano — foi apenas um encontro –, tivemos aquele tipo de rara empatia instantânea. E ontem dei de cara com esta sua coletânea de gravações. Ranulfus era muito ligado à cultura afro, da qual conhecia muito. Imagino que ele gostaria que eu a repusesse aqui. É o que faço agora. (PQP)
.oOo.
A primeira versão desta postagem se deu em 10/11/2010, durante os 40 dias que o monge Ranulfus viveu em Salvador, e incluía apenas a 2ª e 3ª das realizações dos Afro-Sambas apresentadas agora. Em 13/05/2011 veio a segunda versão, enriquecida com mais três realizações, inclusive a primeira de todas, cantada pelo próprio Vinicius de Moraes em 1966.
E o conjunto todo volta a cena hoje, 19/10/2013, centenário de nascimento de Vinicius de Moraes – o que, os senhores hão de convir, não é pouca razão, não é mesmo?
Por razões afetivas, o monge optou por reproduzir logo adiante o texto produzido em Salvador em 2010, antecedido apenas de umas rápidas observações sobre as três versões acrescentadas posteriormente,
… antes de mais nada, a primeira gravação, de 1966, com o próprio Vinicius de Moraes no vocal solo, e preciosos arranjos instrumentais de Guerra Peixe. Na nossa modesta opinião, Vinicius se sai surpreendentemente bem: ao contrário de Baden na versão de 1990, jamais desafina – mas para “compensar”, infelizmente o back vocal desafina sistematicamente, do começo ao fim. Pena, pois é uma versão encantadora! É bom notar que contém só 8 faixas; foi na versão de 1990 que Baden incluiu mais dois Afro-Sambas – creio que já integrantes da produção original, apenas não gravados na ocasião – mais uma impressionante introdução instrumental.
A quarta versão, lançada pela Deutsche Grammophon (!) em 2003, é a da baiana Virgínia Rodrigues, descoberta por Caetano Veloso nos anos 90. Dona de um belíssimo vozeirão negro de tessitura grave, às vezes acho que Virgínia compartilha um pouco com Mônica Salmaso aquela famosa questão da interpretação meio plana, igual demais (observação que tantas pedradas já me rendeu). Um pouco. Pois no fundo ela sabe muito mais do que é que está falando… Além disso, achei os belíssimos os arranjos instrumentais e de vozes, onde há. Detalhe: este CD atinge 12 faixas pela inclusão do samba Lapinha, que eu nunca havia visto antes relacionado aos Afro-Sambas – mas, enfim, já o seu título não é Afro-Sambas e sim “Mares Profundos”.
Já a quinta, de 2008, parte para uma formação supostamente mais “clássica”: o coro a vozes. O pessoal do Coral UNIFESP (da Universidade Federal de São Paulo) convidou nada menos que sete arranjadores, alguns que chegaram a resultados belíssimos, outros bons porém mais dentro do já convencional em termos de coralização da MPB. O trabalho é perfeito em termos de afinação, precisão… mas, engraçado, não sinto que essa música ganhe mais “classicidade” por isso. Para ser honesto, sinto que os Afro-Sambas são mais grande música que nunca justo nas duas gravações iniciais, com a participação de Baden, apesar de todos os desafinos. Ainda assim,este CD do Coral UNIFESP é um trabalho que ouço com frequência e prazer, e não deixo de recomendar que vocês baixem e ouçam!
E AGORA O TEXTO ORIGINAL DA POSTAGEM:
De repente o monge Ranulfus se encontra na muy barroca & ainda mais africana cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Querendo fazer uma postagem que de um modo ou de outro tivesse relação com esse fato, lembrou imediatamente dos Afro Sambas – só que… paradoxo: essas peças que fazem inevitavelmente pensar em Bahia foram compostas por um fluminense (BADEN POWELL de Aquino, 1937-2000) e um carioca (Marcus VINICIUS DE Mello MORAES, 1913-1980).
E daí? Tem a ver, sim, com o universo imaginário e estético afro-brasileiro que tem em Salvador sua capital – e sobretudo é música da grande, não tenho dúvida que da mais importante já composta no Brasil. Não segue os procedimentos construtivos do ‘clássico’ de origem europeia? Não parei para analisar e, sinceramente, pouco se me dá: seja como for, não vejo nem ouço razões para não entendê-los como um ciclo de lieder, tanto quanto os de, digamos, Schubert ou Brahms.
Os lieder em questão foram lançados em disco em 1966, com o tremendo violonista que era Baden, e na voz o poeta Vinicius, que definitivamente não era cantor. Não sei se é verdade ou folclore, mas em seus livros de história da bossa nova o jornalista Ruy Castro sacramenta a história de que em 1962 os dois se haveriam trancado em um apartamento por um três meses com várias caixas de cachaça, e saído de lá com 25 obras primas, mas cada um para uma diferente clínica de desintoxicação…
Embora várias das peças tenham se tornado standards em vozes como a de Elis Regina, o conceito do ciclo ficou esquecido por muito tempo. Três décadas depois (1995) o violonista Paulo Belinatti se juntou à recém-surgida cantora Mônica Salmaso, e fizeram a gravação de que muitos podem dizer: “essa é clássica”: virtuosismo instrumental constante, voz cristalina pairando límpida sobre isso o tempo todo… mas… sim, é uma gravação notável, porém… honestamente, não sinto que tenha alma. A voz límpida de Salmaso me parece atravessar tudo com a indiferença de uma beldade gélida e morta. Tudo igual, igual, igual.
Por outro lado o próprio Baden – que viveu a maior parte da vida na Europa, inquestionado como um mestre maior do seu instrumento – já havia feito uma segunda gravação integral em 1990, com o Quarteto em Cy e mais alguns instrumentistas. Esquisitíssima por outras razões: Baden também não era cantor. Tem momentos em que sustenta uma nota longa a quase meio tom de distância de onde deveria estar… e, no entanto, é artista até o fundo dos ossos e com essa mesma nota desafinada me faz correr lágrimas contínuas – não porque esteja doendo no ouvido, mas de beleza pura mesmo. Estado de graça. Vá-se entender!!
Em resumo: a gravação Belinatti-Salmaso é tecnicamente a melhor, mas sinto a do próprio Baden como musicalmente muito superior – seja lá o que queira dizer esse “musicalmente”. Mas talvez nem todos concordem – e por isso mesmo vão aí as duas versões. Bom proveito!
Baden Powell e Vinicius de Moraes: OS AFRO-SAMBAS – em 5 versões integrais
As listagens de faixas e fichas técnicas se encontram em suas respectivas pastas.
