Para encerrar essa série dos arcos, nada melhor que compartilhar com vocês algumas das mais maravilhosas obras já dedicadas a esses instrumentos: as Fantasias para violas compostas por Henry Purcell. Reunidas num consort – conjunto de instrumentos de mesmo feitio e tamanhos variados, que vai de soprano a viola da gamba baixo – as violas do Hespèrion XX fazem cintilar as ricas texturas sonoras compostas pelo gênio de 21 anos que, ninguém discute mais, foi o maior compositor já parido pelas ilhas inglesas. Na regência, só para arredondar, está o MIDAS Jordi Savall, que assegura a esta gravação o tão típico rótulo pequepiano que eu nunca antes usara e que agora estreio a plenos brônquios:
IM – PER- DÍ – VEL!!!
Henry PURCELL (1659-1695)
FANTASIAS FOR THE VIOLS (1680) HESPÈRION XX – JORDI SAVALL
01 – Fantasia sobre uma nota
Fantasias em três partes
02 – Fantasia I
03 – Fantasia II
04 – Fantasia III
Fantasias em quatro partes
05 – Fantasia IV
06 – Fantasia V
07 – Fantasia VI
08 – In Nomine em seis partes
Fantasias em quatro partes
09 – Fantasia VII
10 – Fantasia VIII
11 – Fantasia IX
Fantasias em três partes
12 – Fantasia X
13 – Fantasia XI
14 – Fantasia XII
15 – In Nomine em sete partes
HESPÈRION XX
Jordi Savall, viola soprano e regência Wieland Kuijken, viola baixo Sophie Watillon, viola contralto Eunice Brandão e Sergi Casademunt, violas tenores Marianne Müller e Philippe Pierlot, violas baixo
Pois a história de Grigoriy Sedukh e seus violinos miúdos não parou em sua gravação que apresentamos ontem: esses instrumentos são apenas três duma série de oito, concebidos e confeccionados pela luthier Carleen Hutchins para reproduzir, em diferentes tamanhos, as qualidades sônicas do violino.
A luthier buscava criar um conjunto de instrumentos, ao estilo dos consorts de violas do século XVII, que tivessem características sonoras homogêneas, baseadas no violino. Seu trabalho, que envolveu colaboração com físicos, resultou num octeto de instrumentos que vão do sopranino ao contrabaixo, mas que são, essencialmente, violinos.
Um desses instrumentos, o violino contralto, foi usado por Yo Yo Ma para tocar o Concerto para viola de Bartók, com recepção mista. Alguns saudaram o som como “revelador”, mas muita gente estranhou. A riqueza de timbre da viola se perde em prol de mais brilho e projeção, que é… bem, justamente aquilo que a gente não espera de uma viola.
Não obstante, várias instituições dedicam-se à divulgação do legado de Hutchins, alguns com devoção quase religiosa a sua figura, e comissionando novas composições para o peculiar conjunto instrumental.
Nesse álbum, gravado no que parece ser um congresso da The New Violin Family Association, várias peças de exibição são tocadas nos diversos instrumentos do octeto. A qualidade um tanto precária da gravação deixa para a nossa imaginação muito do tão apregoado brilho desses novos instrumentos, mas ouvir a Fantasia de Vaughan Williams tocada por eles, numa massa sonora mais homogênea que uma orquestra de cordas moderna, faz pensar que o sonho de Hutchins pode ter virado realidade.
Desde a primeira vez em que escutei os Concertos de Brandenburg de Bach, chamou-me a atenção aquele violininho serelepe e pungente a buscar espaço com valentia em meio aos tantos sopros do Concerto no. 1:
Nunca mais ouvi falar do tal violino piccolo, de tamanho a um violino 3/4 para jovens, com algumas diferenças de construção e que soa uma terça acima dos violinos convencionais, até encontrar alguns vídeos do ucraniano Grigoriy Sedukh tocando o que chamava de piccolo em peças convencionais do repertório violinístico.
Sem ler muito as letras miúdas, comprei seu CD (lançado pelo pitorescamente batizado selo “The Catgut Acoustic Society Co.”) para só depois descobrir – mais surpreso, talvez, que decepcionado – aquela história do gato comprado por lebre.
Pois aqui Sedukh não toca exatamente o instrumento de que Bach lançara mão, mas sim num chamado “violino sopranino”, que soa uma oitava acima do violino convencional e que tem, guardadas as proporções, as mesmas proporções deste. A gravação inclui somente uma faixa com um instrumento semelhante ao piccolo barroco, o “Adagio” de Grazioli, executado num violino dito “soprano” (uma quarta acima do convencional, mais ou menos como o piccolo), além de uma peça num “mezzo” (afinado exatamente como o convencional).
O repertório é um balaio de gatos que, obviamente, não tem razão outra de ser que não a de exibir as qualidades dos instrumentos e do intérprete. Eu acho estranho abrir uma gravação com a Polonaise de Bach, que é uma obra que parece já começar no meio, mas depois as coisas melhoram bastante. Sedukh é bom violinista e, neste pequeníssimo nicho musical, mostra-nos um bom cartão de visitas.
GRIGORYI SEDUKH – VIOLIN SOLOIST
Johann Sebastian BACH (1685-1750) Suíte Orquestral no. 2 em Si menor, BWV 1067
01 – Polonaise
02 – Badinerie
Giovanni Battista GRAZIOLI (1756-1820) 03 – Adagio*
Niccoló PAGANINI(1782-1840) 04 – Sonatina no. 1 para violino e violão
05 – Sonatina no. 3 para violino e violão
Joseph Joachim RAFF (1822-1882)
06 – Cavatina, Op. 85 no. 3
Piotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893) 07 – O Lago dos Cisnes, Op. 20 – Entrée et Adagio
08 – Álbum para a Infância, Op. 39 – no. 22: Canção da Cotovia
09 – O Lago dos Cisnes, Op. 20 – Adagio †
10 – O Lago dos Cisnes, Op. 20 – Dança Russa
A despeito do destaque na capa, o ótimo Yo-Yo Ma não tem tanto protagonismo neste álbum de pérolas de Astor Piazzolla. Com a reverência que lhe é tão própria, ele se alinha a grandes nomes do tango, ao Duo Assad e, notavelmente, ao próprio Astor Piazzolla (no dueto “Tango Rememberances”, cujas partes foram gravadas com dez anos de diferença) para render tributo ao mestre argentino. Claro que há muito mais em sua obra desenfreada do que cabe num só CD, e que existem roupagens muito mais radicais dessas composições já tantas vezes regravadas. Ainda assim, o que ouvimos nesta “Alma do Tango” é uma tremenda introdução a Piazzolla, com um belíssimo “Libertango” que eu deixaria tocando em loop pelo resto dos meus dias.
