Nem tantos efeitos ou extravagâncias. Esperava um CD tão escandaloso e alegre ou bizarro quanto a capa e o título sugeriam, mas nada disso. É um trabalho que é interessante sem cumprir o que promete; ou seja, seu conteúdo não é all that ludus. O Concerto Palatino é um bom grupo e deixo em aberto a avaliação da qualidade do CD. É que a desproporção entre capa e conteúdo me deixou realmente desconcertado. A Accent já foi mais séria, principalmente na época em que tinha René Jacobs entre seus contratados. Ou não entendi nada.
Effetti e Stravaganze (pero no mucho) – Affect and Effect in 17th-Century Instrumental Music
1 Giovanni Picchi: Canzon undecima à 4
Le bizzarrie:
2 Nicolò Corradini: Canzon à 4 La Sincopata (Venice, 1624)
3 Alessandro Piccinini (1566-1638): Toccata cromatica (Bologna, 1623)
4 Biagio Marini: Sonata decima terza senza cadenza (Venice, 1626)
5 Antonio Troilo (fl.1606): Canzon à 4 (Venice, 1606)
Due stravaganze a due voci:
6 Bartolomeo de Selma y Salaverde (1585-1638): Canzon à 2 tenori (Venice, 1638)
7 Giovanni Battista Fontana: Sonata 11 à 2 canti
8 Marco Uccellini: Sonata XI à 2 violini e 2 bassi (Venice, 1639)
I canti degl’uccelli:
9 Tarquinio Merula: Canzon La Gallina à 2 (Venice, 1637)
10 Marco Uccellini: Aria nona à 3 L’Emenfrodito: Maritati insieme la Gallina e il Cucco fanno un bel concerto (Venice, 1642)
Echi e risposte
11 Lodovico da Viadana: Canzon francese in risposta
12 Corradini: Suonata in risposta La Golferamma (Venice, 1624)
13 Nicolas a Kempis (c.1600-1676): Sinfonia 1. à 4 (Antwerp, 1647)
14 Benedetto Ré: Canzon à 4 in risposta (Milan, 1609)
15 Giovanni Battista Riccio (fl.c.1615) Canzon La Moceniga in ecco (Venice, 1620)
Concerto Palatino:
Bruce Dickey (cornet)
Doron Sherwin (cornet)
Charles Toet (sackbut)
Wim Becu (sackbut)
Stephen Stubbs (chitarrone)
Klaus Eichhorn (organ)
Dois CDs dedicados à música para teclado do norte da Itália por volta de 1590-1600. Veneza: “tão única no mundo e tão estranha que parece saída de um sonho”, nas palavras de Juan del Encina por volta de 1500. Naquela época, ao mesmo tempo que começava lentamente a perder protagonismo comercial para as caravelas do comércio atlântico, Veneza mantinha-se como uma cidade notável por sua mistura de influências de todo o Mediterrâneo e especialmente da metade oriental daquele mar. Ao mesmo tempo, uma inovação recente havia se firmado há poucos anos: a impressão em papel. É preciso lembrar que a Bíblia de Gutenberg é de 1455, e que poucas décadas depois tanto Veneza quanto Roma já contavam com dezenas de casas comerciais que imprimiam – sabe-se lá o quê! Livros religiosos, seculares, talvez listas de mercadorias e também música, talvez nem tanta música em 1500, mas sem dúvida muita música mais para o fim daquele século.
Em 1600, Veneza seguia única com seus palácios de estilo meio gótico, meio bizantino, meio árabe – as três metades se equlibravam sobre as águas da laguna meio que por mágica, mas também por técnicas milenares. E seguia sendo uma das cidades com mais casas de impressão na Europa. Este disco traz obras para cravo impressas em Veneza entre 1588 e 1621: a música puramente instrumental apenas começava a ser escrita e publicada, ao contrário da vocal que já tinha tradição de manuscritos por monges e padres da idade média. Não é um acaso que a difusão da imprensa tenha coexistido com essa ideia nova e revolucionária de se registrar no papel música instrumental.
No disco da Harmonia Mundi, temos alguns dos primeiros compositores a publicarem obras impressas (e não só manuscritas) para instrumentos de teclado. Alguns deles – Facoli, Radino, Picchi – escreveram volumes de obras ligeiras, danças e coisas do tipo, que dão um interessante panorama de como devia ser a vida musical em Veneza e região vizinha por volta de 1600.
Andrea Gabrieli e Claudio Merulo já são outra coisa, compará-los com esses outros citados é como comparar duas grandes árvores com pequenas flores. A flor tem beleza, aroma, simpatia, mas uma árvore de dezenas de metros, cheia de galhos mas também cipós e epífitas, insetos e pássaros em sua copa, isso é algo mais próximo da complexidade da escrita de A. Gabrieli, cheia de encontros e desencontros de diferentes vozes em contraponto e outras sutilezas.