1. Versão original com Vinicius e Baden (1966)
com arranjos corais e instrumentais e regência de Guerra Peixe 2. Versão de Baden Powell (1990) com Quarteto em Cy, Paulo Guimarães, Ernesto Gonçalves e outros (1990) 3. Versão de Paulo Belinatti e Mônica Salmaso (1995) 4. Versão de Virgínia Rodrigues (2003) (“Mares Profundos”) 5. Versão do Coral UNIFESP (2008)
É inacreditável que esta gravação de 1981 — a segunda de Gould para as Variações Goldberg, de Bach –, jamais tenha passado pelo PQP Bach. E que a de 1955 esteja sem link… Mas é da vida. O blog é desprogramado mesmo… Em 1955, Glenn Gould surpreendeu os executivos da Columbia Masterworks ao escolher as Variações Goldberg de J. S. Bach para sua gravação de estreia. Sua performance foi rápida, fluida, brilhante e deliciosa, e foi um sucesso de vendas surpreendentemente grande. Em 1981, Gould fechou o círculo e gravou as Goldberg novamente. Foi sua última gravação de estúdio. Essa segunda tentativa não poderia ser mais diferente da primeira: implacavelmente intelectual, percussiva, insistente. E melhor. Gould não tinha o hábito de regravar, mas um crescente desconforto com aquela performance anterior o fez voltar-se mais uma vez para uma obra-prima atemporal e tentar, por meio de uma perspectiva radicalmente alterada, um relato mais definitivo. Por sua própria admissão, ele havia, durante aqueles anos intermediários, descoberto a “lentidão” ou uma qualidade meditativa muito distante dos dedos brilhantes e da glória pianística. E é esse “repouso outonal” que adiciona uma dimensão tão profundamente imaginativa à clareza desimpedida e à definição precisa de Gould. A Ária agora é hipnotizantemente lenta. As confidências trêmulas da Variação 13 na performance de 1955 dão lugar a algo mais direto, mais incisivo e determinado, enquanto as medidas leves e dançantes da Var. 19 são humoristicamente lentas e precisas. O retorno da Ária também é avassalador em seu profundo senso de consolo e resolução. Pessoalmente, eu não gostaria de ficar sem nenhuma das gravações de Gould, mas devo dizer que a segunda é certamente a melhor. A gravação é soberba e é notável que os dois maiores discos de Gould sejam seu primeiro e seu último.
J. S. Bach (1685-1750): Variações Goldberg (Gould, 1981) — Goldberg Variations, BWV 988 – 1981 Recording
1 Aria 3:05
2 Variatio 1 a 1 Clav. 1:10
3 Variatio 2 a 1 Clav. 0:49
4 Variatio 3 a 1 Clav. Canone All’Unisono 1:31
5 Variatio 4 a 1 Clav. 0:50
6 Variatio 5 a 1 Ovvero 2 Clav. 0:37
7 Variatio 6 a 1 Clav. Canone Alla Seconda 0:40
8 Variatio 7 a 1 Ovvero 2 Clav. 1:16
9 Variatio 8 a 2 Clav. 0:54
10 Variatio 9 a 1 Clav. Canone Alla Terza 0:59
11 Variatio 10 a 1 Clav. Fughetta 1:04
12 Variatio 11 a 2 Clav. 0:54
13 Variatio 12 Canona Alla Quarta 1:38
14 Variatio 13 a 2 Clav. 2:38
15 Variatio 14 a 2 Clav. 1:04
16 Variatio 15 a 1 Clav. Canone Alla Quinta. Andante 5:00
17 Variatio 16 a 1 Clav. Ouverture 1:38
18 Variatio 17 a 2 Clav. 0:54
19 Variatio 18 a 1 Clav. Canone Alla Sesta 1:03
20 Variatio 19 a 1 Clav. 1:03
21 Variatio 20 a 2 Clav. 0:50
22 Variatio 21 Canone Alla Settima 2:13
23 Variatio 22 a 1 Clav. Alla Breve 1:03
24 Variatio 23 a 2 Clav. 0:58
25 Variatio 24 a 1 Clav. Canone All’Ottova 1:42
26 Variatio 25 a 2 Clav. 6:03
27 Variatio 26 a 2 Clav. 0:52
28 Variatio 27 a 2 Clav. Canone Alla Nona 1:21
29 Variatio 28 a 2 Clav. 1:03
30 Variatio 29 a 1 Ovvero 2 Clav. 1:02
31 Variatio 30 a 1 Clav. Quodlibet 1:28
32 Aria Da Capo 3:45
Aproveito a petulante invasão de seu sacrossanto espaço para comunicar – antes da merecida advertência – que a postagem da gravação de 1955 está com links novos.
Edgar Moreau já fez sua estreia aqui no blog como camarista, tocando violoncelo em um disco que achei lindo, com peças de Claude Debussy, acompanhado de uma turma de peso. (Aqui…)
Nesta postagem a proposta é outra e o disco é mais antigo, foi o segundo disco do violoncelista, uma coleção de concertos que abrange os períodos barroco e clássico, mas com uma ‘pegada’ mais barroca, com interpretações virtuosísticas e cheias de fantasia, mas também com lindos momentos de ‘galenteios’.
Haydn e Boccherini são compositores do período clássico, enquanto Vivaldi e os menos conhecidos Platti e Graziani são barrocos, se bem que nessa transição é melhor não rotular as coisas tão taxativamente. No momento estou ouvindo o movimento lento do concerto de Grazini, um belíssimo Larghetto grazioso com portamento!
Carlo Graziani, nascido na cidade italiana de Asti por volta de 1710, foi um dos primeiros virtuosos do violoncelo. Viajado, em 1747 ele estava em Paris, depois em Londres, onde tocou com Mozart, em seus 7 anos, em 1764. Graziani se casou com uma cantora de ópera italiana e o casal mudou-se para Frankfurt. Foi contratado pelo príncipe herdeiro do trono da Prússia, que se tornaria Frederico Guilherme II, como seu professor de violoncelo. Aposentou-se da corte prussiana em 1773, sendo sucedido por Jean-Pierre Duport, mas continuou a trabalhar para Frederico Guilherme II com uma pensão muito generosa. Deixou muitos conjuntos de sonatas e vários concertos para seu instrumento.
Giovanni Benedetto Platti era oboísta, mas também um músico muito versátil, pois dominava o violino, cravo, violoncelo, flauta e composição. Com essas características foi contratado pelo Príncipe Arcebispo Johann Philipp Franz von Schönborn, cujo irmão, o Conde Rudolph Franz Erwein von Schönborn era violoncelista amador. O Conde tinha uma coleção de sonatas e concertos de violoncelo, entre eles obras de Vivaldi escritas para ele. Ainda estão na coleção do castelo do Conde, em Wiesentheid, os autógrafos de 22 concertos para violoncelo de Platti, muitos deles comissionados pelo Conde.
Partes da crítica da Gramophone: In fact, Moreau’s ‘giovincello’ qualities are what this disc is all about. The balance is engineered so as to place his singing, silkily intense and muscular tone absolutely in the foreground, along with the sound of his fingerboard and his gasps of exertion. […] the Vivaldi’s dramatic final movement is the perfect vehicle for Moreau’s en pointe virtuosity, while the aria-like central movement of Graziani’s concerto leaves us in no doubt as to his ability to sculpt extended phrases with poetry and sense of line.
