Tentarei finalizar esta caixa com 12 Cds com as sinfonias de Bruckner, sendo conduzidas por Celibidache, o mais rápido possível. Sei. A parcimônia e os intervalos entre uma postagem e outra estão cacete. É que nesses últimos dias estive sem muita vontade de postar. Além do que comecei a trabalhar numa escola, com possibilidade de trabalhar em outra, já que passei num concurso para professor. Em dois empregos, o tempo para postar irá diminuir. Mas, vamos a mais um post dessa fabulosa caixa. Bruckner labutou em sua Oitava Sinfonia de 1884 a 1887. Mas, mesmo assim, o trabalho só foi estrear em 1892 com Hans Richter. Ou seja, o trabalho somente veio para o mundo propriamente 8 anos após a sua concepção. Tal característica era típica de Bruckner, que era dado a profundos e incessantes receios. Sua personalidade o impulsionava a tais atos. Mas, ainda bem, pois temos uma verdadeira obra prima. É um dos trabalhos mais prodigiosos do compositor. A versão que temos nest post é do ano de 1890. Não deixe de ouvir. Boa apreciação!
Anton Bruckner (1824-1896): Sinfonia No. 8
01. Applause
02. Allegro moderato
03. Scherzo. Allegro moderato – Trio. Langsam
04. Adagio. Feierlich langsam; doch nicht schleppend
05. Finale. Feierlich, nicht schnell
06. Applause
Hoje estamos postando uma versão de Turandot que nos foi solicitada pelos nossos amigos do blog, a ópera em três atos foi composta pelo italiano Giacomo Puccini (1858-1924) e estreada no Scala de Milão a 25 de abril de 1926 com Toscanini na batuta. Como já postamos AQUIcomentários e outras gravações desta fabulosa ópera, tentarei ser mais breve focando nos artistas desta gravação. Sem querer fazer de novo um resumo da ópera Turandot, vou apenas recordar que é uma história de uma princesa chinesa fria e cruel que, em vingança pela desgraça sofrida por um ancestral elaborou três enigmas para todos os seus pretendentes, se o pretendente não acertasse todos os enigmas ela mandava executar o indivíduo. Porém um príncipe estrangeiro se apaixona por ela, e consegue decifrar os enigmas, ela expressa seu ódio e raiva por ter sido superada. A ópera foi censurada na China por muitos anos porque o regime alegou que denegriu a China, os chineses e suas tradições, foi encenada apenas em 1998.
Feita em estúdio no ano de 1965 com Nilsson, Corelli e Molinari-Pradelli é perfeita para quem prefere intensidade e excitação desenfreadas acima de tudo, então, um baita Turandot. Francesco Molinari-Pradelli foi considerado como um maestro de fraseado correto, mas não genial, e eu não discordo, mas uma coisa que neste trabalho não falta é a emoção. No final do primeiro ato (que para mim é um bom exemplo para comparação com outras gravações, CD1 faixa 15) acelera para uma velocidade vertiginosa no clímax, criando o caos musical: não é suave, não é elegante, mas capta perfeitamente o desespero selvagem do momento como Calaf desafia a todos. De todas as gravações amplamente disponíveis, esta provavelmente é mais próxima de um “Turandot as verismo”. Em vez do lirismo clássico de Puccini, ou do charme e majestade exóticos do mítico cenário chinês, a principal preocupação aqui parece ser a sangrenta brutalidade e loucura do enredo. Nilsson fez de Turandot sua grande especialidade no repertório italiano; o papel principal é muito exigente e requer um soprano com meios poderosos; é por isso que os sopranos wagnerianos tomaram conta da fria e arrogante princesa chinesa, nenhum tão bem sucedido quanto a imponente Nilsson (gosto muito da Callas e da Caballé, mas a Nilsson representa o papel da forma que Puccini deve ter concebido). O resto do elenco é magnífico, com Scotto e Corelli fornecendo muita emoção. O emocionante Calaf de Franco Corelli com sua voz tremendamente poderosa incendeia a partitura. Outros Calafs são mais elegantes tanto musicalmente quanto emocionalmente (é uma questão de gosto, tem o incomparável Pavarotti, o Fernandi, Stefano, todos gigantes), mas poucos podem igualar a excitação crua que Corelli oferece. Como Liú, Renata Scotto transmite fragilidade e sentimento impecáveis, lindo de ouvir. Sua interpretação da cena da tortura (CD2 faixa 15) é de cortar o coração, com tons quebrados e melancólicos, chega a ser gutural e ainda assim ardente. Bonaldo Giaiotti canta Timur com um tom áspero, enquanto Ping, Pang e Pong de Guido Mazzini, Franco Ricciardi e Piero de Palma são igualmente um trio de vozes bem entrosados com personalidade de sobra, das versões que já ouvi acredito que é a melhor versão para estes personagens.O Rome Opera Chorus oferece o coro com tons bastantes suaves e firmes, com um som grande e robusto para melhorar a atmosfera de sede, sangue e paixão ardente.
Essa é uma gravação que realmente provoca faíscas. Sensacional!
O Libretto e a história “passo a passo” estão AQUI, extraído de um livro , “As mais Famosas Óperas”, Milton Cross (Mestre de Cerimônias do Metropolitan Opera). Editora Tecnoprint Ltda., 1983.
Abrem-se as cortinas e desfrutem da magnífica música de Puccini !
Turandot – Giacomo Puccini
CD1
01 Popolo di Pekino!
02 Padre! Mio padre!
03 Perduta la battaglia
04 Gira la cote! Gira!
05 Perche tarda la luna
06 La, sui monti dell’est
07 O giovinetto!
08 Figlio, che fai
09 Fermo! che fai T’arresta!
10 Silenzio, ola!
11 Guardalo, Pong!
12 Non indugiare!
13 Signore, ascolta!
14 Non piangere, Liu!
15 Ah! per l’ultima volta!
16 Ola, Pang! Ola Pong!
17 O Cina, o Cina
18 Ho una casa nell’Honan
19 O mondo, pieno di pazzi innamorati!
20 Addio, amore!
21 Noi si sogna
22 Gravi, enormi ed imponenti
23 Un giuramento atroce mi costringe
24 Diecimila anni al nostro Imperatore!
CD2
01 In questa reggia
02 Straniero, ascolta!…Nella cupa notte
03 Guizza al pari di fiamma
04 Gelo che ti dà foco
05 Gloria, O vincitore!
06 Figlio del cielo!
07 Tre enigmi m’hai proposto!
08 Ai tuoi piedi ci prostriam
09 Così comanda Turandot
10 Nessun dorma!
11 Tu che guardi le stelle
12 Principessa divina!
13 Quel nome!
14 L’amore …Tanto amore, segreto e inconfessato
15 Tu, che di gel sei cinta
16 Liù…bontà!
17 Principessa di morte!
18 Che è mai di me
19 Del primo pianto…
20 La mia gloria è il tuo amplesso!
21 Diecimila anni al nostro Imperatore!
O desânimo tomava conta de Ruggiero Leoncavallo (Nápoles, 8 de março ou 23 de abril de 1857/1858 – 9 de agosto de 1919 em Montecatini Terme, Itália). Tinha passado dos trinta anos e sua carreira só apresentava decepções. Quando, afinal, conseguiria emplacar uma ópera ? A primeira, Tommaso Chatterton, deixara de ser apresentada porque, à última hora, o empresário fugira com o dinheiro. Com dezessete anos, sem um vintém e perplexo com a desonestidade e a incompreensão de seus semelhantes, partiu para o Egito. Seu tio, que trabalhava como diretor de imprensa do Ministério do Interior, no Cairo, poderia facilitar-lhe as coisas. Mas os tempos bons nessa cidade também duraram pouco: estourou a guerra anglo-egípcia e êle foi obrigado a fugir, disfarçado de árabe. Em Port-Said ganhou algum dinheiro como pianista e conseguiu comprar uma passagem para Marselha, colocando-se a salvo.
A vida modesta em Paris, onde já residia havia alguns anos, agora melhorava: para não morrer de fome, Leoncavallo atuara em cafés-concêrto, compusera cançonetas para as vedetes de um music hall, dera lições de música e ensaiara cantores. Mas a Ruggiero faltava alcançar o sonho de projetar-se como autor de ópera: pediu conselho a amigos, entre os quais o barítono francês Victor Maurel, e teve a atenção despertada para o recente sucesso de outro italiano, Pietro Mascagni, obtido com Cavalleria Rusticana, através de um concurso patrocinado pelo editor Edoardo Sonzogno. Decidiu tentar o mesmo caminho: talvez fosse essa a estrada do sucesso. Incentivado por Maurel, Leoncavallo decide tentar os caminhos trilhados por Mascagni no sucesso de Cavalleria Rusticana.
Conseguiu a partitura da ópera vitoriosa, estudou-a e teve uma inspiração súbita: um caso trágico, acontecido quando criança, encaixava-se bem no esquema vitorioso de Mascagni. Um dia, num pequeno teatro napolitano, durante a representação de uma peça na qual abundavam cenas fortes de amor, o ator principal matara a heroína – que, na vida real, era sua esposa – e o traía com o criado. Depois, chamara o criado ao camarim, e lá também o matara. Para o público que assistia a peça, a morte no palco parecera parte do drama, mas para o pequeno Ruggiero, sentado bem próximo, tudo fora bem verdadeiro. Depois, o pai de Leoncavallo, que era juiz, seria encarregado de presidir o julgamento, fornecendo ao jovem maiores informações. O tema em si não era novidade: já havia sido explorado por outros autores, mas se prestava bem a uma ópera curta, tal como Cavalleria. Leoncavallo retirou-se para Vacallo, nas cercanias de Chiasso (cantão italiano da Suíça) e, em cinco meses, terminou os 70 minutos de duração de sua ópera – libreto e música -, seguindo o mais perto possível o esquema utilizado por Mascagni: um prólogo isolado do corpo da ópera. Várias cenas corais, um intermezzo orquestral. Até mesmo o tempo de duração das duas óperas era equivalente – com 4 minutos a menos para a de Leoncavallo.
O passo seguinte foi obter de Victor Maurel a promessa de fazer o papel de Tonio na estréia. A presença do bariono era muito importante, pois sua grande amizade com o editor Sonzogno era meio caminho andado para que este bancasse a ópera. Mas, para isso, Leoncavallo teve que ceder a algumas exigências do cantor: Maurel, temendo ser ofuscado pelo tenor que interpretava Canio (Fiorello Giraud, rapaz de 22 anos que era uma das revelações do bel canto na Itália), sugeriu mudar o nome da ópera de Pagliaccio (no singular) para Pagliacci (plural) ; dessa forma, ninguém poderia dizer que Canio era a figura central.
Outro pedido insistente foi a contratação de um jovem diretor, de idéias modernas, para dirigir a estréia: um tal de Arturo Toscanini. Com apenas 25 anos, no início da carreira, Toscanini dedicou-se com afinco à preparação do espetáculo, chegando a obter de Leoncavallo a divisão da ópera em dois atos (originalmente era em um só ato), de modo a tornar mais leve a apresentação. As negociações com Sonzogno, o único editor em condições de concorrer com Ricordi, na época, não foram longas. Embora assediado continuamente por autores em busca de patrocinador, Edoardo Sonzogno teve tempo de perceber, em Pagliacci, os mesmos componentes que haviam feito o sucesso internacional de Cavalleria Rusticana. Mais ainda: no trabalho de Leoncavallo pressentia a possibilidade de infligir outra derrota a seu concorrente editorial. Tudo aprovado, a estréia da nova ópera ficou marcada para 21 de maio de 1892, no Teatro Dal Verme, de Milão. “Lembro-me bem daquela extraordinária noite em que a ópera subiu a cena”, escreveu o crítico Claude Trevor. “Ninguém sabia coisa alguma sobre ela, exceto que era uma novidade, e de importância bastante para atrair a atenção de Maurel, que cantou a parte de barítono. O Teatro Dal Verme, inteiramente lotado, explodiu em frenesi. E ao cair do pano houve uma cena de entusiasmo tão selvagem como raras vezes se vê.” Até o final do primeiro ato, Leoncavallo foi obrigado a aparecer no palco doze vezes. A ária “Vesti Ia giubba” foi bisada e aclamada. Nem mesmo um acidente inicial – quando o burrico, que transporta os palhaços numa carrêta, tropeçou e provocou risos da plateia – comprometeu o brilho da peça. O regente ganhou entusiástica ovação. E todo o elenco – Maurel, Giraud, Adelina Stehle Mangiarotti, Daddi e Roussel – foi aplaudido de pé durante muitos minutos.
A crítica é que não se mostrou unânime nos aplausos (claro né?). Alguns apontaram a habilidade como libretista, mas faziam sérios reparos à qualidade e oportunidade da música. Outros viam no ousado enredo “sinal evidente da decadência do teatro lírico”. Aos críticos que atacavam ferozmente Pagliacci, Leoncavallo sempre retribuiu com indiferença ou desprezo. Depois de seu maior sucesso, o músico colocou, na sala de trabalho, uma grande fotografia do “manekenpis” (menino em pose de urinar, símbolo de Bruxelas) no ato de regar, com dourado esguicho, um muro no qual estava anotada a palavra “críticos”(boa essa!). Em pouco tempo, Pagliacci entrou no repertório dos maiores teatros do mundo. Foi traduzida em diversos idiomas (inclusive hebraico e búlgaro) e conseguiu ser mais representada em Paris do que Pelléas et Mélisande, de Debussy, considerada a ópera francesa de maior sucesso nos primeiros anos do século XX. Em 1945, a ópera de Leoncavallo chegava a apresentação de número 460 na Opéra-Comique de Paris. Foi uma das primeiras óperas apresentadas na televisão dos Estados Unidos e, em 1950, na Alemanha, foi levada em 23 teatros, numa mesma temporada. Depois de Pagliacci (conforme ocorrera com Mascagni, após Cavalleria), Leoncavallo não conseguiu emplacar mais nada de significativo até 1903, com uma simples cançoneta, escrita especialmente para a casa de discos Grammophono: Mattinata, que Enrico Caruso gravou com acompanhamento de piano do autor (já postado AQUI).
Resumo da ópera: Três horas de uma tarde de sol. É 15 de agosto (o ano se situa entre 1865 e
1870), dia da festa da Assunção. A entrada da pequena aldeia de Montalto, na Calábria. seus habitantes se reúnem em trajes festivos para saudar a companhia de atores ambulantes que ali armara acampamento. “Hoje – Grande representação – Palhaço”, lê-se no tosco cartaz em frente ao improvisado teatro. Tonio, o disforme integrante da troupe, observa com desdém a alegre multidão, e afasta-se, indo deitar à sombra do palco. Por fim, chegam os comediantes em uma carreta ornamentada e puxada por um burrico. Peppe, em trajes de Arlequim, conduz o animal com um chicote na mão. Nedda está sentada na frente da carroça. Atrás, vestido de Palhaço,seu marido Canio bate o tambor e conclama o povo. A multidão rodeia o carro aos gritos: “Viva Palhaço! Viva o príncipe dos palhaços!” Canio agradece, simulando cortesia, e tirando o barrete com gesto cômico pede a palavra, em meio ao riso geral. Anuncia pomposamente um grande espetáculo a noite, as 23 horas. (Na época, em algumas regiões da Itália, a contagem do tempo iniciava-se a partir das 20 horas. Assim, 21 horas seria a primeira hora e 19 horas, a 23a.). Todos prometem comparecer. Tonio acerca-se da carroça. Ao tentar ajudar Nedda a descer, recebe uma bofetada de Canio. Todos riem, confundindo o ciúme do Palhaço com uma amostra do que será a comédia.Um camponês convida os atores para beber. Canio e Peppe aceitam, mas Tonio alega ter que escovar o burrinho. “Cuidado, Palhaço”, insinua alguém jocosamente, “êle quer ficar só com Nedda para poder cortejá-la.” Canio não gosta: “É melhor não brincar assim comigo, meu caro. No palco, o Palhaço é indulgente com a esposa que o trai sob o aplauso do público. Mas o teatro e a vida não são a mesma coisa”. Há uma ponta de ameaça no ar e todos, inclusive Nedda, ficam constrangidos. Mas é o próprio Canio quem se encarrega de contornar a situação: beija Nedda afetuosamente e parte com todos em direção à aldeia, enquanto os sinos anunciam a missa.
Ficando a sós, Nedda medita sobre as palavras de Canio. Suspeitaria ele de que ela tem realmente um amante? Não, não é possível! Ninguém conhece seu segredo. Uma revoada de pássaros, entretanto, distrai seu pensamento e recorda-lhe uma canção que ouvira de sua mãe quando menina. Nedda põe-se a cantar. Tonio aproxima-se e elogia o canto de Nedda. Tenta confessar-lhe seu amor, mas é repelido com ironias e, por insistir, a chicotadas. Prometendo vingança, Tonio afasta-se com o rosto ferido. Nesse momento aparece o amante de Nedda: é Sílvio, um jovem camponês. Ela o adverte da imprudência de aparecer a luz do dia, mas o rapaz garante-lhe que não há perigo: Canio está longe, bebendo na cidade. E, diante dos receios de Nedda, êle sugere que ambos fujam nessa mesma noite, para longe. Enquanto isso, Tonio ouvira toda a conversa e se havia dirigido para a vila, a fim de prevenir Canio. Quando este chega, ainda consegue ouvir a despedida de Nedda: “Até a noite e serei tua para sempre’: Sai correndo atrás de Silvio, mas êste já se distanciara. De volta, Canio quer saber o nome do fugitivo. Chega a ameaçar Nedda com o punhal. Peppe o contém, lembrando que o povo está saindo da missa e se dirige para o teatro: a hora do espetáculo se aproxima. Todos se afastam discretamente, deixando Canio sozinho com seu desespero.
