Após célebre trilogia, formada por “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata”, Verdi aceitava especial convite, então, do “Opéra”, de Paris, integrando-se à “Grande Exposição”, de 1855. E “Rei Lear”, de Schakespeare, voltava a interessá-lo. Para isto, buscava libretista, após morte do amigo e poeta, Salvatore Cammarano…
A ópera francesa possuía requisitos próprios, tais como cinco atos, tradicional ballet, muito luxo e efeitos cênicos. Em geral, Verdi adaptava-se, desde que amarrado o efeito dramático, tal como fizera em “Jerusalém”, para o teatro francês…
Tais requisitos, no entanto, tiravam-lhe liberdade que oportunizou sucessos anteriores… Nesta ocasião, contava com escritor francês Eugène Scribe, espécie de produtor industrial de libretos, que desengavetou tema destinado, inicialmente, à Gaetano Donizetti e que viria tornar-se “Les Vêpres siciliennes”…
20ª ópera, possui particular densidade e riqueza musical. Sem espetacular fluência das anteriores, pede concentração… E Verdi necessitava discurtir libreto, dado as convenções e o tema, massacre imposto aos franceses, pelos sicilianos, no séc. XIII, que entendia inadequado ao evento… Libreto também mesclava personagens históricos, Guy du Montfort e Giovanni da Procida, com outros, ficcionais, Hélène e Henri, levando à flagrante confusão dos acontecimentos – “ou não seria ópera, diriam alguns”…
Pela falta de diálogo, Verdi queixava-se de Scribe. E quando ocorre inusitada fuga de cena, da jovem e excêntrica “prima donna”, tentou, inutilmente, romper contrato com “Opéra”… Imensa e complexa, “Les Vêpres siciliennes” sensibilizou franceses, pela dramaticidade e comovente melodismo, dança e folclore, belos ensembles e marcante abertura sinfônica, ao lado de “Nabucco” e “La forza del Destino”…
Aspectos iniciais
De volta à Sant’Ágata, após primeiras récitas de “La Traviata” – Veneza, 03/1853, Verdi cogitava nova ópera. E Césare de Sanctis, amigo e empresário, que colaborou na estreia de “Il Trovatore”, após morte do poeta Salvatore Cammarano, sugeriu Domenico Bolognesi, para libreto de “Fausto”, de Goethe. Verdi adorava a obra, mas disse: “não gostaria de colocá-la em ópera. Estudei, mas não a vejo musicalmente, pelo menos, do modo como penso a música”…
Se, de um lado, desinteressava-se por sugestões alheias, voltava-se, novamente, para “Rei Lear”, de Shakespeare… E recebeu correspondência de Antonio Somma, prestigiado dramaturgo, que propôs trabalharem juntos. Autor de teatro, Somma escreveu inúmeras tragédias de sucesso e fora diretor do “Grande Teatro”, de Trieste, onde Verdi estreou “Il Corsaro”…
Verdi respondeu discorrendo sobre sua evolução e amadurecimento. Também, como reagia a diferentes assuntos. Na atualidade, “não musicaria temas como ‘Nabucco’ ou ‘I due Foscari’, apesar de dramáticos, pois lhes faltavam variedade; e há dez anos, não teria me arriscado em ‘Rigoletto’…” E terminou a carta sugerindo à Somma leitura de “Rei Lear”, iniciando intensa correspondência…
Outono de 1853, Verdi partia para Paris, com Giuseppina Strepponi, levando dois atos do libreto de Somma, que nunca escrevera para ópera. Verdi planejava “Rei Lear” em três ou, no máximo, quatro atos… E estava comprometido com novo trabalho para “Opéra”, de Paris. Mas, não seria “Rei Lear”, que pretendia conceber de forma livre e audaciosa, sem submeter-se às convenções da ópera francesa…
Março de 1854, versos e cenas de “Rei Lear” avançavam, detalhada e sucintamente… No teatro, “longo era sinônimo de chato. E chato, o pior dos estilos”, dizia Verdi, referindo-se ao ritmo e fluidez do drama…
Nesta ocasião, Francesco Piave acompanhava produção de “La Traviata”, no Teatro “San Benedetto”, de Veneza, então, grande sucesso, após fracasso inicial, no “La Fenice”. Regozijando, Piave escreveu à Tito Ricordi: “gostaria que Verdi estivesse aqui, no lugar de Paris, incomodando-se com Meyerbeer”…
Também Somma informou do triunfo de “La Traviata”, com o soprano Maria Spezia, em “Violetta”. “Escuto coisas maravilhosas sobre ‘La Spezia’. Quem sabe, será uma boa ‘Cordélia’?” respondeu, pensando em “Rei Lear”… Ano de 1855, recebia dois últimos atos de “Rei Lear”, quando já havia concluído sua ópera parisiense, “Les Vêpres siciliennes”, a ser encenada em 13/06/1855… Contratempos da estreia, no entanto, levaram-no adiar composição de “Rei Lear”…
“Les Vêpres siciliennes”
Para libreto de “Les Vêpres siciliennes” (ou “I Vespri Siciliani”), Verdi contou com Eugène Scribe, conhecido escritor francês de parcerias com Meyerbeer, Auber, Gounod e Donizetti. E após seis anos, desde o “rifacimento de I Lombardi”, que resultou em “Jerusalém”, Verdi voltava a produzir para “Opéra”, de Paris…
Scribe sugeriu, convenientemente, libreto escrito com Charles Duveyrier, de 1839, “Le Duc d’Albe”, destinado à Gaetano Donizetti. Tema histórico, que tratava de revolta flamenga contra dominação espanhola, no séc. XVI. Donizetti, falecido em 1848, deixara a ópera inacabada, sendo completada por Matteo Salvi – única récita em Roma, 1882…
Então, Scribe transferiu ação para Sicília e instruiu seu colaborador: “No lugar dos flamengos, que pretendiam expulsar os espanhóis, nos reportaremos aos sicilianos – furiosos, ultrajados e vingativos, que massacraram os franceses”. E deixou Verdi, por trinta anos, acreditando ser libreto original…
Assim, “Les Vêpres siciliennes” trata da rebelião contra presença francesa, 1282. Além de relação amorosa, ficcional, protagonizada por Hélène, nobre e idealista siciliana, e Henri, filho do governador francês…
A ópera se encerra no grande levante, um massacre conhecido como “Les Vêpres siciliennes” – sinal do ataque dado pelo badalar dos sinos, ao anunciarem os cânticos e orações das vésperas – “ofício cristão” ao entardecer… No caso da ópera, ao anunciarem o casamento de Hélène e Henri…
“Grande ópera” francesa
Primeira incursão de Verdi na “grand opéra” francesa, composição de “Les Vêpres siciliennes” ocorreu lentamente. Gênero consagrado por Meyerbeer, teve notáveis predecessores e contemporâneos…
Primeiros ensaios datam dos anos 20 e 30, do sec. XIX, inspirados nas grandiosidade e megalomania da “era Napoleônica”. Assim, na Paris cosmopolita do início do século, italianos como Luigi Cherubini e Gaspare Spontini buscavam estilo gradiloquente e monumental – para glórias da França e da burguesia ascendente!
Então, teatros modernizaram cenários e efeitos de palco, adequando-se à obras de longa duração e mega espetáculos… Não por acaso, iriam germinar conceitos como “obra de arte total”, de Richard Wagner, sintetizados na ópera – a música do romantismo!
E outros seguiram, com “La Muette de Portici”, de Auber, 1828; “Guilherme Tell”, última ópera de Rossini, 1829; e “La Juive”, de Halévy, 1835. Também, “Fausto”, de Gounod, de 1859; e “Les Troyans”, de Berlioz, 1858… E Wagner, aos 29 anos, fazia incursão com “Rienzi”, de 1842. Mas, foi Meyerbeer quem consagrou-se na cena parisiense, com “Robert le Diable”, 1831; e “Les Hugenots”, de 1836 – repertório ainda presente nos grandes teatros de ópera…
“Grand opéra” se caracterizava pela pompa e suntuosidade, pelos temas clássicos e históricos, grande orquestra e efeitos cênicos, luxos do vestuário e cenários, do número de solistas e dançarinos, inclusive animais, por vezes, a desfilarem no “palco cênico”… “Les Troyans” era tão complexa, que Berlioz nunca presenciou produção completa, por fim, ocorrida em duas noites – Karlsruhe, Alemanha, 1890…
Com elementos maximizados, a ópera do sec. XIX tornava-se imensa e lucrativa indústria, tal como o cinema, no séc. XX… Assim, empresários e solistas, músicos e libretistas faziam fortuna, entre eles, o próprio Verdi, por vezes, contrariado pelas convenções, mas atento aos contratos e direitos autorais – ou seja, muita “merde!” – na gíria da época, expressão de sucesso de público e financeiro…
Mas, ao exigir produções caras e complicadas, tal modelo, por fim, provocou cansaço e reação, mantendo-se alguns elementos e enxugando-se outros, no intuito de reduzir excessos. Sobretudo, cenas desprovidas de drama ou paixão, de resto, apoiadas em “brilho e paetês”… Como diria Verdi: “chato é o pior dos estilos!”… Assim, óperas como “Aída” e “Don Carlo” ainda combinaram efeitos da “grand opéra”, mas preservando dramaticidade…
A fuga de Cruvelli… ou a “prima donna” sumiu!