Na verdade, as qualidades de ‘giovincello’ de Moreau são a essência deste disco. O equilíbrio é projetado de forma a colocar seu tom cantante, sedosamente intenso e muscular absolutamente em primeiro plano, junto com o som dos seus movimentos de dedos e seus suspiros de esforço. […] o dramático movimento final de Vivaldi é o veículo perfeito para o seu virtuosismo, enquanto o movimento central do Concerto de Graziani, semelhante a uma ária, não nos deixa dúvidas quanto à sua capacidade de esculpir frases extensas com poesia e sentido de linha.
Continuando as homenagens a Antonio Meneses, trago duas gravações: a segunda, direto da rádio alemã, está mais abaixo. Comecemos pelo prato principal, a sua última gravação em estúdio com o Beaux Arts Trio há quase 20 anos, a não ser que apareçam outras até agora engavetadas.
O longevo trio, fundado em 1955 com Pressler como integrante fixo e as cordas mudando, teve Meneses como violoncelista de 1998 até a despedida do trio, em 2008. Depois de 2008, os três músicos seguiram carreiras movimentadas: Pressler tornou-se o decano dos pianistas em atividade, tocando praticamente até a véspera da sua morte aos 99 anos. Em 2007 Pressler e Meneses gravaram uma integral das obras para violoncelo e piano de Beethoven (aqui) e Meneses tocou bastante com orquestras e outros pianistas como Maria João Pires. Assim como Pires e Pressler (dois pianistas de mãos relativamente pequenas), Meneses tinha uma certa discrição que fugia do virtuosismo exagerado: a aparência era bem cuidada, claro, e seus ternos eram elegantes, mas certos detalhes entregavam que a preocupação era mais com o som do que com as câmeras.
Aqui nesta gravação de 2005 pelo trio hiper-cosmopolita (Pressler europeu radicado nos EUA, Meneses brasileiro radicado na Europa, Hope um sul-africano que estudou na Yehudi Menuhin School na Inglaterra), temos obras de fases bem diferentes de Shostakovich: o Trio nº 1, obra de juventude, é composto em um único movimento no qual se alternam momentos rápidos e lentos. O Trio nº 2, com uma divisão bem mais clássica em quatro movimentos como uma obra de Haydn ou Schubert, é um pouco posterior ao Quinteto com Piano e às sinfonias nº 7 e 8, ou seja, época em que Shosta já tinha uma voz bem própria e reconhecida mundialmente. Finalmente os Romances para soprano e trio, Op. 127 (1967), são da última fase do compositor, quando seu temperamento se torna mais calmo e reflexivo, como nas sonatas para violino (1968) e para viola (1975) e nos últimos quartetos.
Dmitri Shostakovich (1906-1975):
1. Trio #1 em dó menor, Op. 8
2-5. Trio #2 em mi menor, Op.67
6-12. Sete Romances sobre versos de Alexander Blok, Op. 127
Beaux Arts Trio (Pressler, Meneses, Hope)
Joan Rodgers, soprano – tracks 6-12
Recorded: Auer Hall, Indiana University, 2005
E fica como sobremesa uma gravação de rádio do então jovem Meneses com a Orquestra da Rádio Bávara e o maestro alemão Michael Gielen. Que eu saiba, Meneses e Gielen nunca lançaram um disco juntos. Nesta gravação de um dos mais belos concertos já compostos para o violoncelo, a orquestra toca com um molho mais encorpado (metáfora de PQPBach), amanteigado, digamos, se comparado com certas interpretações mais secas de Haydn. Mas há, até hoje, gente que gosta desse tipo de som, e aqui ele nunca chega a exageros intoleráveis. É bom lembrar ainda que nos tempos de Haydn as orquestras em Viena, em Esterháza e em Londres, cidades onde Haydn viveu, soavam bem diferentes entre si, então ninguém vai chegar a uma sonoridade matematicamente exata, estamos combinados?
Antonio Meneses[em inglês]: Oi! Para quem é o autógrafo? Vassily Genrikhovich[em português]: Olá, Antonio! É para [o nome do impostor que está em meu RG], por favor. AM: Rapaz, eu nunca diria que você é brasileiro! [sorri enquanto autografa o CD do Don Quixote com os filarmônicos de Berlim sob Karajan] VG: Às vezes até eu tenho dúvidas. AM[em inglês, dirigindo-se à então esposa, a pianista filipina Cecile Licad, que o acompanhara no recital]: Eu achei que ele era filipino. Cecile Licad[interessadíssima, em tagalog]: Você é pinoy? [termo tagalog para “filipino”] VG[em inglês, porque fala lhufas de tagalog] Sou brasileiro. CL[sem mais qualquer interesse no semblante]: … AM[em português, rindo]: Acho que ela não gosta de brasileiros [devolvendo-me o CD autografado] Ainda bem que ela me abriu uma exceção…
II Philharmonie de Colônia, Alemanha, primeira década do século XXI
VG[em português]: Olá, Antonio! Para [o nome do impostor, novamente], por favor. AM[sorrindo]: Brasileiro tem todas as caras, mesmo! [autografa o programa, em que tocara o primeiro concerto de Haydn] VG: Há uns dez anos, em Genebra, você achou que eu fosse filipino. AM: É mesmo? Hoje eu diria que você é japonês! VG[rindo]: Fui rebaixado? AM[com um sorriso maroto]: Foi promovido!
[a ficha só cairia depois do Google me contar que Antonio, divorciado de Cecile, se casara com a japonesa Satoko]
III Sala São Paulo, exatamente cinco 3-de-agostos antes deste último e tão triste 3 de agosto
AM: Oi! VG: Olá, Antonio! Sou [nome do impostor, uma vez mais]. AM [autografando o programa do concerto da Osesp com a estreia mundial do Concerto para violoncelo de Marlos Nobre, dedicado a ele próprio]: Gostou do concerto? VG: Adorei! AM: O Marlos não teve pena de mim, não. VG: Sou seu fã há décadas, desde que ouvi seu Don Quixote com Karajan. AM: Que bacana! Obrigado por vir! VG: Fico imaginando o que era tocar com Karajan. AM: Karajan era tranquilo. Mas o… VG: ? AM[gargalhando e devolvendo o programa autografado]: Deixa quieto…
Não conseguirei escrever seu obituário. Partiu cedo demais e com muito ainda a oferecer ao Som. E, porque eu o sinto vivo, farei com que ele viva também entre os leitores-ouvintes através das três gravações que nos deixou das eudaimônicas suítes do Demiurgo da Música, cada uma delas mais ou menos contemporânea das breves janelas que se me abriram para ele e que me deram a medida da falta que o virtuose da Música e das panelas, professor zeloso e querido amigo fará aos que lhe foram próximos.