YO-YO MA – SOUL OF THE TANGO – THE MUSIC OF ASTOR PIAZZOLLA
Astor Pantaleón PIAZZOLLA (1921-1992)
1 – Libertango
2 – Tango suite, para dois violões: Andante
3 – Tango suite, para dois violões: Allegro
4 – Regreso al Amor (da trilha sonora do filme “Sur”)
5 – Le Grand Tango
6 – Fugata
Astor Pantaleón PIAZZOLLA e Jorge CALANDRELLI (1939)
A semana, no entanto, foi medonha, e como vocês não têm culpa alguma por estarem vivendo um ensolarado e colorido feriado, resolvi guardar o chumbo grosso para outro dia.
Deixo-lhes hoje este agradável concerto para piano de Kabalevsky, dedicado aos jovens pianistas da União Soviética, que com ele passaram a ter a seu alcance uma obra concertística cheia de verve, sem terem que vencer grandes dificuldades técnicas. O primeiro movimento, particularmente, é muito evocativo da galhardia da juventude. Aqui, o solo fica a cargo de gente bem grande – ninguém menos que o colosso Emil Gilels, que seria capaz de tocá-lo de costas, e com uma só mão -, sob regência do próprio compositor.
Este concerto muito breve, com meros dezoito minutos, será muito familiar aos ouvintes da FM Cultura de Dogville que, como eu, a escutavam nos bons (e velhos) tempos em que ela tocava música erudita. Sempre que sobrava uma brecha na programação, esta gravação de Gilels era um dos “tapa-buracos” de que a rádio lançava mão para arredondar a hora na grade e, quem sabe, permitir que o pessoal do estúdio tomasse um cafezinho.
Dmitri Borisovich KABALEVSKY (1904-1987)
Concerto para piano e orquestra no. 3 em Ré menor, Op. 50, “Juventude”
01 – Allegro molto
02 – Andante con moto
03 – Presto
Emil Gilels, piano Grande Orquestra Estatal da Rádio e Televisão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas Dmitri Kabalevsky, regência
Se dependesse de mim, cretino gambista subamador, vocês teriam gamba aqui todos os dias.
Como isso acarretaria meu desterro deste pago bloguístico que tanto prezo, eu tento me coordenar. Hoje, entretanto, tenho um bom pretexto: estou a falar dos membros em desuso da Família das Cordas e, ei, a viola da gamba anda, infelizmente, menos em voga do que mereceria.
A situação, claro, já foi pior. É uma lástima, sem dúvidas, que o lindo timbre e som ricamente ressonante da gamba tenham sido preteridos em prol do também belo, mas bem mais robusto violoncelo com cordas de metal, espigão, e outros aditivos mais apropriados a amplas salas de concerto. Por outro lado, é impossível reclamar da qualidade dos gambistas em atividade. Já lhes apresentamos anteriormente o Midas catalão Jordi Savall e o mago italiano Paolo Pandolfo. Hoje, trazemos para vocês Hildegard Perl – Hille, para os íntimos.
Se essas peças todas de Bach serão familiares à maior parte das senhoras e dos senhores, asseguro-lhes que sua roupagem é bastante diferente. A Suíte BWV 1011, transposta para Ré menor, ganha muita riqueza, especialmente nos fugatos do prelúdio. O novo arranjo da Sonata/Suíte BWV 1025, originalmente para violino e cravo e baseada em uma obra para alaúde de Sylvius Leopold Weiss, soa muito mais convincente aqui como trio-sonata, com o alaúde a tocar a parte original de Weiss, e a viola da gamba. Por fim, a Sonata BWV 1029, a única das obras de álbum concebida para a gamba, ganha uma roupagem concertística que a deixa ainda mais parecida com o terceiro Concerto de Brandenburg.
PER LA VIOLA DA GAMBA – HILLE PERL
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Suíte no. 5 para violoncelo solo em Dó menor, BWV 1011 (transcrita para viola da gamba por Hille Perl, transposta para Ré menor)
Sonata (Suíte) em Lá maior para violino e cravo, BWV 1025 (baseada numa Suíte para alaúde de Sylvius Leopold Weiss e transcrita por Hille Perl para alaúde, viola da gamba e contínuo)
Sonata para viola da gamba e cravo no. 3 em Sol menor, BWV 1029 (arranjo de Hille Perl para violino, viola da gamba e contínuo)
13 – Vivace
14 – Adagio
15 – Allegro
Hille Perl, viola da gamba baixo Lee Santana, alaúde Andrew Lawrence-King, harpa cruzada* Veronika Skuplik, violino Barbara Messmer, viola da gamba baixo
* o termo “harpa cruzada” foi o melhor que encontrei para descrever a harpa sem pedais (em inglês, “double harp”). Se houver tradução melhor, peço a gentileza de me fazerem saber.
Pois bem: podem atirá-los, mas não sem antes esquecerem a capa bem tosquinha do CD, desvestirem todas as lembranças que podem ter do ukulele no Feitiço Havaiano a que assistiram nas matinês (para os mais velhos) ou na Sessão da Tarde (para os nem tanto) e deixarem de lado o ranço que possam ter para com seu primo, o cavaquinho: quem assim o fizer, e depuser os tomates, irá se surpreender com a excelência desse disco.
John King (1953-
2009), que teve excelente formação como violonista clássico, dedicou sua vida a granjear reputação para o miúdo ukulele nas salas de concerto. Encomendou instrumentos a excelentes luthiers (um dos quais atende o monstro Julian Bream) e, emprestando ao diminuto braço e às delicadas cordas sua ótima técnica violonística, deixou-nos gravações que deixariam Johann Sebastian totalmente pimpão.