Chega a hora da encenação. Peppe com a corneta e Tonio com o tambor atraem os espectadores que chegam de todas as partes. A multidão toma seus lugares e mostra impaciência pelo começo da representação. De repente, as cortinas se abrem. No palco, um cenário mal pintado, que representa uma pequena sala com duas portas laterais e janela ao fundo. Colombina (Nedda) anda nervosamente em cena: ela aguarda Taddeo (Tonio), seu serviçal, que tarda a chegar. Da janela, ouvem-se acordes de uma guitarra. É Arlequim (Peppe), o amante de Colombina, que vem fazer-lhe uma serenata. Logo após chega Taddeo, trazendo as compras. Êle presta contas e, não resistindo a beleza da patroa, confessa-lhe sua admiração. As declarações de Taddeo são interrompidas pela entrada de Arlequim, que o derruba com um pontapé (todos riem) e depois se abrasa a amante. Ele planeja com ela uma fuga para essa noite. Canio (representando o Palhaço) entra de repente. E a tempo de ouvir a mulher gritando para Arlequim, que foge: “Até a noite e serei tua para sempre”. Invocando coragem, Canio prossegue a comedia: acusa Colombina de ter estado ali com outro homem; há dois lugares na mesa. “Que idiotice!”, responde Colombina. “Você está embriagado?” “Sim”, responde Canio, encarando-a. Na realidade, desde que a surpreendera com o rival, ele está transtornado. Assim, sem que o público perceba, a comédia começa a assumir caráter de realidade. Nedda, preocupada, insiste no roteiro da comédia e indica Taddeo (que se escondera) como o homem que a acompanhava. Tonio (Taddeo) aparece e pede – com sarcasmo exagerado – que Canio acredite na mulher. “Ela é pura! E seus lábios fiéis detestam mentir!” O público ri, mas o grito de ódio de Canio emudece todos: ele esqueceu a personagem e agora representa sua própria tragédia. Volta-se para a mulher e exige o nome do amante. Nedda tenta desesperadamente o retorno à comédia e chama-o Palhaço. “Náo. Não sou Palhaço!”, protesta Canio, enquanto o público comenta o realismo da cena. Desanimado, Canio deixa-se tombar numa cadeira, chorando sua amargura e lembrando o quanto fêz por sua mulher no passado. A platéia aplaude entusiasmada o que supõe ser uma excelente atuação. Nedda pede ao marido que a deixe partir, já que é indigna de seu amor. “Não”, responde Canio. Ela deve ficar e dizer o nome de seu amante. A jovem insiste em retomar a comédia e aponta Arlequim como tal.
Canio levanta-se furioso e exige: “O nome, ou tua vida!” Os espectadores estão confusos: já não é comédia aquilo a que assistem. Peppe tenta intervir, mas é contido pelo vingativo Tonio. Silvio quer aproximar-se do palco, mas a platéia, que se levanta assustada, o impede. Tomando de uma faca que estava sobre a mesa, Canio, cego de ódio, golpeia Nedda. Agonizando, ela grita por Silvio, que avança tentando salvá-la. “Ah, é você!”, grita Canio, voltando-se para o rapaz, e enterra-lhe o punhal no coração. Silvio cai fulminado junto a Nedda. E enquanto a multidão se precipita para agarrá-lo, Canio, imóvel, atordoado, deixa cair a arma, dizendo-lhes: “A comédia terminou . . . “
Esta gravação que vos trago é simplesmente maravilhosa. Os dois destaques aqui são Carlo Bergonzi e Herbert von Karajan. Eu escutei outras gravações desta ópera e apesar de serem boas gravações cada qual à sua maneira, a gravação de Karajan é distinta e soberba. Os tempos dos compassos estão certos e as sutis nuances e mudanças nos tempos são simplesmente deliciosas. Karajan aborda esta ópera com um conceito musical diferente do de seus antecessores e vemos o que pode ser feito com essa linda música além de reproduzi-la de maneira simples e rotineira.
Os cantores também são excelentes. Primeiro de tudo, Bergonzi é perfeito como o atormentado Canio. Em “Vesti la Giubba”, ele apresenta uma performance de um homem cujo mundo inteiro acaba de cair ao seu redor e, no segundo ato, “No Pagliaccio non Son” retrata um homem totalmente no final de sua melancolia. Para mim, este é um desempenho perfeito do Pagliacci. Os tempos de Von Karajan são perfeitos e seu fraseado com a orquestra é requintado. Taddei, canta um belo prólogo. Ele pode cantar lindamente, comicamente, e em um momento ele é quase mefistofélico, como na cena com Nedda. Joan Carlyle é uma excelente Nedda, embora não seja do mesmo nível de Callas (já postado AQUI pelo Bisnaga), mas muito atraente. Rolando Panerai canta muito bem, se não um pouco robusto, no papel lírico barítono de Silvio. Igualmente maravilhosa voz Tenor de Ugo Bennelli no papel de Beppe / Arlequino, que canta o papel com uma beleza e facilidade inigualável por qualquer outro Tenor.
A história “passo a passo” esta junto no arquivo de download com as faixas, o resumo da ópera foi extraído do livro “As mais Famosas Óperas”, Milton Cross (Mestre de Cerimônias do Metropolitan Opera). Editora Tecnoprint Ltda., 1983.
Pessoal, abrem-se as cortinas e deliciem-se com a magnífica obra de Ruggiero Leoncavallo!
Dois admiradores do blog (um de música brasileira e outro de música contemporânea em geral) estão se desfazendo de parte de seu acervo e mandaram aqui pro Rio (um me entregou em mãos) algumas coisas bem legais. Sem saber por onde começar, posto este concerto do irlandês Ben Dwyer, tocado pelo amigo Fábio Zanon com a RTÉ National Symphony Orchestra. A Orquestra Sinfônica Nacional da RTÉ é uma orquestra da Raidió Teilifís Éireann. É a primeira orquestra sinfônica de Dublin e uma das melhores orquestras da Irlanda.
O que falar sobre o concerto? Bem, vou criar uma nuvem para me esquivar dessa tarefa: esta obra pode ser tonal ou não tonal, virtuosística ou banal, densa ou frívola, bem orquestrada ou confusa, longa demais ou insuficiente, excepcional ou nada de mais. E você pode gostar ou não gostar – ou baixar e não baixar. Te vira.
“Eu gostaria de pensar que minha música convida o ouvinte a adentrar um mundo sonoro especial que atiça a imaginação e é cheio de cor e movimento. Em torno de formas, sons e texturas que se interpenetram e criam seu próprio espaço”. – Jane O’Leary
Não sou muito entusiasta de música textural, mas a americana residente na Irlanda Jane O’Leary me chamou a atenção por sua tentativa de realizá-la dentro da proposta que enuncia acima. Conheça a compositora clicando aqui.
Jane O’Leary (1946): In the stillness of time
Piano Quintet
1. First Movement (2:17)
2. Second Movement (3:44)
3. Third Movement (4:33)
4. Fourth Movement (5:10)
ConTempo Quartet; Jane O’Leary, piano
5. a piacere (4:57)
Paul Roe, bass clarinet
Why the Hill Sings
6. First Movement (6:04)
7. Second Movement (4:38)
Garth Knox, viola d’amore; Jane O’Leary, piano
In the Stillness of Time
8. First Movement (4:32)
9. Second Movement (5:28)
10. Third Movement (2:47)
11. Fourth Movement (4:28)
12. Fifth Movement (2:17)
RTÉ Vanbrugh Quartet
something there
13. First Movement (1:40)
14. Second Movement (2:40)
15. Third Movement (2:10)
16. Fourth Movement (1:30)
Concorde
17. Mystic Play of Shadows (9:58)
RTÉ Vanbrugh Quartet
“Esse é o mais lindo monumento erigido para a eterna glória da música”, assim declarou Debussy, que sempre foi um grande crítico da música de Richard Wagner, a respeito da ópera Parsifal, a última ópera composta pelo mestre alemão, sendo considerada por muitos críticos o ápice do cenário wagneriano. Tá bom…. “o mais lindo…” é muito, mas entre as 5 melhores obras, acho que aí sim fica mais coerente.
Na prazerosa busca em melhor informar aos leitores do PQP acabamos aprendendo muito com a experiência dos outros. Começamos com o que sabemos, partimos para a pesquisa em bibliografias que possuímos e, tendo um esqueleto do que pretendemos, partimos para a pesquisa na Internet. Até aí nada original. O que é interessante é chegar a algum site que já tenha pesquisado sobre o assunto sobre o qual pretendemos escrever e obter subsídios valiosos para adicionar ao nosso esqueleto. Hoje pela manhã, estava dando tratos à bola de como seria a abordagem da ópera Parsifal, para aqueles que não têm conhecimento da obra e resolvi pesquisar o fundamento histórico que Wagner musicou. Nesta ópera em particular existem diversos sites com as mais diferentes opiniões, misticismo, esoterismo, influências, simbolismos… e tantos outros “ismos”.
Vamos lá então: A ópera de Richard Wagner, “Parsifal”, tem sido, desde sua primeira apresentação no Festival de Bayreuth em 1882, um objeto de imensa fascinação para músicos, intelectuais e simples admiradores apaixonados pela música. Para os primeiros, o trabalho antecipa os desenvolvimentos do compositor desde “Tristão e Isolda”, e atinge um nível de complexidade além de qualquer composição anterior. Para os intelectuais, a mistura de várias teologias e filosofias de Wagner cria um esoterismo irresistível. A longa partitura é envolvida por uma mística incomparável e é, em uma palavra, sublime. Para os admiradores de música um monumento a beleza. Na abertura do libreto de sua última obra, Richard Wagner escreveu as seguintes instruções: “A ação da ópera Parsifal se passa no território dos guardiões do Graal, o castelo de Monsalvat, situado nas montanhas ao norte da Espanha Gótica”. A localização geográfica escolhida por Wagner não foi fruto de fantasia. Sua decisão foi tomada após uma série de pesquisas baseadas em fatos históricos (é baseada em Parzival, atribuído a Wolfram von Eschenbach (~1170 – ~1220)). Quem se deslocar de Barcelona em direção ao noroeste, após quarenta quilômetros de viagem irá divisar a montanha de Montserrat. Trata-se, sem dúvida alguma, da paisagem natural mais impressionante da Catalunha. Diz a lenda que São Pedro depositou em uma das centenas de cavernas que existem no maciço rochoso de Montserrat, uma estátua de madeira da virgem Maria, esculpida por São Lucas. A imagem foi descoberta no século VII e recebeu o nome de Virgem de Montserrat. No ano 976, foi construída uma pequena igreja perto do topo da montanha. Com o passar dos anos, começaram a se multiplicar uma série de milagres provocados por intermediação da virgem. Isto motivou as autoridades religiosas a construir em 1027, o mosteiro beneditino de Nossa Senhora de Montserrat. Hoje ele é considerado, após Santiago de Compostela, o segundo maior centro de peregrinações da Espanha. Em 1811, o mosteiro e a biblioteca foram saqueados e incendiados pelas tropas napoleônicas. Durante os trabalhos de restauração foi construído em um anexo, o museu de Montserrat, que possui em seu acervo obras de Caravaggio e El Greco. A ordem militar dos cavaleiros templários foi fundada na época das cruzadas, para defender o Santo Sepulcro. Sua primeira sede foi na mesquita al-Aqsa situada no monte do Templo, em Jerusalém. Com o passar dos anos, a ordem se transformou no mais poderoso braço militar dos cruzados, espalhando-se por toda a Europa. Dezenas de castelos dos templários foram construídos na Inglaterra, França, Alemanha, Portugal e Espanha, além daqueles espalhados pelo oriente médio. A ordem passou a ser indispensável ao governo pontifício e recebia total apoio dos papas. No século XIV, o Papa Clemente V e o rei da França, Felipe o Belo, se aliaram para destruir os templários e se apossar de suas imensas riquezas. Em 1307, Clemente V editou a Bula Pastoralis praeeminentiae ordenando a prisão de todos os membros da ordem. Acusados de heresia, os templários foram detidos, torturados e tiveram suas propriedades e bens confiscados. Seu líder máximo, Jacques de Molay foi queimado vivo. Antes de sua execução, protestando inocência perante os membros da inquisição, ele implorou a Deus para que no prazo de um ano, o Papa e o rei fossem chamados aos céus para se submeterem ao julgamento divino. A prece de Molay foi atendida. Em menos de um ano tanto Clemente V como Filipe IV morreram. Após a execução do Grão-Mestre do Templo, a Inquisição intensificou a perseguição dos membros remanescentes da ordem. Os últimos sobreviventes foram os templários da Catalunha, que receberam a proteção dos monges beneditinos e se refugiaram no mosteiro de Montserrat. Diz a lenda que o Santo Graal foi levado para este refúgio e escondido numa das grutas da montanha. Baseado nesses fatos, Richard Wagner foi buscar inspiração na história da Abadia de Montserrat, para criar o fictício castelo de Monsalvat, último território dos guardiões do Santo Graal. Até os dias de hoje, Wagner é um dos compositores mais apreciados na Catalunha e todas suas óperas foram traduzidas para idioma catalão.
Wagner concebeu a ideia de escrever “Parsifal” em 1857, mas tal como o ciclo do “Anel”, passou por um período de amadurecimento de 25 anos, tendo sido finalizada somente em janeiro de 1882. Vários críticos de arte inibem o público, desencorajando-o a assistir ou ouvir a ópera, ao afirmarem que a obra é tão séria e solene que apenas os entusiastas por Wagner conseguem apreciá-la. Na verdade, para quem gosta do gênero, e ignora as mensagens subliminares (criadas pelos tais e criativos intelectuais aproveitando os ganchos que o Wagner deixou), o enredo se torna simples e agradável, abordando conhecidas lendas e mitos medievais da época das Cruzadas. Mas gosto muito de enxergar o “algo além”, aquela dúvida que diz: “será que é isso” ? Acredito que o drama Parsifal ensina suas lições de vida. No entanto pelo que pesquisamos vamos dar algumas sugestões de interpretação do poema que podem não estar tão erradas, pois Parsifal é uma das mais místicas óperas. Podemos enxergar simbolismos por toda parte. A lenda pode ser considerada como representação da luta entre o paganismo e o cristianismo nos primeiros séculos da Igreja, os poderes da magia e as quentes paixões do coração humano lutando contra o poder crescente da verdade cristã e o poder vitorioso da pureza como retratado no herói inocente. Ou pode ser considerado como representando em uma lenda mística a história espiritual de Cristo vindo em presença posterior entre os filhos dos homens e imaginada no Parsifal místico. Wagner menciona que esta Escritura estava sempre em sua mente ao escrever Parsifal: “Porventura não fez Deus tola a sabedoria deste mundo? A loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens”. Ou além disso, pode representar, de maneira marcante e inspiradora, que os puros de coração obtenham as vitórias na vida; que os inocentes são os valentes filhos de Deus; que o coração que resiste à paixão do mal e é tocado pela piedade é o coração que
reencarna a pureza apaixonada do Cristo e pode revelar novamente o poder de cura, o Santo Graal de Deus. “Por mais medieval que a linguagem e o simbolismo de Parsifal possam ser”, diz um crítico moderno, “não podemos deixar de reconhecer a simplicidade e o poder da história. Seu significado espiritual é universal. Qualquer que seja o significado disso, vemos claramente que o cavaleiro inocente é Pureza, Kundry é a Maldade do mundo expressa em sua forma mais sedutora, e o Rei Amfortas sofrendo com sua ferida aberta é a Humanidade. Não se pode ler o drama sem emoção, sem se agarrar ao coração, em seu maravilhoso significado, lições edificantes e enobrecedoras “. Nas “Wagner’s Letters”, 1880, páginas 270, 365, 339 o mestre comenta: “O fundador da religião cristã não era sábio: Ele era divino. Acreditar Nele é imitá-lo e buscar a união com Ele … Em conseqüência de Sua morte expiatória, tudo o que vive e respira pode conhecer a si mesmo redimido … Somente o amor enraizado na simpatia e expresso em ação ao ponto de uma completa destruição da auto-vontade, é o amor cristão “. A ideia dominante em Parsifal é a compaixão como a essência da santidade, pode também sugerir que todas as grandes religiões em sua essência de paz e amor são semelhantes…. eita, chega…. !!! Vamos à música, podemos ficar filosofando aqui por muitas e muitas páginas, o mar de informação desta obra na net é incrível. Quem se interessar pode viajar por horas lendo e se divertindo.
Curiosidades e esquisitices: Quando de sua estreia no ano de 1882, as 16 apresentações foram regidas por Hermann Levi, filho de um importante rabino da cidade de Karlsruhe, que, apesar da insistência de Wagner para que se convertesse ao cristianismo antes do começo dos Festivais, permaneceu fiel ao judaísmo. Por coincidência, a regência do “Parsifal” no ano de seu centenário foi entregue por Wofgang Wagner, neto do compositor, ao maestro judeu James Levine. Outra curiosidade que envolve “Parsifal”, diz respeito aos aplausos: por ocasião da estréia, Wagner estabeleceu que ao final do 1º e 2º atos, o público deveria se abster de aplaudir, a fim de que fosse mantido o clima provocado pela música. O reconhecimento aos cantores e músicos seria reservado para o final do 3º ato. Com a morte de Wagner, sua família e seus admiradores quiseram ser mais exigentes que o falecido e ficou decidido que a ópera não seria aplaudida nem em seu encerramento. Esta tradição foi mantida até 1965, e atualmente existe o compromisso tácito da platéia de não aplaudir somente o final do 1º ato. Portanto, se um dia você tiver o privilégio de assistir Parsifal, não cometa o sacrilégio de aplaudir o final do primeiro ato. Nem respire.
