Março de 1853, público veneziano assistiria criação impar do repertório operístico. Mas, no lugar do arrebatamento de “Rigoletto” ou da impetuosidade de “Il Trovatore”, Verdi abordava a delicadeza dos afetos. Em “La Traviata”, tal como “Luisa Miller”, temática e música se voltariam ao intimismo e à vida burguesa…
E o amor de um jovem estudante seria dedicado a uma cortesã, acossada pela tuberculose e pela morte… Personagem central, Violetta experimentaria tal pureza de sentimentos, diferenciados da diversão, dos jogos de sedução e vida mundana da alta sociedade parisiense. Sentimentos que ressignificavam sua existência, pela simplicidade, dedicação e ternura de um jovem, em derradeira homenagem à mulher que abrira mão do amor…
A música pontuará tais sentimentos, de carinho e devoção, oferecendo, à personagem moribunda, apaziguamento final – afirmação do amor romântico, eternamente possível… Assim, Violetta resgatava o amor poético que abandonara, quem sabe, impossível, em troca do luxo e liberdade que conquistara… Do amor proibido à mulher mundana e solitária, mas que a reencontrava…
Também valores burgueses estarão presentes, diante do envolvimento de Alfredo. Quem sabe, fantasia juvenil a comprometer futuro pessoal e projeção de abastada família… Paixão incompatível a de respeitável cidadão, quando haviam regras a seguir, que permitiam transitar entre a família, a sociedade e os cabarés de luxo – com a devida discrição e típicos cinismos, a equilibrarem relações sociais e familiares…
Libreto, porém, não intensificará o que poderia tornar-se dramático conflito – caso da persistência e determinação dos amantes. A doença de Violetta impedia tais desdobramentos… Assim, desenlace será de lamento e consternação… De consolo diante da morte, em comovente abordagem da condição feminina. “La Traviata” representa delicada joia na dramaturgia verdiana…
Motivações
Durante a composição de “Il Trovatore”, o libretista Salvatore Cammarano resistia na adaptação da peça do espanhol Antonio Gutiérrez. Em tais circunstâncias, Verdi cogitou mudar a temática para o romance “Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas, filho, que considerava “simples e comovente”... Cammarano via trama e personagens de Gutiérrez demasiado inverossímeis, enquanto Verdi, inúmeras possibilidades cênicas e dramáticas… Por fim, entenderam-se e o libretista, gradualmente, mergulhou no trabalho…
Verdi, todavia, não abandonou ideia de musicar “Dama das Camélias”. Em período que esteve em Paris, com Giuseppina Strepponi, assistiu a peça de Dumas, filho, no “Theatre de Vaudeville”, início de 1852… Quando viria saber as razões da lentidão de Cammarano. O poeta napolitano encontrava-se gravemente doente e, para grande tristeza, viria a falecer, deixando incompleto o libreto de “Il Trovatore”…
Solidário à família, Verdi cumpriu integralmente compromissos contratuais, mais complemento financeiro, em demonstração de afeto e reconhecimento ao poeta, que trabalhara também com Donizetti e Mercadante… E concluiu libreto com o jovem Leone Emanuele Bardare… Da parceria com Cammarano resultaram quatro óperas: “Alzira”, “La battaglia di Legnano”, “Luisa Miller” e “Il Trovatore”…
No retorno à “Sant’Agata”, março/1852, quando ainda trabalhava em “Il Trovatore”, Verdi recebeu convites de Milão, Veneza e Bologna… E concordou em compor uma ópera para o teatro “La Fenice”, de Veneza, que resultaria em “La Traviata”, com libreto de Francesco Piave…
E ao contrário da complexa elaboração de “Il Trovatore”, “La Traviata” fluiu sem contratempos, sendo realizada, praticamente, em dois meses. Até estreia de “Il Trovatore”, em Roma, janeiro/1853, muito pouco da nova ópera estava escrito, embora firmada parceria com Piave… Programada para março/1853, o libretista veneziano instalou-se em “Sant’Agata” para acelerar composição e eventuais adaptações do texto…
Piave era colaborador afável e flexível, pronto a reelaborar versos, cenas e situações dramáticas – ao sabor do processo criativo de Verdi, nem sempre cordial quando absorvido no trabalho… E foi libretista que mais colaborou com Verdi, em cerca de 10 óperas, nos libretos de “Ernani”, “I due Foscari”, “Macbeth”, “Il Corsaro”, “Stiffelio”, “Rigoletto”, “La Traviata”, “Simon Boccanegra”, “Aroldo” e “La forza del Destino”…
“La Traviata” se tornou especial homenagem à feminilidade, ao derradeiro amor de uma bela e experiente mulher, afamada cortesã, através da paixão de um jovem estudante de direito… O drama se desenvolve entre o amor, renúncia e doença de Violetta; a dedicação e revolta de Alfredo; em contrapontos à objeção familiar, pela dissuasão do romance…
Período “entre guerras” e temática burguesa
Dado a longevidade, Verdi testemunhou e participou de inúmeros eventos. Quando residia em Paris, mobilizou-se durante a “1ª guerra de independência” e festejou as façanhas do “Levante de Milão”, 1848. Intercedeu por apoio junto ao governo francês, embora, sem sucesso. E estreou “La battaglia di Legnano” em plena Roma ocupada, 1849, durante a efêmera república proclamada pelas forças de Mazzini e Garibaldi; depois repelidas por nações europeias, a pedido do Papa. Por fim, celebraria a monarquia italiana, 1861, sendo nomeado senador, por Vitor Emanuelle, em 1874…
Com sua música e ativismo, Verdi tornou-se figura simbólica da unificação, junto com Garibaldi e Mazzini – “os três Giuseppes”. Mas, a partir de “Luisa Miller”, dezembro de 1849, iniciava nova fase, espécie de produção “entre guerras”, abordando a literatura pré-romântica, de Schiller e do “sturm und drang” (“tempestade e ímpeto”); depois, do romantismo francês, com Émile Souvestre e Victor Hugo – adentrando temáticas líricas e burguesas…
A década de 50 marcaria, sobretudo, reorganização, econômica e militar, do “Risorgimento”, sob liderança da Sardenha-Piemonte, de Cavour e Vitor Emanuelle… Apaziguamento revolucionário, que, no caso de Verdi, resultaria em sucessão de obras-primas. Após “Luisa Miller” e “Stiffelio”, viriam “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviatta”, formando célebre trilogia, seguidas de “I Vespri Siciliani”, “Aroldo”, “Simon Boccanegra” e “Ballo Maschera”…
Apenas em 1859, então com apoio da França, o “Risorgimento” empreenderia nova e bem sucedida campanha – “2ª guerra de independência”… Lombardia, Sicilia e Nápoles seriam libertadas. E a cada conquista, massiva adesão popular, consolidando ideia de nação. Em 1861, Vítor Emanuelle proclamou a “Monarquia Italiana”, com capital em Turim, depois Florença, 1865… E a unificação se estenderia até a libertação do Vêneto, 1868, com apoio da Prússia; e depois, Roma, 1870… Cerca de dez anos de lutas!
Música em “La Traviata”
Décima nona ópera – considerando “Jerusalém, rifacimento de I Lombardi”, “La Traviata” se caracteriza pelo fluente melodismo. Com amplo domínio da tradição, Verdi cogitava maior continuidade da música, a fim de evitar demasiadas interrupções do fluxo dramático – dos chamados números, o que conseguiu parcialmente…
Curiosamente, algo original e contemporâneo à concepção do “drama musical” wagneriano… No entanto, Verdi encontrou caminho flexibilizando a forma, buscando concisão e readequando cenas e ritmo dramático. Também expressivo e discreto uso de “leimotivs”… Tais adaptações permitiam maior fluência e lirismo musical – o progressismo verdiano!…
Neste período, então exilado na Suíça, Wagner iniciava composições do ciclo “Anel do Nibelungo”, 1851, e “Tristão e Isolda”, 1857, explorando os limites da tonalidade e propondo “sprechgesange” (canto declamado) a substituir a ópera por números… A década de 1850, portanto, ensejou concepções musicais e dramáticas que marcaram final do séc. XIX e início do séc. XX. E ambos, Verdi e Wagner, seriam referenciais…
A música em “La traviata” oferece melodismo transbordante. Também concisão dos recitativos. E além dos expressivos prelúdios orquestrais, os coros, de grande beleza e vigor, enriquecem cenas de salão e urbanas… Nesta fase, movido por outras abordagens, Verdi distanciava-se do caráter patriótico e do cantar da liberdade, protagonizados, sobretudo, pelos coros, em “Nabucco”, “I Lombardi” e outras, então associadas à unificação italiana. E tal como em “Luísa Miller”, buscava o lirismo, no lugar do épico…
Estreia em Veneza e contratempos
A medida que se aproximava a estreia, Verdi preocupava-se com o elenco, sobretudo, com a “prima donna”… Verdi desejava um soprano lírico jovem, bela aparência e que transmitisse paixão. Temia pelo fracasso da estreia… Piave, por sua vez, estava incumbido, pelo teatro, a convencer Verdi, que Fanny Salvini-Donatelli, contratada na temporada, seria escolha adequada… Ao que Verdi, francamente, se opôs… Fanny não preenchia nenhuma das expectativas. E sugeriu Rosina Penco, da estreia de “Il Trovatore”… Piave respondeu ao teatro, alegando “mau humor infernal do maestro, devido à sua indisposição, mas, muito provavelmente, porque não tinha fé na companhia”…
Verdi chegou em Veneza duas semanas antes da estreia, em 21/02. Concluiu orquestração, para estreia dia 06/03/1853, e congratulou-se com nível e empenho da orquestra. Mas, estreia realizou-se com Fanny Salvini-Donatelli… Em bilhete enviado à Emanuele Muzio, seu assistente, disse: “Caro Emanuele, ‘La Traviata’ na noite passada – um fiasco. Minha culpa, ou dos cantores? o tempo dirá…”
“Gazzetta Privilegiata di Venezia” publicou: “primeira noite, um fracasso. No entanto, a desprezada Fanny Donatelli salvou o 1° ato e tinha ‘parte do leão’ a cantar… Estrago maior foi no 2° Ato, protagonizado pelas vozes masculinas, tenor e barítono. Por fim, no 3° Ato, a plateia não resistiu à robusta Donatelli encenar mulher que morria de tuberculose. O riso contagiou os presentes…”
A crítica, no entanto, reconheceu qualidades na ópera, atribuindo fracasso à performance, não ao drama ou à música… E Verdi fora chamado diversas vezes ao palco. Um dos motivos para escolha do tema foi sua contemporaneidade. A ópera abordava personagens da vida moderna, suas vestes e ambientes de época. No entanto, diretores do “La Fenice”, com receio do tema, optaram por figurinos do séc. XVIII, da era Luís XIV…
Apesar do fracasso, vieram convites de Gênova e do teatro “San Carlo”, de Nápoles. E Verdi ironizou ao amigo Cesare de Sanctis: “Ah, então gostaram da minha ‘Traviata’, aquela pobre pecadora, que teve tão pouca sorte em Veneza. Um dia, o mundo lhe fará justiça! Mas, não em Nápoles, onde padres ficariam horrorizados ao verem, no palco, o que fazem na calada da noite…”
Verdi, cauteloso, só admitiria nova produção com elenco que julgasse adequado… E “La Traviata” voltaria ao palco em Veneza, no teatro “San Benedetto”, menos afamado que “La Fenice”, a convite de Antonio Gallo – com mesmos cenários e figurinos, mas novo elenco… Verdi concordou, reviu alguns números e fez ajustes nas tessituras vocais – a música, basicamente, permanecia inalterada…
“La Traviata” voltou à cena em 06/05/1854, com Maria Spezia, soprano, Francesco Landi, tenor, e Filippo Coletti, barítono, que haviam atuado em “Alzira” e “I Masnadieri”. Verdi estava em Paris – convite do “Opéra” que resultaria em “I Vespri Siciliani”, ficando entusiasmado com o sucesso e almejado reconhecimento – uma ópera em que acreditava!