Em carta à Clarina Maffei, amiga, intelectual e ativista do “Risorgimento”, Verdi lembrou antigo descontentamento com “La Scala”, de Milão, e também do ambiente parisiense, onde não pretendia estabelecer-se: “Sou apaixonado por meu próprio céu”, dizia…
E assinalou a superficialidade de “Etoile du Nord”, de Meyerbeer, apesar do sucesso de público; e de outro, produção tão descuidada de “Guilherme Tell”, de Rossini, num teatro que se pretendia principal da Europa… Mas, ainda permaneceu, por quase dois anos, na França. “Entre dois gumes”, Verdi também sentia-se acossado em seu torrão natal, pela oficialização da união com Giuseppina…
Setembro de 1854, sua ópera francesa, “Les Vêpres siciliennes”, estava concluída, com ensaios previstos para outubro… No entanto, o soprano contratado sumira… Absolutamente, ninguém localizava Sophie Cruvelli! Jovem, talentosa e um tanto excêntrica, o soprano alemão italianizara seu sobrenome Crüwell, para Cruvelli. E aos 20 anos, era reconhecida em papéis verdianos, estreando numa montagem de “Attila”, em Veneza; depois “Ernani” e “Nabucco”, em Londres; e “Luisa Miller”, em Milão…
Em Paris, cantou “Norma” e “La Sonambula”, de Bellini; “Fidelio”, de Beethoven; e “Semiramide”, de Rossini, tornando-se celebridade!… Contratada na temporada, ensaiou “Les Vêpres siciliennes” por uma semana e, simplesmente, em “Les Hugenots”, faltou 1ª récita, ocasionando cancelamento e devolução de ingressos…
Após duas semanas, “La France Musicale” reiterava: “Nada se sabe de Mlle. Cruvelli. Seu desaparecimento inesperado torna impossível, no momento, apresentação da ópera dos Srs. Scribe e Verdi. Nesta situação, Sr. Verdi declarou, oficialmente, que retirará a ópera”… E o assunto intrigou, por algumas semanas, o público. Afinal, que teria acontecido? Rapto, morte, algum affair…
Então, Verdi escreveu à Piave: “Dos acontecimetos musicais, saiba que ‘La Cruvelli’ fugiu! Para onde? Só o diabo sabe! Em princípio, algo que me deu ‘no saco’, mas agora, confidencialmente, estou me divertindo… A deserção ensejou rompimento contratual, o que já formalizei… E quanto às propostas compensatórias, usei de toda ‘grâce’ que você me ensinou, dizendo não a todas!”…
De fato, alheia aos compromissos e sem avisar, Sophie tirara uns dias, em Bruxelas e Estrasburgo, com o namorado e futuro esposo, barão Vigier, deixando, para trás, apreensão e caos. Boatos circularam nas principais cidades europeias. Até uma revista musical – “Where’s Cruvelli?” – foi encenada em Londres, onde a jovem “prima donna” também dera “o cano”, certa ocasião…
Mas, seu reaparecimento, semanas depois, desarmou o público, provocando risos, até gargalhadas… Logo na entrada em cena de “Les Hugenots”, a rainha indaga à Valentine: “Dis-moi le résultat de ton hardi voyage” (“Fale-me do resultado de sua ousada viagem”)… Para o público presente, cena foi irresistível – até para os mais indignados! E a performance, convincente. Também, “Les Vêpres siciliennes”, seu último e grande triunfo. Dois anos após, Sophie casava-se com barão Vigier e abandonava os palcos…
“Exposition Universelle des Produits de l’Agriculture, de l’Industrie et des Beaux-Arts de Paris” – 1855
A estreia de “Les Vêpres siciliennes” ocorreu durante “1ª exposição universal”, realizada em Paris, 1855. Evento grandioso da administração Haussmann e do regime de Napoleão III, motivada pela grande exposição de Londres, de 1851, onde o imperador francês esteve exilado, passando a admirar a nação inglesa… Assim, presença da rainha Vitória era simbólica – última visita à França foi de Henrique VI, há cerca de 400 anos…
Mais de 5 milhões de visitantes percorreram as instalações… Artefatos de luxo dominaram setor industrial. Também pratarias, candelabros e urnas da “antiguidade e da cultura renascentista; além do gótico, romano e árabe, colecionados por monarcas franceses”… As exposições francesas, no entanto, ficaram aquém das britânicas, do “Crystal Palace”, de 1851 – e as rivalidades se evidenciavam. Nas artes plásticas, no entanto, franceses como Ingres e Delacroix destacaram-se; também nascia classificação oficial dos vinhos de “Bordéus”…
Naquele contexto, entre rivais esnobes e poderosos, culturas coloniais se representavam através de artefatos exóticos, matérias primas e alimentos, que abasteciam as nações europeias, engrandecidas e partilhando o mundo…
De outro, haviam críticos, como Mirabeau, “da arquitetura das instalações”, de Renan – “o útil não enobrece”, considerando ética e progresso; ou Baudelaire, “da continuidade do progresso, se culturas e individuos ascendiam e declinavam, apesar dos avanços materiais”… Ou seja, como dialogavam: progresso, felicidade e igualdade… Tais reflexões, no entanto, passaram ao largo do entusiasmo e das crenças ufanistas – do otimismo de ocasião…
E para encerramento, concerto público dirigido por Berlioz – cantata “L’Imprériale”, “Symphonie Triomphale” e “Te Deum”, com cerca de 1.200 artistas… E Berlioz resumiu: “A música pouco importava e foi interrompida para discurso do príncipe”… “Mas, havia outro concerto, dia seguinte”… “para ocasião contava efeito maior, em local que acolhia a multidão”… “tributo às conquistas do imperador e da nação”… e “todos proclamando a civilização francesa, em mais um apogeu!”… “Vive la France!”
Estreia no “Opéra” – Paris, 13/06/1855 – “Salle le Peletier”…
Durante o “episódio Cruvelli”, Verdi recebeu convite de Gênova. Novo teatro se erguia na cidade e para inaugurá-lo, não apenas uma ópera, mas o consentimento para chamá-lo “Teatro Verdi”, do que o músico declinou, embora, concordando em compor uma ópera. E Tito Ricordi sugeriu “Rei Lear”, cujo libreto estava pronto…
Mas, Verdi deixara “Rei Lear” de lado, diante dos contratempos de “Les Vêpres siciliennes”. E ainda descontente com libreto, sobretudo, o 5° ato, escreveu à François Crosnier, diretor do “Opéra”: “algo mortificante e perturbador, para mim… se tivesse previsto tal indiferença, teria ficado em meu país”, referindo-se ao inacessível Scribe. Pretendia encerrar a ópera com “cena comovente, que trouxesse lágrimas e cujo efeito era certo… assim, teria melhorado a ópera, que nada tem de tocante, exceto a ‘romace’ do 4° ato” – opinião de Verdi…
Também queixou-se da ausência do libretista nos ensaios, além da indisposição para revisar versos inapropriados ou difíceis de cantar… E conforme combinado, nada que atacasse a honra dos italianos: “Sr. Scribe ofende franceses porque foram massacrados; e italianos, reduzindo Procida à conspirador convencional… Se existem virtudes e vícios em todas as raças, não somos piores que o resto… Assim, não me tornarei cúmplice de ofensas à meu país!”…
Verdi revelava todo desconforto, tanto pelos aspecto dramático e artesanal do enredo, quanto descuido no tratamento político, do que era zeloso, dado ideais de liberdade e unificação do país – sicilianos se insurgiam contra dominação; e franceses não eram vítimas, apesar de sofrerem violento massacre…
Assim, “episódio Cruvelli” suscitou considerações do que seria “catástrofe anunciada”, propondo dissolução do contrato, mesmo com prejuízos mútuos… E finalizou pedindo à Crosnier que ouvisse sua experiência: “sucesso era algo improvável!”…
Mas, Crosnier não aceitou recisão contratual, apesar da extensa argumentação. Ensaios foram retomados, prolongando-se por 5 meses, e Verdi obteve alguns ajustes do libreto… Hector Berlioz, que assistiu ensaio, observou: “Verdi está em desavença com toda aquela gente do ‘Opéra’… lamento… e ponho-me no lugar dele, um artista valoroso e honrado!”…
Finalmente, “Les Vêpres siciliennes” foi à cena, em 13/06/1855, com a excêntrica Sophie Cruvelli, como ‘Hélène’… Crítica e público, no geral, aprovaram. E Verdi escreveu à Clarina Maffei: “Ao que parece, ‘Les Vêpres siciliennes’ não foi mal… Imprensa foi moderada ou favorável, exceto por 3 jornalistas italianos”…