Aqui, King adota a técnica chamada “Campanella” (italiano para “sineta”), que leva cada nota a ser tocada numa corda diferente, resultando num som bastante límpido e ressonante, muito reminiscente daquele de uma harpa. Escutem as transcrições dos excertos de suítes, sonatas e partitas para violino e violoncelo do Demiurgo Bach, não deem muita bola para a transcrição meio perdida do “Jesus, Alegria dos Homens” que encerra o álbum, e deleitem-se!
JOHANN SEBASTIAN BACH – PARTITA NO. 3 AND OTHER WORKS TRANSCRIBED FOR UKULELE – JOHN KING
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
transcrições para ukulele de John King
Suíte para violoncelo em Sol maior, BWV 1007
01 – Prelude
02 – Sarabande
03 – Gigue
Suíte para violoncelo no. 6 em Ré maior, BWV 1012
04 – Gavotte I-II
Suíte para violoncelo no. 5 em Dó menor, BWV 1011
05 – Gavotte I-II
Suíte para violoncelo no. 4 em Mi bemol maior, BWV 1010
Anteontem postei uma ótima gravação de obras para viola da gamba, e não demorou para que, entre os comentários, este bonito filme de 1991 fosse lembrado. Para minha surpresa, sua excelente trilha sonora ainda não tinha sido postada por aqui. Por isso, eu me apressei em compartilhá-la com vocês neste domingo.
Dirigido por Alain Corneau e estrelado por Jean-Pierre Marielle e Gérard Dépardieu, “Todas as Manhãs do Mundo” foi um inesperado sucesso para um filme que trata da relação entre dois gambistas franceses do século XVII: o célebre Marin Marais (1656-1728) e seu mestre, o enigmático Monsieur de Sainte-Colombe (ca. 1640-1700). Magnificamente interpretado, fotografado e realizado, e bastante fiel ao romance homônimo em que se baseou, é uma belíssima sucessão de tableaux-vivants acompanhados por uma trilha sonora M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A, a cargo daquele Midas da Música que é Jordi Savall.
Ei-la, pois, para vosso deleite.
TODAS AS MANHÃS DO MUNDO – TRILHA ORIGINAL DO FILME Direção musical: JORDI SAVALL
Jean-Baptiste LULLY (1632-1687)
01 – Marche pour la Céremonie des Turcs Le Concert des Nations Jordi Savall, regência
Marin MARAIS (1656-1728)
02 – Improvisation sur les Folies d’Espagne (excertos) Jordi Savall, viola da gamba baixo
Jordi SAVALL (1941)
03 – Prélude pour Mr Vauquelin Jordi Savall, viola da gamba baixo
Monsieur de SAINTE-COLOMBE (ca. 1640-1700)
04 – Gavotte du Tendre
Jordi Savall, viola da gamba baixo
TRADICIONAL, arranjo de Jordi SAVALL
05 – Une jeune fillette Montserrat Figueras e Maria-Cristina Kiehr, sopranos Rolf Lislevand, teorbo Jordi Savall, viola da gamba baixo
Monsieur de SAINTE-COLOMBE
06 – Les Pleurs (versão para viola da gamba solo por Jordi Savall) Jordi Savall, viola da gamba baixo
07 – “Le Retour”, Concert pour deux violes Christophe Coin e Jordi Savall, violas da gamba baixo
Marin MARAIS
08 – Pièces de viole, 4e. livre: “La Rêveuse” Jordi Savall, viola da gamba baixo Pierre Hantai, cravo Rolf Lislevand, teorbo
François COUPERIN (1668-1733)
09 – Troisième Leçon de Ténèbres à 2 voix Montserrat Figueras e Maria-Cristina Kiehr, sopranos Rolf Lislevand, teorbo Pierre Hantai, cravo Jordi Savall, viola da gamba baixo
Marin MARAIS
10 – Pièces de viole, 4e. livre: “L’Arabesque” Jordi Savall, viola da gamba baixo Pierre Hantai, cravo Rolf Lislevand, teorbo
ANÔNIMO (século XVII), arranjo de Jordi SAVALL
11 – Fantaisie en Mi mineur Jordi Savall, viola da gamba baixo
Monsieur de SAINTE-COLOMBE
12 – Les Pleurs Christophe Coin e Jordi Savall, violas da gamba baixo
Marin MARAIS
13 – Pièces de viole, 4e. livre: “Le Badinage” Jordi Savall, viola da gamba baixo Rolf Lislevand, teorbo
14 – Pièces de viole, 2e. livre: “Tombeau por Monsieur de Sainte-Colombe” Jérôme Hantai e Jordi Savall, violas da gamba baixo Pierre Hantai, cravo Rolf Lislevand, teorbo
15 – Pièces de viole, 3e. livre: Muzettes I-II Jordi Savall, viola da gamba baixo Pierre Hantai, cravo Rolf Lislevand, teorbo
16 – Sonnerie de Sainte Geneviève du Mont-de-Paris Fabio Biondi, violino Jordi Savall, viola da gamba baixo Pierre Hantai, cravo Rolf Lislevand, teorbo
Os sumo-sacerdotes do purismo e parte da crítica, claro, caíram de tacape em cima do solista quando o disco foi lançado em 1992, por ocasião do jubileu da chegada de Colombo às Américas. Chamaram-no, entre outras coisas, de bufão e pretensioso, acusaram-no de desrespeitar as intenções do compositor e atacaram-no, óbvio, por ser um músico de flamenco e, por isso, supostamente incapaz de tocar música de concerto.
[quanto às acusações de desrespeito ao compositor, sugiro que prestem atenção no senhor idoso que aparece em segundo plano na capa do CD, à direita: ele é o PRÓPRIO Joaquín Rodrigo, que supervisionou pessoalmente a gravação. Sem mais.]
O público adorou, Rodrigo adorou, eu adorei, e o disco envelheceu muito bem. Como que para alimentar as acusações de seus detratores, Paco trouxe para o “Concierto de Aranjuez”, sem nenhum constrangimento, toda a sua caixa de ferramentas flamencas, e a abriu em sua interpretação: estão lá os ataques furibundos às cordas, os efeitos percussivos, as articulações características. O que ele conseguiu, ao menos para os meus ouvidos, foi fazer o “Concierto” soar vigoroso como nunca, com um frescor inédito.