Resumo (extraído do site: www.barroconabahia.com.br/parsifal/default.asp)
Parsifal foi estreada em 26 de julho de 1882 em Bayreuth. Tem 3 atos e 5 cenas
O Santo Graal, cálice com o qual Cristo celebrou a última ceia e com o qual José de Arimatéia recebeu o sangue derramado abaixo da cruz, e a Lança Santa com que o soldado romano feriu o Crucificado, foram entregues, por anjos que desceram à terra, para o puro e justo cavaleiro Titurel. Para guardar esta Santa Relíquia, ele construiu um castelo e fundou uma irmandade com outros cavaleiros puros, para defender as relíquias na terra. Foi também consagrado como o primeiro rei do Santo Graal e em todas as vezes que ele, com a irmandade, revelaram o Graal para celebrar os Santos Mistérios, uma força divina fortalecia os cavaleiros. Após a morte de Titurel, o filho deste, Amfortas, foi o sucessor como rei do Santo Graal. Mesmo morto, Titurel ainda vivia na cova, graças à força divina. Klingsor, um antigo candidato a membro da irmandade, e que não foi aceito por falta de pureza e capacidade moral, tornou-se inimigo da irmandade, um demônio. Amparado pelas forças do mal, ele tenta destruir a irmandade e, para isso, está procurando roubar e abusar das Santas Relíquias. Muitos cavaleiros já caíram nas armadilhas de Klingsor. Para acabar com a perseguição, Amfortas foi, um dia, para o jardim encantado, lutar contra o inimigo, Klingsor. Porém, aconteceu que mesmo o rei do Santo Graal foi vítima de sua maldade. Kundry, uma bruxa, amiga de Klingsor, incorporando uma personagem de belíssima mulher, roubou a consciência de Amfortas e, desta forma, ele caiu nos braços dela. Klingsor então pode roubar a Lança Santa e, com ela, ferir Amfortas. Somente graças à ajuda de Gurnemanz, um nobre cavaleiro, o rei conseguiu escapar no último momento, mas sua chaga foi grave e não quer se cicatrizar. A chaga traz dores e terríveis sofrimentos para Amfortas. Ele deseja a salvação, preferindo morrer a continuar com uma vida de sofrimentos. Mas a força do Santo Graal, a cada vez que Amfortas celebra os mistérios, fortalece-o, ainda que não o cure, uma vez que ele recebeu a chaga por força do pecado que cometeu com Kundry, contra sua própria natureza. Toda a irmandade perdeu força, acompanhando a fraqueza do rei, sendo o roubo da Lança Santa um sinal preocupante. Nas orações de Amfortas apareceu-lhe, certa vez, uma profecia do Santo Graal: “um dia aparecerá um tolo inocente que irá trazer a salvação e ser o novo rei.”
Primeiro Ato: Gurnemanz, o mais velho cavaleiro da irmandade, ensina aos jovens escudeiros o serviço dos cavaleiros do Graal. Kundry, como bruxa selvagem, aparece trazendo um bálsamo para Amfortas, que ela conseguiu na Arábia. Durante o caminho para banhar-se em um lago na floresta, o rei Amfortas aparece carregado em uma cadeira de arruar, acompanhado por alguns cavaleiros. No banho, ele procura aliviaras dores da chaga. Gurnemanz e Amfortas contam a origem do Santo Graal e as circunstâncias do roubo trágico, por Klingsor, aos escudeiros e cavaleiros, que se admiram. Após o retorno de Amfortas para o castelo, um cisne branco cai do céu. Os cavaleiros e escudeiros ficam escandalizados: “Quem cometeu um crime deste na floresta do Graal, onde todos os animais são considerados santos?” Logo os cavaleiros encontram o delinquente, o jovem que atirou a flecha improvisada no cisne branco. Durante o interrogatório do jovem atirador, Gurnemanz percebe que Parsifal nem sabe seu próprio nome, nem sua origem, nem tem noção da culpa por ter atirado no cisne na floresta santa. Gurnemanz tem a primeira noção de que este jovem poderia ser o anunciado tolo inocente. Desse modo, convida o jovem Parsifal para acompanhá-lo até o castelo do Graal, onde serão, naquele dia, celebradas as cerimônias da revelação do Graal. Em um cortejo solene, os cavaleiros entram, acompanhados por anjos, no templo do Graal. Parsifal, acompanhado por Gurnemanz, entra no templo e testemunha uma cerimônia grandiosa. Ele não demonstra reação alguma, permanecendo mudo e quieto em um canto. Amfortas entra, trazido em seu trono de arruar, pelos cavaleiros. Titurel, o pai de Amfortas e antigo rei que ainda vive na cova, pela força do Santo Graal, pede ao filho para iniciar a celebração. Mas Amfortas, fraco e cansado, sofrendo pela chaga, recusa celebrar a cerimônia. Os cavaleiros não se importam com isso e insistem, novamente, no início da celebração. Isolado e sofrendo as maiores dores, Amfortas finalmente cumpre sua função como rei do Graal, que coros de anjos acompanham solenemente. Parsifal permanece impassível em um canto, até o fim da cerimônia. Certamente Parsifal não pode ser a pessoa anunciada: mesmo um tolo completo, ele não demonstrou um único sinal de compaixão. Decepcionado, Gurnemanz expulsa Parsifal do templo do Graal.
Segundo ato: O que Gurnemanz ainda não descobriu é que Parsifal pode ser, de fato, o anunciado tolo inocente, o que o feiticeiro Klingsor já percebeu. Para acabar com Parsifal, Klingsor prepara as mais fortes armadilhas contra ele: mulheres sedutoras e a bruxa Kundry, incorporando a linda mulher, para fazê-lo também cair em tentação. Parsifal, que depois de expulso do Castelo do Graal já andou o mundo todo e aprendeu bastante, chega ao jardim encantado de Klingsor. Muitas mulheres, de beleza excepcional, tentam seduzi-lo, mas ele, inexperiente, pensa que são lindas flores. Kundry, a mais bela de todas, aparece e pede que as outras se retirem. Ela lança, agora, sua mais forte arma: ela chama Parsifal pelo seu nome, pois havia dois dias que ele não ouvia sua mãe o chamar e tinha-o esquecido. Parsifal lembra-se de seu nome e da própria mãe que o chamava, sempre, pelo nome. Recordações e muitas emoções inundam sua mente. Assim, Parsifal começa a compreender a vida, e tem início um processo de maturação. Kundry não consegue seduzir Parsifal, mas um único beijo que ela soltou foi suficiente para ele acordar: Parsifal começa a ter noção do que era o amor de sua mãe, do sofrimento e das dores que ele deu a ela através da fuga sem motivo. Parsifal agora entende as dores e os sofrimentos de Amfortas, como Rei do Graal de um lado, e pecador de outro. Entende, também, Kundry, que está querendo seduzi-lo, porém procura a libertação da possessão do demônio. Compreende a paixão do Salvador para a salvação de todos os homens. Depois dessa transformação de Parsifal, Klingsor não consegue nada contra ele. A Lança Santa que Klingsor joga, com toda raiva, contra Parsifal, para milagrosamente em pleno vôo, acima da cabeça deste. Assim ele pega a Lança Santa e, com ela, faz o sinal da cruz. Imediatamente Klingsor e o jardim desaparecem.
Terceiro ato: Por muito tempo a irmandade do Santo Graal vive sem a força sagrada, porque Amfortas foi fraco demais para cumprir a função da celebração do Graal. A irmandade está muito triste e Titurel morreu definitivamente. Naquela Sexta-feira Santa, a irmandade irá se reunir pela última vez para celebrar o funeral de Titurel. Gurnemanz vive perto do Castelo do Graal, como eremita. Nesta Sexta-feira-Santa, pela manhã bem cedo, Gurnemanz encontra Kundry, perto da casa dele, no meio da mata. Mas desta vez Kundry parece bem diferente, não há mais a mulher selvagem e bruxa como antes: ela mudou. Está vestida como uma penitente. Gurnemanz interpreta essa mudança como um bom sinal. Logo após, aparece mais alguém, um cavalheiro estranho, com um capacete fechado e armado, com uma lança. Quando o cavalheiro abre finalmente o capacete, Gurnemanz reconhece o que Kundry sentira antes: o estranho cavaleiro é Parsifal. E logo depois ele reconhece, também, a Lança Santa que Klingsor roubou e que Parsifal traz de volta. Assim, Gurnemanz descobre que Parsifal é, realmente, o anunciado redentor que trará a salvação para Amfortas. Como o cavaleiro mais nobre da irmandade do Santo Graal, Gurnemanz consagra Parsifal, com óleo, como novo rei do Graal. Como primeira tarefa, ele batiza a convertida Kundry, que lava os pés dele, seguindo o exemplo de Maria Madalena. Gurnemanz acompanha, novamente, Parsifal, agora como o novo rei, para a cerimônia no castelo, onde as últimas celebrações do Santo Graal, em homenagem a Titurel, falecido, irão acontecer. Amfortas, sofrendo muito, não quer saber da celebração do Graal, desejando apenas a morte. Recusa-se, veementemente, realizar a cerimônia, desejando ver-se livre do seu sofrimento. Naquele momento, quando a irmandade estava prestes a forçar Amfortas a cumprir sua função, Parsifal aparece com a Lança Santa. Ele toca com a lança a chaga de Amfortas e imediatamente a chaga se cicatriza. A anunciada salvação para Amfortas chegou. Como novo rei do Santo Graal, Parsifal preside a Santa Cerimônia, elevando o Santo Graal, abençoando toda a irmandade, anunciando que nunca mais deverá ser coberto o Santo Graal, e que todos tenham acesso a sua força. Coros de anjos cantam o apoteótico final: “Salvação para o Redentor”.
Para finalizar, Parsifal é pai de Lohengrin, um individuo que também teve direito a uma ópera de Wagner quando este era um rapazinho mais novo, ópera essa que futuramente postaremos !
Pessoal, o poema em português e a história “passo a passo” com fotos dos encartes originais estão junto no arquivo de download com as faixas, o resumo da ópera foi extraído do livro “As mais Famosas Óperas”, Milton Cross (Mestre de Cerimônias do Metropolitan Opera). Editora Tecnoprint Ltda., 1983.
PARSIFAL Opera em três atos de Richard Wagner, libreto do compositor.
PARSIFAL com M. Callas, B. Christoff, Vittorio Gui
Anos atrás, quando ouvi pela primeira vez essa apresentação de Parsifal , achei muito estranho ser cantada em italiano e ao mesmo tempo curioso. Após algumas outras audições, descobri um excelente desempenho tanto da adaptação para o italiano como dos cantores. A intensidade, o comprometimento e os momentos fascinantes que Callas, então com 27 aninhos, nos proporcionam particularmente em seu monólogo do ato II, “Grausamer”, no qual ela descreve o sucedido depois de ter rido de Cristo na cruz, é notável, a diva interpreta Kundry como uma pantera escura e neurótica, encantadora e antipática, sobretudo muito bem cantada. Baldelli, tenor, tem uma interpretação mediana, as vezes acho que grita demais. Já Christoff, que é abençoado com sua bela voz trovejante, parece um padre guardião ainda mais pontificável. Panerai, pinta Amfortas com muita gentileza, nobreza e grande força. Modesti é um Klingsor frio e calculista. Gui e a Orquestra Sinfonica Della Rai estão um pouco lento mas competentes. Não é exatamente uma gravação ao vivo esta feita entre 20 e 21 de novembro de 1950, mas uma gravação para rádio, que é muito diferente.
Kundry – Maria Callas
Parsifal – Africo Baldelli
Gurnemanz – Boris Christoff
Amfortas – Rolando Panerai
Titurel – Dimitri Lopatto
Klingsor – Giuseppe Modesti
Cavaleiros do Santo Graal – Aldo Bertocci e Mario Frosini
Escudeiros do Graal – Silvana Tenti, Miti Truccato Ritmo, Franco Baldaccini, Aldo Bertocci
Donzelas das Flores – Lina Pagliughi, Renata Broilo, Anna María Canali, Liliana Rossi, Silvana Tenti, Miti Truccato Pace
Orquestra sinfônica e coro do Rai de Roma
Gaetano Riccitelli, maestro do coro
PARSIFAL com Placido Domingo, Jessye Norman, James Levine
Sem dúvida Plácido Domingo se encaixou muito bem no papel de Parsifal, ele não se arrisca muito, mas exige exatamente o tipo de tons médios e baixos, ricos e poderosos, característicos do Placidão. Lembrando que ele é um “Jovem Tolo” de meia-idade. Kundry de Jessye Norman, retratando a sedutora enlouquecida figura, sugere credibilidade a psique torturada por trás dos gritos de cortar a respiração, tradicionais de Kundry. Gurnemanz, em muitos aspectos, o personagem mais interessante do trabalho, parece exatamente assim na performance ricamente peculiar de Robert Lloyd. Franz Mazura, um veterano Klingsor, competente, sua voz gotejando o mal, ele conspirou com amargura compreensível como o vilão. Ekkehard Wlaschiha era um Amfortas bastante sonoro, melodramático ! A regência de James Levine, um modelo de arrebatamento concentrado durante o período de cinco horas, colocou justamente a ênfase na partitura orquestral. Seus andamentos em seu estado mais lânguido dramatizam mais ainda esta ópera wagneriana. Gravação 01 de Junho de 1994.
Kundry – Jessye Norman
Parsifal – Placido Domingo
Amfortas – Ekkehard Wlaschiha
Gurnemanz – Robert Lloyd
Titurel – Paul Plishka
Klingsor – Franz Mazura
The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus
James Levine, Maestro
PARSIFAL com Peter Hofmann, Dunja Vejzovic, Karajan
Parsifal de Karajan parece crescer em estatura como uma interpretação em cada nova audição; ouvi há um tempão atrás, na época do vinil , esta versão que ora posto foi gentilmente cedida pelo FDPBach e ouvindo de novo na sua remasterização para o CD, parece ter adquirido uma nova profundidade, em termos de som, devido ao maior alcance da gravação e à maior presença de cantores e orquestra. Como em praticamente todos os casos, o CD oferece uma experiência mais imediata. A leitura de Karajan, um pouco distante no Ato 1, cresce em intensidade e sentimento com o próprio trabalho, alcançando uma força quase aterrorizante no Prelúdio para o Ato 3, que é sustentado até o fim da ópera. O Gurnemanz de Moll é uma performance profundamente expressiva e suavemente moldada de notável beleza. Vejzovic, cuidadosamente construída por Karajan, dá a performance de sua vida como Kundry. O tom de Hofmann como Parsifal descreve a angústia e a eventual serenidade do personagem em sua interpretação sincera e interior. Van Dam é um tanto plácido como Amfortas, mas seu canto exibe poder admirável e boa estabilidade. Nimsgern é malícioso como Klingsor. Eu gosto muito do tom sensual de Barbara Hendricks como a primeira donzela de flores. Os efeitos dos sinos e do coro distante dos meninos no domo da abadia são extraordinariamente belos e há vários momentos de arrepiar nesta leitura que são inigualáveis. A Filarmônica de Berlim é magnífica. Das gravações comerciais, a de 1979-80 de Herbert von Karajan para a Deutsche Grammophon é para mim a melhor gravação de “Parsifal”. Segundo comentários da Amazon nenhuma partitura se adequava às predileções de von Karajan mais do que essa ópera. Este é o maior Parsifal já registrado. Na minha opinião quando se trata de escolher uma gravação para viver numa ilha deserta essa seria uma das primeiras a levar, Karajan fodástico nesta gravação de março de 1981. A melhor de todas !!!!
Parsifal – Peter Hofmann
Amfortas – José van Dam
Gurnemanz – Kurt Moll
Kundry – Dunja Vejzovic
Klingsor – Siegmund Nimsgern
Titurel – Victor von Halem
Donzelas das Flores – Barbara Hendricks, Janet Perry, Inga Nielsen, Audrey Michael.
Berlin Deutsche Oper Chorus
Berlin Philharmonic Orchestra
Dia desses foi postado pelo mano PQP Bach uma gravação deste bom velhinho, Günter Wand, creio que da Nona de Bruckner. Resolvi então procurar e achei suas gravações das sinfonias de Brahms.
Amo, adoro e venero estas sinfonias, e não canso de procurar outras versões delas. Já devo ter umas 6, pelo menos. E ainda procuro aquela que poderei considerar definitiva. Toscanini, Fürtwangler, Karajan, Bernstein, Abbado, Wand, Klemperer, Jochum, todos eles sem exceção deram suas contribuições. Não consegui estabelecer um ranking entre estas gravações, nem pretendi fazê-lo, pois os vejo de diferentes perspectivas. Alguns críticos consideram as gravações de Toscanini e de Fürtwangler imbatíveis. Porém os métodos de gravação da época ainda eram precários, e por mais que os engenheiros de som trabalhassem, não conseguiam fazer milagres. Os outros acima citados viram a evolução das gravações, a criação do estéreo, do som digital.
Vejo nas obras dele um embate constante entre a razão e a emoção, e dependendo do regente, vemos este conflito quase que explícito. Por exemplo, o primeiro e o quarto movimentos da Sinfonia nº1, este último já discutido aqui no blog. Wand nos brinda com uma gravação impecável do ponto de vista do equilíbrio e dinâmica. O registro da massa orquestral nos momentos mais expressivos não soa tão grandiloquente quanto ao que Karajan imprimiu à Filarmônica de Berlim (tremo ao lembrar da abertura da primeira sinfonia na sua gravação dos anos 80), ou o Bernstein, um pouco mais contido, é verdade, à Filarmônica de Viena, porém acho que o resultado soou mais agradável, não tão assustador quando a de Herr Karajan. Wand é grande em todos os sentidos. Conseguiu colocar a excelente NDR Sinfonieorchester nos níveis de excelência de outras orquestras tradicionais alemãs, e a sonoridade que ele consegue extrair é exemplar, contando também com a ajuda da engenharia de som da RCA.
Deixem-me contar uma pequena crônica de minha vida, que se passou há exatos 20 anos atrás, quando morava em São Paulo. Minha casa tinha uma varanda nos fundos, de onde tinhamos uma vista privilegiada do bairro da Aclimação. Certo final de tarde de sábado, sozinho em casa, coloquei minha velha fita cassete da Sinfonia nº1 com o Karajan no walkman, sentei-me em uma cadeira, e fiquei ali ouvindo o velho Herbert regendo a sua Filarmônica de Berlim. Senti minha alma ser transportada para outra dimensão. Naquele dia fui agraciado com um pôr-de-sol de outubro deslumbrante, com nuvens assustadoras no céu, e quando soavam os timpanos da orquestra parecia que era a voz de Deus querendo falar comigo, ou pelo menos tentando. Não, não fumei nem tomei nada antes, e não arrisco dizer que foi uma experiência quase mística. Aqueles foram um dos momentos mais marcantes de minha vida. Nunca mais consegui experimentar a mesma emoção. Já ouvi esta sinfonia milhares de vezes, e ouvirei quantas mais forem possíveis, mas sei que nunca mais ter a mesma sensação.
Com relação á terceira sinfonia, bem, só tenho a dizer que se Brahms só tivesse composto o terceiro e o quarto movimentos desta sinfonia já teria dado sua contribuição para história da música ocidental. É uma sinfonia romântica em sua essência, talvez a mais desavergonhadamente romântica das quatro. Seu terceiro movimento é de um lirismo pungente, emocionante, quase nos leva às lágrimas. Nela Brahms extravasa suas emoções.