“Dama das Camélias”
Diz o narrador em “Dama da camélias”: “para muitos talvez pareça ridículo, mas tenho inesgotável indulgência pelas cortesãs. E nem me dou ao trabalho de discutir…”
E assim, abordou o tema das cortesãs, cujas decadência e mortes, após vida turbulenta, eram esquecidas por seus amantes. Em sensível relato, o amante de Marguerite Gautier, o jovem Armand Duval, que sofreu imensamente sua morte, reflete sobre a fragilidade que tais escolhas traziam a estas mulheres…
Também preocupavam o autor: a escolha do tema, recorrente na literatura francesa, abordado por Victor Hugo, Musset e Alexandre Dumas, pai; e supostas apologias ao vício e à prostituição, por enfatizar a humanidade do personagem, no lugar de tratá-lo, vulgarmente, com desprezo e preconceito… Por fim, o romance surpreendeu e obteve grande sucesso…
Em relato piedoso, Armand Duval lembra trajetória da jovem até tornar-se cortesã, o que, praticamente, lhe absolvia de quaisquer faltas… Da vida de desamparo, privações e doenças; e por fim, a sobrevivência e a prostituição… E traz citação bíblica: “Tudo será perdoado àquele que muito amou”…
“Dama das Camélias” apresenta mulher generosa, distanciada da vulgaridade e do embrutecimento, muitas vezes, presentes em vidas semelhantes – meios inescapáveis de resistir e sobreviver…
A relação com Armand a resgatava de um mundo vazio em afetos. De toda gama de carências, descobria carinho e dedicação. Mas, apesar da sinceridade de tais sentimentos, era atraída por amor proibido, que confrontava sua condição à família do amante. Sobretudo, com o pai, apelando à mulher experiente, a fim de convencê-la de tal impossibilidade. Marguerite sabia das regras, do que renunciara quando entregou-se à prostituição; sabia das mazelas e da hipocrisia; e como a sociedade se conduzia em tais papeis…
Na Paris do sec. XIX, diria Marguerite: “Se aquelas que ingressam em tão vergonhoso ofício soubessem, prefeririam ser camareiras. Mas não… A vaidade de ter vestidos, carruagens e diamantes nos arrasta; acreditamos no que ouvimos, pois a prostituição tem sua fé. No entanto, pouco a pouco, corrói nossos coração, corpo e beleza… (Se pelo que sabemos) somos temidas como feras selvagens, também somos desprezadas como párias; muito mais cercadas pelos que nos tomam, do que pelos que nos dão… Por fim, morremos como cães abandonados, depois de perdermos os outros e a nós mesmas…”
Assim, emergiam as cruéis ambiguidades do ofício, das expectativas de sucesso frente à renúncia e às frustrações; do luxo e satisfação da vaidade diante da melancolia e do arrependimento… Marguerite admitia não passar de uma mulher perdida e pede à Armand que se reconcilie com a família: “Volte para seu pai, meu amigo… Olhe por sua irmã, moça pura, que ignora nossas misérias. Volte para aqueles que logo esquecerão o que lhe fez esta moça da vida…”
Em outros momentos, sonhava, quem sabe, iludia-se, ao planejar “desfazer-se da imagem de cortesã, também do luxo que a cercava e dedicar-se ao jovem amante”. Mas logo sentia-se reduzida à simples mercadoria, pelo que oferecia como cortesã; trazida à realidade pelo pai de Armand, evocando valores que os distanciavam. Também advertindo-a da ingênua paixão do filho – sentimento ocasional, transitório…
Restava a morte, quem sabe, oportuna e libertadora, redentora e purificadora, visto que em vida sua condição era irreversível… Assolada por tais conflitos, a relação com Armand tornava-se impossível. Embora fosse autêntico seu amor, impunha-se a renúncia, a privação de quaisquer prazeres, não fossem do luxo e da distração – espécie de condenação existencial em meio à riqueza e o conforto… Morta para tais sentimentos, no entanto, ainda cultivava empatia e bondade, “nem sempre presentes entre aqueles, ditos de moral impoluta”…
Em comovente relato, de lamento e compaixão, virtudes eram pontuadas… Marguerite era vítima de suas escolhas, de suas origens e contingências… Portanto, à margem, perdida para outras possibilidades de felicidade… Mas, sensível em meio à rejeição e ao desprezo, revelava dignidade, ainda presente em vidas corrompidas e conflitadas….
Por fim, o romance remetia ao jogo social, do cinismo e promíscua cumplicidade entre o moral e o imoral, dos desejos e seus subterfúgios, aparentemente contraditórios, mas complementares – tão escancaradamente presentes nos tecidos sociais… Assim, vícios e prostituição, ditos imorais, estavam imbricados, entrelaçados aos comportamentos, ditos virtuosos, em permeável interação…
Reafirmando-se “popular jargão”… Desde tempos imemoriais, a prostituição persistia, alcançando todas as camadas sociais, tão intensos e inevitáveis seus apelos… E afora o lirismo, presente nos temas da solidão e do amor romântico, ao longo do tempo, cortesãs também exerceram influências política e nos costumes. E tais capacidades de sedução e encantamento, além dos mais caros presentes, aproximaram-nas intimamente do poder, quem sabe, mais do que de seus amantes…
Em trajetórias tão peculiares, entre o conforto e o luxo, a decadência e a miséria, nos reportamos, novamente, ao narrador: “talvez pareça ridículo, mas tenho inesgotável indulgência pelas cortesãs…” Quem sabe, inesgotável indulgência pelas misérias humanas… Onde o poder que oferece regalias, esconde imprevisibilidade; então, exercido com rigor, até crueldade, tal a ambição e volatilidade dos privilégios – e assim, assentando direitos e valores…
E ao oprimido, suficientemente resistente e sem perspectivas, restava submeter-se, até humilhar-se, pela ideologia que lhe impunha aceitar, como inexorável realidade, sua condição… E se, por vezes, lhe fosse permitido transitar e usufruir de luxo e outras benesses, então, em troca de especiais talento ou beleza…
Em tais contextos, a burguesia, tão desprezada, quanto temida, ascendia e se consolidava; enquanto os pobres e miseráveis seguiam à margem, abandonados… Numa sociedade hierarquizada, mas suscetível à transversalidade dos afetos e da sexualidade… E curiosamente, o romance remetia ao ano de 1848, chamado “primavera dos Povos”, dos movimentos anarquistas e comunistas, de um lado; e liberais, de outro…
Assim, neste espectro social e econômico, através dos interesses de classe, determinavam-se o aceitável e o inaceitável; e, por vezes, o trágico… Tal como do amor entre Luísa e Rodolfo, em “Luísa Miller”; ou de Violetta e Alfredo, em “La Traviata” – do amor que não transige, eternizando-se na morte…
Marie Duplessis
Nascida na extrema pobreza, Alphonsine Rose Plessis, filha de camponês alcoólatra, após morte da mãe, foi levada à Paris, ainda analfabeta, aos 14 anos… Desde a origem humilde, em meio ao desamparo e à violência, até a notoriedade, ocorreria trajetória meteórica… Em Paris, Alphonsine encontrou protetores, encantados com suas beleza e perspicácia… Então, aprendeu a ler e escrever, além de cursar aulas de música, dança e etiqueta…
Percebendo atração que exercia, passou a frequentar salões aristocráticos e literários, tornando-se amante do conde Ferdinand Monguyon. Então, adotou o nome Marie Duplessis… Outro amante foi o jovem Agénor de Guiche, futuro duque de Gramont – relação fortemente contestada pelo pai de Agénor, que tornou-se mote de “La Traviata”…
Em suas experiências, rapidamente, Marie assimilou modos elegantes e passava a frequentar a ópera – buscava conhecimento, aliando charme, sensibilidade e inteligência. Para uma menina, alfabetizada aos 15 anos, descortinou-se percurso inimaginável, da pobreza absoluta até as elites e à vida cultural parisiense…
Atraente e discreta, a jovem cortesã teve amantes que lhe proporcionaram luxo e conforto. Em Paris, sua casa reunia admiradores, entre aristocratas e artistas. Além de Dumas, filho, teve um caso com o músico Franz Liszt… E da paixão com o romancista, a quem confidenciou experiências pessoais, resultou “Dama das Camélias”… Por fim, vítima da tuberculose, Marie Duplessis morreu aos 23 anos…
Alexandre Dumas, filho
Apesar da rigidez, a moral burguesa escondia permissividade e jogo de aparências. Firmemente alicerçada no cinismo e na hipocrisia, tornara-se objeto dos dramaturgos e fascínio dos comediantes. Alexandre Dumas era filho ilegítimo de Dumas, pai, com uma costureira, Marie-Catherine Labay. Em 1831, o pai reconheceu e ganhou a guarda do filho, assegurando-lhe cuidadosa educação, nas instituições “Goubaux” e “Bourbon”, além de introduzi-lo na sociedade, cafés e saraus parisienses…
As leis, à época, permitiam aos pais, facilmente, obterem a guarda dos filhos – dolorosa perda para Marie-Catherine. O afastamento e sofrimento da mãe, possivelmente, atraíram Duma, filho, para trágica condição feminina, despertando compaixão e especial sentimento moral. Em sua trajetória, além do estigma da ilegitimidade, se depararia com racismo. Dumas, filho, era mestiço, tinha traços negroides da bisavó haitiana e, inevitavelmente, foi hostilizado pelos colegas de internato…