Em memória de Antonio Meneses Neto (23 de agosto de 1957, Recife – Basileia, 3 de agosto de 2024).
Johann Sebastian BACH (1685-1750) Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012
No. 1 em Sol maior, BWV 1007
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuets I & II
Gigue
No. 2 em Ré menor, BWV 1008
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuets I & II
Gigue
No. 3 em Dó maior, BWV 1009
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrées I & II
Gigue
No. 4 em Mi bemol maior, BWV 1010
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrées I & II
Gigue
No. 5 em Dó menor, BWV 1011
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue
No. 6 em Ré maior, BWV 1012
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue
Antonio Meneses, violoncelo
Primeiro registro:
Gravado na Sala Casals em Tokyo, Japão,
de 14 a 16 de outubro e em 18 e 19 de dezembro de 1993.
Lançado em 25 de abril de 1994 pelo selo Philips, somente no mercado japonês.
Recomendo fortemente que, ao ouvirem estas gravações, escutem também as seis primeiras faixas do álbum a seguir, que servem como preâmbulos às Suítes do Maior de Todos:
No que seria o sexagésimo sétimo aniversário de Antonio Meneses, eu abraço – com a certeza de que meus colegas também o fazem – a proposta da Associação Brasileira de Violoncelistas (Abracello) de que o 23 de agosto se torne o Dia do Violoncelista Brasileiro. Mais sobre a iniciativa no Instagram da Abracello.
Um bom CD de chorinhos clássicos em versões remasterizadas e o escambal. A origem da designação “choro” para este gênero musical é controversa. Dentre as hipóteses, a primeira propõe que o termo teria surgido de uma fusão entre “choro”, do verbo chorar, e “chorus”, que em latim significa “coro”. Para Lúcio Rangel e José Ramos Tinhorão, a expressão choro derivaria da maneira chorosa, melancólica, com que os violonistas do século XIX acompanhavam as danças de salão europeias. Por extensão, próprio conjunto de choro passou a ser denominado pelo termo. Já Ary Vasconcelos vê a palavra choro como uma corruptela de choromeleiros, corporações de músicos que tiveram atuação importante no período colonial brasileiro. Os choromeleiros executavam, além da charamela, outros instrumentos de sopro. O termo passou a designar, popularmente qualquer conjunto instrumental. Câmara Cascudo arrisca que o termo pode também derivar de “xolo”, um tipo de baile que reunia os escravos das fazendas, expressão que, por confusão com a parônima portuguesa, passou a ser conhecida como “xoro” e finalmente, na cidade, a expressão começou a ser grafada com “ch”. No princípio, a palavra designava o conjunto musical e as festas onde esses conjuntos se apresentavam, mas já na década de 1910 se usava o termo para denominar um gênero musical consolidado. A partir das primeiras décadas do século XX o termo “choro” passou a ser utilizado tanto para essa acepção como para nomear um repertório de músicas que inclui vários ritmos. A despeito de algumas opiniões negativas sobre a palavra “chorinho”, essa também se popularizou como referência ao gênero, designando um tipo de choro em duas partes, ligeiro, brejeiro e comunicativo.
Acervo Especial: Choros
1 Pixinguinha & Benedito Lacerda– Naquele Tempo
2 Jacob Do Bandolim– Vibrações
3 Paulo Moura– Espinha De Bacalhau
4 Conjunto Galo Preto*– Recado
5 Dominguinhos– Brasileirinho
6 Deo Rian*– Tenebroso
7 Canhoto & Seu Regional*– Fogo Na Roupa
8 Pixinguinha & Benedito Lacerda– Displicente
9 Jacob Do Bandolim– Noites Cariocas
10 Paulo Moura– Peguei A Reta
11 Conjunto Galo Preto*– Estou Voltando
12 Dominguinhos– Doce De Coco
13 Deo Rian*– Odeon
14 Canhoto & Seu Regional*– Enigmático
Um disco recente com obras pouco conhecidas de Almeida Prado. Ouçam e cheguem a suas próprias conclusões. Eu cheguei às minhas: Ilhas (1973), escrito na mesma linguagem de Cartas Celestes I (1974) é uma obra impressionante, com um uso monumental das possibilidades expressivas do piano. Os Noturnos (1985-1991) são obras bem mais simples, nas quais o compositor parece ter se voltado para o público dizendo algo na linha de: “vocês querem belas melodias e harmonias emocionantes? Então toma.” Simplicidade não é moleza: há quem faça do uso de poucas e certeiras notas uma marca após anos de experiência no assunto… Prado, pelo contrário, parece achar aqui que é fácil ser simples. Mas Ilhas, que ocupa 1/3 do disco, já vale o download.
“A obra Ilhas foi escrita em 1973, um ano antes da composição do primeiro volume de suas Cartas Celestes, sua obra mais importante para piano. Ela pode ser ouvida como sua predecessora, principalmente pelo uso de um material cordal pré-estabelecido através das sete ilhas, chegando à sua apresentação final no Arquipélago. O gérmen da exploração de sonoridades de ressonância do instrumento também está presente aqui. A associação poética com títulos como Ilha de Gelo, Pedra ou Flores, por exemplo, nos dá a indicação de uma música programática, uma maneira a mais para se identificar com a obra, passando pela ígnea densidade dos 9 vulcões ao majestoso e impessoal iceberg da Ilha de Gelo. Essa é definitivamente uma obra mística que merece ser apreciada a todo volume.” (Aleyson Scopel)
Fiz tanta propaganda para o rapaz que nada mais justo que mostrar um pouco de seu talento neste cd excepcional, só com obras de Franz Liszt.
Ouvi este cd três vezes seguidas, e posso recomendá-lo sem pestanejar. Sei que alguns leitores consideram a obra de Lizst um monte de notas sem sentido, mas talvez ao ouvirem esta interpretação mudem de opinão. Sim, concordo, é um virtuosismo exagerado o que se pede para interpretar estas obras, mas creio que Andsnes consegue demonstrar que por trás de tantas notas existe vida. Sobre este cd, o editorial da amazon.com escreveu o seguinte:
“An index to the excellence of Leif Ove Andsnes’s Liszt recital is that he makes familiar works exciting and fresh-sounding and obscure ones persuasive and accessible. Andsnes turns the “Mephisto” Waltz No. 1 from a tired circus stunt into a tone poem daring in its effrontery and voluptuous in its lyricism. He plays the “Dante” Sonata without the usual penny-awful bludgeoning and sentimental blustering and lifts its treatment of love, chaos, and redemption to an exalted level. The infrequently performed “Andante lagrimoso” (No. 9 of the Harmonies poétiques et religieuses) is haunting in its unceasing alterations between pain and serenity. And in late works–such as the Second and Fourth “Mephisto” Waltzes and the “Valse oubliée” No. 4–the pianist shows us how far Liszt had traveled from romanticism toward both expressionism and impressionism, making us understand how these works lit the paths of composers as diverse as Debussy, Schoenberg, and Bartók. If you buy only one recording of Liszt’s piano music this year, make it this.