01 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – I. Un poco sostenuto, Allegro
02 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – II. Andante sostenuto
03 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – III. Un poco allegretto e grazioso
04 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – IV. Adagio non troppo ma con brio
05 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – I. Allegro con brio
06 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – II. Andante
07 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – III. Poco allegretto
08 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – IV. Allegro
Eu tava na agonia para postar este CD desde quando o comprei, em agosto. Queria compartilhar com vocês não os Concertos de Haydn e sim o Concertino do pernambucano Clóvis Pereira, escrito a pedido de Antonio Meneses. (Apesar de que as versões de Meneses para os dois Concertos de Haydn serem simplesmente ESPLÊNDIDAS).
Segundo apurei numa matéria na revista Concerto de julho ou junho, não me lembro, Meneses estava na casa do maestro Rafael Garcia, no Recife, quando o regente chileno mostrou uma gravação das Três peças nordestinas de Clóvis Pereira (creio que exatamente a mesma gravação postada há um ou dois anos aqui no Blog, do CD A música erudita de compositores populares pernambucanos).
Meneses gostou tanto do Aboio, o segundo movimento, que Rafael Garcia acabou apresentando por telefone o celista ao compositor e testemunhou a encomenda da obra, saída a pulso devido ao receio do autor de não fazer algo à altura do intérprete. Para se ter ideia da auto-exigência de Clóvis Pereira, ele — que é o maior compositor pernambucano erudito vivo, depois de Marlos Nobre — tem um catálogo que não deve passar de 25 obras (contabilizei 15 até agora), com a compensação de a maior parte delas ter sido gravada e ser eventualmente executada.
Quanto ao Concertino em si, creio que a maior virtude dele é a de se adequar a qualquer programa de concerto sem maiores dificuldades, por ser tonal e respeitar a estrutura tradicional dos concertos clássico-românticos além de se valer de temas e ritmos nordestinos marcantes, desenvolvidos através de um tratamento harmônico neoclássico que evitasse qualquer tentação de modalismo exoticista — vale lembrar que Clóvis Pereira foi aluno de Guerra-Peixe e um dos primeiros compositores armoriais. Prova dessa citada virtude é a sua inclusão entre os dois concertos de Haydn no presente disco.
Clóvis Pereira parece ter nomeado a obra de concertino, em vez de concerto, por conta das cadências curtas e da ausência de dificuldades extremas para o solista (o que ele compensou na Suíte Macambira (2008), para cello solo, já postada também aqui no blog). Essa prudência, já explicada dois parágrafos atrás, é até boa para evitar excesso de expectativa e comparações com obras estabelecidas.
O primeiro movimento, assim como o tema rondó do terceiro, é calcado em ritmo de galope nordestino e se vale da forma-sonata de uma maneira interessante e pouco usual: estabelecendo uma alternância tensão-afrouxamento a partir de um único tema em andamentos diferentes, o segundo mais lento.
O segundo movimento, monotemático, utiliza o mesmíssimo aboio das já mencionadas Três peças nordestinas, mas agora com um acompanhamento orquestral diferente e que atinge o clímax em fortíssimo no meio do movimento, imprimindo uma forma de arco ao direcionamento da dinâmica ao longo dos cinco minutos desta parte da obra.
O terceiro movimento alterna um outro tema de galope nordestino com um de frevo, o qual vem a revisar simbolicamente uma omissão histórica do Movimento Armorial na década de 70 – que rejeitou o frevo pelo fato de ser um gênero musical popular urbano e tonal quando os compositores armoriais bebiam majoritariamente da música folclórica rural e modal.
Dito isto, o concertino de Clóvis Pereira colocou-se como a mais apresentável e bem recebida peça para cello e cordas do repertório nacional não só pelo empenho de Meneses (que inclusive toca o Aboio em uma versão para cello solo como bis em alguns recitais e pediu a Clóvis Pereira a exclusividade de execução durante alguns anos) mas pelos próprios méritos: a não opção pelo virtuosismo extremado, pela dramaticidade, e pelo folclórico apelativo acabou favorecendo uma obra com melodiosidade e boa comunicação e soube fazer uma concessão ao público sem perder em termos estéticos.
PS.: O tema original do aboio, com extensão de quatro frases (a quarta com coda), foi gravado por Ariano Suassuna no interior da Paraíba e, fora o emprego por Clóvis Pereira em duas ocasiões, foi usado por Cussy de Almeida em seu próprio Aboio e no Gloria da Missa Sertaneja. Cada compositor criou desenvolvimentos temáticos diferentes para a toada de vaqueiro.
Clóvis Pereira (1932) e Joseph Haydn (1732-1809): Concertos para violoncelo
Haydn
1. Concerto For Cello And Orchestra No. 1 In C Major, Hob. VIIb:1: I. Moderato
2. Concerto For Cello And Orchestra No. 1 In C Major, Hob. VIIb:1: II. Adagio
3. Concerto For Cello And Orchestra No. 1 In C Major, Hob. VIIb:1: III. Allegro Molto
Pereira
4. Concertino For Cello And String Orchestra: I. Allegro Con Moto
5. Concertino For Cello And String Orchestra: II. Aboio. Adagio
6. Concertino For Cello And String Orchestra: III. Rondo Agalopado. Allegro
Haydn
7. Concerto For Cello And Orchestra No. 2 In D Major, Hob. VIIb:2: I. Allegro Moderato
8. Concerto For Cello And Orchestra No. 2 In D Major, Hob. VIIb:2: II. Adagio
9. Concerto For Cello And Orchestra No. 2 In D Major, Hob. VIIb:2: III. Rondo. Allegro
Neste terceiro CD da série dedicada ao grande pianista, compositor e professor Xaver Scharwenka (1850-1924) a gravadora Hyperion selecionou mais nove peças sempre com a competente interpretação da pianista turca Seta Tanyel. As peças que abrem este CD são quatro Danças Polonesas, Op 58, foram compostas quando Scharwenka estava no auge de seu poder criativo. Em contraste com seus trabalhos anteriores neste gênero, essas peças fazem um maior uso de harmonias cromáticas e modulações avançadas, mostrando maior maturidade do compositor, não são apenas meras referências às mazurcas de Chopin. Embora Scharwenka não fosse o nacionalista ardente há talvez uma referência irônica ao hino polonês na última peça deste conjunto. Já o Scherzo em sol maior, Op 4 (1869) é uma peça cheia de exuberância juvenil e um bom exemplo da capacidade de Scharwenka de compor de forma eficaz para sua própria exibição como virtuoso sem sacrificar o verdadeiro conteúdo musical. O pianista não recebe trégua enquanto a peça se desenrola, terminando com uma onda espetacular de dificílimas oitavas quebradas. O século XIX foi a idade de ouro dos grandes pianistas virtuosos que eram obrigados pela tradição a compor música para tocar em seus próprios concertos. Durante a primeira metade do século, em particular, muita música foi escrita principalmente para simples exibição de virtuosismo do intérprete e continha todas as dificuldades técnicas imagináveis. Um grande número de fantasias, rondós e conjuntos de variações sobre as melodias populares apareceram, que foram alvo de críticas muito negativas de músicos e compositores sérios, representados em particular por Robert Schumann. Scharwenka não foi exceção, criou obras para não ficar de fora da dita moda dos pianistas “malabaristas”. A Barcarolle em Mi menor Op 14 é uma peça curta composta no início da década de 1870. Scharwenka usa seu conhecimento profundo do piano com um bom efeito, com uma rica linha melódica acima de um constante e ondulante acompanhamento, peça bem bonita. A obra Novelette und Melodie, Op 22, (1875), encontamos alguma evidência aqui da influência de Schumann, particularmente na Novelette mais enérgica, em contraste direto, a simplicidade do Melodie cria um ar de tranquilidade zen. Com exceção de suas Danças polonesas, Variations para Piano, Op 48, foi provavelmente o trabalho mais popular de Scharwenka durante sua vida. Ele certamente tocava em seus concertos e, em 1919, foi interpretado pelo jovem Claudio Arrau em Berlim, em um concerto para celebrar o quinquagésimo aniversário de Scharwenka como artista, as Variações são um excelente trabalho de grande criatividade. Divirtam-se !
Peças para piano Volume 3
01 Polish Dance op 58 n01
02 Polish Dance op 58 n02
03 Polish Dance op 58 n03
04 Polish Dance op 58 n04
05 Scherzo in G major op 4
06 Barcarolle in E minor op 14
07 Novelette und melodie op 22 – Novelette
08 Novelette und melodie op 22 – Melodie
09 Variations for piano op 48
Olá pessoal, estou postando o segundo CD da obra de Scharwenka, assim como o CD 1 este conjunto de peças para piano surpreendem bastante pela harmonia gostosa e alegre de ouvir. Composto em 1877 e dedicado a Brahms, o Romanzero Op 33 é uma fantasia em quatro movimentos. O primeiro movimento dramático um scherzo é seguido por um Adagio bastante contemplativo, que serve como um intermezzo que conduz ao terceiro movimento. Aqui, após a abertura do Vivace, o tema do Adagio aparece novamente. No Allegro do último movimento parece sugerir uma polonesa de Chopin, melodia leve e envolvente. A sonatina em mi menor, Op 52 n º 1 foi composta em 1880. É bastante formal em estilo, seguindo modelos do período clássico, com um “Tempo di Menuetto” como o segundo movimento. A sonoridade desta sonatina lembra obras compostas voltadas ao estudo do piano, de habilidade intermediária, uma elegante peça para os pianistas amadores. Ao longo de sua carreira criativa, Scharwenka retornava constantemente a escrita das danças polonesas, assim como Chopin sempre retornava a escrever mazurcas. De fato, a maioria das chamadas danças polonesas de Scharwenka são mazurkas. Ele escreveu cerca de trinta ao todo, e os dois aqui que compreendem Op 29, em Dó menor e Si menor, respectivamente, foram escritos por volta de 1876. Como a maioria de seus trabalhos anteriores nesse gênero, eles consistem em um número pequeno de temáticas contrastantes e elegantes. Durante os sete anos que se passaram desde o aparecimento de sua primeira sonata para piano, Scharwenka estabeleceu sua reputação como compositor, e sua segunda sonata em Mi Op 36, composta em 1878, foi sem dúvida seu trabalho mais substancial para piano solo. Dividido em quatro movimentos, com o scherzo precedendo o terceiro movimento lento. Mais uma vez o conteúdo melódico é forte e a escrita do piano é de alto padrão consistente, como se poderia esperar de um dos principais pianistas do início do século vinte. Um apanhado de obras que nos remetem instantâneamente ao compositor que o mestre pianista Scharwenka gostava mais de interpretar: Chopin.
Aclamada tanto por suas performances distintas do repertório tradicional quanto por sua consistente defesa das obras de compositores menos conhecidos, Seta Tanyel tem atraído muita atenção do público em todo o mundo. Nascida em Istambul nos idos de 1947, de ascendência armênia. Ela recebeu inúmeros elogios da crítica por suas gravações nos selos das Chandos, Collins Classics e Hyperion. “As performances de Seta Tanyel estão além do louvor em sua inestimável série Scharwenka”, declarou a revista Gramophone. As gravações pelo selo da Hyperion foi descrita pela revista americana Fanfare como “uma adição diferenciada ao catálogo – um vencedor. Ouçam e divirtam-se !
Franz Xaver Scharwenka CD2
01 Romanzero Op 33 Allegro
02 Romanzero Op 33 Adagio
03 Romanzero Op 33 Vivace
04 Romanzero Op 33 Allegro
05 Sonatine in E minor Op 52 Allegro
06 Sonatine in E minor Op 52 Tempo di Menuetto
07 Sonatine in E minor Op 52 Allegro
08 Polish Dance Op 29 Vivace
09 Polish Dance Op 29 Moderato
10 Sonata No 2 Op 36 Allegro Maestoso
11 Sonata No 2 Op 36 Allegro appassionato
12 Sonata No 2 Op 36 Adagio
13 Sonata No 2 Op 36 Allegro con brio
A Sinfonia No. 4 em dó menor de Shostakovich foi feita em 1936, momento auge dos Grandes Expurgos ocorridos de 1934 a 1939, durante os chamados Processos de Moscou. Depois da consolidação do poder nazista em 1933, a Alemanha começara o desenvolvimento de sua indústria de guerra, preparando-se para a futura guerra contra a União Soviética, sua maior inimiga. Diante desse perigo externo, ainda havia o “perigo interno”, o crescimento da oposição de esquerda ao stalinismo por parte dos bolchevique-leninistas (trotskistas) na União Soviética. Muito da agitação dos opositores de esquerda ao stalinismo dessa época vêm do fôlego proporcionado pela Revolução Espanhola que se inicia em 1936, e também pela continuidade da Revolução Chinesa no sucesso da Longa Marcha, além do próprio perigo do nazismo que crescia. Diante disso, Stálin foi obrigado a tomar duas medidas: prender, executar e perseguir todos os perigos em potencial dentro e fora da União Soviética, inclusive executando todos os dirigentes do Partido Comunista e boa parte de seus militantes (executando também militantes revolucionários anarquistas e bolchevique-leninistas na Espanha), e, por outro lado, buscar um acordo com a Alemanha na fé de que a diplomacia impediria o ataque iminente (que foi firmado em 1939 no Pacto de Ribbentrop-Molotov).
No meio dessa conturbada conjuntura, Shostakovich, bebendo ainda dos ventos criativos da década anterior, estudava Mahler, e lançara sua ópera Lady Macbeth de Mtsensk, baseada na novela homônima de Leskov, fazendo imenso sucesso no mundo inteiro.
E foi através do jornal Pravda que Shostakovich, no meio de toda essa turbulência, ficou sabendo que sua ópera Lady Macbeth era atacada como “barulho ao invés de música”. Sua quarta sinfonia buscava dar um fôlego criativo para fora dos limites das duas sinfonias anteriores que se detinham sob a estética do realismo socialista. Além disso, a quarta sinfonia é quase uma apresentação do resultado de seus estudos sobre Mahler. Shosta termina a obra, mas impede a estreia que estaria marcada para dezembro de 1936.
ESCUTANDO A 4ª SINFONIA
Essa obra não se assemelha às sinfonias de Mahler apenas por todo o cromatismo tonal, mas também pelo tamanho da orquestra: 125 músicos. A duração também: por volta de 60 minutos.
Primeiro Movimento (Allegretto poco moderato – Presto)
o tema A se desenvolve por um longo tempo, numa tensão tão infinita que até Mahler ficaria espantado; ao fim, no que parece que será o clímax do início do movimento, temos uma quebra pela percussão, que inicia aos poucos, juntos a um solo de viola um novo tema, um tema B, até que é substituído pelo fagote que canta o tema A junto ao ritmo percussivo dos pizzicatos. Acaba inconclusivo, agudo e grave ao mesmo tempo, como se uma contradição imanente à música apenas se retirasse de cena, para cedo ou tarde, retornar…
Segundo Movimento (Moderato con moto)
Shostakovich aqui demonstra sua capacidade de fazer nascer de uma grande tensão algo libertador, como se a própria tensão estivesse prenhe de sua resolução. Apesar do começo com um tema dançante e lamentoso, já ao meio do movimento, após aparecimento aqui e ali de motivos do tema A do primeiro movimento, a futura resolução no terceiro movimento surge grandiosa, mas rapidamente desaparece; quase como se fosse um ensaio geral do que estaria por vir.
Após variações nas cordas, as flautas surgem repetindo o tema A deste movimento, que é interrompido brevemente pelas cordas, mas o tema retorna, variando, em meio aos metais que surgem com o tema B deste movimento. A harmonia vez ou outra beira outros tons, assim como fazia Mahler. Novamente, entre variações do tema A, o tema B surge nos metais, enquanto nas flautas se mantêm o tema A. É quase como uma briga entre metais e madeiras que sofre uma dura intervenção nas cordas do ritmo compassado do motivo do tema que finalizará a sinfonia no terceiro movimento. Os tímpanos também intervém, e tudo volta à “normalidade”. Isso ocorre ao final dos três minutos. Em seguida, o tema A retorna nas cordas em sua forma original, como uma dança lamentosa. Varia por um longo tempo nos violinos e violas, repete-se nos cellos, e se interrompem. As flautas entram em cena com o tema, variando-o a beira da dissonância, criando uma harmonia quase que “alienígena”, que vai ficando extremamente tensa até que os metais surjam novamente com o tema B, ao que acompanham as flautas. As cordas fazem o “baixo-contínuo”, e toda orquestra agora está engolfada por este tema. Um fagote solista faz a transição para o final do movimento, que termina com uma percussão que beira os dois temas sem se definir.
Terceiro Movimento (Largo – Allegro)
O terceiro movimento inicia com uma melodia grave surgindo nas madeiras e outro mais agudo surge no oboé e se repete nas flautas. Essa melodia, uma marcha fúnebre, tem uma gravidade semelhante à que tem o terceiro movimento da 1ª Sinfonia de Mahler, parecendo um tema folclórico. Os contrabaixos repetem-se no fundo como um coração batendo, enquanto as cordas leve e lentamente repetem o motivo deste movimento final; os sopros respondem; metais reclamam um tom grave e uma percussão delicada toca levemente. Lá, nos fundos, algum metal repete lentamente o motivo deste tema final. A delicada percussão do xilofone (ou vibrafone?) se mantém até o fim da sinfonia, com o grave dos contrabaixos constante, batendo como um coração, provavelmente inspirado no final da Patética de Tchaikovsky, encerrando a sinfonia num sombrio desfecho.
O INTERPRETE
A interpretação de Rattle é tipicamente inglesa: bem definida e comportada, dando ênfase nas danças, tornando as fanfarras dos metais quase em “valsas”. Falta algo da visceralidade misturada com a rigidez teuto-eslava dos russos, como se pode ouvir na interpretação de Kondrashin. O ponto forte de Rattle é a melodiosidade: sua rigorosidade inglesa ajuda a manter as melodias principais da sinfonia bem definidas, tornando-as empolgantes. Além disso, como todo bom inglês, sabe lidar bem com os metais.
FUNERAL RUSSO
A prova de que os ingleses são bons com os metais está na obra seguinte, o “Funeral Russo”, de Britten. Apesar de ser sua única obra com este arranjo, ele se sai muito bem. Pega a famosa canção “Tu caíste, como vítima, na luta!”, e a transforma numa quase-fanfarra de metais e percussão.