CLARO que essa gravação, apesar de suas qualidades, não tem UMA GOTA SEQUER de violão clássico (soletando para quem ainda não entendeu: P-A-C-O D-E L-U-C-Í-A). Por isso, lógico, os devotos dessa escola provavelmente odiarão a interpretação, da qual sugiro que passem ao largo.
Aos demais, o que eu e meu ouvido bruto e pouco preconceituoso lhes podemos dizer é que, depois de Paco, se tornou muito inglória a tarefa de escutar outras interpretações do “Concierto” sem o élan que ele traz a esta figurinha tão fácil quanto linda do repertório do violão.
Três excertos da Suíte Iberia de Isaac Albéniz, transcritos mui idiomaticamente para trio de violões, completam essa gravação de que vocês podem até não vir a gostar, mas que recomendo muito conhecer.
CONCIERTO DE ARANJUEZ DE JOAQUÍN RODRIGO interpretado por PACO DE LUCÍA
Joaquín RODRIGO Vidre (1901-1999)
Concierto de Aranjuez em Ré maior para violão e orquestra
Passada em revista a parte da família das cordas que é tocada com arcos, enveredamos por um outro ramo da família com quem os arcos não falam muito, pois as salas de concerto costumam torcer-lhes os narizes: aquele das cordas dedilhadas.
Antes que me joguem os tomates, ou me perguntem por que exus eu não apus a palavrinha .:interlúdio:. ao título de uma gravação, vejam só, de banjo, de BANJO, de B A N J O! incongruentemente atirada no meio das sacrossantas interpretações dos Pollinis e Bernsteins que os blogueiros não-vassílycos publicam por aqui, bem, antes que venham os apupos, os “foras!” e que me defenestrem, eu antecipadamente me defendo: Béla Fleck é um TREMENDO músico e merece ser ouvido.
Ok, o repertório do CD é um balaio de gatos cheio de figurinhas fáceis do repertório das coleções “The Best of”, só que ele é feito sob medida para Fleck exibir com sobras seu talento. Asseguro-lhes que dificilmente ouvirão um banjo ser tocado com tanta maestria, ainda mais acompanhado por músicos do naipe de, entre outros, Joshua Bell, John Williams e Edgar Meyer. No final, para relaxar, Fleck colocou uma ótima versão bluegrass do “Moto Perpétuo” de Paganini, mas ela está claramente identificada como tal e os puristas entre vós outros poderão deletá-la antes que ela fira algum ouvido.
E, se vocês acharam interessante o Fleck ter o nome de Béla, saibam que o nome completo do cavalheiro é Béla Anton Leoš Fleck. Sim: uma homenagem ao grande Béla, àquele Anton e a este Leoš.
PERPETUAL MOTION – BÉLA FLECK
Domenico SCARLATTI (1685-1757)
01 – Sonata em Dó maior, K. 159
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
02 – Invenção a duas vozes no. 13 em Lá menor, BWV 784
Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
03 – Children’s Corner, L. 113 – “Doctor Gradus ad Parnassum”
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
04 – Mazurkas, Op. 59 – no. 3 em Fá sustenido menor
Johann Sebastian BACH
05 – Partita no. 3 em Mi maior, BWV 1006 – Prélude
Fryderyk Franciszek CHOPIN
06 – Études, Op. 10 – no. 4 em Dó sustenido menor
07 – Mazurkas, Op. 6 – no. 1 em Fá sustenido menor
Johann Sebastian BACH
08 – Invenção a três vozes (Sinfonia) em Sol maior, BWV 796
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
09 – Souvenir d’un lieu cher, Op. 42 – no. 3: Mélodie
Johannes BRAHMS (1833-1897)
10 – Cinco estudos para piano, Anh. 1a/1 – no. 3 em Sol menor, após Johann Sebastian Bach
Johann Sebastian BACH
11 – Suíte no. 1 em Sol maior, BWV 1007 – Prelude
12 – Invenção a três vozes (Sinfonia) em Si menor, BWV 801
Domenico SCARLATTI
14 – Sonata em Ré menor, K. 213
Johann Sebastian BACH
15 – Invenção a duas vozes no. 6 em Mi maior, BWV 777
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
16 – Sonata no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Luar” – Adagio sostenuto
Johann Sebastian BACH
17 – Invenção a duas vozes no. 11 em Sol menor, BWV 782
Ludwig van BEETHOVEN
18 – Sete Variações sobre “God Save the King”, WoO 78
Johann Sebastian BACH
19 – Invenção a três vozes (Sinfonia) em Mi menor, BWV 793
Niccolò PAGANINI arranjo de James Bryan Sutton
12 – Moto Perpetuo, Op. 11 (versão bluegrass)
Béla Fleck, banjo Joshua Bell, violino Gary Hoffmann, violoncelo Evelyn Glennie, marimba Edgar Meyer, contrabaixo Chris Thile, bandolim James Bryan Sutton, violão folk John Williams, violão
Ao longo da próxima semana – e na falta de outra ideia para navegar a pantagruélica discoteca arquivada no PQP Share – apresentaremos uma breve minissérie dedicada à família das cordas.
Já que a cortesia manda sempre começarmos com os mais velhos, deixo-lhes esta gravação em que o Midas Jordi Savall maneja alguns ancestrais dessa família, entre os quais a viela (vieille, antecedente imediata da lira da braccio que eventualmente chegaria à viola) e o rebab mourisco. O eclético repertório compõe-se de cantigas e danças medievais de vários lugares da Europa, incluindo peças do Norte da África e canções sefarditas, acompanhadas de toques muito econômicos de percussão.