Andrea Gabrieli sucedeu ao seu professor, o franco-flamenco Adrian Willaert (morto em 1562) no cargo de responsável pela música da Basílica de San Marco. Muitos estrangeiros vinham escutar a música de San Marco e, se possível, aprender um pouco com Willaert, A. Gabrieli e, depois, com seu sobrinho G. Gabrieli, outro importante compositor de Veneza. Ambos foram organistas na Basílica de São Marcos, isso é bem documentado, mas a atividade deles tocando cravo ou clavicórdio em casas, palácios e jardins já é um assunto sobre o qual podemos apenas sonhar. O volume “Canzoni alla francesa & Ricercari Ariosi libro Quinto”, como o nome indica, reunia obras de A. Gabrieli que se baseavam em melodias de canções, fossem elas de origem popular ou inventadas pelo compositor. O princípio é simples como uma semente, mas dele se originavam exuberantes árvores sonoras.
Sobre Andrea Gabrieli, as notas do CD nos informam: compositor prolífico e respeitado, ele reune em sua música para teclado as heranças dos polifonistas franco-flamencos e a da música espanhola para órgão, a mais evoluída do século XVI com compositores como Antonio de Cabezòn e Juan Bermudo. O seu “Pass’e mezzo Antico” está mais próximo de certas obras espanholas do que do “Pass’e mezzo” de Picchi, de estilo bem mais solto. Gabrieli faz um rico trabalho imitativo, caracterizado, ao mesmo tempo, mais por elegância do que por virtuosismo.
Andrea Gabrieli, além de organista, foi cantor no coro de San Marco quando jovem. De sua ligação com a polifonia vem provavelmente a predominância das formas imitativas. Ricercari e Canzoni são mais frequentes em sua obra do que a forma mais livre da Toccata, a qual tinha como mestre inigualável seu colega em San Marco, Claudio Merulo.
Gabrieli se baseou em uma célebre canção muito famosa naqueles tempos, “Suzanne un jour”, de Lassus, para transformá-la praticamente em uma Pavana – palavra derivada de Padoana, de Pádua, cidade próxima a Veneza – cheia de ornamentos. Para dar uma ideia da distância entre a [i] canzon de Gabrieli e o modelo vocal, o disco apresenta uma versão da canção de Lassus, originalmente para cinco vozes, apenas com a parte de soprano cantada por Kiehr. Era comum naquela época essa prática de improvisos e passagi que traziam apenas uma distância lembrança da canção original.
O disco termina com uma Toccata de Claudio Merulo: embora nascido na Emilia-Romagna (região italiana situada entre Veneza e a Toscana), ele permaneceu em Veneza como organista em San Marco por quase 30 anos, e foi ali que ficou famoso também como compositor, fazendo música para os nobres de Veneza e também comparecendo em Florença no casamento de Franceso de’ Medici como embaixador da Serenissima República de Veneza. Ele foi inovador sobretudo nas suas toccatas, com alternância de momentos polifônicos e passagi brilhantes de virtuosismo. Isso significa que ele alternava, na mesma composição, momentos de contraponto elaborado sob certas regras e momentos bastante livres. Esse estilo influenciou as Toccatas de italianos como Frescobaldi e A. Scarlatti e ainda as de gente de terras distantes como Sweelinck na Holanda, Buxtehude e J.S. Bach na Alemanha.
A toccata de Merulo aqui presente foi publicado no seu segundo livro de “Toccate d’Intavolatura d’organo”. Intavolatura significa introdução. Esse nome, equivalente ao de “Prelúdio” em séculos seguintes, indicava que boa parte da música instrumental publicada era compreendida como introdução a um “Prato Principal” que costumava ser a música vocal, fosse ela sacra ou profana.