Essa canção, muito conhecida na Rússia, foi escrita em 1878. Foi cantada principalmente na Revolução de 1905, após o massacre do Domingo Sangrento realizado pelo Czar, e foi novamente recuperada em 1917, na marcha de março feita em Petrogrado em homenagem às vítimas da Revolução de Fevereiro. Graças às revoluções de 1917, ela se tornou mundialmente famosa, sendo cantada mesmo durante os protestos no ano de 1968 pela Europa. O próprio Shostakovich coloca essa canção no terceiro movimento (o Adagio) de sua 11ª Sinfonia. Foi muito utilizada também em filmes, como no “Encouraçado Potemkin” de Eisenstein, e também no filme soviético de 1935 “A Juventude de Maxim”.
Vejam esta bela cena do filme com a letra da música em português:
É interessante o que Britten faz com a obra: intercala a canção com uma fanfarra militar, quase que burlesca, que não tem muito a ver com a Rússia, nem com a canção. Mas tem muito a ver com Mahler e com o próprio Shostakovich (ambos utilizavam marchas militares de forma séria e também como paródia em suas sinfonias), e também com o momento em que Britten escrevia a obra, 1936: ascensão do fascismo na Alemanha e na Itália, Revolução na Espanha e na China, Processos de Moscou na URSS, etc.
Em síntese, ambas as obras conseguem sintetizar o espírito da primeira parte do século XX: fúria, terror, suspense, pesar, esperança. São obras sublimes, e o álbum é muito inteligente ao juntar as duas.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Symphony No. 4 in C minor op. 43; Benjamin Britten (1913-1976): Russian Funeral
Dmitri Shostakovich (1906-1975):
Symphony No. 4 in C minor opus 43
01 I. Allegretto poco moderato-Presto-(Tempo I)
02 II. Moderato con moto
03 III. Largo-Allegro
Benjamin Britten (1913-1976):
Russian Funeral
04 Russian Funeral (for brass and percussion) – Andante alla marcia – Un pochissimo animando – Tempo primo piu maestoso
City of Birmingham Symphony Orchestra
Simon Rattle, conductor
Grande blog PQP Bach… Vida longa ao melhor blog de música do Brasil !!!! Parabéns por mais um ano ! Vou postar nesta data de aniversário a ópera Sansão e Dalila do mestre Saint-Saëns (9 de outubro, 1835 – 16 dezembro, 1921). No início da segunda metade do século XIX a França foi tomada de uma moda de oratórios bíblicos; o governo francês, então, resolveu promover um concurso de obras do gênero. Saint-Saëns resolveu encarar este desafio. E inspirado em Haendel, a quem admirava muitíssimo, planejou compor um oratório baseado na história de Sansão que está encontrada no livro dos Juízes, no antigo testamento da Bíblia. A história que inicialmente Saint pesquisou e estudou foram os versos que Voltaire havia escrito em 1732 para que o compositor Rameau musicasse, fato que não aconteceu. Camille não gostou do texto, queria algo novo, não tão fiel às escrituras. Convidou o marido de uma de suas primas, um talentoso poeta chamado Ferdinand Lemaire à escrever um oratório sobre o tema, mas ele sugeriu a Saint que fosse sim uma “grand opera”. Em 1865 Lemaire entregou o libreto como o conhecemos hoje. Camille entre uma viagem e outra concluiu partes do que hoje é o segundo ato e chamou alguns convidados para uma audição particular da nova obra. Entre eles as duas árias mais famosas da ópera, cantadas por Dalila, “Amour, viens aider na faiblesse” e “Mon coeur s’ouvre a ta voix” (faixa7 CD do Carreiras). Porém a receptividade da plateia foi fria e o compositor deu uma leve “brochada” e pôs de lado a ideia. Numa das suas inúmeras viagens, em 1869, Camille encontrou seu amigo Franz Liszt e este o convenceu a retomar o trabalho e se comprometeu a encená-la no teatro da corte de Weimar do qual ele era o diretor. Saint-Saëns voltou ao trabalho, alternando momentos de entusiasmo e indiferença, o fato é que a ópera só ficou pronta em 1876. Em agosto de 1877 organizou uma representação da ópera completa na casa de um amigo na cidade de Croissy, a obra foi recebida friamente pois a moda dos temas bíblicos tinha passado completamente. Como diz o ditado “quem tem amigo não morre pagão” Liszt cumpriu a promessa e em 2 de dezembro de 1877 a ópera estreou em Weimar, com o libreto traduzido para o alemão. Foi um grande sucesso, porém a imprensa francesa, na época completamente germanófoba por causa da guerra Franco-Prussiana, ignorou completamente o sucesso. A ópera só foi estrear na França em 1890 graças aos esforços de uma aluno de Camille, Gabriel Fauré. Levou ainda dois anos para ser ouvida na Ópera de Paris, transformando-se num absoluto sucesso, até 1976 contabilizavam-se 965 apresentações de Sansão e Dalila só no teatro Palais Garnier. No Metropolitan de NY a ópera estreou na temporada de 1915/1916 com Margaret Matzenauer como Delila, Enrico Caruso como Sansão e Pasquale Amato como o Sumo Sacerdote. Desde então, o Met encenou produções da ópera pelo menos uma vez a cada década, dando mais de 200 apresentações do trabalho.
Plácido Domingo atuou como Samson na produção de San Francisco Opera de 1981 que ora disponibilizo na íntegra, gravação ao vivo. Já o CD com a Agnes e o Carreras é um highlight de dez faixas com os melhores momentos. Gosto mais da versão do Plácio Domingo.
“É a história de um homem que foi forte o suficiente para derrotar os inimigos de Israel, os filisteus, mas não o suficiente para resistir à malícia de uma mulher, ô mulherada poderosa… o Sansão ai do lado está só o pó! ”
Resumo:
Primeiro ato: Gaza, 1150 a.C. Em uma praça em Gaza, um grupo de hebreus implora a Jeová por alívio de sua escravidão aos filisteus; Sansão, seu líder, os repreende por sua falta de fé. Quando o comandante dos filisteus, Abimelech, denuncia os hebreus e seu deus, Sansão o mata e leva os hebreus embora. O Sumo Sacerdote de Dagon vem do templo filisteu e amaldiçoa a força prodigiosa de Sansão, partindo com o esquife do homem morto. Um hebreu antigo elogia o retorno de Sansão. As paredes externas do templo desaparecem para revelar a ex-amante de Sansão, a filistéia Dalila, que o convida a ir naquela noite a sua casa vizinha. Ela e suas donzelas dançam sedutoramente para Sansão, que se torna surdo às severas profecias do hebreu antigo.
Segundo ato: No vale de Sorek, Dalila chama seus deuses para ajudá-la a enredar e desarmar Samson, prometendo ao Sumo Sacerdote encontrar uma maneira de tornar o herói impotente. Sansão aparece, apaixonado apesar de si mesmo; quando Dalila o tem em seu poder, ela finge descrença em sua constância e exige que ele mostre seu amor confiando nela o segredo de sua força, chorando quando ele se recusa. Sansão ouve trovões como um aviso de Deus, mas não pode resistir a seguir Dalila para dentro. Pouco tempo depois, tendo finalmente aprendido que o segredo da força de Sansão é seu cabelo comprido, ela chama soldados ocultos filisteu, que correm para capturar e cegam Sansão.
Terceiro ato: Em uma masmorra em Gaza, o cego Sansão empurra um moinho em círculo, orando por seu povo, que sofrerá por seu pecado. Ele ouve suas vozes castigando-o. Durante um bacanal no Templo de Dagon, Dalila e o Sumo Sacerdote provocam Sansão. Quando eles o forçam a se ajoelhar diante de Dagon, ele pede a um menino que o leve aos dois pilares principais do templo. Sansão ora a Jeová para restaurar sua força e, com grande esforço, ele puxa os pilares e o templo, esmagando a si mesmo e seus inimigos.
A história “passo a passo” com fotos do encarte original do CD e DVD estão junto no arquivo de download com as faixas, o resumo da ópera foi extraído do livro “Outras Óperas Famosas”, Milton Cross (Mestre de Cerimônias do Metropolitan Opera). Editora Tecnoprint Ltda., 1983.
Parabéns ao blog e acima de tudo um ótimo divertimento!
Samson et Dalila, José Carreras, Agnes Baltsa
01 Dieu! Dieu d-Israel!
02 Arretez, O Mes Freres
03 Maudite A Jamais Soit La Race
04 Printemps Qui Commence
05 Samson, Recherchant Ma Presence –
06 En Ces Lieux, Malgre Moi, M-ont R
07 Mon Coeur S-ouvre A Ta Voix
08 Vois Ma Misere, Helas!
09 Bacchanale
10 Seigneur, Inspire-Moi, Ne M-aband
Dalila – Agnes Baltsa
Samson – José Carreras
High Priest of Dagon – JonathanSummers
Abimelech – Simon Estes
An old Israelite – Paata Burchuladze
Chor & Symphonie – Orchester das Bayrischen Rundfunks
Regente – Sir Colin Davis
Gravação – München, fevereiro 1989
Sansão e Dalila (conversão de DVD para mp3) – Plácido Domingo e Shirley Verrett
Act 1 – Chapter 2 até Chapter 13
Comentário Julius Rudel – Chapter 14
Act 2 – Chapter 15 até Chapter 23
Comnetário Julius Rudel – Chapter 24
Act 3 – Chapter 25 até Chapter 31
Comentário final – Chapter 32
Samson – Placido Domingo
Dalilah – Shirley Verrett
High Priest – Wolfgang Brendel
Abimelech – Arnold Voketatis
An old Hebrew – Kevin Langan
San Francisco Opera
San Francisco Opera Chorus
Regente – Julius Rudel
Gravação ao vivo, San Francisco Opera, 1981
Se, no cair da noite, algo em você pedir um clima litúrgico, experimente Franck.
Se pedir intelectualidade vibrante, desenvolvimentos de idéias ousados levando a orgasmos mentais, experimente Franck.
Se pedir contemplação serena, experimente Franck.
E se estiver num estado de sensualidade mais corpórea… mesmo isso eu digo que é possível encontrar em Franck – embora admita que sintonizá-lo nesse canal já não é bem assim pra qualquer um.
É domingo e não quero torrar ninguém falando de como Franck gera obras inteiras de motivos de duas notas, das construções em arco ou espelho tipo 12321, da quase obsessão com o número 3 (3 temas, 3 partes divididas em três, 3 na cam… – ops, aí eu já não tava lá pra ver). Digo apenas: aqui você tem 3 x 2 CDs, desfrute!
As peças famosas estão sempre no segundo CD de cada par. Tudo em ordem cronológica, dá pra ver como através de diversas tentativas menores um compositor prepara os músculos para um tour de force.
No caso de Franck isso parece se dar, justamente, em três grandes ondas. No topo da última reuniu em si o potencial de ruptura de um Wagner com o potencial de renovação-do-herdado de um Brahms. Inventou o uso do órgão como orquestra, e elevou a aplicação do intrumento até um nível onde, estendendo os olhos até o horizonte, a única outra coisa que se avista é Bach.
E no entanto mais de metade da obra, em volume, consiste de pequenas peças pra tocar nos ofícios ordinários de pequenas igrejas, concebidas para caber naquela sanfona com fole de pedal que se chama harmônio. Treinado pelo pai para a carreira de pianista-prodígio, fugiu dos teatros e palcos para ir criar belezas inconspícuas em espaços de devoção obscuros.
Não se negue que em algumas dessas peças o cheiro de igreja chega a ser incômodo – mas muitas outras são arranjos de noëls – cantos populares de Natal – que parecem conversar diretamente com as miniaturas para jovens pianistas de Tchaikovski, tão divinamente gravadas por Rimma Bobritskaia neste post do PQP aqui.
Pra terminar: já disse em outro post que, no meu ouvir, Hans-Eberhard Ross não declama as frases de Franck com a clareza desejável. Mas isso não quer dizer que o interesse desta edição seja só histórico, “aqui tem a obra inteira, embora esteja ruim de ouvir”. De jeito nenhum! No mínimo os timbres do instrumento são os mais incríveis que já vi brotar de um órgão: flautas mais azuis que céu do Sul em dia de geada, baixos abismais pra DJ nenhum botar defeito…
Para cada volume (par de CDs) tem ainda um livrim com quase 30 páginas, em ingrêis e alemão. Diverti-vos!
CD 1.1
01 Piece en mi bemol, 1846
02 Piece pour Grand Orgue, 1854
03 Andantino Gm, 1856
04 Fantaisie en C, version I, 1856
05-09 Cinq pieces pour Harmonium transcrites pour Grand Orgue par Louis Vierne
10 Offertoire, Allegretto moderato en A, ~1858
11 Fantaisie en C, version II, 1863
12 Quasi Marcia op. 22 pour Harmonium, ~1865
CD 1.2
Six Pieces pour Grand Orgue, 1859-1863
01 Fantaisie op16
02 Grande Piece Symphonique op17
03 Prelude, Fugue et Variations op18
04 Pastorale op19
05 Priere op20
06 Final op21
CD 2.1
01-39 Pieces pour harmonium ou orgue a pedales (L’Organiste II)
CD 2.2
01-05 Pieces pour harmonium ou orgue a pedales (L’Organiste II)
06 Fantaisie C major, version III, 1868
07 Entree pour Harmonium, 1875
08 Fantaisie en A (3 pieces pour Grand Orgue, 1878)
09 Cantabile (3 pieces pour Grand Orgue, 1878)
10 Piece heroique (3 pieces pour Grand Orgue, 1878)
11 Petit Offertoire pour Harmonium, ~1880
12 Andante quasi lento pour Harmonium, ~1880
CD 3.1 Pieces pour Orgue ou Harmonium, 1990
(7 sobre cada nota, em maior ou menor; projeto inconcluso, faltando 3 grupos: A, Bb, B)
01-08 Sept Pieces en C et Cm (+ Amen = 8 faixas)
09-16 Sept Pieces en Db et C#m
17-24 Sept Pieces ‘Pour le temps de Noel’ en D et Dm
25-32 Sept Pieces en Eb et Ebm
33-40 Sept Pieces en Em et E
41-48 Sept Pieces en F et Fm
CD 3.2
Pieces pour Orgue ou Harmonium, 1990 (continuação de 3_1)
01-08 Sept Pieces en F# et Gbm
09-16 Sept Pieces ‘Pour le temps de Noel’ en G et Gm
17-23 Sept Pieces en Ab et G#m
24 Choral I en E, 1890
25 Choral II en Bm, 1890
26 Choral III en Am, 1890
Para festejar a entrada de um novo ano o monge Ranulfus foi buscar vinhos de anos velhíssimos: a Idade Média.
Talvez o que mais o tenha inspirado a fazê-lo seja o nome do grupo: Chominciamento de Gioia – onde a primeira palavra (se não falha agora o tino linguístico do referido monge) com toda probabilidade é derivada no verbo italiano cominciare (começar), apenas que numa grafia incomum, dando ao conjunto o sentido de “puxar festa”, de provocação ou incitamento à alegria (gioia), ou até mesmo de “alegre começo”. Para que coisa melhor, então, numa entrada de ano?
Ainda mais falando de vinhos, videiras e vinhas!
Verdade que em muitas das peças o vinho entra domado por fortes sentidos religiosos – especialmente naquelas cantadas em (tinha que ser!) galaico-português.
Ainda assim, o monge espera que possa ser um bom divertimento a pelo menos uma boa parcela dos nossos leitores – ainda mais que os textos todos estão incluídos no arquivo. Isso ajuda até mesmo a seguir a versão orffiana (mais conhecida) da canção satírica In Taberna, da coletânea medieval de canções conhecida como Carmina Burana, que encerra o CD.
Mas agora vam’bora, cada um atrás da sua taça, que o ano não tarda!!
IN VINEA MEA: vinhos & vinhas na Idade Média com o Ensemble Chominciamento de Gioia
01 Bacche bene venies – Carmina Burana nº 200 – séc.13
02 Deficiente vino – Ms I-Pa 2788, Perugia – séc.14
03 Como Deus fez vynno 0 Cantigas de Santa Maria nº 23 – séc.13
04 Bon vin doit – Roman de Fauvel – séc.14
05 Alte clamat Epicurus – Carmina Burana nº 211
06 L’autre lèr cuidèl aver druda – Chãnson trobadorica, NN – séc.12
07 Ben pod’as cousas – Cantigas de Santa Maria nº 73 – séc.13
08 Sacerdos in aeternum – Ms I-Pa 2799, Perugia – séc.14
09 Procurans odium – Carmina Burana nº 12 – séc.13
10 Vinum bonum – Ms. Egerton – séc.13
11 Ges de disnar – Bertrand de Born – séc.12
12 Dixit pater familias – Ms I-Pa 2785, Perugia – séc.14
13 Poder a Santa Maria – Cantigas de Santa Maria nº 161 – séc.13
14 Felix vitis – Ms I-Pa 2785, Perugia – séc.14
15 A que Deus – Cantigas de Santa Maria nº 351 – séc.13
16 O Divina Virgo flore – Laudario di Cortona – séc.13
17 On parole / A Paris / Frese nouvella – Ms. Montpelier – séc.13
18 In taberna – Carmina Burana nº 196 – séc.13
PS: por muito tempo este CD pareceu inencontrável na Amazon – até que em 06/04/2016 o(a) leitor(a) que se identifica como Sedmagis nos enviou o link – que agora, finalmente, foi incorporado à imagem no alto do post, e de quebra matou a charada da inencontrabilidade: em 2010 recebi o arquivo com um erro de latim no título, que é IN VINEA, não IN VINA. Sem sermos especialistas em línguas mortas, acabamos engolindo essa mosca por mais de cinco anos. Valeu, Sedmagis!!
Aqui temos dois importantes representantes da música francesa do final do século XIX e início do século XX. Fauré, especificamente, é mais conhecido pelo seu Réquiem, com certeza uma das páginas mais belas da história música, tanto pela pureza, quanto pela simplicidade daquilo que ouvimos. No Réquiem de Fauré, percebemos um senso de equilíbrio, de elegância, clareza, recato poético, o que torna a obra absolutamente arrebatável. Sua música possui uma fragrância inconfundível. César Franck também foi o criador de um estilo bem singular no qual os atributos mais densos podem ser verificados em sua Sinfonia em D menor. Ou seja, nestes dois belos e tristes quartetos de cordas aqui apresentados, temos a oportunidade de descobrirmos um pouco mais do mundo artístico desses dois importantes compositores. Boa apreciação!