LA LIRA D’ESPERIA – JORDI SAVALL
01 – Rotundellus (Galícia – Cantiga 105)
02 – Lamento (Adrianopoli, sefardita)
03 – Danza de las Espadas (Argel, El Kantala)
04 – Istampitta – In Pro (Itália, manuscrito do século XIII)
05 – Saltarello (Itália, manuscrito do século XIII)
06 – Ritual (Argel, Zendani)
07 – El Rey de Francia (Esmirna, sefardita)
08 – Danza Ritual (Galícia, Cantiga 353)
09 – Istampitta – La Manfredina (Itália, manuscrito do século XIII)
10 – Trotto (Itália, manuscrito do século XIII)
11 – Albra (Castellón de la Plana)
12 – Paxarico tu te llamas (Sarajevo, sefardita)
13 – Danza del Viento (Argel, berber)
14 – Istampitta – Lamento di Tristano (Itália, manuscrito do século XIII)
15 – Saltarello (Itália, manuscrito do século XIII)
16 – Ductia (Galícia, Cantiga 248 – Gasconha)
JORDI SAVALL, viela, rebab, rebel mourisco PEDRO ESTEVAN, percussão
É com imensa satisfação que anunciamos, após algumas negociações no mercado negro internacional de LPs, uma ação de contrabando confesso e a inestimável ajuda de um leitor-ouvinte do PQP Bach, que dispomos agora da DISCOGRAFIA COMPLETA do genial Antonio Guedes Barbosa – conquista que comemoraremos ao postá-la, pouco a pouco, por aqui!
Chegamos àquela que é talvez a maior gravação do Mestre Esquecido: as quatorze valsas de Chopin que tomaram o público de assalto, que piraram completamente o cabeção da crítica e formaram um dos pouquíssimos álbuns dele lançados comercialmente neste Brasil insensato que tão pouco o conhece.
Sou tão tiete dessa gravação que me faltam até os superlativos para descrevê-la. Trata-se, simplesmente, da melhor interpretação que conheço para estas obras, que só podem ser chamadas de menores por quem nunca escutou Barbosa tocá-las. Elegância, precisão, humor, brilho… nada falta. Talvez sobre rubato, mas a gente perdoa, tamanha a musicalidade que, acima de tudo e de todos, transborda de cada faixa.
É escutar e catapultar imediatamente para o panteão dos favoritos.
ooOoo
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
01 – Grande Valse Brillante em Mi bemol maior, Op. 18
02 – Três Valsas, Op. 34 – No. 1 em Lá bemol maior
03 – Três Valsas, Op. 34 – No. 2 em Lá menor
04 – Três Valsas, Op. 34 – No. 3 em Fá maior
05 – Valsa em Lá bemol maior, Op. 42
06 – Três Valsas, Op. 64 – No. 1 em Ré bemol maior
07 – Três Valsas, Op. 64 – No. 2 em Dó sustenido menor
08 – Três Valsas, Op. 64 – No. 3 em Lá bemol maior
09 – Duas Valsas, Op. 69 – No. 1 em Lá bemol maior
10 – Duas Valsas, Op.69 – No. 2 em Si menor
11 – Três Valsas, Op. 70 – No. 1 em Sol bemol maior
12 – Três Valsas, Op. 70 – No. 2 em Fá menor
13 – Três Valsas, Op. 70 – No. 3 em Ré bemol maior
14 – Valsa em Mi maior, WN 18
Antonio Guedes Barbosa, piano
(de um CD esgotado da extinta Kuarup Klassics, que eu tenho há vinte e cinco anos e não vendo por dinheiro algum!)
Para o pavor de um de nossos colaboradores, que chama Vladimir Samoylovich (Volodya, para os íntimos) de “Horrorowitz”, pretendo trazer para cá um tanto do legado de um dos maiores pianistas do século XX.
A longa carreira de Horowitz acompanhou a evolução dos meios de gravação, dos rolos do processo Welte-Mignon (uma versão mais sofisticada da pianola), passando pelos discos de 78 rpm e chegando aos meios digitais. Seus altos e baixos foram, também, fartamente documentados: entre a fúria maníaca do jovem virtuose recém-chegado aos Estados Unidos, para quem nada parecia impossível, e o pianista decadente, cada vez mais maneirista e sequelado pela insegurança e pelos psicotrópicos, Horowitz foi um artista de poucos meios-termos. Em sua última década de vida, que começou com recitais lamentáveis, capazes de enfurecer até mesmo as pacientes plateias japonesas, redimiu-se pelo uso mais comedido de seus truques pianísticos e (dentro do que lhe era possível) uma placidez mais atenta às intenções dos compositores.
Esta gravação, dias antes de sua morte, é uma de suas melhores. Predomina Chopin, interpretado com muito colorido e elegância. O destaque é uma Fantasia-Improviso não só fiel à partitura, mas também impressionantemente ágil para dedos de 86 anos. Os Noturnos de Chopin fazem a gente lamentar que Horowitz tenha gravado poucas outras obras da série, e a Sonata de Haydn beira a perfeição. Concluir o álbum com “Liebestod” e morrer meros cinco dias depois de seu último acorde foi, suspeitam alguns, o último gesto apelativo desse grande pianista.
VLADIMIR HOROWITZ – THE LAST RECORDING
Joseph HAYDN (1732-1809)
Sonata em Mi bemol maior para piano, Hob. XVI:49
01 – Allegro
02 – Adagio e cantabile
03 – Finale – Tempo di menuetto
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
04 – Mazurca em Dó menor, Op. 56 no. 3
05 – Noturno em Mi bemol maior, Op. 55 no. 2
06 – Fantasia-Improviso em Dó sustenido menor, Op.66
07 – Estudo em Lá bemol maior, Op. 25 no. 1
08 – Estudo em Mi menor, Op. 25 no. 5
09 – Noturno em Si maior, Op. 62 no. 1
Ferenc LISZT (1811-1886)
10 – Prelúdio sobre um tema da cantata “Weinen, Klagen, Sorgen, Zagen” de J. S. Bach, S. 179
Wilhelm Richard WAGNER (1813-1883)
transcrição de Franz Liszt
Escrever às pressas, inda mais premido pela comoção, sempre é ingrato, quanto mais se é para lamentar a perda de alguém tão extraordinário quanto Jessye Norman, que nos deixou ontem. Nada que eu nestas linhas colocasse faria justiça à sua grandeza. Nada evocaria a beleza de sua voz, poderosa e inconfundível, a serviço de um repertório vasto e coerente, sempre alimentado pelos desafios que a levaram de Legrand a Schoenberg, e mesmo a encarar a demoníaca prosódia magiar no “Castelo do Barba-Azul” de Bartók sob Boulez. E nada que eu lhes trouxesse, nada em absoluto, estaria à altura de sua trajetória inesquecível, da Geórgia racista sob as leis de Jim Crow às plateias e aos ouvidos do planeta.