Marco Facoli (séc. XVI)
1-10. Peças de “Il secondo Libro d’Intavolatura di Balli d’Arpicordo (Veneza, 1588)
Aria della Comedia nuovo, Aria della Marchetta Schiavonetta,
Aria della Signora Livia, Padoana prima dita Marucina, Aria della Signora Fior d’Amor, Aria della Signora Ortensia,
Aria della Signora Michiela, Padoana quarta dita Marchetta à doi modi, Napolitana “Deh pastorella cara”, Napolitana “S’io m’accorgo ben mio”
Andrea Gabrieli (ca. 1510-1586)
11-12. Peças de “Il Terzo Libro de Ricercari (Veneza, 1596)
Pass’e mezzo antico in cinque modi variati, Ricercar del secondo tono
Giovanni Maria Radino (séc XVI – após 1607)
13-17. Peças de “Il primo Libro d’Intavolatura di Balli d’Arpicordo (Veneza, 1592)
Gagliarda seconda, Gagliarda prima, Padoana prima, Gagliarda terza, Gagliarda quarta,
Orlando di Lasso (1532-1594)
18. Peça de “Mellange d’Orlande de Lassus” (Le Roy & Ballard, 1570)
Susanne ung jour (G. Guerault), chanson
Andrea Gabrieli (ca. 1510-1586)
19-20. Peças de Canzoni alla francese & Ricercari Ariosi, Libro Quinto (Veneza, 1605)
Canzon deta “Suzanne un iour” d’Orlando Lasso, Canzon deta “Frais et Galliard” di Crequillon
Giovanni Picchi (fin do séc. XVI – início séc. XVII)
21-28. Peças de “Intavolatura di Balli d’Arpicordi” (Veneza, 1621)
Ballo ditto il Steffanin, Todescha con il suo Balletto, Ballo ditto il Picchi, Padoana ditta La Ongara, Ballo ongaro con il suo Balletto, Ballo alla Polacha con il suo Saltarello, Pass’e mezzo, Saltarello del Pass’e Mezzo
Claudio Merulo (1533-1604)
29. Peça das “Toccate d’Intavolatura d’organo, Libro Secondo”
Toccata Seconda
Jean-Marc Aymes – cravos fabricados por Philippe Humeau, cópias de Giovanni Antonio (Veneza, 1579) e anônimo italiano
Faixa 29: claviorganum por Philippe Humeau e Etienne Fouss
Faixas 9, 10, 18: Maria-Cristina Kiehr, soprano
Os dois livros que nos transmitiram as toccatas de Merulo foram publicados pelo autor, que também era editor de partituras. Sabemos que, de maneira geral, a escrita musical se transformou progressivamente e se enriqueceu de novos sinais gráficos a fim de permitir uma melhor transmissão das intenções do autor para o intérprete. Certos compositores sentiram este exigêncie de precisão com mais acuidade do que outros, e Merulo certamente foi um destes: ao contrário de Frescobaldi, porém, ele não utilizou, para alcançar tal objetivo, indicações dinâmicas ou agógicas, ou prefácios explicando o que a página musical não podia conter. Ele colocou seu pensamento unicamente na notação escrita, que articulou através de uma variedade de ritmos e de agrupamentos de notas absolutamente sem igual.
Merulo obriga assim o intérprete a se equilibrar entre, de um lado, a precisão da escrita musical e, de outro lado, seu renome como improvisador, o que faz pensar em interpretações fundamentalmente livres e inventivas. Sua precisão de escrita, da fato, poderia facilmente afastar o intérprete em nosso século do espírito original das obras, preocupado apenas com a realização meticulosa de cada detalhe. Mas se consideramos as partituras […] como a tradução escrita de alguma coisa que escapa à notação musical tradicional, então o intérprete alcança um leque fascinante de possibilidades, o que lhe permite recriar o clima de improviso que esteve presente no nascimento dessas obras. É, então, a busca por um equilíbrio delcado entre a fidelidade ao texto e a liberdade de interpretação que me conduziu ao longo da execução dessas obras sedutoras.
(Fabio Bonizzoni, 1997)
Fabio Bonizzoni, cravo veneziano (anon.), fim do século XVI & órgão da Madonna di Campagna em Ponte in Valtellina, 1519-1589
(venetian harpsichord, anon., end of 16th c. & organ from Ponte in Valtellina, 1519-1589)
O Brasil recebeu, no pós-guerra, diversos músicos que vieram da Europa para atuar na Orquestra Sinfônica Brasileira (criada por iniciativa de José Siqueira em 1940) e que se tornaram destaques em seus respectivos instrumentos: o francês Noel Devos no fagote, o tcheco Bohumil Med na trompa, a também francesa Odette Ernest Dias na flauta, para ficar só nesses.
Neste post, rendo tributo ao violista húngaro que adotou o nome de Perez Dworecki (1920-2011, não descobri o nome de batismo dele) postando seu CD mais recente (de uns cinco anos atrás). Ao longo do ano apresentarei discos dos demais músicos.
Esta coletânea abrange do barroco europeu ao nacional contemporâneo (diferente de outras que Dworecki lançou, focadas totalmente no repertório made in Brazil) e recebeu o nome a partir de uma peça composta especialmente pelo paulista Achille Picchi. Deixo as apreciações adicionais por vossa conta.
Boa audição porque já tô pensando no próximo CD, também de viola (mas viola caipira).