Também aprovação de músicos franceses, como Adolphe Adam, que declarou-se “convertido à música de Verdi”; e Berlioz, escrevendo em “La France Musicale”: “Apesar dos méritos de ‘Il Trovatore’ e tantas obras comoventes, ‘Les Vêpres siciliennes’ apresenta expressivo melodismo, sóbria orquestração e poéticas sonoridades, que agregam maiores força e amplitude”…
Passada estreia, Verdi pretendia retornar à Sant’Agata em duas semanas, mas permaneceu 6 meses, com Giuseppina, em Enghien-les-Bains, norte de Paris… E foi à Londres tratar de “royalties”, referentes à “Il Trovatore”, que demandavam tornar-se cidadão inglês, francês ou piemontês, por recentes acordos… Ao que respondeu: “quero permanecer o que sou, vale dizer, um camponês de ‘Le Roncole’. E prefiro pedir ao governo de ‘Parma’ que faça um acordo com a Inglaterra”…
Eugène Scribe
Além de prolífica, a dramaturgia de Scribe se caracterizou pelo trabalho colaborativo. Pois, combinado aos dotes literários, foi talentoso agenciador e empresário, reunindo escritores de acordo com a demanda, fosse para o teatro popular ou para ópera…
Nascido em Paris, Eugène Scribe, cedo, revelou interesse pelo teatro e literatura. Destacou-se no prestigiado “Collége Saint-Barbe” e iniciou estudos de direito. Filho de comerciantes de seda, abandonou a advocacia, após falecimento da mãe, para dedicar-se, exclusivamente, ao teatro, junto com ex-colega, Germain Delavigne… Assim, desde jovem, acostumou-se a produzir coletivamente…
De início, sobreviveu com herança familiar, enquanto as peças, escritas com Delavigne, obtinham gradual reconhecimento. Aos 22 anos, escreveu 1° libreto, para “La chambre à coucher”, “opéra-comique” de Luc Guénée. Sucesso maior, no entanto, veio com a comédia “Une nuit de la Garde nationele”, em parceria com Charles Delestre-Poirson…
Em cinco anos, se estabelecia como dramaturgo e fundava o “Théâtre du Gymnase”, com estreia de “Le Boulevard Bonne-nouvelle”, também escrita com dois amigos, Charles Duveyrier e Charles Moreau… E na década de 1820, mais de 100 peças para o “Gymnase”, além de libretos e peças para “Comédie-française”, “Opéra” e “Opéra-comique”…
E iniciava longa colaboração com o compositor Daniel Auber, que resultou em 39 libretos, entre eles, “La Muette de Portici”, de 1828, primeira “grande ópera” francesa… Depois, com Giacomo Meyerbeer, consolidou o gênero, em “Robert le Diable” e “Les Hugenots”; e “La Juive”, com Halévy, de 1835… Também colaborou com Rossini, Cherubini, Donizetti, Gounod, Thomas e Offenbach. E com Verdi, “Les Vêpres siciliennes”, de 1855, em parceria com Charles Duveyrier…
Assim, boa parte do sucesso deveu-se aos colaboradores, difundindo-se, jocosamente, que Scribe “contratava um para a narrativa, outro para os diálogos e um terceiro para as piadas”… No entanto, era uma tradição francesa e algo confortável para o autor. Conta-se, era tão escrupulosamente honesto, ao dividir o sucesso, que, por vezes, remunerava alguém até por simples ideia ou sugestão…
Sua obra inclui 120 libretos, com 48 músicos; e mais de 300 peças teatrais, com 60 co-autores; além de 130 títulos originais… Relatos dão conta de ser metódico e incansável, ocupando-se todas as manhãs, a partir das 5:00hs ou 6:00hs, até meio-dia, na prática da escrita…
E a partir de 1830, quando publica “Bertrand et Raton”, inicia série de comédias históricas e políticas, embora, muitos entendam, pouco relacionarem-se com política ou história, mas tornaram-se modelo de novo gênero e que lhe valeram indicação para “Académie Française”, eleito em 1836…
Embora introduzindo questões sociais, objetivo maior era entretenimento. Assim, desenvolveu conceito “la pièce bien faite” (“peça bem feita”), onde preconizava: enredo conciso, narrativa convincente, estrutura padrão e pouca reflexão intelectual… Por vezes, artistas buscavam mais retratar sua época – “le état d’esprit”, do que discuti-la. E o faziam através de enredos e personagens pouco complexos, ou minimamente conflituados e reflexivos… Visando, sobretudo, assimilação e sucesso…
Tais conceitos se refletiam na “grand opéra”, onde a simplificação, do enredo e dos personagens, se revestia de luxo e empolamento; onde conteúdo maior, por vezes, se tornava celebrar o luxo, no palco e na platéia. Uma arte que suscitasse sofisticação e glamour, apropriada à nova burguesia, em portentoso ritual, ainda que, esteticamente, com leveza de conteúdo – arte para um estilo de vida, mais representativa do que reflexiva…
E de fato, as peças lhe renderam sucesso de público e financeiro, o que lhe permitiu acumular patrimônio e apoiar instituições beneficentes… Autor eclético, também introduziu atmosferas evocativas, de sonho e sobrenatural, nas peças e libretos…
Alguns dramaturgos, como Henrik Ibsem e Bernard Shaw lhe reconheceram qualidades… Outros, como Théodore de Banville e Théophile Gautier, o criticaram: “máximo da arte burguesa e filistinista (anti intelectual) para agradar as massas”… ou “como alguém sem poesia, lirismo, estilo, filosofia, verdade e naturalidade, se tornou autor mais elegante de seu tempo?”…
E o próprio Scribe alegou que o público do sec. XIX não frequentava o teatro para instruir-se, como no sec. XVIII, mas para distrair e entreter-se: “segredo está em obter confiança do espectador, de atender suas expectativas, de torná-lo partícipe, como se fosse um colaborador que, por fim, aplaude a si mesmo”…
Na “Académie Française”, disse: “não acredito que um dramaturgo possa tornar-se historiador – não é sua missão. Nem o próprio Moliére recuperou a história de seu tempo”… E quanto às óperas, alguns comentaram: “libretos parecem frutos de algum universo paralelo, de vago colorido histórico e geográfico, povoado por personagens incongruentes, sofrendo crises implausíveis”…
Trata-se, portanto, de autor controverso. De um lado, pronto a seduzir, atento às expectativas de público e pouco inclinado a discutir seu tempo… De outro, atraiu atenção de nomes como Alexandre Dumas, filho, Oscar Wilde e Arthur Miller…
Verdi teve dificuldades com Scribe. E divergências ficaram claras no enredo e tratamento histórico de “Les Vêpres siciliennes”. Por fim, obteve alguns ajustes do libreto e maior coerência dramática. Ainda teriam colaboração indireta, em posterior adaptação de Antonio Somma, de “Gustavo III”, escrito por Scribe para Daniel Auber, que resultou em “Ballo Maschera”…
Vésperas sicilianas – ano de 1.282
Origem da revolta deveu-se ao coroamento de Carlos I de Anjou, rei da Siília, em 1266, estabelecendo “domínio angevino”, que reduzia poderes locais e aumentava impostos. Carlos I derrotara o rei Manfredo, representante do “Sacro Império Romano Germânico”, na batalha de Benevento; e, posteriormente, decapitou Conradino da Germânia, filho de Manfredo e pretendente ao trono da Sicília, em 1268…
Fatos ocorreram no âmbito da “baixa idade média” e das “cruzadas”. Também da rivalidade entre os “guelfi”, partidários do papa; e os “gibelinos”, partidários do “Sacro Império Romano Germânico”, pelo controle da Sicília…
Processo complexo, onde Carlos I representava interesses “guelfi” e pleiteava apoio, do papa Gregório X, para empreender uma “cruzada”, a partir do título de rei de Jerusalém e da ocupação de Saint Jean d’Acre, “cabeça de ponte” para a “Terra Santa”… E o estratégico porto de Messina, abrigo da “frota angevina” para conquista do oriente médio e dos ortodoxos bizantinos…
Neste contexto, estourou revolta local, em Palermo, espalhando-se pela ilha, com rápida expulsão dos franceses. O estopim é controverso. Conta-se, na Páscoa de 1282, provocação de soldado francês, a uma jovem casada siciliana, teria revoltado o marido, que matou o soldado… também, pedras atiradas por crianças e repelidas com violência pelos franceses… ou seja, rejeição e estranhamentos cotidianos teriam culminado em violenta mobilização popular…