César Franck (1822-1890) – String Quartet in D major
01. Poco lento – Allegro
02. Scherzo:Vivace
03. Larghetto
04. Allegro molto
Gabriel Fauré (1845-1925) – String Quartet in E minor
05. Allegro moderato
06. Andante
07. Allegro
Não encontrei a data nem o local desta gravação – só sei que, depois de ouvi-la, reouvi-la e reouvi-la, não tenho como não compartilhar!
Sei, Friedrich Gulda é daqueles pianistas que (à parte seu envolvimento com jazz e sabe-se lá mais o que) não está muito preocupado se seu toque está de acordo com esta ou aquela concepção teórica de como a música deve ser: está interessado em fazer música de acordo com o que seu corpo & coração sentem que seja música – não por isso descuidando da capacitação técnica para realizá-lo. Nem todos gostam disso, eu sei… mas da minha parte, o resultado aqui, é, confesso, o Bach que eu gostaria de tocar (caso não tivesse fugido do trabalhoso caminho que é o da formação pianística).
Os primeiros minutos do recital me surpreenderam soando bastante como Glenn Gould (o que não é necessariamente uma crítica!), mas basta chegar à primeira Sarabande para perceber que estamos ouvindo um pianista que, longe de se ater a uma mesma abordagem programada para toda a vida, se reserva a liberdade de usar uma abordagem diferente para cada peça a que dirige seu coração. Não que essas abordagens sejam arbitrárias: aqui pela primeira vez ouvi algo de inglês nas Suítes Inglesas (especialmente nas Bourrés da 2ª Suíte [faixa 6] e as Gavottes da 3ª [faixa 17]).
Enfim: digo sempre que não gosto de instrumentistas que tocam, e sim dos que dizem a música com seus instrumentos. Pois no Bach de Gulda não encontro nem uma única frase meramente tocada: até a frase aparentemente mais secundária de uma voz de apoio, tudo é dito; cada frase se sustenta como um discurso em si.
Então vamos a esse discursos – depois desta última observação: o Prelúdio e Fuga do próprio Gulda, apresentado como bis, já foi postado aqui há algum tempo em versão de estúdio.
GULDA PLAYS BACH
01 Apresentação
J. S. BACH (1685-1750)
SUÍTE INGLESA nº 2 em la menor – BWV 807
02 I Prelude
03 II Allemande
04 III Courante
05 IV Sarabande
06 V Bourrée I e II
07 VI Gigue
CONCERTO ITALIANO em fa maior – BWV 971
08 I [Allegro]
09 II Andante
10 III Presto
TOCCATA em do menor – BWV 911
11 I Toccata
12 II Fuga
SUÍTE INGLESA nº 3 em sol menor – BWV 808
13 I Prelude
14 II Allemande
15 III Courante
16 IV Sarabande
17 V Gavotte I e II
18 VI Gigue
CAPRICCIO em si bemol maior
“SOPRA LA LONTANANZA DEL SUO FRATELLO DILETTISSIMO” – BWV 992
19 I Arioso (adagio)
20 II —
21 III Adagiosissimo
21 IV —
22 V Aria de Postiglione (allegro poco)
23 VI Fuga all’imitazione di posta
F. GULDA (1930-2000)
PRELÚDIO E FUGA
24 I Preludio
25 II Fuga
Caros começarei este texto com uma pergunta: será que o nome de um compositor pode influenciar a manter sua música nas salas de concerto? Pensem nisso por um momento. Quantos compositores têm nomes difíceis? Existem alguns, principalmente os russos, mas nomes como Verdi, Mozart e similares são fáceis de pronunciar. Chopin é um pouco complicado, mas é agradável de se pronunciar. Que tal Scharwenka? Schar-quem-nka? Franz Xaver Scharwenka ( 6 de janeiro de 1850 em Samter, Prússia – 8 de dezembro de 1924 em Berlim) não tem um nome fácil ou agradável para se pronunciar. Ele foi um pianista , compositor e professor polonês/alemão muito respeitado. Eu conhecia sua dança polonesa número 1 op.3 (faixa 6) e só. Achei uma coleção de obras em quatro CD’s (que postarei) e fiquei maravilhado. O cara era bom! Seus concertos para piano são fenomenais. Tome Rachmaninoff, misture-o com Tchaikovsky, adicione um pouco de Schumann e você terá um concerto para piano de Scharwenka. As obras desde primeiro CD são para piano solo interpretado pela pianista Seta Tanyel, de cara percebemos uma forte influência da música de Chopin. Mas são obras originais e encantadoras. Por que, por que, por que ele não é representado nas salas de concerto, ou mesmo nas rádios ? As instituições musicais temem que as pessoas não venham ouvir um compositor com um nome nada familiar ? É possível.
O público adoraria Scharwenka? Sim, sem duvida. Ouçam e cometem, eu sinceramente não conhecia este compositor e gostei muito !
Franz Xaver Scharwenka CD1
01 Xaver Scharwenka Piano Sonata 1 op 6 – Allegro
02 Xaver Scharwenka Piano Sonata 1 op 6 – Scherzo
03 Xaver Scharwenka Piano Sonata 1 op 6 – Cantabile
04 Xaver Scharwenka Piano Sonata 1 op 6 – Allegro Molto
05 Xaver Scharwenka Impromptu op 17
06 Xaver Scharwenka Polish Dance op 3 – 1
07 Xaver Scharwenka Polish Dance op 3 – 2
08 Xaver Scharwenka Polish Dance op 3 – 3
09 Xaver Scharwenka Polish Dance op 3 – 4
10 Xaver Scharwenka Polish Dance op 3 – 5
11 Xaver Scharwenka Polonaise op 12
12 Xaver Scharwenka Waltz Eglantine op 84
13 Xaver Scharwenka Polonaise op 42
Nem lembro onde encontrei esse CD que é quase uma espécie de ‘Bach’s greatest hits for organ’ realizado pelo músico de peso que é o holandês Tom Koopman. Não estou postando esta realização destas obras porque seja “a definitiva”, sei que jamais existirá realização definitiva de nenhuma música. Mas as realizações de Koopman me pareceram bonitas e instigantes demais para não serem conhecidas ao lado de outras realizações destas mesmas obras – ainda mais que até então nosso blog só tinha Bach por Koopman como regente, e não como organista.
Umas poucas palavras sobre as obras: a Toccata e Fuga em ré menor é possivelmente a obra mais conhecida de Bach Pai – mas lamentavelmente sobretudo através do clichê caricato do cientista maluco tocando no porão do castelo enquanto comemora alguma vitória que não tardará a ser revertida pelo super-herói. Talvez por tão desgastada é que Koopman tenha se sentido provocado a dar uma interpretação diferente já do ornamento do primeiro acorde – o que com certeza irritou muitos amantes de certezas mundo afora.
A Toccata, Adagio e Fuga em Dó maior não é de modo nenhum uma obra menor que a em ré menor – talvez até pelo contrário -, então fico feliz que Koopman a haja ‘contrabandeado’ entre os ‘hits’ mais conhecidos que são a em re menor e a Passacaglia ou Passacalhe em do menor – obra que não consigo deixar de comparar com a não menos famosa Chaconne em re menor: duas séries de variações interligadas sobre um tema pra lá de enxuto, com a diferença de que a Passacalhe é complementada por uma monumental Fuga sobre o mesmo tema, enquanto a Chaconne aparece inserida em uma suíte de danças (para lá de) estilizadas. Mas o que me parece mais instigante na comparação é que essas obras tão análogas sejam destinadas a meios instrumentais tão radicalmente diversos: uma, para o único instrumento que pretende ser toda uma orquestra na mão de um só executante; a outra para um supostamente débil violino desacompanhado.
Da Pastorale não direi nada senão que está entre aquelas poucas obras para órgão que dá pra ouvir na calada da noite sem incomodar os vizinhos – e que (para quem não conhece a tradição) está composta na tonalidade de fá como todas as peças que usam o nome “pastoral”.
E quanto aos corais… bom, relembro mais uma vez que “coral” é a palavra para “hino” na tradição luterana, e que todos os “corais” instrumentais são arranjos de tais hinos, com menor ou maior quantidade de material temático complementar.
J. S. Bach (1685-1750): Peças para Órgão
Toccata & Fugue In D Minor, BWV 565
1 Toccata 2:31
2 Fuga 5:29
Toccata, Adagio & Fugue In C Major, BWV 564
3 Toccata 5:07
4 Adagio 4:05
5 Fuga 4:26
6 Passacaglia In C Minor, BWV 582 12:50
7 Pastorale In F Major, BWV 590 12:00
6 Chorales Of Diverse Kinds (“Schübler” Chorales)
8 Wachet Auf, Ruft Uns Die Stimme BWV 645 4:09
9 Wo Soll Ich Fliehen Hin BWV 646 1:36
10 Wer Nur Den Lieben Gott Läßt Walten BWV 647 4:09
11 Meine Seele Erhebet Den Herrn BWV 648 3:24
12 Ach Bleib’ Bei Uns, Herr Jesu Christ BWV 649 2:19
13 Kommst Du Nun, Jesu, Vom Himmel Herunter BWV 650 3:23
Lembrei do Rubinstein esses dias… após o Roger Waters (Pink Floyd) se posicionar sobre a grave situação brasileira, se arriscando a levar vaias de parte da classe média paulistana e do nosso digníssimo Ministro da Cultura, que disse: “A gente não consegue mais ir a um show ou ver um filme sem que haja algum tipo de manifestação política.”
Deixo vocês com uma reportagem de 1964 e em seguida com a postagem original do Carlinus sobre um dos grandes pianistas do século XX. Rubinstein, Roger Waters e o ministro de Temer, quem será que está certo?
Músicos protestam contra a exclusão de negros das salas de concerto
O pianista Julius Katchen, que toca frequentemente na Europa e na Ásia, disse que a segregação é “uma fonte profunda de vergonha e constrangimento” para os norte-americanos no exterior.
Com o projeto de lei dos direitos civis agora no Congresso*, ele afirmou, “torna-se o dever de todos os artistas se recusarem a tocar em auditórios onde políticas de segregação são praticadas”.
Apesar de Arthur Rubinstein não ter chegado tão longe a ponto de endossar um boicote organizado, ele disse que os jovens artistas que se manifestaram contra a segregação deram “um passo certo e natural”.
Os perigos para uma sociedade livre, ele disse, são “apatia e complacência” em face da injustiça. Rubinstein disse que, como judeu, ele experimentou pessoalmente as consequências dolorosas do preconceito.
Ele discordou fortemente de uma declaração do pianista alemão Hans Richter Haaser de que os músicos deveriam se distanciar dos problemas raciais e políticos. “Os músicos também são seres humanos”, disse Rubinstein, “e eles têm a mesma responsabilidade moral que todo mundo em relação à sua sociedade.”
(Canadian Jewish Review, May 8, 1964, p.5)
*A Lei dos Direitos Civis (Civil Rights Act, em inglês), que pôs fim aos diversos sistemas de segregação racial, foi promulgada em 2 de julho de 1964
Esta série da RCA é espantosa. Têm gravações absurdas. Coisas realmente atordoantes. E este CD, por exemplo, que ora posto, é maravilhoso. A qualidade do áudio é ímpar.
Acredito que tenha mais de um ano que eu queria postá-lo. O disco possui um conjunto que dispensa comentários. Três compositores que souberam impingir um traço fantástico ao piano – Saint-Saëns, Franck e Liszt. Ou seja, o melhor que se produziu na segunda metade do século XIX. E ao piano, Arthur Rubinstein, um dos maiores pianistas e virtuoses do século XX. Das peças do post, gosto particularmente do Concerto No. 2 de Saint-Saëns. A obra é repleta de passagens belíssimas. Um bom deleite!
Camille Saint-Säens (1835-1921) – Concerto No. 2 in G minor, Op. 22
01. Andante sostenuto
02. Allegro scherzando
03. Presto
César Franck (1822-1890) – Symphonic Variations
04. Poco allegro
05. Allegro non troppo
Franz Liszt (1811-1886) – Concerto No. 1 in E Flat*
06. Allegro maestoso
07. Quasi adagio
08. Allegretto vivace
09. Allegro marziale animato
Symphony of the Air
*RCA Victor Symphony Orchestra
Alfred Wallenstein, regente
Arthur Rubinstein, piano
O monge Ranulfus confessa que de modo geral detesta dar atenção ao Natal… mas nesta sua temporada de peregrinações passou da mui barroca e africana cidade de Salvador para a de Curitiba, que, mesmo sendo capital de um dos estados mais caboclos do Brasil, concebe-se com tanta fé em algum ponto entre Paris e Viena que até chega a realizar de fato, em alguma medida, essa posição.
E, zanzando pelas ruas dessa capital caboclo-europeia, topou com uma apresentação da Camerata Antiqua na bonita Capela Santa Maria, resgatada pela cidade de um antigo colégio que se mudou (ver foto abaixo) – apresentação essa de caráter totalmente natalino… mas, relaxem, sem nada de Noite Feliz nem de Jingle Bells: um In Terra Pax do inglês Gerald Finzi (1901-1956) e o mais mencionado que conhecido Oratório de Natal de Camille Saint-Saëns, tudo isso numa realização de uma beleza serenamente arrebatadora – se é que alguém consegue conceber tal combinação de qualidades!
Naturamente o monge Ranulfus saiu de lá com enorme vontade de compartilhar aquele concerto com seus amigos do PQP Bach… mas não sendo possível conformou-se com esta gravação alemã do oratório de Saint-Saëns, deixando para ver se encontra a bonita obra de Finzi em outra ocasião.
Saint-Saëns tinha apenas 23 anos quando compôs este oratório, uma obra de ~40 minutos para 5 vozes solistas, coro, órgão, harpa e orquestra. O hino final é consideravelmente conhecido e cantado por aí, mas creio que há bem mais a conhecer e apreciar nesse oratório. Pessoalmente achei os tempos e dinâmica do regente Diethard Hellmann um pouco burocráticos, especialmente no primeiro recitativo e no hino final, que poderia soar bem mais exultante… mas acho que isso não precisa nos atrapalhar na descoberta da obra, não concordam?
Então vamos lá:
Camille Saint-Saëns (1835-1921) Oratorio de Noël, Op. 12 (1858) [39:38]
1-Prélude (Dans le style de Séb. Bach) (3:16)
2-Recit et Choeur: Et Pastores erant – Gloria (coro) (5:47)
3-Air: Expectants expectavi Dominum (mezzosoprano) (4:08)
4-Air et Choeur: Domine, ego credidi (tenor e coro) (4:01)
5-Duo: Benedictus qui venit (soprano e barítono) (4:03)
6-Choeur: Quare fremuerunt gentes (coro) (3:59)
7-Trio: Tecum principium (mezzosoprano, tenor e barítono) (4:23)
8-Quatour: Alleluja (soprano, soprano, contralto e barítono) (2:14)
9-Quintette et Choeur: Consurge, Filia Sion
(soprano, mezzosoprano, contralto, tenor, barítono e coro) (5:29)
10-Choeur: Tollite hostias (coro) (2:18)
Coro Bach e Orquestra Bach de Mainz
Verena Schweizer (soprano)
Edith Wiens (mezzosoprano)
Helena Jungwirth (contralto)
Friedreich Melzer (tenor)
Kurt Widmer (barítono)
Hans-Joachim Bartsch (orgão)
Barbara Biermann (harpa)
Diethard Hellmann (condutor)
Atendendo à uma solicitação de nossa querida Clara Schumann, estou postando aqui um CD que ela pede faz já algum tempo. A relação de todos nós, mais velhos, com esta gravação é intensa desde os tempos do LP. O que mais chama a atenção — além da extrema musicalidade de Karajan e de sua orquestra — é a precocidade dos solistas, e ao mesmo tempo a maturidade com que eles tocam. Até parece gente grande. e puxando um pouco para o lado do ufanismo verde-amarelo, dá orgulho de ver o pernambucano Antônio Meneses tocando ao lado de Karajan e da divina — ainda adolescente — Anne-Sophie Mutter.
Johannes Brahms (1833-1897): Concerto para Violino, Op. 77 , Concerto Duplo para Violino e Violoncelo, Op. 102
Johannes Brahms (1833-1897) – Violin Concerto in D Minor, op. 77
1 – Allegro non troppo
2 – Adagio
3 – Allegro giocoso, ma non troppo vivace – Poco pio presto
Cadenzas – Joseph Joachin
Johannes Brahms (1833-1897) – Double Concerto for Violin, Violoncelo e Orchestra, in A Minor, op. 102
1 – Allegro
2 – Andante
3 – Vivace non troppo
Anne-Sophie Mutter – Violin
Antonio Meneses – Violoncello
Berliner Philarmoniker
Herbert von Karajan – Direktor
Franz Liszt (1811 – 1886) idealizou as Rapsódias Húngaras como uma espécie de coletânea das melodias nacionais húngaras, desejava criar o que ele chamava de “epopeias ciganas”. Liszt compôs a primeira em 1846, aos 35 anos de idade, e a última em 1885, aos 74 anos. A maioria de suas rapsódias húngaras são fundamentadas na forma da dança cigana, conhecida como czardas. Quase cento e cinquenta anos depois da última composição elas são indiscutivelmente populares. Nelas encontramos o contraste entre a musicalidade séria e o exibicionismo virtuoso, que tornou o próprio Liszt tão fascinante. A fim de coletar músicas ciganas e absorver o sabor forte de seus ritmos, o lento orgulho do lassan e o frenesi selvagem do friska, Liszt visitou acampamentos ciganos, fez muito mais do que usar apenas as czardas. Ele milagrosamente recriou no piano as características de uma banda cigana, com seu violino solo e o irresistível e suave efeito percussivo do cimbalom, a cítara húngara. Ora há algo selvagem e apaixonado em sua música … ora há tons de profunda melancolia, uma dor de cortar o coração e um desespero selvagem, que o ouvinte é involuntariamente levada por estas envolventes melodias. O gênio de Liszt teve a sensibilidade de reunir canções que poderiam estar unidas em um corpo homogêneo, uma obra completa, suas divisões dispostas de tal maneira que cada canção formaria de uma só vez um todo e uma parte, que poderia ser separada do resto e ser examinada e desfrutada”, cada melodia individualmente, mas que, no entanto, pertenceria ao todo pela estreita afinidade, a similaridade e a unidade do desenvolvimento .