Confesso que não tenho muita familiaridade com a obra de Liszt, com excessão de seus concertos para piano, já postados aqui, e sua Sinfona “Fausto”, além, é claro, de suas rapsódias, e sempre me chamou a atenção sua capacidade de fazer espetáculo. Segundo seus biógrafos, Liszt seria um showman da época, e seu virtuosismo enquanto pianista se transmitiu à sua obra, de difícil execução para os solistas. O cd que ora posto tem momentos de puro virtuosismo, sim, mas ao mesmo tempo, graças a um excepcional intérprete, vemos que “the pianist shows us how far Liszt had traveled from romanticism toward both expressionism and impressionism, making us understand how these works lit the paths of composers as diverse as Debussy, Schoenberg, and Bartók, como bem exemplifica o editorial da amazon. Outro comentarista do mesmo site diz que nunca viu tanto vigor e paixão numa interpretação de uma obra de Liszt. E assino embaixo, ainda mais depois daquela excepcional performance que tive o raro prazer de presenciar semana passada.
Ah, e não se preocupem, a saga Gilels/Beethoven continua.
Franz Liszt – Liszt Piano Recital – Leif Ove Andsnes
01. Apres une lecture du Dante (Années de pèlerinage, 2e année Italie)
02. Valse Oubliee No 4
03. Mephisto Waltz No 4
04. Die Zelle in Nonnenwerth Elegie Version 4
05. Ballade No 2
06. Mephisto Waltz No 2
07. Andante Lagrimoso (Harmonies Poe iques et Religieuses No 9)
08. Mephisto Waltz No 1 Der Tanz in der Dorfschenke
Olha, esse CD é muito bom. Achei meio ridícula a pomposidade do nome da obra, mas, se esta pode servir de piada, logo um oh! de surpresa cala qualquer intenção menos séria. Scherbakov é um pianista monstruoso e dá aos Estudos de Liapunov grande expressividade. Ao procurar saber mais sobre Liapunov, li várias vezes a expressão neglected composer. Bem, aqui no PQP, com nossos mais de mil compositores, ninguém é negligenciado, nem o ultrarromântico Liapunov ou Lyapunov. Scherbakov é apenas o segundo pianista a gravar o conjunto completo dos Estudos Transcendentais de Liapunov duas vezes, seguindo os passos de Louis Kentner, cuja primeira versão (de 1949) continua sendo a padrão. Estranhamente, as primeiras versões de ambos os pianistas são amplamente preferíveis às suas segundas tentativas. Esta é a primeira gravação de Scherbakov (1993) e está em segundo lugar, logo atrás de Kentner, à frente das gravações mais recentes de Vincenzo Maltempo e Etsuko Hirose.
Pollini chamou essas peças de as provavelmente mais importantes para piano do século XX. A proposição é discutível, não é discutível a qualidade das interpretações de Pollini. Aqui e ali, pode-se objetar sobre detalhes, e a primeira peça do Op. 11, que inicia o disco, sempre me pareceu muito estática, mas, no geral, há uma combinação de maestria intelectual e pianística que é indubitavelmente extraordinária. A oportunidade de ouvi-la em som remasterizado digitalmente não deve ser perdida. Se você é novo nesse repertório, não espere ser cortejado ou seduzido — Schoenberg não era um pianista talentoso, e parece ter usado o instrumento mais para aventuras ousadas no desconhecido do que para relaxamento. Aceite o choque ou vá direto para o Op. 11 No. 3 ou a Giga do Op. 25. Para um descanso lírico, experimente o Op. 33 a. Mas não importa para onde você olhe, pode ter certeza de que a percepção musical e o virtuosismo de Pollini, sem mencionar a gravação da DG, apresentam a música da melhor forma possível.
Arnold Schoenberg (1874-1951): A Música para Piano (Pollini)
Three Piano Pieces Op. 11 = Drei Klavierstücke Op. 11 = Trois Pièces Pour Piano, Op. 11 = Tre Pezzi Per Pianoforte Op. 11 (13:36)
1 1. Mässig 3:53
2 2. Mässige Achtel 7:11
3 3. Bewegt 2:32
Six Little Piano Pieces Op. 19 = Sechs Kleine Klavierstücke Op. 19 = Six Petites Pièces Pour Piano, Op. 19 = Sei Piccoli Pezzi Per Pianoforte Op. 19 (5:10)
4 1. Leicht, Zart 1:12
5 2. Langsam 0:53
6 3. Sehr Langsame Viertel 0:59
7 4. Rasch, Aber Leicht 0:26
8 5. Etwas Rasch 0:32
9 6. Sehr Langsam 1:08
Five Piano Pieces Op. 23 = Fünf Klavierstücke Op. 23 = Cinq Pièces Pour Piano, Op. 23 = Cinque Pezzi Per Pianoforte Op. 23 (10:12)
10 1. Sehr Langsam 2:03
11 2. Sehr Rasch 1:18
12 3. Langsam 2:47
13 4. Schwungvoll 1:37
14 5. Walzer 2:27
Suite For Piano Op. 25 = Suite Für Klavier Op. 25 = Suite Pour Piano, Op. 25 = Suite Per Pianoforte Op. 25 (14:16)
15 Präludium: Rasch 0:59
16 Gavotte: Etwas Langsam, Nicht Hastig (Attacca:) 1:04
17 Musette: Rascher 1:11
18 Gavotte (Da Capo) 1:10
19 Intermezzo 3:21
20 Menuett: Moderato – Trio 3:56
21 Gigue: Rasch 2:35
22 Piano Piece Op. 33a = Klavierstück Op. 33a = Pièce Pour Piano, Op. 33a = Pezzo Per Pianoforte Op. 33a. Mässig 2:06
23 Piano Piece Op. 33b = Klavierstück Op. 33b = Pièce Pour Piano, Op. 33b = Pezzo Per Pianoforte Op. 33b. Mässig Langsam 3:31
Hoje é o aniversário de… PQP Bach. Aniversário não do blog ou do personagem, mas do ser humano que há, dizem, por trás. Por isso, vou postar duas obras-primas neste 19 de agosto. Esta é a segunda.
Um CD eletrizante! Esta gravação de Schubert é uma sobre a qual não é realmente necessário dizer muito. É, provavelmente, a melhor performance da Nona que me lembro de ter ouvido e a direção de Abbado é magistral. Seu ritmo para cada movimento parece ser o ideal e ele frequentemente molda a música com sutis modificações de andamento da maneira que um maestro como Furtwängler teria feito. Abbado, nesta gravação de 1987, é um grande músico continuando a explorar a música e a renovar sua abordagem para obras que ele deve ter conduzido muitas vezes. Há também uma determinação em manter os mais altos padrões possíveis de musicalidade, trabalhando com músicos de primeira linha. Ele regravou a Nona em 2011, mas nunca ouvi a gravação.