Tais experiências marcaram seus pensamento, comportamento e literatura. Em “O filho Natural”, 1858, defendeu casamento obrigatório para aqueles que tivessem “filhos ilegítimos”… E “Dama das Camélias” se tornaria dos maiores sucessos da literatura francesa, séc. XIX – chamado “século de ouro” do romance europeu… Escrito a partir de relacionamento pessoal com afamada cortesã parisiense, Marie Duplessis, que durou três anos, 1842/45. Em 1847, Marie viria falecer, abalando profundamente o escritor. E em 1848, surgiria o romance…
Ao contrário do pai, Dumas, filho, recebeu inúmeras homenagens, ingressou na “Académie Française” e foi agraciado com a “Légion d’Honneur”. E apesar do imenso sucesso de público, Dumas, pai, geralmente, era menosprezado nos círculos acadêmicos, por produzir literatura de caráter “leve e entretenimento”…
O êxito de “Dama das Camélias” e sua adaptação teatral garantiram rendimentos até a morte do escritor, permitindo-lhe escrever ensaios e engajar-se nas defesas da igualdade de gênero e do divórcio…Embora imbuído de particular sentimento moral, seguiu os passos do pai e costumes de época, com inúmeros casos amorosos… Em 1864, dezessete anos após a morte de Marie Duplessis, se casaria com a princesa Nadeja Naryschkine e teria uma filha. E mais tarde, viúvo, com Henriette Régnier, 40 anos mais jovem…
Como escritor, igualou-se ao pai em prestígio internacional… E após sucesso de “Dama das Camélias”, escreveu outros 12 romances e peças teatrais, entre “O amigo das mulheres”, “Processo Clemenceau”, “Francillon”, “As idéias de Mme. Aubray” e outras. Nos últimos anos, cuidava dos filhos e mantinha discreta participação política. Morreu aos 65 anos, 1895, em Marly-le-Roy, França – depois trasladado para “Cimetière de Montmartre”, Paris…
Em viagem à Paris, 1852, Verdi e Giuseppina assistiram adaptação teatral de “Dama das Camélias”, no “Theatre de Vaudeville”. Verdi já conhecia o romance e havia sugerido, anteriormente, ao libretista Salvatore Cammarano. Mas, para atender o teatro “La Fenice”, de Veneza, propôs à Francesco Piave, elaboração do libreto…
Cortesãs europeias
A atuação das cortesãs está imbricada à história humana, em todos os níveis sociais… Na Europa, a partir dos séc. XVI, algumas desfrutaram de grande prestígio, fortuna e influência, não raro, associando charme e beleza à cultura, sensibilidade e sagacidade política. Também viveram a decadência e o passar dos anos, a melancolia e a solidão…
Mas, seguindo a linha da prudência de Dumas, filho, de não ensejar apologia da prostituição ou de qualquer natureza, dado a complexidade do tema, entre as maiores cortesãs europeias estava o desejo de libertação de determinadas condições. Trajetórias, por vezes, malogradas e trágicos finais… Ainda assim, revelavam-se mulheres desafiadoras, sedutoras e influentes…
Ser cortesã implicava, além do prestígio e do luxo, particular interação social e política… Portanto, não se limitavam a estrita venda do corpo, mas um privilégio àqueles com quem mantinham amizade, fruto dos talentos intelectuais e particular percepção do mundo… Muitas renunciaram à tradição e à moralidade para se libertarem da opressão, da violência e do que lhes parecia indigno: ser mulher… Outras, por mera sobrevivência, quem sabe, no extremo do rebaixamento social… Portanto, escolhas plenas de contradições e conflitos…
O termo cortesã, desde o Renascimento, adquiriu dois sentidos, empregado tanto para a nobreza, quanto para a mulher que ascendia socialmente através da prostituição… Também diferenciava-se, sobejamente, da prostituta popular, que era pobre, se oferecia na rua ou no bordel, atendia muitos clientes e era explorada por um “cáften”; enquanto a cortesã era rica, independente e atendia elites econômicas e políticas… Em geral, ambas tinham origem humilde ou na pequena burguesia…
A prostituta rica ou “cortesã”, por ofício e vida social, apresentava-se luxuosamente e confundia-se com mulheres da aristocracia. Também seduzia pela cultura e trato refinado… Algumas adquiriram patrimônio e títulos de nobreza, tamanha admiração de seus amantes…
Veronica Franco
Em Veneza, séc. XVI, viveu Veronica Franco – “rainha das cortesãs”, que além da beleza, destacava-se pela cultura, visões do mundo renascentista e do direito das mulheres. Jacopo Comim – chamado “Tintoretto” – frequentou o salão de Veronica e a retratou… Cansada de ser espancada, a jovem de 18 anos, com filho no colo, pediu o dote e abandonou o marido, para tornar-se mais prestigiada “cortigiani oneste” entre os canais de Veneza…
“Cortigiani oneste” tinham privilégio de escolher seus amantes. Mulheres que combinavam meretrício com ampla cultura, oferecendo companhia e sofisticada conversação, além de sexo… Em Veneza, haviam mais de três mil prostitutas registradas e cerca de 200 “cortigiani oneste”… Veronica herdou o ofício da mãe, Paola Fracassa, que abandonara a prostituição para casar-se. Mas, ao ficar viúva, retornou. Após frustração no casamento, a filha também optou pela prostituição… Ambas constam da edição de “Tariffa delle puttani”, de 1572, entre as mais prestigiadas de Veneza, com respectivos preços…
Bela, delicada e culta, Verônica adentrou os salões venezianos. Em 1574, a senhoria da república de Veneza solicitou-lhe companhia à Henrique de Valois, futuro rei de França, para estreitar laços políticos. Conta-se, o futuro Henrique III preferia a companhia de rapazes, vestidos de mulher. As habilidades de Veronica, no entanto, criaram noite aprazível, satisfazendo os desejos do futuro rei – e a aliança franco-veneziana seguiu a contento…
Também destacou-se como poetisa, em “Terze rime”, validada por Domenico Venieri, poeta que depois a difamou… Veronica envolveu-se com Marco, sobrinho de Domenico, que tornou-se grande amor em sua vida… Também sua casa tornou-se um ateneu, reunindo intelectuais e artistas, além de concertos e discussões filosóficas… O célebre Michel de Montaigne frequentou o salão, onde recebeu peculiar presente: “Lettere familiari e diversi” (“Cartas íntimas e variadas”), que reunia correspondência de Veronica com personalidades de época – testemunho único de usos e costumes, da Veneza do séc. XVI…
Por fim, denunciada ao “santo ofício”, por desatenção à religião e feitiçaria, foi julgada e presa. Mais tarde, absolvida, graças ao relacionamento com hierarcas da cúria de Veneza, mas processo marcou seu declínio e significativa perda de bens. Retirada em sua mansão, propôs, às autoridades venezianas, albergue para cortesãs doentes e idosas, onde também se ensinasse ofício àquelas que desejassem mudar de vida… Faleceu em 1591, aos 45 anos…
Ninon de Lenclos
Extremamente culta, a cortesã francesa mudou os costumes dos séc. XVII e XVIII. Escritora e patronesse das artes, Anne de l’Enclos ou Ninon de Lenclos, orfã de mãe, aos 15 anos, decidiu entrar para o convento. Passado um ano, desistiu da vida religiosa, mas a experiência lhe inspirou ser livre, solteira e independente…
Então, passou a frequentar salões, onde se cultivasse poesia e literatura. E decidiu seguir a vida de cortesã, por rejeitar, totalmente, a ideia do casamento. Ninon teve inúmeros amantes, entre eles, o primo, rei Luís II de Bourbon; o nobre Gaston de Coligny; e o duque de La Rochefoucauld… Para Lenclos, independente da classe social, maridos eram infiéis e violentos; e as mulheres, legalmente, desprotegidas contra abusos…
De fato, Ninon foi mulher independente, não propriamente uma cortesã. Era auto suficiente financeiramente e escolhia seus amantes. Como a descreveu Saint-Simon: “Tinha muitos adoradores, mas sempre um amante. E quando se cansava, o abandonava com toda franqueza”… Teve um filho, com o marquês de Villarceuax… E quando rompeu, enviou ao triste marquês, mecha de seus cabelos. Com os cabelos curtos criou novo penteado, que virou moda em Paris – corte “à la Ninon”…
Opiniões relativas à religião, somadas à fama de cortesã, levaram-na à prisão por ordem da rainha Anna da Áustria, mãe de Luís XIV. Foi libertada por iniciativa de Cristina, da Suécia, que apelou ao cardeal Mazarin. Livre, Ninon escreveu “La coquette vengée”, onde refletia, provocativamente, que todos poderiam ser felizes, mesmo sem religião…
Algumas frases: “Para fazer amor é preciso mais espírito do que comandar um exército”… “Reduzir a mulher ao papel de objeto sexual é excluí-la da prática de sua integridade, da qual é perfeitamente capaz”… “Homens, muitas vezes, são derrotados pela falta de jeito, mais do que pela virtude das mulheres”…