Rapsódias Húngaras
Rapsódia Húngara No.1 (composto 1846; publicado em 1851). Imponente, grandiosa e retórica, a primeira rapsódia faz uso de três canções húngaras com muitas elaborações pianísticas e mudanças harmônicas. Rapsódia Húngara No.2 (composto 1847; publicado em 1851). A segunda rapsódia é a mais conhecida das dezenove. Começa grandiosamente e heroicamente. Liszt recria no piano em um ponto o som do cimbalo, em outros sugerindo o violino cigano brilhante e impetuoso. Liszt escreveu sobre sua escolha de título: “Pela palavra Rapsódia, a intenção tem sido designar o elemento fantasticamente épico que consideramos que esta música contém … O nômade Cigano, embora se debatendo em diversos países e cultivando sua arte em outros países, foi no solo húngaro que veio a verdadeira valorização de sua música. Rapsódia Húngara No.3 (publicado em 1853). A terceira rapsódia está entre as mais curtas, assemelha-se a sons de sino bem afinado e foi mais tarde usada livremente por Busoni e Messiaen, entre outros. Rapsódia Húngara No.4 (publicado em 1853). Liszt escolheu temas baseados na música de Antal Gybrgy Csermolk, um talentoso compositor húngaro de música de câmara, a habilidade de Liszt de dar ao piano um som orquestral é revelada nesta rapsódia, com seus acordes ricos e deslumbrantes, padrões que cobrem toda a gama do teclado. Rapsódia Húngara No.5 (publicado em 1853). De acordo com musicólogos, a quinta rapsódia é um arranjo livre de uma dança húngara de Jozsef Kossovits, essa Elegia “Heroica” (Heroide-elegiaque é o subtítulo impresso) é diferente das outras rapsódias. Temas lembrando a Marcha Fúnebre de Chopin e o “Estudo Revolucionário” sugerem que o tema desta elegia era na verdade dedicada ao amado amigo de Liszt, que morreu em 1849.
Esta rapsódia para mim tem uma conecção especial, há muito tempo quando na TV passava todos os domingos de manhã um programa que se chamava “Concertos para a Juventude” Roberto Szidon sempre aparecia nos programas tocando alguma peça e nos intervalos ele aparecia numa propaganda de piano tocando uma melodia linda e que ficou gravada na minha memória, alguns anos depois descobri ser a terceira parte desta rapsódia, corri na “Casa Amadeus” no centro de São Paulo e comprei a partitura desta rapsódia, que ainda sei tocar (veja bem… tocar, não interpretar, isto apenas para os grandes….rs). Rapsódia Húngara No.6 (publicado em 1853). A sexta rapsódia é um arranjo magistral de quatro canções húngaras populares. Liszt começa com um ritmo de marcha, procedendo através de um Presto curto e alegre para um desenvolvimento de oitava brilhante. Rapsódia Húngara No.7 (publicado em 1853). A sugestão de que a sétima rapsódia deva ser tocada em “um estilo cigano desafiador e melancólico” é uma pista ampla de seu caráter. Consiste em uma introdução lenta improvisada seguida por uma seção principal que consiste em quatro temas populares e uma recapitulação. O tema da Friska é particularmente sedutor, trabalhado no estilo tipicamente virtuoso de Liszt. Rapsódia Húngara No.8. (publicado em 1853). A oitava rapsódia é cheia de ornamentação luxuosa e efeitos que simulam o cimbalo. Esta rapsódia é o trabalho final no primeiro livro publicado, com elementos lentos e rápidos que levam a um clímax final. Às vezes chamado de Capriccio, o principal motivo alegro desta rapsódia foi usado também por Liszt em seu poema sinfônico Hungaria (1856). Rapsódia Húngara No.9 (publicada em 1853). Conhecida como Carnaval de Pesth, Liszt criou uma das suas rapsódias mais longas e brilhantes. É um maravilhoso caleidoscópio de melodias de dança húngaras e um trabalho de enormes dificuldades técnicas e extenso conteúdo musical, especialmente no final elaborado. Rapsódia Húngara No.10 (publicado em 1853). Os efeitos de filigrana predominam na décima rapsódia como uma forma alternativa e desafiadora (preferida por Liszt), mas evitada por alguns virtuoses. O tema era da Egressy, embelezado pelos suaves glissandos ascendentes e descendentes de Liszt. Rapsódia Húngara No.11 (publicado em 1853). As figurações do cimbalo produzem um novo jogo de sonoridades nesta surpreendentemente curta rapsódia número 11. Em um clima de intimidade, em vez de ofuscar, instrumentos de cordas são sugeridos no rápido Vivace assai. Rapsódia Húngara No.12 (publicado em 1853). Liszt dedicou a rapsódia número 12, uma das mais elaboradas, ao distinto violinista húngaro Joachim, usando uma conhecida melodia húngara. A melodia ouvida em fortes uníssonos é uma czarda atribuída ao compositor e violinista húngaro Mark Rozsavolgyi, enquanto o tema Allegro zingarese foi composto pelo compositor cigano Janos Bihari. Rapsódia Húngara No.13 (publicado em 1853). Embora esta rapsódia ser a menos executada, é musicalmente uma das mais interessantes, com uma seção lenta amplamente desenhada, um vivace animado e um final brilhante. Depois de escalas ciganas húngaras na abertura lenta, Liszt cita as canções populares húngaras. Rapsódia Húngara No.14 (publicado em 1853). Estas é talvez uma das mais populares de todas, também usado por Liszt como a famosa Rapsódia para orquestra n º 1 e numa versão para piano e orquestra, como a Fantasia Húngara. Rapsódia Húngara No.15(Rakoczy March) (publicado em 1871). A rapsódia número 15 é mais conhecida como a Marcha Rakoczy. Esta mesma marcha foi usada por Berlioz em sua condenação do Fausto. Foi originalmente obra de Michael Barna, escrito em homenagem ao príncipe Francis Rakoczy, herói histórico da revolta húngara do século XVIII contra a Áustria. Continua a ser um símbolo da liberdade húngara e do orgulho nacional. Rapsódia Húngara No.16 (composto 1882; publicado em 1882). Uma poderosa fanfarra de oitavas leva à introdução lenta. Progressões harmônicas sutis caracterizam esta rapsódia, composta por ocasião de um festival de Budapeste em homenagem a Munkacsy, um amigo próximo que também pintou um famoso retrato do compositor. Este trabalho é construído em torno de um único motivo melódico que gira em torno de uma nota central. Rapsódia Húngara No.17 (publicado em 1882). Semelhante a anterior aesta rapsódia usa um acorde ou um tema cromaticamente alterado e depois repetido em sua forma original. Desde sua abertura, o impulso básico e o humor do trabalho permanecem sombrios. Rapsódia Húngara No.18 (composto 1885; publicado em 1885). Liszt a compôs por ocasião da Exposição Nacional Húngara, e foi publicada pela primeira vez em um álbum intitulado “Album de Exposição de Compositores Húngaros”. A abertura Lassan é marcada e lenta. Depois de aproximadamente cinquenta compassos, o rápido Friska aparece em figuras ligeiras na mão direita. A música da demonstra a simplicidade cigana. Rapsódia Húngara No.19 (composto 1885; publicado em 1886). Liszt explora um território harmônico mais desconhecido. Antecipando, talvez, as linhas dos compositores do início do século XX. O trabalho é repleto de passagens cintilantes em terças e cadências, excelente exemplo do estilo tardio de improvisação de Liszt, sondando novos efeitos harmônicos. Rapsódia Espanhola (composto em em 1863). Em 1863 Liszt entrou no mosteiro de Madonna del Rosario de Roma e dois anos antes ele aceitou ordens religiosas menores. Longe de haver qualquer impulso religioso para este trabalho, a rapsódia espanhola pode ser comparada a um retrato musical de Espanha e Portugal, onde, mais de vinte anos antes, ele havia começado uma turnê de seis meses passando por Lisboa, Madri e Sevilha. Duas melodias tradicionais que Liszt teria ouvido na península ibérica são centrais para este exigente trabalho de piano e ambos são nomeados no subtítulo da obra: “Folies d’Espagne et Jota Aragonesa”. Essas melodias fornecem a base para um trabalho virtuoso construído sobre o princípio da variação, sua transformação temática a um mundo distante de suas fontes renascentistas. Depois de uma grande abertura florescer, um primeiro grupo de variações começa à maneira de uma passacaglia, em “La Folia” – uma dança cortês – cada variação sendo superada pela próxima em imaginação e desenvoltura. A variação final, identificada por números de escala rapidamente ascendentes, funde-se na envolvente “Jota Aragonesa”. Essa ideia mais rápida aparece inicialmente sobre um acompanhamento evocando castanholas e saias rodopiantes, e pode ser ouvida principalmente no agudo do piano. Depois de uma pausa, o que parece ser um terceiro tema, com seu ritmo de parada, é na verdade o começo de outro grupo de variações sobre “La Folia”, agora explorando um território harmônico de longo alcance e concluindo com uma grande reprise do “Jota”. Uma breve cadência, em terços cromáticos, anuncia uma seção conclusiva onde Liszt alterna os dois temas, culminando em um reaparecimento final e triunfante de “La Folia”. Uma fantástica obra!
As Rapsódias Húngaras estabeleceram um perfil em que a incisividade e o exagero do espaço deveriam substituir a musicalidade. Em vez de músico, o pianista deveria desempenhar o papel de um gladiador em cena, um atributo típico dos últimos anos do romantismo tardio. Essas são as principais virtudes destas peças para piano, carregadas de musculatura expansiva, arpejos cintilantes e sonoridade teatral. Para satisfazer as grandes multidões do século XIX, o piano teve que ser martelado para obter os aplausos necessários. Neste sentido as interpretações de Roberto Szidon (1941 – 2011) são soberbas ! Para mim é o melhor conjunto completo das rapsódias já gravado. Claro que em peças individuais Horowitz ou Cziffra dão um show ímpar. Porém para mim este conjunto das dezenove rapsódias húngaras e sobretudo na rapsódia espanhola Szidon é soberano. Seu som forte e sua aparente “mão pesada” alternadas com passagens que pedem muita sutiliza fazem parte das rapsódias húngaras, pois elas precisam disso para garantir a sensação petulante de onipresença. Liszt era a personificação do som estrondoso, pitoresco, virtuoso. A interpretação de Szidon é altamente criativa com personalidade muito marcante. As peças de Liszt pedem um talento que seja multidimensional, e Szidon está magnífico em quase todas as rapsódias. Um trabalho digno de um dos melhores músicos que este país já gerou. Muitos são os pianistas brasileiros que têm lugar cativo entre os principais nomes da música mundial. Grande parte deles, desconhecidos do público de seu próprio País, são admirados por onde quer que se apresentem e figuram no panteão dos deuses do instrumento. Poucos, no entanto, tiveram uma carreira fonográfica tão bem-sucedida quanto o gaúcho Roberto Szidon. Esta gravação das 19 “Rapsódias Húngaras”, de Franz Liszt, nunca saiu de catálogo, relançadas em diversos formatos desde a aparição inicial, nos tempos do LP, em 1973, considerada uma das referências de excelência da obra, ao lado dos registros do mítico György Cziffra (1921-1994).
Apreciem sem moderação !
Franz Liszt (1811 – 1886): Raspsódias Húngaras e Rapsódia Espanhola
“Pra começar, o nome Radamés não existe. Foi inventado por Verdi numa ópera. Eu era pra ser Ernani, então apareceu outra parenta que usou o nome Ernani e minha mãe botou Radamés mesmo. Eu vejo o mundo como quando tinha dezoito anos, não tem diferença se estou mais velho ou mais moço, nada. Sou um sujeito feliz. Me casei duas vezes, muito bem casado, gosto da minha casa, da minha cama, de dormir, do meu piano – estudo muito – sempre tive bons amigos e o resto e o resto não tem importância nenhuma. Tenho meu pouquinho de dinheiro pra tomar o chope, quando não tenho, o Tom Jobim paga… sou feliz e pronto. Minha vida é rica de notas. Notas musicais.”
Falar de Radamés Gnattali dá um livro, como a formidável edição de 1996 do biógrafo Carlos Didier, parte de um projeto literário e cinematográfico. Radamés é um dos ápices da música brasileira, sem a menor sombra de dúvida; e a sua obra, embora ainda longe de ser devidamente apreciada, valorizada e interpretada (a família cobra pela xerox de obras aos pobres músicos que buscam interpretar peças mais raras), é um dos maiores tesouros da música. Sim, da música! e por que dizer nossa, se a beleza musical é para quem a ouve e a sente, a preza e ama? Seja daqui ou de Marte? Assim, vou deixando que Radamés fale por si ao longo desse texto, que redijo com especial carinho.
“Fico com inveja quando ouço Zimmerman, Pollini, Miguel Angelo Benedetti, principalmente quando tocam com orquestra. Eu estudei, ouvi e gosto mesmo é de concerto para piano e orquestra. É sempre o mesmo repertório: Chopin, Schumann, Rachmaninoff, mas gosto de ouvir porque sinto que tocar piano é que era o meu negócio, o que eu queria mesmo. É, e aí? Não pôde ser e acabou.” Diz Radamés, com uma ponta de amargura, ele de quem estima-se pelo menos 400 títulos de composições (fora as inéditas nos baús); mais os arranjos, que ao longo de 30 anos de trabalho nos discos e no rádio (Rádio Nacional), chegariam à faixa dos 10 mil. Primando não somente pela quantidade mas sobretudo pela qualidade musical e inovadora – a exemplo do arranjo de 1937 para ‘Lábios que Beijei’, na voz do grande Orlando Silva, onde pela primeira vez na produção fonográfica brasileira ouvem-se cordas numa canção romântica. Gnattali foi um dos maiores arranjadores da história. Oriundo da clave de Dó – violista de quarteto de cordas e diversos grupos de salão, incorporou ao cancioneiro brasileiro, com extrema habilidade e bom gosto, os elementos enriquecedores da música chamada erudita e do Jazz, chegando a ser acusado de americanizado pelo chato doidivanas e empolado Mário de Andrade (para mim uma espécie de Caetano Belle Époque sem o mérito de criar a beleza da qual o tropicalista é capaz). Ora, que dizer de Debussy, Stravinsky, Ravel… Seriam também pejorativamente chamados de ‘americanizados’? Bull Shit! Sempre fiz um paralelo entre Radamés e Gershwin. Ambos palmilharam com brilhantismo uma linha entre dois mundos musicais e nessa linha consolidaram suas identidades artísticas e seus estilos. A música de ambos foi escrita no rigor da pauta erudita, porém trazendo elementos ‘popularescos’. No caso de Gershwin, os elementos do Jazz; em Radamés, os estilos afro-brasileiros como o samba e seus derivados; o choro, mais a valsa e a música de concerto, com elementos ‘popularescos’. Quando ouvimos Gershwin ouvimos Gershwin, não propriamente Jazz nem música chamada erudita no rigor que se convencionou definir. O mesmo se dá com Radamés: Ele é ele e o resto da conversa é letra morta.
“Dizem que para ser boa a música tem de ser elaborada, mas eu não elaboro coisa nenhuma; aquilo vai saindo, vai saindo e pronto. Quando acabo eu digo: puxa, acabou essa merda e aí procuro fazer outra. Pra mim, tanto pode ser muito bom um choro, como uma sinfonia ser uma porcaria, ou uma sinfonia ser boa e o choro uma droga. Nesse ponto é tudo a mesma coisa.” Paradoxalmente… “Inspiração é coisa de cinema, o Chopin está lá assim, de repente dá aquela coisa e ele começa a escrever. Não sou assim não. Pra mim, é como no tempo de Haydn. Ele não tem cem, duzentas sinfonias? Isso dá trabalho, rapaz! Música pra mim é trabalho, não é divertimento. Alíás, pode ser também um divertimento.” “Sabe, eu só quero mesmo é fazer música que preste pra depois ir tomar meu chope.”
Figuras como Radamés não podem ser contempladas por fora dos anedotários – para a zanga dos ‘musicólogos sérios’, para os quais todas as informações devem trazer um selo de garantia acadêmica. Conta-se que o fabuloso Jacob do Bandolim conservava no teto da sala de sua casa uma mancha de cerveja como uma relíquia sagrada. Em certa ocasião na qual estavam reunidos ali alguns brilhantes músicos, o incomparável violonista Garoto executou uma das suas joias; ao fim do que, Radamés num transe apoteótico, lançou para o alto o conteúdo do seu copo de cerveja com um grito de exaltação.
É antigo princípio alquímico o de que nada vem do nada. Radamés, nascido em Porto Alegre, era filho de um imigrante de Verona vindo para tentar a vida como fabricante de rodas de carroça. Alessando Gnattali tocava bandolim e enamorou-se por Adélia Fossati, gaúcha, de uma família intensamente musical. Alessandro comprou um piano por 80 mil réis. Trabalhava de dia e estudava à noite, amanhecendo sobre as teclas. O marceneiro de carroças virou pianista, maestro, arranjador e professor, e trazia para o pequeno Radamés as novidades em matéria de partituras, especialmente do grande Ernesto Nazareth. Mas segundo Radamés, foi com Dona Adélia que aprendeu piano. Bibliófila, Dona Adélia também dirigiu ao pequeno o melhor que pode da literatura, o que incluía Dostoievski e Thomas Mann. “Até uns dezoito anos, meu pai comprava tudo de Villa-Lobos e me dava. Comecei a tocar Nazareth porque existiam partituras impressas. Não ouvia, tocava, pois naquele tempo não havia ainda vitrola, rádio, nada. Estudei nove anos de piano, querendo assimilar Bach, Beethoven, Schumann, Chopin…”.