Franz Schubert (1797-1828): Symphonie No. 9 · Rosamunde: Ouvertüre (Die Zauberharfe) (The Chamber Orchestra Of Europe · Claudio Abbado)
Sinfonia Nr. 9, D 944, “A Grande”
1 1. Andante – Allegro Ma Non Troppo 16:46
2 2. Andante Con Moto 15:26
3 3. Scherzo. Allegro Vivace 14:02
4 4. Allegro Vivace – Trio 15:29
5 Rosamunde: Ouverture (“Die Zauberharfe” D. 644) 10:12
Conductor – Claudio Abbado
Orchestra – The Chamber Orchestra Of Europe
Hoje é o aniversário de… PQP Bach. Aniversário não do blog ou do personagem, mas do ser humano que há, dizem, por trás. Por isso, vou postar duas obras-primas neste 19 de agosto. Está é a primeira.
Durante anos disse que Upon Reflexion era o melhor LP/CD editado pela grande ECM. Hoje, eles lançam tanta coisa que talvez fosse perigoso manter esta opinião. De qualquer maneira, este seria um dos discos que levaria para a ilha deserta, trata-se de um dos melhores discos de jazz de todos os tempos. O disco abre com a espetacular Edges Of Illusion cujo solo decorei de tanto ouvir o LP desde 1980. Tal solo vem do sax barítono de Surman com algumas fundamentais intervenções melódicas do sax soprano. O curto ostinato viajandão do fundo deve-se aos sintetizadores. O som dos saxofones de Surman é algo. O ostinato da agitada Filigree vem de diversos saxofones sobrepostos que somem maravilhosa Caithness To Kerry, escrita para sax soprano solo. Alegre, ingênua e pastoral em sua absoluta falta de acompanhamento, parece ter sido composta pelo louco da aldeia. O louco some na sonoridade de jazz clássico de Beyond a Shadow, uma bela e negra composição do inglês, com acompanhamento de sintetizadores, saxofones e participação decisiva do clarone (bass clarinet). O lado 2 de meu antigo disco começava com Prelude And Rustic Dance. O louco da aldeia, já com os antipsicóticos em dia, organiza uma cortina de agitados saxofones para o solo de sax soprano de Surman. A poética e tranquila The Lamplighter acalma as coisas, preparando a área para a curta correria de Following Behind, uma brincadeira com ecos. Constellation talvez seja a melhor composição do disco. No ostinato voltam com tudo os sintetizadores.
John Surman: Upon Reflection (1979)
1. Edges Of Illusion 10:10
2. Filigree 3:41
3. Caithness To Kerry 3:51
4. Beyond A Shadow 6:40
5. Prelude And Rustic Dance 5:14
6. The Lamplighter 6:19
7. Following Behind 1:24
8. Constellation 8:16
all composed by Surman
recorded May 1979, Talent Studio, Oslo
John Surman, baritone and soprano saxophones, bass clarinet, synthesizers
Chega de tanto videogame, eu disse aos meus filhos, vamos assistir a uma ópera de Mozart, algo que alegre o coração e nos afaste dessa violência virtual desses jogos… Assim, fomos ver (no DVD da sala, é claro), o Rapto do Serralho!
Pois eles adoraram e Osmin foi, por um bom tempo, um dos seus personagens preferidos, ao lado do Goku e do Vedita. E eu gostei tanto da música e dos costumes turcos que institui lá em casa uma espécie de ritual. Sempre que voltava do trabalho a esposa colocava em fila quem estivesse na área, filhos, cachorrada, e assim que eu adentrasse pelo portão soava em altos brados o coro dos janissários saudando o Paxá Selim:
Singt dem großen Bassa Lieder
Töne feuriger Gesang;
Und vom Ufer halle wieder
Unsrer Lieder Jubelklang!
Que se elevem ao grande Paxá nossas vozes em ardente aclamação;
Que desde a praia ecoem os alegres sons de nossa canção!
Vivíamos então propriamente em Piratininga…
1781 foi um daqueles anos ainda mais complicados na vida de Mozart. Foi o ano no qual ele finalmente levou um pé-no-traseiro, livrando-se de vez do Arcebispo Coloredo, indo morar em Viena. Apesar de todas as incertezas financeiras e das confusões com os assuntos pessoais, em função de sua relação com Constanze, Mozart era agora dono de seu próprio nariz.
O Rapto do Serralho é fruto de uma encomenda para o National Singspiegel, que havia sido fundado há poucos três anos pelo Imperador José II. A obra devia ser uma espécie de ópera cantada em alemão, mas também com diálogos, e era vista como uma forma menor do que as óperas em italiano. Essa perspectiva certamente era reforçada pelos cantores italianos que viviam em Viena, assim como pelos compositores de ópera em italiano.
A obra foi sendo composta calmamente, mas desde sua estreia em julho de 1782 experimentou um enorme e imorredouro sucesso – o primeiro de Mozart em Viena. Tanto que quase instantaneamente suas melodias foram arranjadas para conjuntos de sopros e eram tocadas em todas as partes.
O Serralho é o palácio do Paxá, onde ele mantém seu harém e onde estão presos a mocinha Konstanze (coincidência?), sua criada inglesa, Blonde, e Pedrillo, o servo de um nobre espanhol, o amado da Konstanze, chamado Belmonte, que está em busca dos três. Eles foram raptados por piratas turcos e vendidos como escravos para o Paxá Selim.
É claro que o Paxá está de olho na mocinha, mas ele é do tipo que não gosta de forçar a barra, e está dando um tempo para a moça aceita-lo.
Tudo isso sabemos por ter-nos sido contado por um passarinho verde e a ópera começa com Belmonte chegando ao Serralho em busca de informações, perguntando por Pedrillo a Osmin, o guardião e buldogue do Paxá, e que adoraria mostrar ao rascal Pedrillo todas as belas formas de torturas locais, entre elas as famosas bastonadas…
Como há de se esperar, mil confusões se seguem, com o astucioso Pedrillo apresentando o amo Belmonte ao Paxá como se fosse um arquiteto que dará um repaginada no Serralho.
Neste ponto é impossível não traçar um paralelo entre alguns dos personagens dessa ópera com membros do elenco de outro grande sucesso de Mozart: a Flauta Mágica: O casal Konstanze/Belmonte está para Tamina/Pamino assim como Pedrillo/Blonde está para Papagena/Papageno. O Paxá Selim corresponde a Sarastro e Osmin lembra um de alguma forma a Monostatos, apesar da grande diferença dos tipos vocais – baixo e tenor.
Voltando ao Rapto, o plano de fuga tramado pelos reféns envolve embriagar Osmin e raptar as moças, fugindo em seguida para a Espanha. A trama começa, mas, como se poderia esperar, as coisas desandam e eles são pegos. Belmonte então se apresenta como filho de um nobre espanhol, dando uma clara carteirada, tão nossa conhecida. Pois o tiro sai pela culatra, o tal nobre espanhol pai de Belmonte é o desafeto-mor do Paxá, ele mesmo tendo sido outrora nobre espanhol que fora traído justamente pelo dono da carteira usada pelo Belmonte – vá saber o que bebiam ou fumavam os libretistas daqueles dias.