De natureza educadora, abriu “escola de galanteria” que virou moda em Paris. E dirigida à jovens aristocratas, abrangia: psicologia das mulheres; cuidados particulares com a amante ou a esposa; técnicas de cortejar e seduzir; métodos para encerrar relações; além de curso avançado sobre fisiologia do sexo…
Adentrando os 40 anos, priorizou a literatura. De espírito mordaz e agudo senso comercial, criou “salão Ninon”, em Paris, que reunia artistas e intelectuais. Tornou-se símbolo da mulher culta, livre e independente. E dizia o duque de Saint-Simon: “Ninon fazia amigos em todas as esferas da vida, com particular habilidade para mantê-los próximos e, ao mesmo tempo, cordiais entre si…”
Parte de sua fortuna deixou para o filho do contador, criança que julgava especialmente talentosa. Se chamava François Marie Arouet e viria tornar-se o célebre Voltaire… Faleceu em 1705, aos 89 anos…
“Madame de Pompadour”
Entre as mais prestigiadas cortesãs francesas, encontra-se Jeanne-Antoinette Poisson, “Marquesa de Pompadour”. Se ter amante era demonstração de virilidade para um monarca, ser amante do rei de França, uma honraria… Assim, a mãe de Pompadour esforçou-se para dar à filha “educação de uma cortesã superior”…
Jeanne-Antoinette era ainda criança, quando Luís XV reinava, então, casado com a polaca Maria Leczinska… Longa trajetória, portanto, aguardava a futura “Madame de Pompadour” até convívio com máximo poder, em França… E Pompadour influenciaria fortemente a política francesa…
Com origem na burguesia, o pai, François Poisson, trabalhava em empresa de suprimentos do exército. E parte da educação de Jeanne-Antoinette foi estimulada por rico viúvo, Charles Tournehem, proporcionando-lhe aulas de dança, “clavicêmbalo” e declamação… Aos 15 anos, havia consenso e desejo, na menina, de tornar-se cortesã… E à medida que amadurecia, tornava-se jovem deslumbrante – em formas, estatura, olhos brilhantes, pele macia e belos dentes, uma raridade à época…
Passando a frequentar os círculos parisienses, conheceu Charles-Guillaume Le Normant d’Etioles, banqueiro e sobrinho de Tournehem, com quem viria casar-se. Suspeita-se que Tournehem tenha arranjado a aproximação… E o jovem casal instalou-se nos arredores de Paris, onde Jeanne-Antoinette ficou conhecida como Madame d’Etioles… O casamento lhe proporcionou convívio com a nobreza, quando as mulheres usavam coches e os homens praticavam caça à raposa…
A proximidade do castelo de Choisy, de Luís XV, possibilitava cruzar com a comitiva real… E, finalmente, Madame d’Etioles chamou atenção do rei… Luís XV, após dez anos de casamento e dez filhos, passara a procurar amantes… E após falecimento de Marie-Anne, duquesa de Châteauroux, estava livre a vaga de “maîtresse déclarée” (“amante declarada”). Assim, abriu-se caminho… E a partir de 1745, com 24 anos, Madame d’Etioles frequentava bailes e era citada, pelo cronista da corte, como nova conquista de Luís XV…
A jovem cortesã ganhou suíte no esplendoroso palácio de Versalhes, próxima aos “petites cabinets”, de uso exclusivo do rei… E embora houvesse distância imensa entre a aristocracia e a burguesia, o cronista Luynes registrava paixão mutua entre Luís XV e Madame d’Etioles… De outro, se a França estava em guerra contra Áustria e Grã-Bretanha, aproximação pessoal com Luís XV muito interessava à fornecedores do exército, então, protetores de Jeanne-Antoinette… E tratou-se da separação com Le Normant d’Etioles…
Para assegurar presença na corte, Luís XV providenciou título de nobreza à jovem. Assim, aos 24 anos, a monarquia francesa nomeava Jeanne-Antoinette – “Marquesa de Pompadour, proprietária de terras, ainda com posse indefinida”… E enquanto era rejeitada entre os nobres, pela origem burguesa, empenhava-se em aprender regras de protocolo e etiqueta…
E conquistou ilustre amigo: Voltaire. Os filósofos iluministas, embora pregassem reformas, eram bem recebidos nas cortes. E Voltaire frequentou tanto a corte francesa, quanto a prussiana, de Frederico II – dos chamados déspotas esclarecidos, que admiravam a intelectualidade, embora não acreditassem que tais ideias pudessem mudar a Europa…
Apoiada por Luís XV, Pompadour promoveu artistas como Quentin Delatour e François Boucher, que a retrataram, além de construir, restaurar e decorar palácios. Investiu e negociou com burgueses ricos, interessados em projeção social, além de recuperar fábrica de porcelana de Vincennes, transferindo-a para Sèvres; por fim, estimulou edição da “Encyclopédie” e pesquisas de Buffon e Helvetius…
Arguta e ambiciosa, à medida que conhecia a nobreza, ampliava espaço. Pedidos e favorecimentos passavam por ela, dado a influência sobre Luís XV – espécie de ministra de estado… Entre seus opositores estava o duque de Richelieu, que almejava ser primeiro-ministro. Percebendo tais aspirações, Pompadour afastou-o da corte. E à medida que firmava ascendência junto ao rei, aumentava participação no governo – além de amante, tornava-se amiga e conselheira de Luís XV, que passara a confiar nela, ou mesmo, confiar a ela decisões…
E, naturalmente, Pompadour poderia falhar. E falhou… Assim, ao aproximar-se da rainha Maria Tereza, da Áustria, influiu na assinatura do “Tratado de Versalhes”, de 1756, que pactuava França e Áustria em caso de defesa, o que levou Luís XV à desastrosa “Guerra dos 7 anos”, contra a Prússia. Além da derrota, França cedeu aos britânicos, aliados dos prussianos, parte das colônias na América e na Índia…
A flagrante derrota a abalou, pessoal e politicamente, além da morte da filha, Alexandrine. Mas, a amizade de Luís XV permaneceu – por cerca de 19 anos, até sua saúde fragilizar-se… A “maîtresse déclarée” contraiu tuberculose, vindo a falecer em 1763, aos 42 anos… Em seus últimos dias, reconciliou-se com a Igreja e deixou parte dos bens a uma “vidente”, que teria previsto sua trajetória…
Cora Pearl
Por fim, uma celebridade em Paris, nos anos 1860. Nascida na Inglaterra, Emma Crouch tornou-se Cora Pearl, após sofrer estupro, aos 15 anos… Filha de um celista e compositor de época, Frederick Crouch, que abandonou a família para emigrar aos USA, deixando 15 filhos… A mãe, abandonada, casou novamente, mas Emma rejeitou o padrasto. Então, foi enviada para internato na França e quando retornou à Londres, passou a morar com os avós… Neste período, aos 15 anos, trabalhava como assistente de modista, quando foi embriagada, estuprada e deixada num quarto de hotel… Quando acordou, traumatizada, decidiu morar sozinha e mudou identidade – para Cora Pearl…
Em viagem à Paris, Cora apaixonou-se pela cultura e vitalidade da capital francesa… E soube que a prostituição era liberada, desde que registrada e feitos exames periódicos. Muito charmosa e corpo escultural, passou a atrair homens, preferencialmente, da aristocracia… Assim, tornou-se amante do duque de Rivoli; do príncipe William, da casa de Orange, da Holanda; e do príncipe Achille Murat, sobrinho neto de Napoleão Bonaparte…
Amante duradouro, no entanto, foi Napoleão-Jérôme Bonaparte, primo de Napoleão III, que lhe presenteou com joias, casas e pequeno palácio – “Les petites Tuileries”. Muito popular, tornou-se referência de moda, pela ousadia no vestuário, maquiagem e cabelos coloridos… No auge da fama, possuía três casas, estábulo com 60 cavalos e muitos empregados…
Após a guerra franco-prussiana, houve mudança de costumes na sociedade francesa, tornando-se mais conservadora. Os amantes, gradualmente, afastaram-se e, finalmente, ocorreu um escândalo – “L’affair Duval”. Um jovem, em desespero, suicidou-se na presença de Cora Pearl, por ela rejeitá-lo, sistematicamente… Cora acabou expulsa do país e exilou-se em Monte Carlo, onde publicou autobiografia, não sem antes chantagear, financeiramente, seus ex-amantes… Morreu em 1886, aos 50 anos…
Libreto e sinopse de “La Traviata”
Ambientado na revolução de 1848, em Paris, “Dama das Camélias” – referência à flor preferida do personagem, trata de famosa cortesã, Marguerite Gautier, e sua relação com estudante de direito, Armand Duval, de aristocrática família… Marguerite alternava entre “camélias brancas e vermelhas”, de acordo com disponibilidade para vida social. O romance aborda conflito entre amor de ambos e posição social de Armand. Também impossibilidade do jovem, sem apoio familiar, oferecer conforto e luxo a que Marguerite se habituara…
Personagens vivem intensa paixão, mas Marguerite tem consciência de sua condição e doença… De outro, os amantes sofrem dura oposição do pai de Armand. Marguerite reflete sobre o amor e as renúncias que fez, ao tornar-se cortesã. E Armand revolta-se. Finalmente, a relação é atingida pela morte de Marguerite… Na ópera, romance de Dumas, filho, foi adaptado por Francesco Piave, habitual colaborador de Verdi, e nomes substituídos para “Violetta Valéry” e “Alfredo Germont”…
Sinopse
Ação ocorre em Paris, França, sec. XIX.