Em minoria, franceses fugiram para os navios, ancorados na costa, ou disfarçaram-se em trajes civis, sendo facilmente identificados, quando obrigados a pronunciar “grão de bico” em “ciciri” – dialeto siciliano, pela chamada técnica do “xibolete”…
Pólo comercial e militar do mar Mediterrâneo, a ilha da Sicília era cobiçada por grandes nações, que formavam alianças e disputavam interesses… Frente à expulsão dos franceses, Carlos I tentou recuperar a ilha, com apoios de Afonso X, de Castela e dos “guelfi”, de Veneza; mas sicilianos contavam com apoios de Pedro III, de Aragão, e da frota bizantina, de Miguel VIII; além de Rodolfo I, da Germânia, Eduardo I, da Inglaterra e dos “gibelinos”, de Gênova…
Vitorioso, Pedro III foi coroado Pedro I, da Sicília. Mas, foi excomungado pelo papa Martinho IV, junto com apoiadores sicilianos, deixando a esposa, Constança de Hohenstaufen, filha do rei Manfredo, em seu lugar… Assim, retornavam as influências “gibelinas” e do “Sacro Império”… Instabilidade e disputas, no entanto, permaneceram com as chamadas “guerras das Vésperas”, prolongando-se até 1372, no tratado de “Avignon” – após 90 anos de lutas…
Pela contundência do levante, ao badalar dos sinos nas “Vésperas”, de 1282, supõe-se que a população estava pronta para ação, sobretudo, frente à pequena guarnição francesa. Além disto, note-se a presteza com que se formaram alianças internacionais, fossem de apoio aos sicilianos e aragoneses; ou aos franceses, que não mais retomaram a ilha…
Figura particular do conflito foi João de Procida, médico e jurisconsulto, que aproximou-se de Manfredo de Hohenstaufen, rei deposto da Sicília; e depois, do filho, Conradino da Germânia. Mas, com as derrotas sucessivas, exilou-se, sendo acolhido por Constança de Hohenstaufen e nomeado chanceler de Aragão, por Pedro III. Então, retornou à Sicília, como diplomata, para atuar junto aos “gibelinos”, nas resistência e preparação do histórico levante – “Vésperas sicilianas”, 30 de março de 1282…
E Guy du Montfort, nobre que prestou serviços à Carlos I de Anjou, como vigário-geral, na Toscana… Mas, por vingança das mortes do pai e irmão, assassinou, cruelmente, o primo, Henrique de Almain, durante eleição papal, de 1271, o que lhe valeu excomunhão… Então, voltou a servir Carlos I, sendo preso pelos aragonenses, na costa da Sicília, 1287… Implacável, foi colocado, por Dante, no “7° circulo do Inferno – rio de sangue fervente”… Na ópera de Verdi, apresentado como governador da Sicília…
Libreto
Dado a complexidade do tema, uma redução à estereótipos “vítima e agressor”, “bem contra o mal” ou “heróis versus vilões”, incomodava Verdi. Afinal, franceses ocuparam a ilha, mas cena final, do massacre siciliano, muito provavelmente, despertaria indignação na plateia francesa…
Se tema abordava disputas maiores, de interesses entre grandes nações, por vezes, entremeadas de sublevações locais, ora desejosas de serem governadas por uns, ora por outros, eram fatos passados que pouco importariam ao público… Mas, a teatralização do massacre, frente à orgulho atávico, preocupava Verdi…
Na Itália, a ópera era instrumento de propaganda e fomento da unificação. Daí intensificar-se no músico italiano, adepto do “Resurgimento”, preocupação com simbolismos embutidos no libreto, tal como nas óperas da 1ª fase – dos “anos nas galés”… Provável exagero frente à plateia francesa, que acabaria por acolher a ópera…
E sendo nacionalista, também era inaceitável escrever música em texto que desqualificasse fato histórico ou povo italiano. E argumentava, “bons e maus existiam em todas as raças”, frente à maniqueísmo simplista que enredo poderia induzir… Se a cena final estigmatizasse o “mau”, algo injusto com a população oprimida; de outro, vitimizaria o opressor, então, reconhecido “bom”; em flagrante inversão de valores, além de desconsiderar contextos maiores…
Para Verdi, libreto estava mal planejado ou infeliz escolha… E cena final incomodava por considerá-la também ofensiva aos franceses… Artista politizado, apesar da rusticidade campesina, preferia encerrar a ópera em cena comovente, focada no par romântico, evitando provocações e ao largo de eventuais reações xenófobas… Daí, necessidade de diálogo com Scribe…
Curiosamente, tema gerava mais desconforto à Verdi, honrado pelo convite, do que aos libretistas franceses, por apresentar algo inoportuno, em meio aos eventos da “Grande Exposição”… E afinal, fora agraciado com a “Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra”, pelo imperador Napoleão III, em 1852 – preocupações que lhe percorriam a mente, função da temática…
Assim, tais questões suscitavam ruptura do contrato, diante de “provável fracasso”, da falta de diálogo com Scribe e pelo episódio “Cruvelli”, inusitado mas oportuno, a desorganizar temporada do “Opéra”. Por fim, Verdi conseguiu adaptações do libreto, contrato permaneceu e “Les Vêpres siciliennes” foi bem sucedida…
Sinopse
A ópera desenvolve-se durante a ocupação francesa da Sicília, séc. XIII. E libreto mescla revolta local com amor de uma nobre siciliana, Elena, por Henri (Arrigo, na adaptação italiana), ambos personagens ficcionais e ativistas pela causa da Sicília. No enredo, Henri desconhecia ser filho do governador francês, Guy du Montfort, que tenta conquistar sua afeição e convencê-lo a assumir-se como francês… Elena, por seu lado, exorta Henri a vingar morte do irmão, executado por Montfort…
Outro personagem, o revolucionário Giovanni da Procida, fomenta indignação dos sicilianos contra os usurpadores franceses. Mas, Montfort mostra carta de uma mulher – mãe de Henri, escrita no leito de morte, onde confessava ser Monfort, seu pai… De início, Henri se revolta, mas acaba sensibilizado, protegendo Montfort de atentado, planejado por Elena e Procida…
A suposta filiação de Henri, no entanto, não o demove da luta siciliana, mas causa rejeição entre os companheiros. Então, reitera estar pronto para morrer pela Sicília, porque ama Elena e sua terra! No entanto, revoltosos são presos e Henri considerado traidor. De outro, ao saber ser Henri, filho de Montfort, Elena o perdoa por recuar do atentado. E Giovanni da Procida, obstinado, insiste na causa siciliana…
Diante das prisões e condenações de Elena e Procida, Henri, em imensa dor, reconhece filiação e apela ao pai, por misecordia – condição imposta para libertação dos revoltosos. Montfort exulta, concede perdão aos revoltosos e vislumbra, no casamento de Elena e Henri, pacificação do conflito… Mas Procida, ao contrário, vê oportunidade para sublevação, ao repique dos sinos, nas bodas de Elena e Arrigo!
Ciente do ataque e dividida, Elena desespera-se, tenta renunciar ao casamento, mas Montfort, convencido dos sentimentos de ambos, atende apelo de Arrigo e realiza cerimônia. Sinos tocam e multidão investe em violento confronto – tropas francesas são massacradas!
Após estreia francesa, Verdi acompanhou tradução italiana, de Arnoldo Fusinato, para produções em Parma e Turim, final de 1855. E por razões de censura, adaptada como “Giovanna de Guzmann”, com ação em Portugal; depois, como “Batilde di Turenna”, em Nápoles, 1857. Muito encenada, finalmente, consagrou-se temática original, em italiano, como “I Vespri siciliani”:
Ação ocorre em Palermo, Sicília – 1.282, séc. XIII.
- Personagens: Hélène (Elena), irmã de Frederico da Áustria (soprano); Henri (Arrigo), jovem siciliano (tenor); Guy du Montfort (Guido di Montforte), governador francês da Sicília (barítono); Giovanni da Procida, médico siciliano (baixo); De Béthune e Conde Vaudemont, dois oficiais franceses (baixos) ; Ninetta, criada de Elena (soprano); Danieli, jovem siciliano (tenor); Thibault (Tebaldo) e Robert (Roberto), dois soldados franceses (tenor e baixo); Manfredo, um siciliano (tenor);
- Coros: População siciliana e guarnição francesa;
- Ballet: Cavalheiros e damas, entre franceses e sicilianos.