Com o filho de seu arqui-inimigo nas mãos, já se pensa, Osmin em grande alegria planeja os requintes de sofrimentos a serem infligidos aos sacripantas. No entanto, mais uma vez seus desejos serão adiados, o Paxá decide pagar com o bem os maus tratos de outrora e perdoa a todos e os manda de volta para casa. Os quatro partem com os bons votos do magnânimo Paxá que recebe mais uma vez o exultante Coro dos Janízaros, assim como pode ser visto na sequência do lindo filme Amadeus.
Uma das razões para o instantâneo sucesso dessa obra foi o uso da chamada música turca, que andava especialmente no gosto dos vienenses naqueles dias. Quem não conhece o movimento de Sonata para Piano, chamada Marcha Turca, de Mozart? Outros exemplos de música turca são encontrados nas obras de Haydn e mesmo Beethoven. Veja mais aqui e aqui.
Outro aspecto interessante sobre o Rapto é o fato de que Mozart não refrescou para os cantores e criou para ela algumas de suas árias mais difíceis. Uma delas é a ária de Konstanze chamada Martern aller Arten, na qual Konstanze explica ao atônito Paxá que preferiria experimentar os requintes de tortura turca a trair a memória de seu antigo amor.
Escolher uma boa gravação para a postagem se revelou uma tarefa a um só tempo divertida e difícil. Há muitas escolhas e na rodada final restaram muitas possibilidades na mesa. Das gravações mais antigas cogitei uma com Karl Böhm na regência, mas apesar das vozes maravilhosas, achei que a segunda gravação de Josef Krips, com selo EMI, é imbatível nesse segmento. Mas queria alguma coisa mais recente. Uma gravação destas que gostei bastante é a (segunda) de George Solti (quem diria?). Aqui a orquestra é a Wiener Philharmoniker e Kathleen Battle canta lindamente. Acabei optando por uma gravação historicamente informada, mas não apenas por isso. Acho que essa gravação, com a direção do maestro John Eliot (Manitas de Piedra) Gardiner, é uma das que mais facilmente eu retornaria, em qualquer situação. No entanto, se você tiver a oportunidade, há também gravações com Christopher Hogwood, René Jacobs, William Christie e Nikolaus Harnoncourt que valem a pena de serem ouvidas. De qualquer forma, talvez alguma das versões mencionadas possa aparecer num futuro não muito distante.
Considerei, no processo da montagem da postagem, que uma outra bela possibilidade para a audição seria a gravação com Colin Davis regendo a Academy of St. Martin-in-the-Fields. Essa gravação está na caixa da Philips com a ‘Obra Completa’ de Mozart, editada por volta de 1991, para faturar bastante, na esteira das edições em datas significativas, no caso, duzentos anos de morte de Mozart. Afinal, os filhos dos donos das gravadoras precisam manter suas Ferraris, Lamborghinis ou Bugattis.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Die Entführung aus dem Serail (O Rapto do Serralho)
One of the main attractions to this recording is the rarely recorded Luba Orgonášová. This Slovakian soprano reminds me of what Joan Sutherland might have sounded like if she performed the entirety of Konstanze’s music. She brings a large beautiful sound to the coloratura and long sensitive phrasing, however, at times her interpretation lacks feeling and clear diction.
Die Entführung aus dem Serail (O Rapto do Serralho)
Trecho de um blog interessante: When I began listening to Mozart, Colin Davis’ interpretations were always my first pick. Not only do his records showcase some of the best singers in these roles, but he also brings out fine details in the orchestra while at the same time letting the voices shine. Despite approaching the score with a full orchestra rather than one with period instruments, Davis still manages to let the music stay light and breathe.
In addition to Davis, this recording is great for beginners because the German dialogue is severally reduced leaving only the essentials.
Umas das características da música russa é um certo elemento fantástico, de mitos e seres lendários, folclóricos. Isso está presente na primeira peça do disco, também pioneira nesse gênero por lá – Uma Noite no Monte Calvo – que saiu da mente imaginosa de Mussorgsky. Mas, teve que esperar a intervenção (e orquestração) de Rimsky-Korsakov para se firmar no repertório. Tornou-se tão popular que fez parte, em 1940, do filme Fantasia, de Walt Disney.
Outra característica da música russa é a orquestração requintada, um pouco exótica, arte que certamente deve bastante ao já mencionado Rimsky-Korsakov, compositor de duas outras peças do disco, justamente famosas – favoritas do público. A Abertura da Páscoa Russa e o Capricho Espanhol são figurinhas carimbadas em concertos de viés mais popular e justamente, pois encantam pela riqueza das melodias e dos timbres orquestrais.
A quarta faixa do disco, assim como a faixa bônus, as Danças Polovitsianas e Nas Estepes da Ásia Central, são composições de Borodin, outra figura importante da música russa. Eu incluí essa última composição por ser uma das minhas preferidas, desde sempre.
É interessante como esses dois compositores que tanto contribuíram para a música russa tiveram vida profissional dupla. Rimsky-Korsakov foi membro da Marinha Imperial Russa, seguindo a tradição familiar, e Borodin, além de músico, foi médico e químico atuante.
Quanto aos intérpretes, o dito nas entrelinhas dos memorandos aqui na repartição é que, para música russa, o melhor é intérprete russo! Assim, para a postagem escolhi um disco que cumprisse, pelo menos em parte, o adágio local. Gennady Rozhdestvensky rege uma orquestra que não é russa, mas é espetacular e conhece o repertório como poucas, dada sua relação com músicos e compositores russos. O disco foi gravado no início da década de 1970, mas tem um produção excelente e é espetacular, a começar pela capa…
Veja a descrição do estilo do maestro: Rozhdestvensky foi considerado um maestro versátil e um músico altamente culto com uma técnica flexível. Ao moldar as suas interpretações, dava uma ideia clara dos contornos estruturais e do conteúdo emocional da peça, combinados com um estilo performático que fundiu lógica, intuição e espontaneidade.
A faixa extra é uma gravação de outra estirpe, Leonard Slatkin regendo a Orquestra de Saint Louis, conjunto e maestro que se conhecem como ninguém.
Eu adoro essa peça, a caravana surgindo no horizonte e passando até se perder de vista novamente. Veja a descrição deixada pelo próprio compositor: No silêncio das monótonas estepes da Ásia Central ouve-se o som desconhecido de uma pacífica canção russa. Ao longe ouvimos a aproximação de cavalos e camelos e as notas bizarras e melancólicas de uma melodia oriental. Uma caravana se aproxima, escoltada por soldados russos, e segue em segurança seu caminho pelo imenso deserto. Ele desaparece lentamente. As notas das melodias russas e asiáticas unem-se numa harmonia comum, que se extingue à medida que a caravana desaparece ao longe.