- Personagens: Violetta Valéry, cortesã parisiense (soprano); Alfredo Germont, jovem estudante de direito (tenor); Giorgio Germont, pai de Alfredo (barítono); Gastone de Létorières, amigo de Violetta (tenor); Barão Douphol, pretendente de Violetta (barítono) ; Flora Bervoix, amiga de Violetta (soprano); Aninna, empregada de Violetta (soprano); Marquês d’Obigny (baixo); Dr. Grenvil (baixo); Giuseppe, servo de Violetta (tenor); servo de Flora (tenor); comissionário (baixo);
- Coros: Aristocratas, convidados, amigos e empregados de Violetta.
- Ballet: Cena dos ciganos e toureiros, animando uma festa.
Ópera inicia com “Prelúdio” orquestral
1° Ato – Salão na casa de Violetta Valéry
Após belo e sentimental prelúdio orquestral, cena abre com uma festa na residência de Violetta Valéry, prestigiada cortesã parisiense. Entre os convidados e animada música, Violetta conclama: “Flora, amici, la notte che resta d’altre gioje qui fate brillar… Frale tazze più viva è la festa!” (“Flora, amigos, à noite que resta, que brilhem outras alegrias… Em meio as taças, mais vibrante é a festa!”)… Como anfitriã, Violetta se esforçava para motivar os convidados, mas encontrava-se debilitada…
Entra Gastone, amigo de Violetta, e apresenta Alfredo Germont, há muito, apaixonado por Violetta… Gastone canta “Ecco un altro che molto v’onora. Pochi amichi a lui similisono…” (“Aqui está outro que te admira. Poucos amigos são como ele…”) e Violetta responde “Mio Visconte mercè di tal dono” (Meu visconde, grata por esta presença”)… E antes do jantar, convidados propõem um brinde. Alfredo canta o amor sincero e Violetta o amor livre, no célebre conjunto “Libiamo, libiamo ne’ lieti calici, che la bellezza infiora” (“Libertemos os felizes cálices, que se adornam de beleza”)… “Godiam la tazza e il cantico” (“Gozemos as taças e o canto”). Violeta canta “La vita è nel tripudio” (“Vida é voluptuosidade!”) e Alfredo responde “Quando non s’ami ancora” (“Quando não conhecemos o amor”)…
Então, ouve-se música em outro salão. Perguntam os convidados “Che è ciò?” e Violetta responde “Non gradireste ora le danze?” (“Vocês não gostariam de dançar agora?”). E iniciam uma valsa!… Mas, Violetta sente um mal estar… Alfredo aproxima-se, “V’ucciderete aver v’è d’uopo cura” (“Acabareis por te matar”)… “Dell’esser vostro” (“Deverias te cuidar”)… “Se mia foste, custode io veglierei pe’vostri” (“Se fosses minha, eu te cuidaria”), ao que Violetta responde “Che dite? Cura di me?…” (“Que dizes? Você se importa comigo?…”). Alfredo canta “Perchè nessuno al mondo v’ama”… “Tranne sol io!” (“Porque ninguém te ama neste mundo… como eu!”)…
E iniciam célebre duetto “Un dì felice” (“Um dia feliz”). Alfredo declara seu amor e Violetta responde não haver espaço, em sua vida, para tal sentimento… Despedem-se, mas Violetta oferece uma “camélia” à Alfredo, pedindo-lhe que volte quando a flor murchar, o que significava vê-la no dia seguinte… Alfredo canta “Io son felice! Oh, quanto v’amo!” (“Eu sou feliz! Oh, quanto te amo!”)…
Neste duetto, ocorre tema recorrente – “leitmotiv”, que reaparecerá na ária “Ah, fors’è lui che anima”; e ao final da ópera, como reminiscência para declamação. Os versos dizem: “Di quell’amor, ch’è palpito dell’universo intero… Misterioso, altero… Croce e delizia al cor…” (“Do amor, que pulsa do universo inteiro… Misterioso e soberano… Cruz e delícia do coração…”)
Então, convidados se retiram, “Si ridesta in ciel l’aurora, e n’è forza di partir. Merce’ a voi, gentil signora…” (“Aurora nasce e não temos forças para partir… Obrigado, gentil senhora…”). E Violetta, sozinha, ficou dividida em suas emoções. Tem sua vida e liberdade, mas encontro com Alfredo a perturbou, despertou-lhe o amor…
E canta grande ária, “tour de force” do repertório de soprano, que inicia na cavatina “Ah, fors’è lui che anima”(“Ah, talvez, ele me encante”…), seguida da cabaletta “Sempre libera degg’io folleggiar di gioia in gioia” (“Sempre livre para a alegria”), e no recitativo, reflete: “È strano! è strano! in core scolpiti ho quegli accenti! Saria per me sventura un serio amore? Che risolvi, o turbata anima mia? Null’uomo ancora t’accendeva… O gioia, ch’io non conobbi… Essere amata amando!” (“Estranho! Meu coração trepida! O amor seria uma desgraça, para mim?… Nenhum homem despertou isto… Oh, alegria que não conhecia, ser amada, também amando!”)… A grande ária encerra o 1° Ato…
2° Ato
Cena 1 – Casa de campo de Violetta Valéry, nos arredores de Paris
Violetta e Alfredo encontram-se numa casa de campo. Após “Allegro vivace”, em breve introdução orquestral, Alfredo, exultante, canta sua paixão, na ária “De’ miei bollenti spiriti. Il giovanile ardore, ella temprò col placido. Sorriso dell’amore!” (Do meu caloroso espírito, um ardor juvenil. E ela, com plácido sorriso de amor!”)… Mas, através de Annina, secretária de Violetta, Alfredo toma conhecimento da venda da propriedade. E na cabaletta, “O mio rimorso! O infamia. E vissi in tale errore?” (Oh, remorso. Oh, infâmia, tenho vivido este engano?), percebe que não tinha meios de manter o padrão de vida de Violetta… E viaja à Paris, na busca de recursos, a fim de evitar que Violetta se desfizesse dos bens…
Após partida de Alfredo, Violetta está à espera de interessados na propriedade… E recebe visita de Giorgio Germont, pai de Alfredo. Tema melódico austero, nas cordas, anuncia a chegada… Ambos se apresentam e Giorgio, angustiado, dispara: “Sì, dell’incauto, che a ruina corre, ammaliato da voi” (“Sim, sou pai do incauto que corre para ruína, encantado por você”)… Violetta responde “Donna son io, signore, ed in mia casa” (“Senhor, sou uma senhora e estou em minha casa”)…
Em grande cena, Violetta fala dos sentimentos por Alfredo e expõe porque se desfazia dos bens… Grosseiro, Giorgio à ofende: “D’ogni vostro avere or volete spogliarvi?… Ah, il passato perchè, perchè v’accusa?” (“Desfazer-se de todas as posses? Ah, o passado te acusa?”). Violetta responde “Più non esiste or amo Alfredo. E Dio lo cancellò col pentimento mio”) (“Não existe mais passado porque agora amo Alfredo. Deus me absolveu com meu arrependimento”)…
Giorgio canta “Nobili sensi invero!” (“Nobres sentimentos”) e Violettta responde “Oh, come dolce mi suona il vostro accento!” (“Oh, como soam doces estas palavras!”). No entanto, dramaticidade se intensifica, quando Giorgio propõe, “Ed a tai sensi, un sacrificio chieggo” (“E a tais sentimentos, um sacrifício peço”). Violetta, apreensiva, responde “Ah, no, tacete. Terribil cosa chiedereste certo!” (“Ah, cala-te. Vens pedir algo terrível!”). Giorgio expõe, “D’Alfredo il padre la sorte, l’avvenir domanda or qui De’ suoi due figli” (“Pai de Alfredo lhe pede pelo futuro de seus dois filhos”). E Violetta indaga, “Di due figli?”… Giorgio responde que noivado de sua filha será desfeito, se perdurar a relação entre Violetta e Alfredo…
“Recitativo accompagnato” evolui para “arioso” e Giorgio canta, “Sì, pura siccome un angelo, Iddio mi diè una figlia” (“Sim, pura como um anjo, Deus me deu uma filha”). Violetta interpreta como afastar-se um tempo, até que se realize o casamento… Mas, Giorgio retifica, “Pur non basta”… E Violetta exclama, “Volete che per sempre a lui rinunzi?” (“Pede que renuncie para sempre?”). Giorgio responde “È d’uopo!” (“É necessário!”)… E a música agita-se, pontuando indignação de Violetta, “Ah no, giammai! Non sapete quale affetto vivo, immenso m’arda in petto?” (“Ah não, jamais! Não sabes do afeto que sinto, imenso ardor no peito?”). Violetta fala de tudo que perdeu, da solidão e da doença que a consome… E ainda lhe pedem que se afaste de Alfredo… Em pungente momento, canta “Ch’io mi separi da Alfredo? Ah, il supplizio è si spietato, Che morir preferirò!” (“Que eu me afaste de Alfredo? Ah, tal suplício é demais, prefiro morrer!”)…
Giorgio, pensando nos filhos, valores burgueses, honras pessoal e familiar, insiste: “È grave il sacrifizio, ma pur tranquilla udite” (“É grande o sacrifício, mas deves escutar com calma”), ao que Violetta reage, “Ah, più non dite, v’intendo m’è impossibile” (“Ah, cala-te, te entendo, mas é impossível”). Então, Giorgio torna-se mordaz e ironiza: “Como quiera, pero el hombre es voluble…” (“Como queira, mas o homem é volúvel…”), insinuando ser fantasia transitória a paixão do filho… Violetta responde, “Gran Dio!”… E iniciam maravilhoso, mas doloroso duetto, “Un dì, quando le veneri Il tempo avrà fugate…” (“Um dia, quando tua beleza tiver passado…”)
Violetta se fragiliza com os argumentos, em “Così alla misera ch’è un dì caduta, di più risorgere speranza è muta!” (“Para a desgraçada que se perdeu, se nega toda esperança de redenção!”). E chorando, canta: “Dite alla giovine sì bella e pura, ch’avvi una vittima della sventura. Cui resta un unico raggio di bene, che a lei il sacrifica e che morrà! ” (“Diga à jovem, tão bela e pura, que existe uma vítima de infortúnio, da qual resta um raio de bondade e que, por ela, se sacrificará e morrerá…”). Ao que Giorgio responde, percebendo sinceridade nos sentimentos de Violetta, mas sem transigir: “Sì, piangi, o misera supremo, il veggo, è il sacrificio ch’ora io ti chieggo. Sento nell’anima già le tue pene; coraggio e il nobile cor vincerà” (“Sim, chore, oh, miserável suprema, entendo sacrifício que agora vos peço… Sinto suas dores em minha alma; a coragem e o nobre coração vencerão”)…