Ópera inicia com “Sinfonia” – abertura orquestral
1° Ato – Praça principal de Palermo
Após célebre abertura sinfônica, abre-se o 1° Ato… Renunidos na praça, em frente ao palácio do governo, guarnição francesa brinda à pátria, formada por Thibault, Robert e outros… Afastados do local, populares observam, descontentes com a presença francesa… Ocupantes mostram arrogância, inclusive desrespeito às mulheres. E sicilianos externam sua raiva…
Tendo irmão executado pelos franceses, entra nobre e ativista siciliana, duquesa Elena, vestida de preto. E Robert, entre soldados bêbados, manda que cante… Entristecida, Elena concorda e entoa canção dos marinheiros, na dolente cavatina “Deh! Tu calma, o Dio possente, col tuo riso, el cielo e mar” (Ah! tu acalmas, Deus poderoso, com teu sorriso, o céu e o mar”); mas na cabaletta, incisivo “allegro giusto”, incita sicilianos contra a ocupação, “Coraggio! su coraggio, del mare audaci figli!” (“Coragem! Coragem, ousados filhos do mar!”), “Il vostro fato è in vostra man!” (“Vosso destino está em vossas mãos!”)…
Populares investem contra soldados, mas entra governador francês, Guy du Montfort. Revoltosos se acalmam e afastam-se… Permanecem Elena, Ninetta, sua criada, e Daniele, jovem siciliano. Em quarteto, quase “à capela”, Elena inicia, “D’ira fremo all’aspetto tremendo” (“Tremo de raiva, diante de terrível aparência”). E responde Ninetta, “Tace l’ira all’aspetto tremendo, Il mio seno s’agghiaccia d’orror” (“A raiva silencia, meu peito congela de horror”)… Ameaçador, Monfort canta: “D’odio fremon compresso, tremendo, Ma di sprezzo sorride il mio cor!” (“Tremem, intensamente, de ódio, mas meu coração sorri com desprezo!”)…
Em seguida, entra Arrigo (Henri, na produção francesa), ativista siciliano, recém libertado pelos franceses. Montfort ordena saída de Elena, Ninetta e Danieli. Arrigo permanece e iniciam grande duetto. Monfort indaga por sua família… “Qual è il tuo nome?”… Arrigo é suficiente, responde, “Il mio rancore Ti è noto! al mio nemico Ciò basti!” (“Conheces meu rancor! Para um inimigo é o que basta!”)… Arrigo desconhecia o pai, mas refere-se ao duque Frederigo, que o acolheu quando criança… “Fellone!” (“Maldito!”), reage Montfort. E Arrigo responde, “Di giovane audace pùnisci l’ardir!” (“Castiga minha ousadia juvenil!”)…
Montfort, gradualmente, revela admiração pelo caráter e coragem do rapaz. E tenta cooptá-lo para servir à França, desde que se afastasse de Elena. Arrigo fica surpreso. Montfort sabia de seu amor pela siciliana, “Leggo nel tuo pensiero, per me non v’ha mister” (“Leio em teu pensamento, para mim não existem segredos”), diz Montfort. Generosa ou corruptora oferta do governador escondia, de fato, a paternidade de Arrigo… Daí, cuidado na condução da conversa, embora enérgica…
Mas, resoluto, Arrigo recusa, “Sono libero e l’ardire di grand’alma è innato in me! L’ira tua mi può colpire, ma non tremo innanzi a tee” (“Sou livre e audácia me é inata! Tua ira pode golpear-me, mas nada temo”)… “Per lei disfido io morte!” (“Por ela desafiarei a morte!”) e dirige-se ao palácio de Elena, encerrando 1° Ato…
2° Ato – Na orla marítima
Voltando do exílio, em pequeno barco pesqueiro, João de Procida, médico e revolucionário, desembarca no litoral siciliano. Cena abre com dolente melodia, no oboé. Saudoso, Procida exalta sua terra, “O patria, o cara pátria, alfin te veggo!”, e sua alegria, “O tu, Palermo, terra adorata…!” sendo recebido por Manfredo e outros companheiros… Então, solicita reunião com Elena e Arrigo, para tratarem da ocupação francesa, em “Nell ombra e nel silenzio…” (“Na escuridão e no silêncio…”)
Planejam uma rebelião, a desencadear-se na festa de casamento de jovens sicilianos. Procida se retira e Elena pergunta à Arrigo, que recompensa desejaria, por participar do levante. Arrigo responde: nada além do amor, jurando vingar morte do irmão de Elena!… Em duetto, Elena canta, “Quale, o prode, al tuo coraggio potrò rendere mercé?” (“De que forma poderei recompensar tua coragem?”)… e Arrigo, “O donna, t’amo! Ah sappilo! né voglio altra mercé, che il diritto di combattere e di morir per te!” (“Mulher, te amo! Tens que saber! Não desejo outra gratidão, além do direito de lutar e morrer por ti!”)…
Entra oficial francês, De Béthune, trazendo convite para uma festa, enviado por Montfort. Ao recusar, Arrigo é preso e conduzido… Entra Procida… Jovens sicilianos reunem-se na praça e dançam. Ouve-se brilhante “tarantella”!… A fim de acirrar ânimos, Procida sugere aos soldados franceses aproximarem-se para importunar mulheres sicilianas. Liderados por Robert, retiram algumas jovens, sob protestos, para levá-las à festa, enquanto outras fogem… Cena de algazarra, tumulto e efeitos de coro, entre franceses e sicilianos… Plano de Procida surtira efeito! E junto aos companheiros, decidem infiltrar-se no baile e buscar vingança!… Encerrando 2° Ato…
3° Ato
Cena 1 – No palácio de Montfort
Curta introdução das cordas abre a cena. Solitário e acossado pelo passado, Montfort reflete. Um filho desconhecido reaparecia, cuja mãe fugira, enducando-o no ressentimento pelo pai, então, opressor do povo siciliano. Agora, no leito de morte, mandava carta revelando ser Arrigo, jovem e destemido inimigo, seu filho… Em monólogo, Montfort canta “Sì, m’abborriva ed a ragion! cotanto vêr lei fui reo, che giunsi un dì a rapirla!” (“Sim, me odiava e com razão! Fui mal e cheguei a raptá-la, um dia!”)… Entra De Béthune e avisa que Arrigo fora preso e se encontra no palácio. Montfort lamenta, “In braccio alle dovizie, in seno degli onor, un vuoto immenso, orribile, regnava nel mio cor…” (“Nos braços das riqueza e honrarias, imenso, horrível vazio reinava em meu coração…”)
Entra Arrigo, estranha certa cordialidade e inicia grande duetto, “Sogno, o son desto?” (“Estou sonhando ou desperto?”), “Inver di strana sorte, se da te non m’aspetto altro che morte!” (“Estranha sorte, se de ti só espero a morte!”). E Montfort, “La speri invan!” (“Esperas em vão!”). E Arrigo, “difender la sua terra e nobil scopo. Io combatto un tiranno” (“defender sua terra é nobre, combato um tirano!”). Monfort, “Ma da vil lo combatti. Colla spada io ferisco e tu il pugnale, nell’ombra vibri!” (“E fazes de forma vil. Luto com a espada e tu com punhal, nas sombras!”). Arrigo, “Per mia sventura! ” (“Para minha desgraça!”)…
“O stolto, cui salvò la mia clemenza” (“Estúpido, minha clemência te salvou”), diz Monfort, no arioso, “Quando un ribelle in te salvava, Arrigo… nulla ti disse il cor? (“Quando um rebelde te salva, Arrigo… nada te diz o coração?”). Arrigo estremece, “A qual tormento nuovo, spietato, il crudo fato – mi condannò!” (“A que novo tormento, cruel destino me condenou!”)…
Música se agita e Monfort canta, “Ebben, Arrigo! se il mio tormento l’ingrato core non ti colpì, or di tua madre leggi 1’accento!” (“Pois bem, se meu tormento não comove teu coração ingrato, então, lê palavras de tua mãe!”)… E Arrigo, “Che? di mia madre?”… Em célebre melodia da abertura sinfônica, Monfort canta mirando o filho, “Sì, mentre contemplo quel volto amato!… Benché velato d’atro dolor, l’alma è commossa. Io son beato, tutto ho ripieno di gaudio il cor!” (“Enquanto contemplo rosto amado!… embora, velado por dor amarga, tenho alma comovida. Sinto-me abençoado e coração pleno de alegria!”).
Arrigo se encanta com a letra materna. Mas, surpreende-se, “O ciel! che scopro?… arcan funesto mi si rivela… fremo d’orror! (“O céu! que descubro?… terrível segredo… tremo de horror!”). E Monfort indaga, “Ma fuggi il mio sguardo, O figlio?” (“Porque evitas me olhar, filho?”). Indignado, Arrigo sussurra, “O donna, Io t’ho perduta!” (“Mulher, eu te perdi!”)… Música se agita! Monfort, vaidoso de sua posição, tenta seduzir, gaba-se do poder e tudo que desfruta… “Il mio potere, Arrigo, sconosciuto t’è dunque?” (“Meu poder te é desconhecido”)… “So! che tu accenni, a te concesso fia… titoli, onor, dovizie, speri. Quanto ambizion desia!” (“Basta pedir e te será concedido… títulos, honrarias, riquezas. Quanto tua ambição desejar!”)…
Ao que Arrigo responde, “Al mio destin mi lascia e pago allor sarò!” (“Deixa seguir meu destino e me darei por contente!”). Monfort insiste, “Ma non sai tu che splendida fama suonò di me?” (“Mas, não sabes da esplêndida fama que desfruto?”). E Arrigo, incisivo, acusa: “Nome esecrato egli è!” (“Teu nome é execrável!”)… Então, Monfort se ofende e reage, “Parole fatale, Insulto mortale” (“Palavra fatal! Insulto mortal!)… “La gioia è svanita che l’alma sperò!” (“Toda alegria se esvaneceu!”)… “Che un barbaro figlio sul padre scagliò” (“Filho cruel, que renega seu pai!”)…
Na orquestra, “allegro assai”, Arrigo suplica, “Ah! rendimi, o fato, l’oscuro mio stato!” (“Ah! devolve, destino, meu estado de pobreza!”). Monfort segue, “T’arresta, Arrigo! plachisi Quell’ostinato core!” (“Controla-te, Arrigo! Acalma o duro coração!”)… E atormentado, Arrigo canta, “Lasciami, o crudo, lasciami in preda al mio dolore!” (“Deixa-me, cruel, deixa-me em minha dor!”). Andamento cai para “adagio”, canta Montfort, “Invano, o figlio, crudel mi chiami, del padre vincati la prece e il duol!” (“Em vão, filho, me chamas de cruel, vença em ti a dor de um pai!”). E Arrigo, “Fuggir mi lascia, se è ver che m’ami… Ah! volare al tuo sen io pur vorrei, ma non poss’io!” (“Deixa-me ir, se é que me amas… quisera te abraçar, mas não posso!”). Em “allegro agitato”, segue Arrigo, “Lo spettro di mia madre, che tra di noi si pone” (“Espectro de minha mãe se interpõe entre nós!”) e Montfort exclama, “O figlio mio!”…
E Arrigo, “Suo carnefice fosti: e l’alma è rea” (“Foste um carrasco, minha alma se mancharia”). E Montfort, “O figlio mio!”… Então, Arrigo apela a sua mãe, no belo tema da abertura sinfônica, “Ombra diletta, che in ciel ripòsi, la forza rendimi che il cor perdé” (“Alma amada, que no céu repousa, dá-me a forza que meu coração perdeu”). Montfort tenta abraçá-lo, mas Arrigo, sem transigir e conflituado, deixa cena! Reage bruscamente, se desvencilha de Monfort e sai às pressas! Enquanto o poderoso governador lamenta… Encerrando Cena 1, do 3° Ato…
Cena 2 – Baile no palácio de Montfort
Nobres, entre franceses e sicilianos, preparam-se para festa… Abre grande cena de ballet – “Le quattro Stagioni”. Todos cantam, “O splendide feste!”. Disfarçados, estão Elena, Procida, Arrigo e outros… Elena e Procida pretendem matar Monfort! Mas, Arrigo está perturbado… Montfort entra, acompanhado de oficiais… E ao aproximar-se, Arrigo põem-se na diateira, a fim de protege-lo de Procida e Elena. Por sua vez, sicilianos não entendem complacência de Montfort com Arrigo – ficam desconfiados e indignados…
Montfort percebe ameaça e ordena prisão de Elena, Procida, Danieli e outros… Cena desenvonlve-se em grande concertato, típico da “grand opéra”, iniciando em “Colpo orrendo, inaspettato!” (“Golpe orrendo, inesperado!”), depois, em “Ah! patria adorata!”… Arrigo é execrado pelos sicilianos, que o vem como traidor! Dividido, tenta segui-los, mas é contido por Montfort! Encerrando Cena 2, do 3° Ato…
4° Ato – Na prisão
Atormentado com a prisão dos companheiros, Arrigo vai às masmorras, na grande fortaleza. E lamenta, “Giorno di pianto, di fier dolore!” (“Dia de lágrimas, de dor cruel!”). Elena vem ao seu encontro e cantam intenso duetto, “O sdegni miei tacete – fremer mi sento il core… Forse a novel tormento mi serba il traditore!” (“Sinto o coração tremer. Acaso, novo tormento reserva o traidor!”)…
E Arrigo, arrazado, revela ser filho de Montfort, “Il padre mio!”… Elena comove-se, adquire tom piedoso e reflete sobre o conflito de Arrigo, na bela romance, “Arrigo! Ah, parli a un core…” (“Arrigo! Ah, fale a um coração…”), delicada declaração de amor, preparando-se para perdoá-lo… Arrigo exulta, “Pensando a me! È dolce raggio” (“Pensas em mim! Eis teu perdão”). E Elena, “Or dolce all’anima voce risuona, che il ciel perdona” (“Doce voz, em minha alma, diz que o céu te perdoa”), reafirmando-se amor de ambos!