Por isso, paro por aqui.
“No final das contas”, disse Jessye numa entrevista, “na hora de escolher o que cantar, eu me faço apenas uma pergunta: posso falar das profundezas do meu ser com essa canção, com esse papel na ópera? Se posso, canto”.
E foi assim, caros leitores-ouvintes, que Jessye Norman nos falou através de Carmen.
Carmen,opéra-comique em quatro atos, sobre libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, baseado na novela homônima de Prosper Mérimée
Jessye Norman – Carmen Neil Schicoff – Don José Mirella Freni – Micaëla Simon Estes – Escamillo Chœur de Radio France Maîtrise de Radio France Orchestre National de France Seiji Ozawa, regência
DISCO 1
1 – Prélude
ATO 1
2 – Sur la place chacun passe
3 – Regardez donc cette petite qui semble vouloir nous parler
4 – Avec la garde montante nous arrivons, nous voilà
5 – Il Y A Une Jolie Fille Qui Est Venue Te Demander
6 – Et La Garde Descendante Rentre Chez Elle Et S’en Va
7 – Dites-moi, Brigadier ?
8 – La Cloche A Sonné
9 – Dans l’Air, Nous Suivons Des Yeux La Fumée
10 – Mais Nous Ne Voyons Pas La Carmencita !
11 – Quand Je Vous Aimerai ? … L’Amour Est Un Oiseau Rebelle (Havanaise)
12 – Carmen ! Sur Tes Pas Nous Nous Pressons Tous !
13 – Qu’est-ce Que Ca Veut Dire, Ces Façons-Là ?
14 – Parle-Moi De Ma Mère !
15 – Ma Mère, Je La Vois, Oui, Je Revois Mon Village !
16 – Attends Un Peu Maintenant… Je Vais Lire Sa Lettre
17 – Au Secours !
18 – Voyons Brigadier
19 – Avez-Vous Quelque Chose A Répondre ? – Tra La La La
20 – Où Me Conduirez-Vous ?
21 – Près Des Remparts De Séville (Séguidille)… Tais-Toi
22 – Le Lieutenant !… Prenez Garder ! – Voici L’Ordre
ATO 2
2 – Les Tringles Des Sistres Tintaient
3 – Vous Avez Quelque Chose A Nous Dire, Maître Lillas Pastia ?
4 – Votre Toast, Je Peux Vous Le Rendre, Señors
5 – Messieurs Les Officiers, Je Vous En Prie
6 – Le Dancaïre Et Le Remendado Ont A Vous Parler De Vos Affaires
7 – Nous Avons En Tête Une Affaire !
8 – En Voìlà Assez ; Je T’ai Dit Qu’il Fallait Venir, Et Tu Viendras
9 – Je Vais Danser En Votre Honneur
10 – Au Quartier ! Pour L’appel ! … Ah! J’étais Vraiment Trop Bête !
11 – La Fleur Que Tu M’avais Jetée
12 – Non ! Tu Ne M’aimes Pas !
13 – Holà ! Carmen ! Holà ! Holà !
14 – Bel Officier, L’amour Vous Joue En Ce Moment Un Assez Vilain Tour !
ATO 3
2 – Ecoute, Compangon, Ecoute
3 – Halte ! Nous Allons Nous Arreter Ici
4 – Mêlons ! Coupons !
5 – Carreau ! Pique ! … La Mort !
6 – Eh Bien ?
7 – Quant Au Douanier, C’est Notre Affaire !
8 – C’est Ici
9 – Je Dis Que Rien Ne M’épouvante
10 – Mais… Je Ne Me Trompe Pas… C’est Don José !
11 – Je Suis Escamillo, Torero De Grenade !
12 – Holà, Holà, José !
13 – Halte ! Quelqu’un Est Lâ Qui Cherche A Se Cacher !
14 – Entr’acte
ATO 4
15 – À Dos Cuartos ! À Dos Cuartos !
16 – Qu’avez-vous Donc Fait De La Carmencita ?
17 – Les Voici ! Les Voici ! Voici La Quadrille !
18 – Si Tu M’aimes, Carmen, Tu Pourras, Tout À L’heure, Être Fière De Moi !
19 – C’est Toi ! – C’est Moi !
Vocês achavam que não voltariam tão cedo a ouvir O’Conor, não é?
Pois se enganaram – ou, como diriam os saudosos sbornianos de “Tangos & Tragédias”, “essa história não se ESTÂNNCA por aqui”.
Ei-lo aqui tocando a série de Noturnos de seu compatriota Field, notável como precursor do gênero que Chopin celebrizaria. Já publicamos anteriormente uma gravação das mesmas obras num piano Broadwood, então sugerimos compará-la com o que Field tem a dizer com seu Steinway de Hamburgo.
Ainda sobre O’Conor, quem ainda não tem urticária à menção de seu nome tem a recomendação de assistir ao documentário a seguir, o “Campo de Recrutas Beethoven”, que acompanha a rotina de um curso de imersão em Positano, na costa amalfitana, e as masterclasses com jovens pianistas. Não há legendas, e o espesso sotaque irlandês de O’Conor fica às vezes pouco inteligível, especialmente nos mui frequentes momentos de entusiasmo, mas acho que serão cinquenta e poucos minutos bastante agradáveis para quem apreciou suas Sonatas de Beethoven:
JOHN FIELD – THE NOCTURNES – JOHN O’CONOR
John FIELD (1782-1837)
Noturnos para piano
01 – Noturno em Mi bemol maior
02 – Noturno em Dó menor
03 – Noturno em Lá maior
04 – Noturno em Si bemol maior
05 – Noturno em Fá maior
06 – Noturno em Lá maior
07 – Noturno em Mi bemol maior
08 – Noturno em Mi menor
09 – Noturno em Mi bemol maior
10 – Noturno em Sol maior
11 – Noturno em Ré menor
12 – Noturno em Dó maior
13 – Noturno em Dó maior
14 – Noturno em Fá maior
15 – Midi em Mi maior
E eis que chegamos ao volume que encerra esta maratona Beethoven com John O’Conor.