Modest Mussorgsky (1839 – 1881)
A Night On Bare Mountain (orquestração de Rimsky-Korsakov)
Alexander Borordin (1833 – 1887)
Polovtsian Dances From “Prince Igor”, Act 2 (Orquestração de Rimsky-Korsakov & Glazunov)
Seção ‘The Book is on the Table’: Gennadi Rozhdestvensky is the son of two famous musicians. He received his musical education at the Moscow Conservatoire, studying conducting with his father and piano with Lev Oborin. While still a student there, he made his debut at the age of twenty in Tchaikovsky’s Sleeping Beauty at the Bolshoi Theatre. By the time he graduated he was already well known as a conductor both in the USSR and abroad.
Cá entre nós: Daniel Barenboim merecia uma aposentadoria, uma despedida dos palcos em grande estilo para curtir a vida com a família, amigos, tomar bons vinhos, esse tipo de coisa. Uma despedida em grande estilo, por exemplo, teria sido a série de Sinfonias de Bruckner que regeu em Berlim em 2010, de onde saiu essa gravação da Sétima que mostra toda uma intimidade de maestro e orquestra com o estilo grandioso do compositor austríaco e católico devoto. Barenboim teve uma longa série de sucessos regendo Bruckner com a Sinfônica de Chicago, depois com a Filarmônica de Berlim logo após a morte de Karajan, com aquela orquestra tecnicamente impressionante mas ao mesmo tempo, para muitos críticos, um tanto fria pelo excesso de legato e de toque aveludado. Finalmente, com a Staatskapelle de Berlim ele fez muito Bruckner e anos e anos de óperas de Wagner, cuja linguagem harmônica é mais ou menos a mesma do austríaco que muito o admirava. Barenboim e Staatskapelle fizeram também um excelente Fidelio de Beethoven, obra cujo tom de celebração monumental da liberdade também tem muito a ver com Bruckner. Então eles estão no seu elemento aqui.
É uma pena que Barenboim não tenha se preparado pra parar: em apresentações junto com Martha Argerich na última década, ficou evidente que ele, ao contrário dela, já não tem mais a mesma técnica como pianista, ou tempo e paciência para estudar as horas necessárias. Também como regente, apesar de alguns sucessos recentes, acaba deixando em algumas orquestras a impressão de já não ser lá essas coisas. É comum entre músicos de renome essa falta de tato para planejar a despedida: basta lembrar de Pollini que, após mais de 50 anos de brilho e inimitável pianismo, teve dois ou três últimos anos menos bons como uma pequena mancha na carreira. Também no Brasil temos músicos que já passaram do auge mas seguem nos palcos, por exemplo dois maestros, um que já foi um bom pianista e hoje só sabe dar entrevistas televisivas lamentando as mãos machucadas e falando – sempre sobre si mesmo – pra emocionar quem não entende nada de música… um outro, com a letra K, que já era velho há uns 40 anos… e hoje em dia alterna entre momentos bons e vergonhosos regendo neste nosso país tropical.
Voltando para Barenboim, deve-se mencionar o quanto o maestro veterano é respeitado por gente mais jovem como Gustavo Dudamel e Antonio Pappano. Este último, que já foi seu assistente muitos anos atrás em Bayreuth, conversou com a revista Gramophone sobre o grande especialista em Wagner e Bruckner, mostrando que mesmo quando discorda sobre o significado de uma ou outra obra musical, tem grande respeito pelas escolhas de Barenboim e também pela maneira como ele se relaciona com as orquestras nos ensaios e concertos, respeito esse que, para Pappano, é um significado da palavra influência, muito além de imitações ou cópias baratas:
Barenboim’s track record as a noted Brucknerian, I wondered whether Pappano had ever worked with him on these symphonies. ‘With Barenboim it was mostly opera. I did see him rehearse Bruckner, but not often. And we don’t conduct Bruckner at all the same way! I’ll tell you why, because there are two schools of thought about Bruckner. Interestingly enough, Furtwängler – God, right? – in the long wind-ups to climaxes almost always speeds up, accelerates. And to me, that goes against the tug, the Wagnerian tug. You have to torture people to arrive; it has to be hard won. And of course, Daniel belongs to that school. I don’t. It’s not a criticism at all. But in Bruckner I prefer the slower burn so that when it hits, it’s unbearable. I don’t know if it’s right. I just feel that that’s theway. This whole question of influence is very important. If it’s done right it makes you come to your own conclusions. Not “Oh, you know how he was very influenced by Barenboim”. Of course, I was very influenced by him, but if I conducted the same as him, that’s rubbish. That’s copying. I’m very different from him. I have very different repertoire choices from him. He wouldn’t go near Rachmaninov’s Second in a million years, nor Vaughan Williams. So that’s helped me keep my individuality intact and therefore the influence he’s had on me has been about bigger things: how do you treat tempo in a classical symphony when so much of the material is repetitive. The importance of transforming the themes after a combustible development? How do you deal with the repeat? What is important in conducting? Who do you take care of? Those things are really important. How do you deal with them? And they take a long time.
Anton Bruckner (1824-1896):
Sinfonia Nº 7
Staatskapelle Berlin, Daniel Barenboim
Live Recording: Berlin Philharmonie, 2010
Já que temos duas excelentes gravações dos quartetos de Bartók e também dos últimos de Beethoven, nada como dialogar com mano CDF postando os dois primeiros quartetos do polonês Górecki: o primeiro plenamente bartokiano, o segundo indiscutivelmente beethoveniano.
Não creio que as grandes influências recebidas por Górecki desconsiderar o polaco. Burrice seria pensar que um quarteto de cordas pode ser escrito sem a referência destes gigantes. O primeiro quarteto é eslavo até a raiz dos cabelos, com lentos corais e danças furiosas de sabor mais bartokiano do que shostakovichiano. O segundo quarteto, principalmente no Arioso: Adagio Cantabile faz referências aos últimos quartetos de Beethoven, com a utilização de um tema curto levado ao paroxismo. Neste “Quasi una Fantasia” também há muito do minimalismo. Um bom disco!
Sobre o Kronos… Bem, não vou repetir o que os mais antigos no blog já sabem: acho-os o máximo!
Górecki (1933-2010): Quartetos de Cordas Nros. 1 e 2
1. Already It Is Dusk String Quartet No. 1, Op. 62
2. Quasi Una Fantasia String Quartet No. 2, Op. 64: Largo Sostenuto – Mesto
3. Quasi Una Fantasia String Quartet No. 2, Op. 64: Deciso – Energico; Furioso, Tranquillo – Mesto
4. Quasi Una Fantasia String Quartet No. 2, Op. 64: Arioso: Adagio Cantabile
5. Quasi Una Fantasia String Quartet No. 2, Op. 64: Allegro – Sempre Con Grande Passion E Molto Marcato; Lento – Tranquillissimo