Sem interrupção do drama, duetto apresenta sucessão de estados emotivos. E ao renunciar à Alfredo, Violetta canta, “Qual figlia m’abbracciate forte, così sarò” (“Abrace-me, como uma filha”). Giorgio e Violetta se abraçam… Então, Giorgio a valoriza: “Generosa! e per voi che far poss’io?” (“Generosa! Que posso fazer por você?”). Violetta suplica, “Morrò! la mia memoria, non fia ch’ei maledica. Se le mie pene orribili, vi sia chi almen gli dica” (“Morro, mas não permitas que amaldiçoem minha memória. Que alguém relate, ao menos, meus horríveis sofrimentos”)…
Atendido em suas expectativas, Giorgio conforta Violetta, em “No, generosa, vivere e lieta voi dovrete. Merce’ di queste lagrime, dal cielo un giorno avrete” (Não, mulher generosa, viva e seja feliz. O céu, um dia, recompensará suas lágrimas”)… “Premiato il sacrifizio sarà del vostro amor” (“O sacrifício de seu amor, lhe será reconhecido”)… Ambos se despedem e Giorgio se retira, encerrando sensível momento do drama…
Solitária, Violetta suplica em “Dammi tu forza, o cielo!”… Então, chama Annina, sua secretária, e entrega correspondência. Violetta aceita convite para uma festa, que antes rejeitara… Annina se retira e Violetta, desolada, tenta redigir carta à Alfredo… Um lamento, em solo de clarineta, pontua a cena, até a chegada de Alfredo, que indaga o que fazia… Para quem escrevia… Alfredo recebera severa carta e estava aguardando chegada de Giorgio, seu pai… Violetta não mostra a carta, dissimula, mas acaba chorando… Cena se agita até culminar em pungente apelo: “Amami, Alfredo, quant’io t’amo!” (“Ama-me Alfredo, tanto quanto te amo!”) – momento de grande emotividade de “La Traviata”! Então, Violetta deixa a cena…
Sozinho, Alfredo aguarda Giorgio, “È tardi: ed oggi forse più non verrà mio padre” (“É tarde, talvez meu pai não venha hoje…”). Entra Giuseppe e avisa que Violetta partira para Paris, às pressas… Annina a acompanhou. Alfredo acredita que viajara em função da venda dos bens… Mas, chega mensageiro e entrega carta de Violetta. Alfredo irrita-se profundamente e, à chegada de Giorgio, abraça, desolado, seu pai…
Giorgio acolhe, em “Mio figlio! Oh, quanto soffri! Tergi, ah, tergi il pianto. Ritorna di tuo padre orgoglio e vanto” (“Meu filho! Oh, quanto sofri! Ah, enxugue as lágrimas. Volte a ser o orgulho de teu pai”). E procura consolar Alfredo, em “Di Provenza il mar, il suol, chi dal cor ti cancello?” (“Como se apagou, em teu coração, terra e mar de Provenza?”) – célebre solo de barítono…
Mas, descontrolado, Alfredo quer vingança da suposta traição… Giorgio reage, em “Dunque invano trovato t’avrò? Un padre ed una suora t’affretta a consolar” (Assim, te encontrei em vão?… Um pai e uma irmã estão prontos a te consolar!…). Mas, inconsolável, Alfredo desconfia do Barão Douphol, antigo pretendente de Violetta. E ao tomar conhecimento que Violetta fora a uma festa, prepara sua vendeta, “Ah! ell’è alla festa! volisi L’offesa a vendicar!” (Ah, ela foi a uma festa! Irei vingar tal ofensa!)…. Encerrando Cena 1 do 2° Ato…
Cena 2 – No palácio de Flora
Cena abre em “Allegro brillante” na orquestra. Prepara-se uma festa com muitos convidados. Flora canta “Avrem lieta di maschere la notte” (“Máscaras animarão a festa!”). Violetta e Alfredo estavam convidados, mas Marquês d’Obigny informa que haviam se separado e que Violetta virá com o Barão Douphol… E todos cantam “Giungono gli amici!” (“Chegaram nossos amigos!”) e iniciam a festa!
Em lúdico momento, damas disfarçadas de ciganas entram, em belo coro feminino, “Noi siamo zingarelle”. Após, entram Gastone e outros disfarçados de toureiros, no vigoroso coro masculino “Di Madride noi siam mattadori” (“Somos toureiros de Madrid”). Homens tiram as máscaras e Alfredo adentra o salão. Flora pergunta por Violetta e Alfredo responde “Non ne so…” (“Não sei…”)
Violetta entra, acompanhada do Barão Douphol, e se surpreende: “Ah, perchè venni, incauta! Pietà di me, gran Dio!…” (“Ah, porque veio, imprudente! Tenha pena de mim, senhor!…”). Alfredo e outros iniciam jogo de cartas. Alfredo está com sorte, “Oh, vincerò stasera; e l’oro guadagnato poscia a goder tra’ campi ritornerò beato” (“Ganharei esta noite e voltarei a gozar, feliz, no campo”). Flora pergunta: “Solo?”. E Alfredo responde: “No, no, con tale che vi fu meco ancor, poi mi sfuggia” (“Não, irei com a mesma que estava comigo e me deixou…”). E Violetta reage: “Mio Dio!”…
Jogo segue e apostas aumentam. Alfredo segue ganhando. E Flora comenta: “Del villeggiar la spesa farà il baron, già il vedo” (“Pelo que vejo, barão pagará por suas férias…”). Além dos contendores, demais convidados assistem e vibram a cada lance… Então, Violetta chama Alfredo… E o alerta do perigo em desafiar o Barão. Alfredo ignora, mas percebe preocupação: “La mia morte! Che ven cale?” (“Minha morte, acaso te importa?”)… Violetta responde: “Va, sciagurato. Scorda un nome ch’è infamato… Di fuggirti un giuramento sacro io feci!” (“Parte, miserável. Esqueça um nome que é infame. Para afastar-me de ti fiz juramento sagrado!”)…
Surpreso, Alfredo indaga “E chi potea?” (“E quem poderia pedir-te?). Violetta responde “Chi diritto pien ne avea” (“Quem de maior direito tem”). Alfredo pergunta, “Douphol?”… E Violetta, com enorme esforço, mente, “Si…”. Alfredo, indignado, convoca a todos: “Ogni suo aver tal femmina per amor mio sperdea. Io cieco, vile, misero, tutto accettar potea. Ma è tempo ancora! tergermi Da tanta macchia bramo…” (“Tudo que esta mulher tinha, dilapidou por amor a mim. Eu, cego, vil, mísero, tudo aceitei. Mas, em tempo, quero lavar esta mancha”) e arremessa com desprezo, sobre Violetta, saco com dinheiro que ganhara no jogo… Atônita e humilhada, Violetta desmaia!…
Neste momento, entra Giorgio Germont e assiste os presentes defenderem a honra de Violetta, em “Oh, infamia orribile!… Un cor sensibile così uccidesti! Di donne ignobile Insultator. Di qui allontanati, Ne desti orror!” (“Oh, infâmia horrível! Um coração sensível tens assassinado! Ignóbil difamador de mulheres. Afasta-te daqui. Nos causas horror!)… Cena desenvolve-se em grande “concertato”… Giorgio não reconhece o filho em tamanha revolta e canta “Di sprezzo degno se stesso rende. Dov’è mio figlio? più non lo vedo…” (“Ele se faz digno de desprezo. Onde está meu filho? Não o vejo mais…”). Mas, segue, “Io so che l’ama, che gli è fedele, eppur, crudele, tacer dovrò!” (“Sei que a ama e que lhe é fiel, mas em momento tão cruel, devo me calar”)…
Alfredo lamenta, “Ah sì che feci! ne sento orrore… Dall’ira spinto son qui venuto! Or che lo sdegno ho disfogato, Me sciagurato! Rimorso n’ho” (“Assim agi e sinto horror… Impulsionado pela raiva… Agora, que extravasei minha indignação, desgraçado de mim! Não tenho remorso!”). Violetta responde, “Alfredo, Alfredo, di questo core, non puoi comprendere tutto l’amore… Ma verrà giorno in che il saprai… Dio dai rimorsi ti salvi allora… Io spenta ancora, pur t’amerò” (Alfredo, deste coração não compreendes todo amor… Mas chegará o dia em que saberás… Deus te livre do remorso, então… Estarei ausente, mas te amarei!”)…
Em defesa da honra de Violetta, Barão Douphol desafia Alfredo a um duelo… E todos cantam por Violetta, “Ah, quanto peni!… Qui soffre ognuno del tuo dolore… Fra cari amici qui sei soltanto, rasciuga il pianto che t’inondò!” (“Ah, quanto sofres!… E sofremos juntos tua dor… Estás rodeada de amigos, enxuga o pranto que te inunda!)… Em grandioso e comovente “concertato” conclui-se 2° Ato …
3° Ato – Quarto na casa de Violetta Valéry
Cena abre com delicado e sensível “Prelúdio” orquestral, que remete à solidão e à agonia, quem sabe, à consternação e à despedida… O canto estará imerso nesta melodia dolente, sobretudo, das cordas… Num quarto, Violetta encontra-se muito debilitada. Fala com Annina, que anuncia o Dr. Grenvil, um bom amigo… Tenta levantar-se, mas está muito fraca. Dr. Grenvil ajuda a recompor-se no leito… E faz prognóstico otimista, mas Violetta entende como “mentira piedosa”…
Violetta declama carta que recebeu de Giorgio Germont: “Teneste la promessa; la disfida Ebbe luogo! il barone fu ferito, però migliora; Alfredo è in stranio suolo; il vostro sacrifizio, Io stesso gli ho svelato; Egli a voi tornerà pel suo perdono; Curatevi meritate un avvenir migliore” (“Você manteve a promessa; o duelo aconteceu. Barão foi ferido, mas passa bem; Alfredo está em solo estrangeiro; Vosso sacrifício foi, por mim, revelado; Alfredo retornará para pedir perdão: cuide-se, você merece futuro melhor”) – “leitmotiv”, em pianíssimo na orquestra, pontua declamação com o tema “Di quell’amor, ch’è palpito”…
À espera da morte, Violetta reflete sobre sua aparência; do quanto a vida mudou e as experiências que teve; do quanto o médico tentava animá-la… Também pede perdão à Deus, por suas culpas e desventuras… Lamenta ausência e amor de Alfredo, a apoiar e consolar-lhe a alma cansada… Debilitada, despede-se da vida na ária “Addio, del passato bei sogni ridenti…” (“Adeus, doces recordações do passado…”) – nesta ária, o canto é adornado por tênue lamento do oboé, em contraponto “obligato”…
