175 anos do nascimento de Antonio Carlos Gomes
Mais uma que é IM-PER-DÍ-VEL: a gravação histórica comemorando o centenário da ópera Fosca, com grandes nomes nacionais do canto lírico.
Chegou a vez de apresentarmos a vocês Fosca, a ópera que sempre foi a queridinha de Antonio Carlos Gomes, a que ele considerava ser sua melhor obra. E grande parte dos estudiosos concordam com isso.
Tudo conspirava a favor: sua primeira grande ópera nas terras europeias tinha sido um enorme sucesso e alguns compositores, como Ponchielli, chegavam a consultá-lo na montagem de suas obras, ele adquiria prestígio e se tornava referência para muitos músicos. Além disso, Gomes tinha ganhado muito dinheiro e, exibicionista, mandara construir um palacete nos arredores de Milão (a Villa Brasilia, ainda existente, hoje um conservatório) e acabava de se casar com uma delicada e jovem pianista, Adelina Peri.
Carlos Gomes estava feliz e se sentia seguro para escrever uma peça já com um enredo italiano. Seu contato com o libretista de renome Antonio Ghislanzoni (que escrevia para nada menos que Verdi) lhe rendeu uma história que ainda tinha uma ponta de exotismo: tendo como pano de fundo um ataque de corsários a Veneza, mostra o dilema da protagonista, Fosca (uau! uma mulher pirata) que, ao perceber que seu amor pelo capitão veneziano Paolo, seu refém na Ístria, não é correspondido, comete suicídio, envenenando-se (ih, contei o final!).
A ópera teve bom público e foi até bem aceita, embora não obtivesse o sucesso estrondoso de Il Guarany. Mas a crítica musical foi muito dura e, puritana e fechada aos padrões italianos, o acusou de wagnerianismo, vendo, na forma de orquestração e no uso mais destacado de leitmotiv da obra, uma espécie de sacrilégio.
Carlos Gomes, embora incompreendido, estava no auge: já compositor de renome, compunha sua obra tecnicamente mais complexa. Aqueles comentários da crítica sobre suas óperas anteriores, de que a qualidade entre as árias era oscilante, aqui já não podem ser aplicados: Fosca é obra redonda, muito bem acabada de uma orquestração bastante superior ao que Gomes tinha feito até então.
Lauro Machado Coelho nos conta um pouco mais da obra e sua qualidade técnica:
O estilo mais elaborado de orquestração e o uso de motivos recorrentes fizeram com que desta vez o compositor fosse acusado de “wagnerismo” (embora não possa haver duas personalidades mais dissemelhantes no mundo da música). A ópera foi também prejudicada pelo fato de Kraus [intérprete de Fosca na estreia da ópera], de tipo físico atarracado e pouca desenvoltura em cena, ser incapaz de projetar uma personagem título forte, selvagem, que não hesita em se destruir na tentativa de obter o que deseja. Mas, principalmente, o Guarany tinha criado uma expectativa que a Fosca não preenchia, justamente por ser mais bem escrita do que a média dos espetáculos da época, e por não fazer concessões ao gosto popular. No Perseveranza, em 18 de fevereiro, Filippo Filippi foi muito elogioso, ressaltando a originalidade da partitura e não hesitando em afirmar que ela era superior ao Guarany “como música, como obra de arte e como drama musical”. E protestava contra “esses senhores que ouvem a música em pé, nos vestíbulos, de costas para o palco, e escutando a música por alto, [e depois] decretam que não há novidade, nem melodia, nem efeito… decretos inapeláveis que não posso admitir.”
A Fosca não chegou a ser um fracasso, como já se quis afirmar. Mas não foi tampouco a repetição do sucesso retumbante do Guarany, que Carlos Gomes desejara. (…) O que é uma pena, pois, musicalmente, Fosca é a ópera mais bem acabada de Carlos Gomes. O libreto de Ghislanzoni não chega a ser grande coisa. Embora forneça ao compositor as situações costumeiras que lhe permitem escrever números eficientes.