Entra Procida, com uma carta – plano de fuga dos prisioneiros… “Amica man, sollievo al martir nostro, questo foglio recò!” (“Mão amiga trouxe esta carta, para alívio de nossos martírios!”). Elena lê, “D’Aragona un navile solcò vostr’onde, ed è già presso al porto, gravido d’oro e d’armi!” (“Navio de Aragão chega ao porto, carregado de ouro e armas!”)… Entra Montfort, convocando padres e execução dos revoltosos… Procida se surpreende com filiação de Arrigo, “Che?…” Elena confirma, “Suo figlio!…”
Procida intervèm, “Lui!… suo figlio!… Or compiuto è il nostro fato! Addio, mia patria, invendicato” (“Ele!… seu filho!… Destino está selado! Adeus, minha pátria, morrerei sem vingança!”), iniciando intenso quarteto. Montfort canta, “Sì, col lor capo sarà troncato a quell’ardire furente il vol” (“Sim, com suas cabeças será eliminada ousadia da rebelião”). E Arrigo lamenta, “Nella tua tomba – sventurata, per me cangiossi – il patrio suol!” (“Em tumba desventurada se torna o solo pátrio!”). E Elena, “Addio, mia patria amata”…
Coro interno entoa “De profundis!”… E Arrigo implora por misericórdia!, “Pietà, pietà di loro. Sospendi il cenno, o qui con essi io moro!” (“Piedade, piedade por eles. Suspende a ordem ou morro com eles!”). Percebendo fragilidade, Montfort confronta Arrigo, “Padre mi chiama, Arrigo, e ad essi e a te perdono!” (“Chama-me pai, Arrigo, e os perdoarei!”). Arrigo exclama, “Oh, cielos!”… Elena suplica, “Ah! non lo dir e lasciami morire!” (“Não o digas, deixa-nos morrer!”)… Mas, Arrigo vislumbra local das execuções, com carrasco empunhando machado… E dois penitentes aproximando-se! Procida exclama, “A morte vieni!”, e Elena, “A gloria!”…
Arrigo desespera-se, “O donna!… O mio terror!”. No pátio da cidadela, por trás dos soldados, populares cercam local e rezam… Procida e Elena são conduzidos para execução… Carrasco toma Elena! Arrigo não resiste, em desespero, lança tremendo grito: “O padre, o padre mio!!”…
E Montfort exulta, “O gioia! e fia pur vero?” (“Oh, alegria! E verdadeira?”)… “O ministro di morte: Arresta! a lor perdono!” (“Ministro de morte: Pare! estão perdoados!”). Todos comemoram! E escoltados por soldados, Elena e Procida descem escadaria, levados até Montfort: “Né basti a mia clemenza. Qual d’amistà suggello tra popoli rivali, D’Arrigo e di costei io sacro il nodo” (“Mas, não basta minha clemência. Em gesto de amizade, entre povos rivais, consagro união de Elena e Arrigo”)… “Pace e perdono!… io ritrovai mio figlio!” (“Paz e perdão!… reencontrei meu filho!”)…
Em grande cena coral, Elena e Arrigo exaltam, “O mia sorpresa! o giubilo maggior d’ogni contento!” (“Oh, minha surpresa! Júbilo maior não haverá!”), “S’apre al più dolce amore, è pegno d’amistà” (“Se abre ao mais doce amor, promessa de amizade”)… Montfort e franceses cantam, “Risponda ogni alma al fremito d’universal contento!” (“Deixemos a cada alma, emoção de universal satisfação!”), “Il serto dell’amore coroni l’amistà” (“Grinalda do amor coroa a amizade”)… Mas, Procida e sicilianos sussurram entre si, “Di quelle gioie al fremito, al general contento… dai veli dell’amore, vendetta scoppierà!” (“Frêmitos de alegria, contentamento geral… dos véus do amor, vingança explodirá!”) – em meio às festas, tramava-se a revolta!… Encerrando 4° Ato, em vibrante concertato!
Obs: Aqui, divergência de Verdi, quanto ao libteto. Do aparente apaziguamento do conflito, com base em união amorosa e afeto familiar – Elena, Arrigo e Montfort, a suscitar concórdia e perdão dos revoltosos, quando sicilianos prosseguiam conspirando, então, como traidores, liderados por Procida… Para Verdi, libreto deslegitimava revolta, diante da opressão francesa, num “embaralhado ficcional, político e familiar”… A ópera, entretanto, é densa e musicalmente rica – “ou não seria Verdi!”
5° Ato – Jardins do palácio de Montfort
Reunidos nos jardins do palácio, coro de cavalheiros e damas homenageiam Elena, que agradece no célebre bolero, “Mercé, dilette amiche” (“Obrigado, queridos amigos”). Também Arrigo regozija, na leveza de “La brezza aleggia intorno – a carezzarmi il viso, E di profumi eletti – imbalsamato è il cor” (“Brisa acaricia meu rosto. E delicados perfumes envolvem meu coração”). E se retira para encontrar Montfort…
Inicia cena final, com Procida, Elena e Arrigo. Entra Procida, dirigindo-se à Elena, “Al tuo cor generoso, Donna, grata esser dee la nostra terra!” (“A teu coração generoso, senhora, nossa terra é grata!”). Elena indaga, “Perché?”… Em conflitado duetto, canta Procida, “Senza difesa, il nemico abbandona tutto fidente in noi, torri e bastite. Vestito a pompa e in braccio a gioia folle, ognuno si dà in preda al piacer, lieto e festante” (“Sem defesa e confiando em nós, inimigo abandona torres e baluartes. E vestidos com pompa, se entregam à louca alegria, celebrando o prazer, as brincadeiras e as festas”). Percebendo alienação e vulnerabilidade dos franceses, Procida vê oportunidade para reação dos sicilianos…
Elena indaga, “Qual ci sovrasta fato?” (“Que destino nos aguarda?”). Canta Procida, “Nulla ti sia celato! Non appena tu avrai mosso l’ardente sì, e del compito imene I sacri bronzi dato avran l’annunzio, all’istante in Palermo e universale Il massacro incominci” (“Não deves ignorar nada! Quando tiveres pronunciado o ardente ‘sim’ e os sinos anunciarem as sagradas bodas, explodirá um massacre em Palermo e em todas as partes”). Elena resiste, “Ah! mai!” (“Ah, jamais!”)…
Procida questiona, “Ma sul tuo core, Ove già l’odio è spento, D’un Francese poté tanto l’amore? D’un rio tiranno figlio!…” (“Em teu coração, ódio se apagou diante do amor de um francês? filho de um tirano!…”). Elena responde, “Ei m’è sposo!” E Procida desafia, “O donna, che ti arresta? Va corri, mi denuncia! Il prezzo è la mia testa!” (“Oh, senhora, que te detém? Corre, denuncia-me! O preço é minha cabeça!”). Elena responde, “Io gli amici tradire? No, no… ma pur… dovrei uccidere lo sposo?… Ah! nol potrei!” (“Trair meus amigos? Não, não… porém… matar meu esposo? Ah! Não poderei!”)…
Fanfarra de metais e entra Arrigo, “Suonò l’ora sì cara… L’imen ci chiama all’ara!…” (“Chegou a hora, querida… as bodas nos chamam ao altar!…”). Mas, percebe, “Ella trema! È pallido il suo fronte!” (“Tremes! Tua fronte está pálida!”) “Di tal terror quali ha motivi ascosi? Ah! parla, o ciel!” (“Que causa oculta tanto terror? Ah, Fala, Oh! Céu!”). E Procida adverte Elena, “Sì, parla! se tu l’osi!” (“Sim, fala! Se ousas dizer!”). Em dramático terceto final, Elena sussurra, “Sorte fatale! oh fier cimento!” (“Destino fatal! oh, cruel provação!”). Segue Procida, “Del suol natale in tal cimento a te favelli il santo amor! Pensa al fratello! col divo accento Egli ti addita la via d’onor! (“Que te guie melhor o amor sagrado pelo solo pátrio! Pensa em teu irmão! Sua divina palavra te apontará o caminho da honra!”)…
Arrigo insiste, “Ah! parla, ah! cedi – al mio tormento. Pietà, pietade del mio dolor!” (“Ah, fala, ah! Cede ao meu tormento. Piedade, pela minha dor!”). Em profundo silêncio, Elena olha para ambos e lamenta, “In fra di noi si oppone una barriera eterna! Del fratel l’ombra fiera a me comparve… La veggo!… innanzi sta!… grazia, perdono! Arrigo!… ah!… tua non sono!” (“Barreira eterna está entre nós! Sombra orgulhosa do meu irmão aparece… eu o vejo!… ele está diante de mim!… graça, perdão! Arrigo!… ah!… tua não sou!”