O critério para este CD, claro, foi um só: “sobras sortidas”. É a única explicação para justapor a curiosa e incomumente longa Sonata op. 7, de 1796, com a ótima Sonata “quasi una Fantasia” Op. 27 no. 1, injustamente eclipsada por sua irmã famosa de Opus e, acredito, obra superior em termos de arrojo e invenção. No meio delas, a pouco ouvida Sonata Op. 22, altamente estimada por Beethoven e talvez a última de suas obras mais convencionais no gênero.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. IX – JOHN O’CONOR
Sonata no. 4 em Mi bemol maior, Op. 7
01 – Molto allegro e con brio
02 – Largo, con gran espressione
03 – Allegro
04 – Rondo: Poco allegretto e grazioso
Sonata no. 11 em Si bemol maior, Op. 22
05 – Allegro con brio
06 – Adagio con molta espressione
07 – Menuetto
08 – Rondo: Allegretto
Sonata no. 13 em Mi bemol maior, Op. 27 no. 1, “Quasi una Fantasia”
06 – Andante
07 – Allegro molto e vivace
08 – Adagio con espressione
09 – Allegro vivace
Chegamos ao penúltimo CD da série e à colossal, mastodôntica, ___________ [insira aqui seu adjetivo superlativo favorito] Sonata Op. 106, vulgo “Hammerklavier”.
Como a peça dispensa apresentações, vou incorporar o espírito de alguém que nada mais tem a fazer além de chover no molhado. Escolho o de Anton Schindler, o factotum de Beethoven, notório por muito atochar em sua biografia do compositor e adulterar os cadernos de conversação que o Mestre, completamente surdo, usava para se comunicar, e que serviram de base para pesquisas biográficas. Já imbuído do espírito do famoso trouxão, faço aqui algumas perguntas bestas:
– O título “Sonata für das Hammerklavier” (“sonata para o piano de martelos”) explicita o instrumento preferido do compositor numa época em que o pianoforte, o clavicórdio e o cravo eram usados para tocar as sonatas de Beethoven. Se o título também foi usado para a Sonata Op. 101, por que o apelido colou somente na Op. 106?
– Se já na Sonata Op. 90 Beethoven começou a preferir indicar o andamento e as indicações de expressão em seu alemão nativo a fazê-lo no italiano de praxe, por que na mamútica, transcendental “Hammerklavier” ele voltou a recorrer à língua do Petrarca?
– Quando descreveu a fuga final como “a tre voci, con alcune licenze” (“a três vozes, com algumas licenças”), estaria Ludwig imaginando que alguém realmente se importaria com as liberdades que tomou em relação às estritas regras da forma, em vez de se chocar, como até hoje nos chocamos, com esta mais difícil e complexa de todas as fugas para teclado?
– Será possível algum dia escutar alguma interpretação plenamente satisfatória desta obra enorme e horrendamente difícil? E, se ela já existe, qual é? (para mim, a versão de Pollini era a preferida até escutar aquela do MAGO Sokolov, que algum dia postarei aqui)
– Vocês têm interesse de escutar uma versão da “Hammerklavier” para orquestra? Ou vão me crucificar de cabeça para baixo por isso?
Cartas para a redação.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. VIII – JOHN O’CONOR
Sonata no. 27 em Mi maior, Op. 90
01 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck [“com vivacidade e ao longo [de todo o movimento] com sentimento e expressão”]
02 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen [“não tão rápido e executado de maneira cantável”]
Sonata no. 28 em Lá maior, Op. 101
03 – Etwas lebhaft und mit der innigsten Empfindung [“algo vivaz, com o mais profundo sentimento”]
04 – Lebhaft, marschmäßig [“vivo, como marcha”]
05 – Langsam und sehnsuchtsvoll [“lento e saudoso”] – Geschwind, doch nicht zu sehr und mit Entschlossenheit [“rápido, mas não demais, e com muita determinação”]
Sonata no. 29 em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
06 – Allegro
07 – Scherzo: Assai Vivace
08 – Adagio sostenuto
09 – Largo: allegro risoluto – Fuga a tre voci, con alcune licenze
Para a sétima estação da odisseia de John O’Conor com as sonatas de Beethoven, a Telarc resolveu reunir todas as sonatas curtinhas em um só volume.
Essas obras são tão breves que nenhuma delas chega sequer perto de durar tanto quanto o Adagio sostenuto da Sonata “Hammerklavier”, que encontraremos no volume seguinte. Meu xodó entre elas, apesar de seus singelos dois movimentos, é a Sonata Op. 78, cognominada “À Thérèse”, que é das obras-primas mais concisas de Beethoven, na bonita e incomum tonalidade de Fá sustenido maior.
Se a Telarc não começou a série do começo, não poderíamos esperar que ela terminasse pelo fim, não é mesmo? Pois as três últimas sonatas de Beethoven aqui estão, no miolo, o que as tira do contexto como as obras culminantes do compositor para seu instrumento favorito (embora ele ainda viesse a parir as geniais Variações Diabelli). Na minha opinião, não há testamento mais impressionante de uma evolução artística do que comparar as Sonatas op. 2, redondinhas e peroladas, com a concisão visionária da Sonata Op. 111, cuja “Arietta” final inclui um trecho que já foi chamado de “proto-jazz”:
A nós outros, bem, só nos resta dizer “amém”.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. VI – JOHN O’CONOR
Sonata no. 30 em Mi maior, Op. 109
01 – Vivace, ma non troppo – Adagio espressivo
02 – Prestissimo
03 – Tema: Molto cantabile ed espressivo – Variazioni I-VI
Sonata no. 31 em Lá bemol maior, Op. 110
04 – Moderato cantabile molto espressivo
05 – Allegro molto
06 – Adagio ma non troppo – Fuga: Allegro ma non troppo
Sonata no. 32 em Dó menor, Op. 111
07 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
08 – Arietta: Adagio molto semplice e cantabile
Tocamos o barco, quinto CD da série – e QUE CD, amigos!