Portanto, se há deficiências no libreto, a música as supre amplamente – e este não é o primeiro caso na ópera italiana. A Fosca é a obra de um compositor confiante, animado com o sucesso, que está vivendo uma fase feliz, e sente-se com coragem para experimentar formas incomuns nos teatros italianos. Em trechos como o dueto “Già troppo al mio suplizio”, do ato II, Carlos Gomes entrelaça ousadamente melodias independentes, criando ricos efeitos polifônicos; e escreve cenas de conjunto bastante complexas, a mais imponente das quais é a do final da ópera. O comentário orquestral é muito trabalhado, com o uso de motivos recorrentes. Mas à maneira melódica verdiana, sem o desenvolvimento sinfônico do modelo wagneriano. O estilo de declamação é bastante livre. Quando a protagonista exclama: “Pazza!… pazza!… è ver!… Oh quale orror… son pazza!… Ira… dolore… amore… tutto è folia…”, as indicações para a cantora pedem, de uma palavra para a outra praticamente, mudanças de dinâmica e estilo de canto de uma flexibilidade surpreendente: parlato, interroto, convulso… cantabile grandioso e con forza… parlato piano… agitato forte… dolce piano… ritenuto pianissimo… Essa declamação, que transita constantemente do parlato para o arioso, e dali para o cantabile, contribui para tornar as fronteiras entre os números menos definidas, o que resulta em cenas construídas com blocos mais contínuos. É de Julian Budden o comentário: “Fosca contém, em seu ato II, o concertato final mais complexo antes do ato III do Otello.” E mesmo os números fechados recebem tratamento original, que os distancia da média das árias da época, em que se repetem as receitas de efeito comprovado da tradição. É o caso de “Quale orribile peccato” (Fosca, ato II), “Ad ogni mover lontan di fronda” (Délia, ato III), ou “Ah, se tu sei fra gli angeli” (Paolo, ato IV) (Lauro Machado Coelho)
Suas obras posteriores manteriam também qualidade que Carlos Gomes atingiu em Fosca. Esta, de sua parte, é mais densa, mais escura e mais pesada que sua predecessora Il Guarany. E melhor, mais elaborada. Temos aqui, sem sombra de dúvida, um grande compositor!
Desligue tudo que há de ruidoso na sua casa, dê-se um tempo e ouça!
Antonio Carlos Gomes (Campinas, 1836-Belém, 1896)
Fosca (1873)
Libreto: Antonio Ghislanzoni,
Baseado em Le Feste delle Marie: Storia Veneta del Secolo X, de Luigi Capranica
Ato I – 01 Sinfonia
Ato I – 02 Coro e Scena – Buon di, compagni
Ato I – 03 Scena – Salute al capitano
Ato I – 04 Preghiera – Fratel, da, un fascino
Ato I – 05 Stretta e Scena – Ah Crudeli
Ato I – 06 Aria – D’amore l’ebbrezze
Ato I – 07 Scena e Duetto – Cara citta natia
Ato I – 08 Finale Primo – Scena e Terzettino – La tua rivale odiata
Ato II – 09 Atto Secondo – Scena d’amore e duettino – Soli, del mondo immemori
Ato II – 10 Dialogo e Canzone – Io vengo dai mondi
Ato II – 11 Terzetto – Mirate questa collana
Ato II – 12 Scena e frase – Bel cavaliero… sposa gentile
Ato II – 13 Duettino – Gia troppo al mio supplizio
Ato II – 14 Aria – Quale orribile peccato
Ato II – 15 Marcia e Coro Nuziale
Ato II – 16 Finale Secondo – Pezzo Concertato – Pazza! Pazza! É ver!
Ato III – 17 Atto Terzo – Scena ed Aria – Ad Ogni Mover Lontan di Fronda
Ato III – 18 Scena e Duetto – Orfana e Sola
Ato III – 19 Coro di Corsari – Dei Due Mente
Ato III – 20 Scena e Duetto – Tu La Vedrai Negli Impeti
Ato IV – 21 Scena del Consiglio e Strofe – Son Capitano
Ato IV – 22 Invettiva – Coro – Di Venezia la Vendetta
Ato IV – 23 Scenetta – Ti Allegra, o Giovane
Ato IV – 24 Romanza – Ah! Se Tu Sei Fra Gli Angeli
Ato IV – 25 Gran Scena – Alfin Tremanti e Supllici
Ato IV – 26 Quartetto – Scena Finale – Non M’Aborrir, Compiangimi
Fosca, pirata da Ístria – Ida Miccolis, soprano
Paolo, capitão veneziano – Zaccaria Marques, tenor
Delia, noiva de Paolo – Agnes Ayres, soprano
Cambro, escravo de Gaiolo – Constanzo Mascitti, barítono
Gaiolo, irmão de Fosca – Mario Rinaudo, baixo
Doge de Veneza – Benedito Silva, baixo
Michele Giotta, pai de Paolo – Sebastião Sabié, baixo
Orquestra e Coro do Teatro Municipal de São Paulo
Armando Belardi, regente
São Paulo, 1973
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – (127Mb – 2CD, cartaz, info e resumo da ópera)
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Bisnaga