“Che dicesti?”, questiona Arrigo. “Quest’imeneo giammai si compirà!” (“Esta boda jamais se celebrará!”), responde Elena… Procida acusa, “O tradita vendetta!”, pois vê nas bodas, estopim da revolta… Elena canta, “Va! t’invola all’altar! Speranze, addio! Morrò! ma il tolgo a crudo fato e rio!” (“Vai, afasta-te do altar! Esperança, adeus! Morro! Mas te salvo de destino cruel e sangrento!”). Arrigo reage, “M’ingannasti, o traditrice, sulla fé de’ tuoi sospir!” (“Me enganaste, traidora, com suspiros fingidos!”), culminando em “Dunque addio, beltà fatale, per te moro di dolor!” (“Adeus, beleza fatal, por ti morrerei de dor!”)…
Procida insiste, acusa e pressiona Elena, “Tu fingevi, o traditrice, Di voler con noi morir, Ma volgesti, o ingannatrice, A rea fiamma i tuoi sospir! (“Tu disseste, traidora, que querias morrer conosco, mas teus desejos estavam na chama de teus sentimentos, mentirosa!”). Também, Arrigo pressiona, “Ebben, prosegui! il vo’ saper!” (“Segue, pois, quero saber teus motivos!”). E Procida retruca, “Prosegui! Di tuo fratello agli assassini or vendi a bassa voce la Sicilia e gli amici!” (“Segue! Vende a Sicília a teus amigos, assassinos de teu irmão!”)… Elena canta, “Ah! no, nol posso! Ma non mentiva il labbro, quando amor ti giurò! Io t’amo, ed esser tua giammai potrò!” (“Ah! não, não posso! Porém, não mentiram meus lábios, quando te juraram amor… te amo e jamais poderei ser tua!”)… “No, non sono traditrice, né mentirono i sospir!” (“Não sou traidora, nem fingidos meus sospiros!”), culminando em “Taccia il bronzo ormai fatale, precursor di strage e orror!” (“Calem-se sinos fatais, precursores de massacre e orror!”)…
Em brusco pianíssimo, contraste na orquestra, prepara-se o final. Saem do palácio, adentrando jardins, Montfort, seguido de cavalheiros e damas. E Arrigo, novamente, apela ao pai, “Deh! vieni, il mio mortale dolor ti mova, o padre! il caro nodo che io cotanto ambia, del fratello al pensier, Elena infrange!” (“Ah! vem, que minha dor mortal te comova, oh pai!… A amada união que tanto desejo, Elena rompeu, em memória do irmão!”)…
Montfort dirige -se à Elena, “Errore! invan ritrosa, pugni contro il tuo core: ei m’è palese!” (“Erro! em vão, te esquivas, lutas contra teu coração, vejo!”)… “Lo credi!… l’ami!… egli ti adora; ed io che nomaste tiranno, vo’ per voi… (sorrindo) esserlo ancora; a me le destre, o figli! V’unisco, o nobil coppia!” (“Creiam! Tu o amas!… e ele te adora! E eu, a quem chamaste tirano… (sorrindo) agora o serei por você, filho! Eu os uno, nobre casal!”)…
E Procida exorta, “E voi, segnal felice, bronzi, echeggiate!” (“E vocês, sinos, felizes mensageiros, repicai!”). Elena adverte, “No, impossibil fia!” (“Não, impossível!”). Montfort insiste, “Di gioia al suon che lieto in aria echeggia, Giura!” (“Ao ressoar alegre e feliz, dos sinos, pelo ar, jurem!”)… Música em “allegro agitato”. Em desespero, exclama Elena, “No!… mai!… nol posso!… ah! lassi voi!” (“Não!… jamais!… não posso!… ah! pobre de vocês!”)… Ouvem-se os sinos!! “T’allontana! va! fuggi!” (“Afastem-se! Vão! Fujam!”)…
Montfort indaga, “E perché mai?” (“E porque?”)… Elena, “Non odi tu le grida?…” (“Não ouves os gritos?…”). Montfort replica, “È il popol che ci aspetta!” (“O povo nos espera!”). Elena adverte, “È il bronzo annunciator…” (“Os sinos anunciam…”). E intervém Arrigo, “Di gioia!” (“A felicidade!”). E Procida corrige, “Di vendetta!!” (“A vingança!!”)… Do alto das escadarias e de todos os lugares surgem sicilianos, entre homens e mulheres, com tochas, adagas e punhais, gritando em coro derradeiro: “Vendetta! vendetta! Ci guidi il furor! Già l’odio ne affretta Le stragi e l’orror! Vendetta, vendetta è l’urlo del cor!” (“Vingança! Vingança! Guiados pela fúria! Ódio, terror e morte nos move! Vingança, vingança, grito do coração!”)…
– Cai o pano –
Desde a estreia, em Paris, “I Vespri siciliani” tem sido frequentemente montada. E “Elena”, interpretada por divas, como Maria Callas, Leyla Gencer e tantas outras… Aos 42 anos, Verdi amadurecia e elevava o cenário romântico europeu. Durante os anos de 1850, ainda compôs “Simon Boccanegra”, “Ballo Maschera” e “Aroldo” – “rifacimento di Sttifelio”. E até os 80 anos, profícua atividade e obras marcantes, com “Aída”, o monumental “Réquiem”, “Otelo” e “Falstaff”… Mestre italiano, falecido aos 88 anos, 1901, tornou-se autor de óperas mais encenado no mundo…
Após estreia, na sala “Le Peletier” (antigo “Opéra”), Paris, 1855, “Les Vêpres siciliennes” foi encenada em Parma, final de 1855, e no “La Scala”, de Milão, 1856, como “Giovanna de Guzman”; também no teatro “San Carlo”, de Nápoles, 1857, como “Batilde di Turenna”; e após, no teatro “Drury Lane”, de Londres, 1859; “Academy of Music”, Nova York, 1859; “Theatro D. Pedro II”, Rio de Janeiro, 1871; e retomada em Stuttgart, 1929; e Berlim, 1932…
No Rio de Janeiro, com a demolição do “Theatro Provisório”, em atividade até 1875; “Theatro D. Pedro II” seguiu programação artística, com montagens de “Guilherme Tell”, de Rossini; e “I Vespri siciliani”, a partir de 1871… A capital brasileira, no entanto, sempre sujeita à novos projetos urbanos, também o veria demolido, em 1934… Construção suntuosa, com assoalho e teto em madeira, proporcionava acurada acústica, segundo relatos… Recebeu nomes, como Enrico Caruso e Sarah Bernhardt. E conta-se, estreia de Arturo Toscanini, aos 19 anos, regendo “Aída”, de Verdi, em 1886…
Gravações de “Il Vespri siciliani”
Vigésima ópera de Verdi, considerando “Jerusalém – rifacimento de I Lombardi”, “I Vespri siciliani” ganhou os palcos do mundo… Dado a música de ballet e outras partes, produções costumam fazer cortes de até ~1h, resultando entre ~2:20hs à ~3:30hs. Seguem gravações em CDs e DVDs:
- Gravação em CD – MYTO Records, 1951
“Orquestra Maggio Musicale Fiorentino”, direção Erich Kleiber
Solistas: Maria Callas (Elena) – Giorgio Kokolios Bardi (Arrigo) – Enzo Mascherini (Guido di Monforte) – Boris Christoff (Giovanni da Procida)
“Chorus Maggio Musicale Fiorentino”, Florença, Itália
- Gravação em CD – Walhall, 1955
“Orquestra della RAI di Torino”, direção Mario Rossi
Solistas: Anita Cerquetti (Elena) – Mario Ortica (Arrigo) – Carlo Tagliabue (Guido di Monforte) – Boris Christoff (Giovanni da Procida)
“Coro della RAI di Torino”, Turim, Itália
- Gravação em CD – Nuova Era, 1964
“Teatro dell’Opera di Roma”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Leyla Gencer (Elena) – Gastone Limarilli (Arrigo) – Giangiacomo Guelfi (Guido di Monforte) – Nicola Rossi-Lemeni (Giovanni da Procida)
“Chorus dell’Opera di Roma”, Roma, Itália
- Gravação em CD – MYTO Records, 1970
“Orquestra e Coro do Teatro Alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Renata Scotto (Elena) – Gianni Raimondi (Arrigo) – Piero Capuccilli (Guido di Monforte) – Ruggero Raimondi (Giovanni da Procida)
“Teatro Alla Scala”, Milão, Itália
- Gravação em LP – RCA, 1973
“New Philharmonia Orchestra”, direção James Levine
Solistas: Martina Arroyo (Elena) – Plácido Domingo (Arrigo) – Sherrill Milnes (Guido di Monforte) – Ruggero Raimondi (Giovanni da Procida)
“John Alldis Choir”
Obs: Vigorosa produção, dado nível e empenho do conjunto, entre solistas, direção, coro e orquestra!