Mas, Paris está em festa. Celebrações pagãs são ouvidas nas ruas, contrastando com a dor, a doença, solidão e agonia de Violetta. Fora de cena, ouve-se o “Coro das máscaras”, que canta “Largo al quadrupede, sir della festa. Di fiori e pampini, cinto la testa… Abbia il saluto, Parigini, date passo al trionfo del Bue grasso…” (“Abram caminho ao quadrúpede, senhor da festa. Com folhas e flores, enfeitemos a cabeça… Façam uma saudação, parisienses, deem passagem ao triunfo do boi gordo…”). Ironicamente, ou em sua homenagem, a morte de Violetta ocorria em meio à grande alvoroço – danças, fantasias e alegria…
E Annina traz uma surpresa, em “D’esser calma promettete?… Una gioia improvvisa” (“Prometa manter a calma, senhora?… uma alegria repentina…”). Ao que Violetta exclama: “Alfredo!… Amado Alfredo!”… Alfredo entra: “Mia Violetta! Colpevol sono… so tutto, o cara” (“Minha Violetta!… Sou o culpado, sei de tudo, querida”)… E Violetta, “Io so che alfine reso mi sei!” (“Apenas sei que estás comigo!”). A euforia do reencontro prepara belo duetto, onde Alfredo afirma sua esperança, “Parigi, o cara/o noi lasceremo, La vita uniti trascorreremo” (“Deixemos Paris, querida. Aproveitemos a vida”). E juntos, alternam desejos, em “De’ corsi affanni compenso avrai, la mia/tua salute rifiorirà… Sospiro e luce tu mi sarai, Tutto il futuro ne arriderà!” (“As penas passadas serão recompensadas, a minha/tua saúde reflorescerá… Suspiro e luz você será para mim. E o futuro sorrirá!”)…
Mas, Violetta se resigna, “Ah, non più, a un tempio, Alfredo, andiamo, del tuo ritorno grazie rendiamo” (Ah, não mais, Alfredo. Vamos ao templo agradecer teu retorno”)… Alfredo perturba-se, “Tu impallidisci…” (“Estás pálida…”) e Violetta, “È nulla, sai! Gioia improvvisa non entra mai senza turbarlo in mesto core…” (“Não é nada! Alegria repentina acelerou meu coração…”). Alfredo exclama “Ahi, cruda sorte!”… (“Ah, destino cruel!”)…
Segue “cabaletta” e Violetta canta “Gran Dio! non posso!”… “Gran Dio! morir sì giovane, Io che penato ho tanto!” (Grande Deus! Não posso!… Grande Deus! Morrer tão jovem, depois de tanto sofrer!”)… Alfredo responde, “Oh, mio sospiro, oh palpito, diletto del cor mio!”… (“Ah! Meu sospiro, ah, dileta de meu coração!”)… “Tutto alla speranza… Violetta mia, deh, calmati, m’uccide il tuo dolor…” (“Ah! muita esperança… Minha Violetta, ah, calma, tua dor me mata…”). E Violetta responde, “Alfredo! oh, il crudo termine serbato al nostro amor!” (“Alfredo! Oh, cruel desfecho aguarda nosso amor!”)…
Em comovedor final, entra Giorgio Germont… Surpresa, Violetta canta “Non mi scordaste?” (“Não me esqueceste, senhor?”). E Giorgio responde, “La promessa adempio, a stringervi qual figlia vengo”) (“Promessa que cumpro, para te abraçar como filha”). Canta Alfredo, “La vedi, padre mio?”… ao que Giorgio responde, “Di più non lacerarmi… troppo rimorso l’alma mi divora” (“Não me tortures mais… tanto remorso devora minha alma…”)
Violetta pede à Alfredo, “Più a me t’appressa ascolta, amato Alfredo…” (“Mais perto de mim te escuto, amado Alfredo…”) Música adquire caráter dolente e fúnebre, em solene “Andante sostenuto”… Canta Violetta, “Prendi: quest’è l’immagine de’ miei passati giorni” (“Pega, este é um retrato de dias passados”). Alfredo responde, “No, non morrai, non dirmelo… Dei viver, amor mio!” (“Não, não morrerás, não diga isto… Tens que viver, meu amor!”). E Germont pede perdão, “Cara, sublime vittima d’un disperato amore, perdonami lo strazio recato al tuo bel core…” (Querida, sublime vítima de um amor desesperado, perdoa a dor que a teu coração causei…”)
Em “dolce cantabile”, Violetta deseja, à Alfredo, sorte no amor, “Se una pudica vergine, degli anni suoi nel fiore, a te donasse il core, sposa ti sia lo vo” (“Se mulher honesta, na flor da idade, um dia, te entregar o coração, faça-a tua esposa. É meu desejo”). Novas reminiscências melódicas – leitmotiv “Di quell’amor ch’è palpito” – evocam momentos passados entre Violetta e Alfredo… Violeta delira, “È strano!… Gli spasmi del dolore. In me rinasce… m’agita insolito vigore!… Ah! io ritorno a vivere!… Oh gioia!” (“Estranho!… Cessaram as dores. Em mim renasce… me agita insólito vigor!… Ah! torno a viver!… Oh, alegria!”). Mas, subitamente, volta o mal estar, então, desfalece e cai… Violetta agonizava!…
Todos exclamam, “O cielo! muor!…” (“Oh, céus! Está morrendo!…”). Alfredo grita dolorosamente, “Violetta!!”… Germont exorta, “Oh, Dio! soccorrasi…” (“Oh, Deus! Ajude-se…”). E Dr. Grenvil lamenta: “È spenta!…” (“Está morta!…”). Todos lamentam: “Oh, mio dolor!!…”
– Cai o pano –
“La Traviata” tem sido interpretada por todas as grandes divas. E vem sendo montada, ininterruptamente, desde a estreia, em Veneza, 06/03/1853… Aos 40 anos, com “Rigoletto” e “Il Trovatore”, Verdi formava trilogia magnífica, que o elevou no cenário romântico europeu… E até os 80 anos, seriam mais 40 anos de profícua atividade e outras obras primas, com “Aída”, o monumental “Réquiem”, “Otelo” e “Falstaff”… O mestre italiano, falecido aos 88 anos, 1901, tornou-se autor de óperas mais encenado no mundo…
Após estreia, no teatro “La Fenice”, “La Traviata” obteve sucesso no teatro “San Benedetto”, de Veneza, 1854, e imediatamente montada em diversos teatros europeus e americanos… No “Teatro Lyrico Fluminense”, Rio de Janeiro, 1855; “Her Majesty’s Theatre”, Londres, 1856; Théâtre Italien”, Paris, 1856; “Academy of Music”, Nova York, 1856; “Covent Garden”, Londres, 1858; “Metropolitan Opera”, Nova York, 1883; “Opéra”, de Paris, 1886; e muitas se seguiram…
No Rio Janeiro, “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75, montou “La Traviata”, em 1855, um ano após sucesso no teatro “San Benedetto”… Antes mesmo das estreias em Paris, Londres e Nova York… Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, 1852, “Attila” e “Luisa Miller”, 1853; “Il Trovatore”, 1854, “Rigoletto”, 1856, e “Giovana D’Arco”, 1860… Posteriormente, seria demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…
Além do romance, também adaptação teatral de “Dama das Camélias” foi grande sucesso em Paris, Londres e nos teatros da “Broadway”, New York, final do séc. XIX… No Brasil, Sarah Bernhardt estreou a peça, com Don Pedro II na plateia… E ao longo do sec. XX, diversas produções cinematográficas, tanto do romance, quanto da ópera de Verdi… “Margarite Gautier” tornou-se personagem almejado por grandes atrizes, como Greta Garbo e Vivien Leigh… E cerca de doze filmes foram produzidos, entre 1906 e 1980, seguindo-se adaptações para “rádio e televisão”…
- Gravações de “La Traviata”
Apesar do fracasso na estreia, “La Traviata”, rapidamente, ganhou os palcos do mundo, tornando-se das mais populares óperas de todos os tempos. Foi imensamente gravada, de modo que apresentamos lista sucinta em CDs e DVDs:
- Gravação em áudio – CD Naxos, gravação de 1928
“Orchestra and Chorus of La Scala”, direção Lorenzo Molajoli
Solistas: Mercedes Capsir (Violetta) – Lionello Cecil (Alfredo) – Carlo Galeffi (Giorgio Germont)
“Teatro alla Scala”, Milão, Itália
- Gravação em áudio – LP EMI, 1952
“Orchestra Sinfonica di Milano della RAI”, direção Carlo Maria Giulini
Solistas: Renata Tebaldi (Violetta) – Giacinto Prandelli (Alfredo) – Gino Orlandini (Giorgio Germont)
“Chorus della RAI”, direção Roberto Benaglio
“Teatro alla Scala”, Milão, Itália
- Gravação em áudio – LP Melodram / CD Walhall, 1957
“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção Fausto Cleva
Solistas: Renata Tebaldi (Violetta) – Giuseppe Campora (Alfredo) – Leonard Warren (Giorgio Germont)
New York, USA
- Gravação em áudio – LP EMI Classics, 1958
“Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional São Carlos”, direção Franco Ghione
Solistas: Maria Callas (Violetta) – Alfredo Kraus (Alfredo) – Mario Sereni (Giorgio Germont)
“Coro do Teatro São Carlos”, Lisboa, Portugal
- Gravação em áudio – LP/CD Decca, 1963
“Orchestra e Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção John Pritchard
Solistas: Joan Sutherland (Violetta) – Carlo Bergonzi (Alfredo) – Robert Merrill (Giorgio Germont)
Florença, Itália
- Gravação em áudio – LP RCA Victor – CD Sony classical, 1967
“RCA Italiann Opera Orchestra”, direção George Prêtre
Solistas: Montserrat Caballe (Violetta) – Carlo Bergonzi (Alfredo) – Sherrill Milnes (Giorgio Germont)
“Chorus della RAI”, direção Nino Antonellini
“Teatro alla Sacala”, Milão, Itália
- Filme em DVD – VAI, 1968
“Orchestra and Chorus of the Roma Opera House”, direção Giuseppe Patanè
Solistas: Anna Moffo (Violetta) – Franco Bonisoli (Alfredo) – Gino Bechi (Giorgio Germont)
Direção de cena e produção, Mario Lanfranchi
Itália, 1968
- Gravação em áudio – LP EMI, 1971
“Royal Philharmonic Orchestra”, direção Aldo Ceccato
Solistas: Beverly Sills (Violetta) – Nicolai Gedda (Alfredo) – Rolando Panerai (Giorgio Germont)
“The Aldis Choir”, direção John Aldis,
“All Saint’s Church”, Tooting, Inglaterra
Obs: Acompanhada de grande elenco, destaca-se, nesta gravação, o excelente soprano coloratura Beverly Sills.