O presente disco é um verdadeiro tesouro musical. A exuberância da música do mestre brotando diretamente de suas mãos, em temas consagradíssimos, colhidos do que há de melhor no repertório brasileiro. Matizados e revisitados numa poderosa e caleidoscópica gama de recriação e beleza. Minha ligação com este álbum é afetiva, pois que no ano em que saiu me foi presenteado pelo meu pai Uéliton Mendes (autor da mais completa discografia do Rei do Baião); na capa se lia a paráfrase do que Tom Jobim escrevera para Radamés, com ligeira modificação: “Alô Wellington, te ligo / Aqui fala o Radamés / Vamos tomar um chope / Te apanho na mesma esquina / Já comprei o amendoim…” Na sucessão de curvas que nos decorrem perdemos algo aqui e ali. Não sei onde foi parar aquele meu vinil, que ouvi pela primeira vez junto a outro grande amigo também já ido, o grande violonista e intérprete Ivan Andrade, de Itabaiana – Se; a quem devo muito conhecimento do melhor da canção brasileira, entre outras coisas, num tempo em que eu, mesmerizado pelos descobrimentos da música chamada erudita e o Jazz, nem queria saber de mais nada. Mea culpa!
Neste disco, o Radamés pianista exalta temas de outros cancioneiros. Eu diria, considerando o nível das faixas, que ele quase que faz deles seus – não tenho dúvidas de que os próprios autores, no decurso de uma audição atenta destas faixas, ficariam honrados por tal exaltação. Lamento somente que ele não tenha incorporado ao rol duas peças suas, para mim de primeiríssima beleza: Alma Brasileira e seu Noturno. Mas seria querer demais. A escolha de Radamés é magistral, uma verdadeira sucessão de ícones sonoros: Carinhoso, Ponteio, Eu preciso aprender a ser só, Corcovado, Chovendo na roseira, Manhã de carnaval, Cochichando, Do lago à cachoeira e Nova ilusão. Agradeço imensamente ao companheiro de Távola Musical Wilson Ammiratore e demais colegas do PQP Bach, por nos conseguirem esta joia, entre outras mais. Deixo a Coda do texto a cargo da voz do mestre:
“Faço meu trabalho honestamente como um bom operário sem esperar reconhecimento algum. Quero apenas uma recompensa melhor em dinheiro, não tem nada a ver com arte, compreende? Antigamente, pagavam sessenta, oitenta mil réis por arranjo e pra mim era bom, porque um par de sapatos a gente comprava por quarenta. Aliás, como posso cobrar por uma coisa que Deus me deu sem pedir nada em troca?”
E vamos à música! Viva Radamés!
Texto: Wellbach
Texto das Faixas: Aviccena
Mouse Conductor: Ammiratore
01. Pixinguinha e João de Barro – Carinhoso
02. Edú Lobo e Capinam – Ponteio
03. Marcos e Paulo Sergio Valle – Preciso aprender a ser só
04. Tom Jobim – Corcovado
05. Tom Jobim – Chovendo na roseira
06. Luiz Bonfá e Antonio Maria – Manhã de carnaval
07. Pixinguinha – Cochichando (listada como “Cochicho”)
08. Sergio Ricardo – Do lago à cachoeira
09. José Menezes e Luiz Bittencourt – Nova ilusão
Vamos voltar à Rússia com o Grand Duet (1959) para violoncelo e piano de Galina Ustvolskaya. A compositora, morta em 2006, teve um caso amoroso com Shostakovich; talvez um pouco traumático, já que aquela, nos últimos anos de sua vida, vilipendiava a imagem do compositor. A mulher era o cão e sua música retrata bem essa personalidade. O Grand Duet tem cinco movimentos com nenhum momento de alívio ou encanto. Uma obra genial por sua economia e sonoridade. No disco ainda temos a Sonata Nº 2 para Cello e Piano de Alfred Schnittke, no mesmo nível de “humor”. Já Epilogue, também de Schnittke, é uma OBRA-PRIMA. Engraçado é encontrar no início do disco uma peça de Piazzolla; bem fora do contexto, mas ótima. A interpretação de Rostropovich é esplêndida.
Piazzolla (1921-92) / Ustvolskaya (1919-2006) / Schnittke (1934-98) / Schnittke: Le Grand Tango / Grand Duet / Cello Sonata No. 2 / Epilogue
1 Le Grand Tango
(Composed By – Piazzolla) 9:33
Mstislav Rostropovich (cello), Igor Uriash (piano)
Cello Sonata No. 2
(Composed By – Schnittke)
7 I. Senza Tempo 4:11
8 II. Allegro 2:05
9 III. Largo 4:26
10 IV. Allegro 3:41
11 V. Lento 2:26
Mstislav Rostropovich (cello), Igor Uriash (piano)
12 Epilogue For Cello, Piano And Tape (From The Ballet, Peer Gynt)
(Composed By – Schnittke) 25:49
Mstislav Rostropovich (cello), Igor Uriash (piano)
Em julho de 1839, um pequeno navio mercante alemão viajava da capital da Prússia para Londres. Após cruzar as calmas águas do Báltico, no estreito que separa a Dinamarca da Suécia a pequena embarcação se deparou com uma violenta tempestade que se estendeu até a costa Sul da Noruega. Enquanto o comandante e a tripulação de seis marinheiros davam todos os seus esforços para manter o navio a salvo os dois passageiros, um jovem alemão de 26 anos e sua bonita esposa, se refugiavam na estreita cabina do comandante com todas as impressões de quem não está acostumado a viagens agitadas no mar; enjôos e aquele sentimento de que vão morrer a qualquer momento. Os passageiros eram Richard Wagner (1813-1883) e sua esposa Minna. Estavam “de carona” no navio e desembarcariam na França, pois sua ambição era completar e ver representada a ópera Rienzi na Ópera de Paris. Quando a embarcação foi obrigada a desviar para a costa da Noruega os ventos diminuíram e a tempestade ficava para trás, Wagner sobe ao convés e contempla a tripulação trabalhando e cantando enquanto passavam pelos labirintos dos fiordes noruegueses. Wagner descreveu o episódio da seguinte maneira: “Quando me senti quase aliviado, quando vi a extensa costa rochosa, era para lá que o vento nos impelia violentamente. Um piloto norueguês veio ao nosso encontro em uma pequena embarcação e com mão segura tomou o comando do nosso navio, graças ao que pouco depois tive uma das maiores impressões maravilhosas de minha vida. Aquilo que eu pensara ser uma linha contínua de montanhas, ao nos acercar, resultou em rochas separadas que se projetavam para o mar. Quando passamos delas, notamos que estávamos rodeados de arrecifes, não só pela frente como por trás, de maneira tal que parecíamos estar no meio de uma verdadeira cadeia de pedras. Essas rochas quebraram paulatinamente a ferocidade do furacão, que ia ficando cada vez mais para trás, pois as águas iam-se acalmando à medida que navegávamos por esse sempre cambiante labirinto rochoso. Finalmente, pareceu-nos estar sobre um lago tranquilo, quando fomos introduzidos em um fiorde, que a mim se assemelhou com a entrada do mar no fundo de uma profunda garganta pétrea. Uma indescritível sensação de satisfação me embargou a voz, quando os imponentes alcantilados de granito fizeram eco aos gritos da tripulação, enquanto soltava a âncora e baixava as velas. Senti os ritmos desse chamado como um bom augúrio, os quais se converteram no tema da canção dos marinheiros de “O Navio Fantasma” (ou, O Holandês Errante). A ideia da ópera fixou-se latente em minha imaginação e, devido às impressões experimentadas, lentamente começou a tomar forma poética e musical em minha memória.” Esta canção dos marinheiros é cantada no início da ópera (CD1 faixa 2) pelos marinheiros noruegueses quando eles escapam da tempestade. A lenda do Navio Fantasma ele a encontrou nas “Memórias do Senhor von Schnabelewopski”, de Heine. A história se refere a um capitão que jurou, apesar do mar tempestuoso, que o impedia, que dobraria o Cabo da Boa Esperança, mesmo que devesse navegar até o dia do juízo final. O diabo lhe tomou as palavras, e o dedicado holandês e sua tripulação se viram obrigados a navegar eternamente; mas era-lhe permitido ir a terra uma vez a cada sete anos, para ver se conseguiria encontrar uma mulher que o amasse fielmente até a morte, redimindo-o assim de sua maldição.
A redenção através do amor – uma idéia muito cara a Wagner.
Wagner, em plena juventude, em sua não tão agradável temporada em Paris (1839-1841), compôs a música do Navio Fantasma em apenas sete semanas. Deixou interessantíssimas e minuciosas notas sobre a concepção dos personagens e como deveriam ser interpretados. Originalmente, a estória se passava na Escócia, mas Wagner, tendo passado por aquela tormenta na costa norueguesa, situou a ação nesse país. Vamos ao argumento da ópera dividida em três atos:
Primeiro ato: Daland, um navegardor norueguês, vê-se forçado por uma severa tempestade a ancorar numa baía protegida, não muito distante de sua cidade. Ele e sua tripulação descem para repousar, enquanto esperam por melhor tempo, deixando o piloto sozinho montando guarda. Ele entoa uma canção (CD1 faixa 3) para manter-se desperto, mas acaba vencido pelo sono. Um sinistro navio de mastros negros pode ser agora visto. Ele vem flutuando e ancora na baía. Enquanto a fantasmagórica tripulação recolhe as velas vermelho-sangue, seu comandante vem à terra. Trata-se do lendário Holandês Voador, condenado com sua tripulação a singrar os mares por toda a eternidade. A cada sete anos é-lhe concedido desembarcar em busca de uma mulher fiel, que possa redimi-lo. Mas até então nenhuma mulher fora-lhe fiel, fazendo com que ele anseie apenas pela morte e pelo esquecimento (CD1 faixa 4). Ao despertar , Daland depara-se com o estranho navio e saúda o comandante. O holandês conta-lhe como por anos a fio tem desejado um lar. Ordena que lhe tragam de bordo um baú cheio de riquezas, e promete a Daland toda sua fortuna se este oferecer-lhe hospitalidade. Ao tomar conhecimento de que Daland tem uma filha, pergunta-lhe se ela poderia vir a ser sua esposa. O norueguês fica encantado com a perspectiva de um genro tão abastado (CD1 faixa 6) e o holandês vê mais uma vez renovar-se dentro de si a esperança. Nesse meio tempo, a tempestade amainou e sopra um vento sul que lhes permite retomar a viagem de volta à casa. Ao canto da tripulação, o navio de Daland faz-se ao mar, o holandês promete segui-lo assim que seus homens tenham descansado.
Segundo ato: Na casa de Daland moças estão cantando e fiando sob a supervisão da velha ama, Mary (CD1 faixa 11). Somente Senta, filha e Daland, não toma parte. Ela está absorta contemplando um quadro na parede, que retrata o Holandês Voador. As outras moças riem de seu interesse pelo retrato, e brincam dizendo-lhe que o caçador Erik, que a ama, ficará enciumado. Senta pede a Mary que cante para ela a velha balada do Holandês Voador, cuja sorte a emociona tão profundamente. A ama nega-se a fazê-lo e a própria Senta canta a lenda do comandante cujo juramento blasfematório condenou-o a errar pelos mares, até que possa encontrar uma mulher que lhe seja fiel até a morte (CD1 faixa 13). Sena canta com crescente emoção, e as companheiras a ouvem cada vez com maior interesse, acabando por juntar-se a ela no refrão. No final, presa de selvagem excitação, Senta declara que deseja ser a redentora do holandês. Mary e as moças ficam horrorizadas, assim como Erik, que acabara de entrar trazendo a notícia da volta de Daland. Mary conduz as fiadeiras para fora, para prepararem as boas vindas aos marinheiros, mas Erik retém Senta e tenta fazê-la voltar a si de sua obsessão pela lenda do holandês. Sabedor de que o pai de Senta não aceitaria um genro pobre, Erik tenta conseguir pelo menos alguma retribuição pelo amor que volta de declarar-lhe (CD2 faixa 3). Senta responde de maneira evasiva. Erik narra-lhe um sonho que tivera, onde vira Senta e o misterioso navegante do quadro desaparecerem juntos no mar (CD2 faixa 4) Senta interpreta o sonho como profecia, declarando em êxtase que se sacrificaria pelo holandês. Erik sai desesperado, e Senta volta a contemplar o retrato. Nesse momento Daland entra com o holandês. Ele explica à sua filha que o estrangeiro desejaria casar-se com ela, e fala de sua riqueza, ao mesmo tempo em que louva a beleza da filha para o holandês (CD2 faixa 6). Querendo deixá-los a sós, ele sai. O holandês contempla Senta sonhadoramente, reconhecendo nela a mulher fiel com que sempre sonhou (CD2 faixa7). Senta, por sua vez, promete que cumprirá os desígnios de seu pai, e quando o holandês fala de seus sofrimentos ela demonstra sua simpatia e compaixão. O holandês acredita que seus sofrimentos estão para acabar. Quando Daland volta para saber o que a filha havia decidido, ela jura que irá casar-se com o estrangeiro, sendo-lhe fiel até a morte.
Terceiro ato: A bordo de seu navio, os marinheiros de Daland estão celebrando a volta ao lar (CD2 faixa 12). O navio do holandês está ancorado bem perto, sinistramente sombrio e silencioso. Chegam as moças trazendo comida e bebida. Chamando os marinheiros holandeses para virem juntar-se a eles. Mas não há resposta, nem mesmo quando os marinheiros de Daland renovam o convite. Os marujos noruegueses divertem-se dizendo que aquele deve ser o navio fantasma do Holandês Voador, e retomam seu canto, enquanto as moças se afastam. Nesse momento inicia-se um movimento crescente no navio do holandês, que começa a jogar e a sacudir, como se estivesse sendo acossado por uma tempestade, apesar do mar no porto permanecer perfeitamente calmo. Irrompe então um coro selvagem, fantasmagórico, fazendo calar o canto dos noruegueses, que fogem apavorados, perseguidos pelas risadas zombeteiras e enregelantes da tripulação espectral do holandês. Senta sai da casa de seu pai, seguida por Erik, que a censura amargamente por sua decisão de casar-se com o estrangeiro, que ele havia reconhecido pelo fatídico quadro. Erik insiste em que Senta havia jurado anteriormente ser fiel apenas a ele (CD2 faixa16). Surpreendendo a conversa o holandês julga ter sido mais uma vez traído. Apesar de todas as que quebram o juramento feito a ele serem eternamente condenadas, Senta ainda não lhe jurara fidelidade diante de Deus. Assim sendo, o holandês resolve abandoná-la imediatamente, para evitar sua ruína. Erik chama Daland, Mary e os outros, para ajudarem a impedir Senta de seguir o estrangeiro que agora revela, abertamente, sua identidade como o Holandês Voador, antes de mais uma vez fazer-se ao mar. Senta consegue livrar-se, volta a jurar que será fiel ao holandês até a morte, e tira-se no mar. O navio maldito lança-se sobre as ondas e vê-s, à distância, as formas transfiguradas de Senta e do holandês, alçando-se juntos rumo ao céu.
(Trechos retirados do encarte do vinil da versão do Sir Georg Solti, 1976, texto Gerd Uekermann ).
O Navio Fantasma, uma obra de prodigiosa genialidade. Wagner se identificava intensamente com o Holandês Voador como se pode sentir já bem no início da Abertura, onde quatro trompas lançam o tema audaz do comandante do navio, guiado pelo destino contra o vento uivante colocado em movimento pelas madeiras agudas, trompetes e cordas em tremolo. Mais do que qualquer outro trabalho de Wagner, esta ópera dá aos estudiosos e ouvintes uma visão fascinante sobre o início da direção de sua autêntica criatividade, ai o gênio ainda jovem descobre seu verdadeiro eu. Ainda inconscientemente ele semeia um processo original que o separaria da ópera tradicional. A qualidade da música é de inextinguível vitalidade. Esta performance do Festival de Bayreuth de 1985 que compartilho com vocês é soberba! Simon Estes esta sensacional sua voz é esmagadora e dá ao holandês a credibilidade e presença que justificam a obsessão de Senta, interpretado pela magnífica Lisbeth Balslev, ela canta lindamente e ao mesmo tempo assustadoramente incorporando de forma impressionante a personagem perturbada que é Senta. Matti Salminen é simplesmente incrível – moçada, essa voz realmente vem de uma garganta humana ? Schunk canta Erik de maneira maravilhosa e poderosa; o melhor que eu já ouvi ! A orquestra do Festival de Bayreuth sob a regência do grande Woldemar Nelsson está arrebatadora. A música surge de uma forma como se os artistas adorassem essa ópera, é o que eu consigo perceber pela forma significativa que eles transmitiam durante a apresentação. Realmente é emocionante de ouvir ! Recomendo sem restrições àqueles que desejam conhecer a música de Wagner.
Pessoal, o libreto em português está junto com as faixas e as imagens do encarte. Bom divertimento !
Richard Wagner (1813-1883): O Navio Fantasma
CD1
01 – Overture
02 – Hojoje! Hojoje !
03 – Mit Gewitter und Sturm aus fernem Meer.
04 – Die Frist ist um
05 – Wie oft in Meeres tiefsten Schlund.
06 – He! Holla! Steuermann.
07 – Durch Sturm und bösen Wind
08 – Wie? Hör ich recht ?
09 – Südwind!
10 – Mit Gewitter und Sturm aus fernem Meer
11 – Summ und brumm
12 – Du Böses Kind.
13 – Johohoe! Traft ihr das Schiff im Meere an.
CD2
01 – Ach, wo weilt sie
02 – Senta! Willst du mich verderben?
03 – Bleib, Senta!
04 – Auf hohem Felsen lag ich träumend.
05 – Mein Kind
06 – Mögst du, mein Kind.
07 – Wie aus der Ferne.
08 – Wirst du des Vaters Wahl nicht schelten?
09 – Ein heil ger Balsam.
10 – Verzeiht! Mein Volk.
11 – Entr’acte
12 – Steuermann, lab die Wacht!
13 – Tan der norwegischen Matrosen.
14 – Johohoe! Johohoe! Hoe! Hoe!
15 – Was mubt ich hören.
16 – Willst jenes Tags du nicht.
17 – Verloren! Ach, verloren !
18 – Erfahre das Geschick
Daland – Matti salminen
Senta – Lisbeth Balslev
Erik – Robert Schunk
Mary – Anny Schlemm
Der Steuermann – Graham Clark
Der Holländer – Simon Estes
Coro do Festival de Bayreuth, Orquestra do Festival de Bayreuth
Woldemar Nelsson – Regente
Gravação original do Festival de Bayreuth – 1985