Não bastassem as três sonatas do Op. 10, sem dúvidas as primeiras obras de peso de Beethoven no gênero, ainda há a belíssima Op. 26, conhecida e apelidada em função da “Marcia funebre” do terceiro movimento, mas cujo miocárdio se encontra nas belíssimas variações de abertura.
Ah, e a Op. 10 no. 3 me parece a primeira obra-prima de Beethoven no gênero, com um “Largo” maravilhoso. Se lhe tivessem inventado um apelido tão bom quanto a “Patética” Op. 13, talvez ela fosse conhecida como merece.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. V – JOHN O’CONOR
Sonata no. 5 em Dó menor, Op. 10 no. 1
01 – Allegro molto e con brio
02 – Adagio molto
03 – Finale: prestissimo
Sonata no. 6 em Fá maior, Op. 10 no. 2
04 – Allegro
05 – Allegretto
06 – Presto
Sonata no. 7 em Ré maior, Op. 10 no. 3
07 – Presto
08 – Largo e mesto
09 – Menuetto: Allegro
10 – Rondo: Allegro
Sonata no. 12 em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha Fúnebre”
11 – Andante con variazioni
12 – Scherzo: Allegro molto
13 – Maestoso andante: Marcia Funebre sulla morte d’un eroe
14 – Allegro
No quarto CD da série, volta-se para onde se começa: lá do começo.
As três sonatas do Op. 2, são obras em estrita sonata-forma, nos quatro movimentos protocolares, com um minueto/scherzo como terceiro movimento, etc. Não é à toa que foram dedicadas a Haydn, o mais famoso compositor da época, e que fora, brevemente, professor de Beethoven. São tão bem-acabadas que até mesmo o pancadinha Glenn Gould, notório sabotador das obras de Lud Van (quem escutou sua “Appassionata” sabe do que estou falando), declarou sua admiração por elas e fez gravações razoavelmente atentas à partitura e reverentes às intenções do compositor. Creio que elas se prestem muito bem ao estilo limpo de O’Conor, que não exagera nos contrastes dinâmicos, nem procura oportunidades de bravado onde elas pouco existem.
Em outras palavras: a turma do Lang Lang vai odiar.
Mais Beethoven, mais O’Conor, mais sonatas com apelidos, e poucos deles me parecem mais incompreensíveis do que “A Caça” para a Op. 31 no. 3, que é notável pelo fato de não ter movimentos lentos. A primeira do Op. 31, que abre este disco, é das minhas preferidas: composta em 1801, em meio a uma guirlanda de obras-primas, mostra com todas as garrinhas o Beethoven ácido e inventivo das décadas seguintes. Da “Pastoral”, em Ré maior, nada se precisa dizer, até porque eu já escrevi “obra-prima” logo acima, e não pretendo ser repetitivo.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. III – JOHN O’CONOR
Sonata no. 15 em Ré maior, Op. 28, “Pastoral”
01 – Allegro
02 – Andante
03 – Scherzo: Allegro vivace
04 – Rondo: Allegro ma non troppo
Prosseguindo a série da integral das Sonatas para piano de Lud Van com John O’Conor, alcanço-lhes o segundo tomo.
Se aqui o critério da gravadora parece ter sido outra vez selecionar sonatas com apelidos célebres, este recital resulta mais equilibrado, por conta das obras melhor buriladas. Se o movimento inicial da “Waldstein” pode soar como o desfraldar de cortinas, o “Wiedersehen” de “Les Adieux” fecha-as deixando tudo redondinho.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. II – JOHN O’CONOR
Sonata no. 21 em Dó maior, Op. 53, “Waldstein”
01 – Allegro con brio
02 – Introduzione: Adagio molto
03 – Rondo: Allegretto moderato
Enquanto vocês estão a me ler, eu estou a caminho do Congo, onde deverei passar uma boa parte das próximas semanas.
Sim, falo sério.
E o que vocês têm com isso?
Nada, é claro: afinal de contas, vocês só querem postagens novas, e estão pouco se lixando onde Vassily está quando sua postagem nova aparece para vocês enquanto se preparam para o almoço, não é?
Bem que fazem, leitores!
Só menciono a expedição ao Congo para justificar, de antemão, por que minhas postagens serão mais sucintas, e talvez repetitivas, ao longo deste setembro. Por ora, posso-lhes dizer que aqueles que detestam piano devem iniciar os preparativos para a urticária. Mas vocês não seriam desalmados a ponto de xingarem alguém que está no Congo, certo?
Esta integral com as Sonatas de Beethoven por John O’Conor, feita por um especialista na obra pianística do velho Ludovico, é uma gravação aclamada pela crítica. Eu a vi ser tão incensada que temi uma decepção cabal ao escutá-la, o que felizmente não aconteceu. Era a minha preferida até escutar a série com Pollini, e continua entre minhas mais queridas, junto com as de Schnabel, Gulda e Brendel (sim, vocês podem ter outras – mas estas são as minhas).
O’Conor reúne, talvez, o que as gravações do notável trio de austríacos têm de melhor, acrescentando um quê de, sei lá como chamá-la, talvez “sanguinidade”, que torna suas interpretações muito atraentes. Neste primeiro volume da série, claro, a gravadora fez questão de colocar as Sonatas mais célebres, aquelas com apelidos apelativos, para ver se seduz o ouvinte familiarizado com elas a comprar os oito volumes restantes. Ainda assim, e em que pese o som um pouco opaco da Teldec, a “Patética”, a “Luar” e a “Appassionata” são defendidas com brilho por O’Conor, cujas interpretações, aparentemente despojadas à primeira audição, só revelam riqueza e complexidade ao longo de revisitas.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. I – JOHN O’CONOR
Sonata no. 8 em Dó menor, Op. 13, “Patética”
01 – Grave – Allegro di molto e con brio
02 – Adagio cantabile
03 – Rondo. Allegro
Sonata no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Luar”
04 – Adagio sostenuto
05 – Allegretto
06 – Presto
Sonata no. 23 em Fá menor, Op. 57, “Appassionata”
07 – Allegro assai
08 – Andante con moto
09 – Allegro ma non troppo