***
Gaiato: Perez Dworecki
Vivaldi
1. Sonata Para Viola E Piano (Original Para Violoncelo): Largo
2. Sonata Para Viola E Piano (Original Para Violoncelo): Allegro
3. Sonata Para Viola E Piano (Original Para Violoncelo): Largo
4. Sonata Para Viola E Piano (Original Para Violoncelo): Allegro
Veracini
5. Largo
Vieuxtemps
6. Elegie
Grieg
7. Sonata (Andante Molto Tranqüilo): Op. 36 (Original Para Violoncelo)
Ravel
8. Berceuse (Sobre O Nome de Gabriel Fauré)
Achron
9. Melodia Hebraica
Kreisler
10. Liebesleid
Breno Blauth
11. Sonata (Para Viola E Piano): Dramático
12. Sonata (Para Viola E Piano): Evocativo
13. Sonata (Para Viola E Piano): Agitado
As obras deste CD não são nenhuma maravilha, apesar do esforço de Fabio Bonizzoni para dar-lhes sobrevida. Muitas vezes a gente confunde o barroco inicial com a explosão de compositores e criatividade do barroco final. Aqui, o destaque é Giovanni Picchi, um compositor, organista, lutenista e cravista. Ele era um seguidor tardio da Escola veneziana, e influenciou o desenvolvimento e a diferenciação de formas instrumentais que apenas começavam a aparecer, como a sonata. Além disso, ele era o único veneziano de seu tempo para escrever música de dança para cravo. OK, era um pioneiro, mas não tinha muita magia, por assim dizer. Indicado apenas para tarados por barroco.
GIOVANNI PICCHI (1571-1643)
1 Passo e Mezo
2 Saltarello del detto
3 Toccata
4 Passo e Mezo
SPERINDIO BERTOLDO (c.1530-1570)
5 Toccata
GIOVANNI PICCHI (Intavolatura di Balli d’Arpicordo, 1621)
6 Pass’e mezzo
7 Saltarello del Pass’e mezzo
8 Ballo ditto il Pichi
9 Ballo ditto il Stefanin
10 Ballo alla Polacha
11 Ballo Ongaro
12 Todescha
13 Padoana ditta la Ongara
GIOSEFFO GUAMI (1540-1611)
14 Toccata (Il Transilvano, 1593)
GIOVANNI GABRIELI (c.1555-1612)
15 Canzon La Spiritata (Il Transilvano, 1593)
CLAUDIO MERULO (1533-1604)
16 Toccata VII (Toccate d’intavolatura… Libro primo, 1598)
ANNIBALE PADOVANO (1527-1575)
17 Ricercar del 61/4 tono alla terza (Toccate et Ricercari, 1604)
18 Toccata 61/4 tono (Toccate et Ricercari, 1604)
VINCENZO BELL’HAVER (d. 1587)
19 Toccata (Il Transilvano, 1593)
MARTINO PESENTI (c.1600-c.1648)
20 Suite di danze (Il primo libro delli correnti alla francese, 1635)
Um bom disco de música antiga, trecho da história da música ao qual o blog não tem se dedicado com muita frequência. É uma bela reunião de compositores da cidade em obras compostas entre 1550 e 1630, quando PQP Bach não tinha ainda nascido. É um belo retrato do que faziam os contemporâneos de Monteverdi. Recomendo o CD sem nenhuma hesitação. O grupo de Sempe é uma perfeição só, mas mesmo assim dá saudades de David Munrow!
Vários compositores: Venezia Stravagantissima – Dances, Canzonas, and Madrigals, 1550-1630
Incerto, Antonio
1 The Funerals- 00:04:29
2 Il primo libro de balli: Pass’e mezzo Moderno- 00:04:18
Guami, Gioseffo
3 Canzon No. 24 a 8- 00:02:50
Vecchi, Orazio
4 Mostrav’ in ciel- 00:01:57
Mainerio, Giorgio — Il primo libro de balli (excerpts)- 00:09:09
5 Tedesca e Saltarello 00:02:43
6 Pass’e mezzo Antico 00:04:09
7 Pass’e mezzo della Paganina e Saltarello 00:02:17
Picchi, Giovanni
8 Intavolatura di balli: Ballo alla Polacha- 00:01:50
Canale, Floriano
9 Canzoni da sonare, Book I: Canzona, “La Balzana a 8”- 00:03:20
Vecchi, Orazio
10 Gioite tutti in suoni- 00:02:48
Mainerio, Giorgio
11 Il primo libro de balli: Ballo Anglese e Saltarello- 00:03:21
Lappi, Pietro
12 Canzona, “La Negrona”- 00:02:53
Zanetti, Gasparo
13 Intrada del Marchese di Caravazzo- 00:02:00
Gabrieli, Giovanni
14 Canzon II- 00:02:35
Picchi, Giovanni
15 Intavolatura di balli: Ballo Ongaro- 00:02:04
Vecchi, Orazio
16 So ben mi ch’ha bon tempo- 00:09:52
Guillemette Laurens
Capriccio Stravagante
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