- Gravação youtube – MET Opera, 1974
“Metropolitan Opera Chorus and Orchestra”, direção James Levine
Solistas: Montserrat Caballé (Elena) – Nicolai Gedda (Arrigo) – Sherrill Milnes (Guido di Monforte) – Justino Diaz (Giovanni da Procida)
“Metroplitan Opera”, New York, USA
- Gravação em DVD – NVC Arts, Warner, NTSC, 1986
“Orquestra e Coro do Teatro Comunale di Bologna”, direção Riccardo Chailly
Solistas: Susan Dunn (Elena) – Veriano Luchetti (Arrigo) – Leo Nucci (Guido di Monforte) – Bonaldo Giaiotti (Giovanni da Procida)
Direção e produção de Luca Ronconi
“Teatro Comunale”, Bologna, Itália
- Gravação em CD EMI – DVD Naxos, NTSC, 1989
“Orquestra e Coro do Teatro Alla Scala”, direção Riccardo Muti
Solistas: Cheryl Studer (Elena) – Chris Merrit (Arrigo) – Giorgio Zancanarro (Guido di Monforte) – Ferruccio Furlanetto (Giovanni da Procida)
Direção de Christopher Swann e Pier Luigi Pizzi
“Teatro Alla Scala”, Milão, Itália
Obs: Produção completa, com cerca de 3:30hs, com bela atuação de Cheryl Studer.
- Gravação youtube – 1998
“Chor und orchester der Wiener Staatoper”, direção Roberto Abbado
Solistas: Eliane Coelho (Elena) – Johan Botha (Arrigo) – Renato Bruson (Guido di Monforte) – Ferruccio Furlanetto (Giovanni da Procida)
“Wiener Staatoper”, Viena, Austria
Obs: Performance do notável soprano brasileiro, Eliane Coelho, radicada na Áustria e elenco permanente da “Ópera Estatal de Viena”.
- Gravação em DVD – C Major, 2013
“Orquestra e Coro do Teatro Regio di Parma”, direção Massimo Zanetti
Solistas: Daniela Dessi (Elena) – Fabio Armiliato (Arrigo) – Leo Nucci (Guido di Monforte) – Giacomo Prestia (Giovanni da Procida)
Direção de Pier Luigi Pizzi
“Teatro Regio di Parma”, Itália
- Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “I Vespri siciliani”, sugerimos gravação da “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”, direção James Levine, com Martina Arroyo e grandes solistas – RCA de 1973:
Interpretando “Elena”, grande soprano estadunidense, Martina Arroyo, nascida em New York, formação religiosa e moradora do Harlem. Sua família proporcionou ampla educação musical, além da vida cultural nova-iorquina, onde alternava prática coral, na “Hunter College High School”, com atuações na Broadway…
Filha de engenheiro naval portoriquenho, Arroyo formou-se em letras “neolatinas” e trabalhou dois anos, como assistente social, enquanto aprofundava estudo do canto lírico… Entre as primeiras cantoras negras a atuar no MET, junto com Leontyne Price e Grace Bumbry, fez brilhante carreira na Europa e USA… Adquiriu projeção internacional, como soprano principal da “Ópera de Zurique”, 1963, com destaque em “Aída”, de Verdi… E no MET, 1964, quando substituiu Birgit Nilsson…
Convidada frequente de Leonard Bernstein, para 9ª sinfonia, de Beethoven, e concertos de música sacra; incursionou também pela música do sec. XX, com estreias mundiais de “Andromache’s Farewell”, de Samuel Barber; e “Momente”, de Karlheinz Stockhausen; além de gravar repertório barroco – “Sanson”, de Haendel, com Karl Richter… Artista reconhecida, recebeu inúmeras homenagens. Por fim, criou a “Fundação Martina Arroyo”, para formação de cantores…
Reunindo talentos de ator e cantor, o grande tenor, Plácido Domingo, destaca-se em “Arrigo”, nesta desafiante ópera. Nascido em Madrid, ainda jovem mudou-se para o México, onde iniciou carreira, acompanhando os pais, numa companhia de “zarzuelas”. Aos 16 anos, fez teste como barítono, para “Ópera Nacional do México”, e foi-lhe pedido cantar algo mais agudo. Então, foi aceito como tenor na companhia mexicana…
Também formou-se em piano e regência. E a partir dos anos 60, atuou nos USA, destacando-se em “Alfredo”, de “La Traviata”, ao lado do, ninguém menos, soprano Joan Sutherland… E brilhou no “Metropolitan Opera”, de New York…
Em 1985, fez inúmeros concertos beneficentes, pelas vítimas do terremoto que assolou a cidade do México… E notabilizou-se em temporadas na Europa e USA, além de produções para o cinema, música popular e direção de orquestra…
Interpretando “Guy du Montfort”, o carismático Sherrill Milnes, barítono estadunidense, nascido em Downers Grove, Illinois. Família de produtores de leite, desde jovem, alternava as lidas da fazenda, com os estudos musicais. Posteriormente, entre medicina e música, optou pela carreira musical, na expectativa de tornar-se professor. Assim, de início modesto e poucas pretensões, a voz robusta e presença de palco possibilitaram à Milnes brilhar entre os grandes barítonos de sua geração…
Milnes atuou em festejadas casas de ópera e suas qualidades de ator o levaram ao cinema, em “Tosca”, de Puccini… Junto às poderosas vozes de Arroyo, Domingo e Raimondi, além dos solos, compõe belos conjuntos, firmemente alicerçados pela magnífica “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”…
Como “Giovanni da Procida”, o notável barítono italiano, Ruggero Raimondi. Nascido em Bologna, entudou no “Conservatório Giuseppe Verdi”, de Milão, depois, em Roma. “Procida”, um personagem que o acompanhou, com sucesso, desde início da carreira… Muito tímido, para um cantor de ópera, foi estimulado por colegas, diretores e regentes – maestro Molinari-Pradelli percebeu seu potencial, ainda aos 15 anos… Atuou no cinema, com destaque para “Don Giovanni”, de Joseph Losey, 1979…
E o trabalho do inglês John Alldis, especialista em repertório coral, aliado à direção de James Levine, junto à “New Philharmonia Orchestra”, conferem especiais cuidado e energia nesta produção… Levine destacou-se à frente da “Orquestra Sinfônica de Boston” e, sobretudo, da “Metropolitan Opera House”, de New York – atuações amplamente reconhecidas. O grande regente faleceu em 2021…
Por fim, cumprimentamos e aplaudimos a excelente “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”, presentes nesta magnífica gravação, realizando a poderosa música de Verdi!
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – I vespri siciliani (Arroyo, Domingo, Levine, 1973) – mp3
Sugerimos também:
Vídeo youtube – produção “Orquestra e Coro do Teatro Comunale di Bologna”, direção Riccardo Chailly, com Susan Dunn (soprano), Veriano Luchetti (tenor), Leo Nucci (barítono) e Bonaldo Giaiotti (baixo), direção e produção de Luca Ronconi – Itália, 1986:
Vídeo youtube – produção “Orquestra e Coro do Teatro Alla Scala”, direção Riccardo Muti, Cheryl Studer (soprano), Chris Merrit (tenor), Giorgio Zancanarro (barítono), Ferruccio Furlanetto (baixo), direção de Christopher Swann e Pier Luigi Pizzi – Milão, Itália, 1989 (clique aqui para abrir o link no YouTube)
Capa DVD “Teatro alla Scala” – Milão, Itália, 1989.
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“Entusiasmo de John Alldis, diretor inglês, à frente do ‘PQP Bach Choir’…”
Alex DeLarge