- Gravação em áudio – LP Deutsche Grammophon, 1977
“Bayerischer Staatsorchester”, direção Carlos Kleiber
Solistas: Lleana Cotrubas (Violetta) – Placido Domingo (Alfredo) – Sherrill Milnes (Giorgio Germont)
“Bayerischer Staatsopernchor “, direção Wolfgang Baumgart
Munique, Alemanha
- Gravação em áudio – LP EMI-Odeon, 1982
“Philharmonia Orchestra”, direção Riccardo Muti
Solistas: Renata Scotto (Violetta) – Alfredo Kraus (Alfredo) – Renato Bruson (Giorgio Germont)
“Ambrosian Opera Chorus”, direção John McCarth
- Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 1982
“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção James Levine
Solistas: Teresa Stratas (Violetta) – Plácido Domingo (Alfredo) – Cornell MacNeill (Giorgio Germont)
Direção cênica e produção Franco Zeffirelli
Obs: Célebre produção para o cinema, dos anos 80. Franco Zeffirelli, além de cineasta, destacou-se também como diretor de teatro e ópera.
- Gravação em DVD – Kultur, 2005
“Orquestra e Coro do Teatro La Fenice”, direção Carlo Rizzi
Solistas: Edita Gruberova (Violetta) – Neil Shikoff (Alfredo) – Giorgio Zancanaro (Giorgio Germont)
Dançarinos do “Balleto di Toscana”
“Gran Teatro La Fenice”, Veneza, Itália
- Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 2006
“Wienwer Philharmoniker”, direção Carlo Rizzi
Solistas: Anna Netrebko (Violetta) – Rolando Villanzón (Alfredo) – Thomas Hampson (Giorgio Germont)
“Wiener Staatopernchor”, direção Rupert Huber
Viena, Áustria
Obs: Interessante e inovadora produção, substituindo montagem de época com cenários e figurinos modernos.
- Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 2016
“NDR Radiophilharmonie”, direção Keri-Lynn Wilson
Solistas: Marina Rebeka (Violetta) – Francesco Demuro (Alfredo) – Thomas Hampson (Giorgio Germont)
Coros: “Mädchenchor Hannover”; “Johannes-Brahms-Chor Hannover”; “Mitglieder des Chores der Staatsoper Hannover”
“Maschpark”, Hannover, Alemanha
Obs: Produção em forma de concerto, utilizando entorno do palco, ao “ar livre”, com excelente resultado…
- Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “La Traviata”, homenageamos dois grandes sopranos:
– Joan Sutherland e “Orchestra e Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção John Pritchard, 1963 – gravação em áudio…
Vencedora de concurso lírico na Austrália, a jovem Joan Sutherland viajou à Londres para seguir estudos na “Opera School of the Royal College of Music”, onde conheceu e casou-se com Richard Bonynge, pianista e regente. E juntos, trilharam brilhante carreira musical… Em 1960, gravou “The Art of the Prima Donna”, que lhe rendeu um “Grammy Award”, pelo selo Decca, de 1963. Apresentou-se em todos os grandes teatros do mundo, com prestigiados regentes e solistas…
A exemplo de Maria Callas, empenhou-se no resgate de repertório, há muito, abandonado pelos teatros líricos… Nesta produção, Joan Sutherland divide o palco com os excelentes Carlo Bergonzi (Alfredo) e Robert Merrill (Giogio Germont). Conhecida como “La stupenda”, encontrava-se na plenitude vocal – cor, dinâmica, extensão e coloratura. Também destacam-se o belo trabalho do coro, orquestra e direção de John Pritchard…
– Maria Callas e “Orquestra Sinfônica e Coro do Teatro Nacional São Carlos”, direção Franco Ghione, Lisboa, Portugal, 1958 – gravação em áudio…
Nascida em Nova York, USA, María Kekilía Sofía Kalogerópulu, era filha de imigrantes gregos. Dificuldades financeiras, no entanto, forçaram sua mãe retornar à Grécia, onde iniciou estudos musicais no conservatório de Atenas… Destacou-se a partir de 1948, na interpretação de “Norma”, de Bellini… E a década de 50 marcou seus apogeu e intensa agenda. Reduzindo compromissos, a partir dos anos 60, foi estimulada pelo amigo e cineasta, Franco Zeffirelli, retomar carreira, quando realizou 2° Ato de “Tosca”, de Puccini…
Mas, instabilidade emocional a fragilizou, levando abandonar atividades, sobretudo, em meio de expressão tão sensível, como a voz humana. A partir de 1975, com a morte de Aristóteles Onassis, amigos, novamente, tentaram reanimá-la. No entanto, sua última gravação, de 1977, limitou-se à registo do verso “Deh! non m’abbandonar”, da ária “Madre, pietosa vergine”, da “Forza del Destino”, de Verdi. Viria falecer no mesmo ano, de 1977…
Referência entre as interpretações de Maria Callas, a produção do “Teatro São Carlos”, de Lisboa, além da grande diva, apresenta as vozes de Alfredo Kraus (Alfredo) e Mario Sereni (Giorgio Germont). Este ano, de 2023, marca cem anos do nascimento da artista, a quem homenageamos. Conhecida como “La divina”, Callas empenhou-se em colocar a técnica vocal à serviço do drama e dos personagens. Também destacam-se, nesta gravação, o trabalho do coro, orquestra e direção de Franco Ghione…
Sugerimos também:
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- Vídeo youtube – produção do “NDR Radiophilharmonie”, direção Keri-Lynn Wilson, com Marina Rebeka (Violetta), Francesco Demuro (Alfredo) e Thomas Hampson (Giorgio Germont). No “Maschpark”, Hannover, Alemanha, 2016.
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“E quem resiste à ‘La Traviata’…”
Alex DeLarge
Faltou a gravação de 1977, estrelada pela grande Ileana Cotrubas, com Placido Domingo, Sherrill Milnes e a Bayerisches Staatsorchester regida pot Carlos Kleiber, que é talvez o mais perfeito registro em áudio dessa que é a mais perfeita de todas as óperas.
Obrigado pela lembrança, forabozo! Acrescentei gravação Cotrubas, Domingo, Milnes, Kleiber, 1977. Ao longo da elaboração do texto, ouvi muitas vezes a gravação Sutherland, Bergonzi, Merrill, Pritchard, 1963, que, particularmente, me encantou…
São muitas boas gravações. Incluindo mais recentes, como a com a Anna Netrebko e Rolando Villazón, que você indica em vídeo, e a com Marina Rebeka…
Sim. Gostei da produção Netrebko/Villanzon/Hampson e também desta, em forma de concerto ao “ar livre”, com Marina Rebeka/Hampson/Keri-Lynn Wilson. Bem interessantes…
Maravilha de postagem! Grato!
Obrigado, Wellington! Grande abraço!
Obrigado, Alex. Como sempre, rica e instigante postagem. Imagino o desafio que deve ser prosseguir a série. De minha parte, aliás, eis o tipo de série que importa… em nosso tempo de paixão por séries de streaming intermináveis, meramente mercantis. Instigantes as referências históricas, e as reflexões me remeteram em parte aos textos de Simmel em Filosofia do Amor, complementando, contudo, algo que pende mais para o lado social e material da coisa.
No contato com a música, em especial opera, esse tipo de referência que a série cria é muito importante. Acho engraçado quando repetem, grandes artistas inclusive, como Rilke, que música não pode contar com a palavra, ultrapassando-a. Naturalmente. Mas com a palavra damos guia ao que pensamos e sentimos, e a música abrange essas coisas também.
Obrigado, Otavio! Além do estímulo à continuidade da série, seus comentários também são instigantes. Assim, vou tratar de ler Georg Simmel. Quanto ao significado do som musical ou da palavra, li algo que achei interessante: a voz ultrapassa a palavra porque a entonação agrega emoção… Daí tantos significados na emissão vocal – na expressão musical implícita no simples falar. Significados que mudam de acordo com timbre, altura, intensidade ou ritmo (se gritamos ou falamos suavemente, se mostramos determinação ou hesitação, etc…), somados ao gestual e facial. Assim, afeição ou irritação; entusiasmo ou desânimo, são sentimentos que dão colorido/sinuosidade à emissão da palavra – da música presente na fala; e da fala, transportados para arte musical…