PQP Bach
12 anos de Prazer
CONTEXTO
A Sinfonia No. 4 em dó menor de Shostakovich foi feita em 1936, momento auge dos Grandes Expurgos ocorridos de 1934 a 1939, durante os chamados Processos de Moscou. Depois da consolidação do poder nazista em 1933, a Alemanha começara o desenvolvimento de sua indústria de guerra, preparando-se para a futura guerra contra a União Soviética, sua maior inimiga. Diante desse perigo externo, ainda havia o “perigo interno”, o crescimento da oposição de esquerda ao stalinismo por parte dos bolchevique-leninistas (trotskistas) na União Soviética. Muito da agitação dos opositores de esquerda ao stalinismo dessa época vêm do fôlego proporcionado pela Revolução Espanhola que se inicia em 1936, e também pela continuidade da Revolução Chinesa no sucesso da Longa Marcha, além do próprio perigo do nazismo que crescia. Diante disso, Stálin foi obrigado a tomar duas medidas: prender, executar e perseguir todos os perigos em potencial dentro e fora da União Soviética, inclusive executando todos os dirigentes do Partido Comunista e boa parte de seus militantes (executando também militantes revolucionários anarquistas e bolchevique-leninistas na Espanha), e, por outro lado, buscar um acordo com a Alemanha na fé de que a diplomacia impediria o ataque iminente (que foi firmado em 1939 no Pacto de Ribbentrop-Molotov).
No meio dessa conturbada conjuntura, Shostakovich, bebendo ainda dos ventos criativos da década anterior, estudava Mahler, e lançara sua ópera Lady Macbeth de Mtsensk, baseada na novela homônima de Leskov, fazendo imenso sucesso no mundo inteiro.
E foi através do jornal Pravda que Shostakovich, no meio de toda essa turbulência, ficou sabendo que sua ópera Lady Macbeth era atacada como “barulho ao invés de música”. Sua quarta sinfonia buscava dar um fôlego criativo para fora dos limites das duas sinfonias anteriores que se detinham sob a estética do realismo socialista. Além disso, a quarta sinfonia é quase uma apresentação do resultado de seus estudos sobre Mahler. Shosta termina a obra, mas impede a estreia que estaria marcada para dezembro de 1936.
ESCUTANDO A 4ª SINFONIA
Essa obra não se assemelha às sinfonias de Mahler apenas por todo o cromatismo tonal, mas também pelo tamanho da orquestra: 125 músicos. A duração também: por volta de 60 minutos.
Primeiro Movimento (Allegretto poco moderato – Presto)
o tema A se desenvolve por um longo tempo, numa tensão tão infinita que até Mahler ficaria espantado; ao fim, no que parece que será o clímax do início do movimento, temos uma quebra pela percussão, que inicia aos poucos, juntos a um solo de viola um novo tema, um tema B, até que é substituído pelo fagote que canta o tema A junto ao ritmo percussivo dos pizzicatos. Acaba inconclusivo, agudo e grave ao mesmo tempo, como se uma contradição imanente à música apenas se retirasse de cena, para cedo ou tarde, retornar…
Segundo Movimento (Moderato con moto)
Shostakovich aqui demonstra sua capacidade de fazer nascer de uma grande tensão algo libertador, como se a própria tensão estivesse prenhe de sua resolução. Apesar do começo com um tema dançante e lamentoso, já ao meio do movimento, após aparecimento aqui e ali de motivos do tema A do primeiro movimento, a futura resolução no terceiro movimento surge grandiosa, mas rapidamente desaparece; quase como se fosse um ensaio geral do que estaria por vir.
Após variações nas cordas, as flautas surgem repetindo o tema A deste movimento, que é interrompido brevemente pelas cordas, mas o tema retorna, variando, em meio aos metais que surgem com o tema B deste movimento. A harmonia vez ou outra beira outros tons, assim como fazia Mahler. Novamente, entre variações do tema A, o tema B surge nos metais, enquanto nas flautas se mantêm o tema A. É quase como uma briga entre metais e madeiras que sofre uma dura intervenção nas cordas do ritmo compassado do motivo do tema que finalizará a sinfonia no terceiro movimento. Os tímpanos também intervém, e tudo volta à “normalidade”. Isso ocorre ao final dos três minutos. Em seguida, o tema A retorna nas cordas em sua forma original, como uma dança lamentosa. Varia por um longo tempo nos violinos e violas, repete-se nos cellos, e se interrompem. As flautas entram em cena com o tema, variando-o a beira da dissonância, criando uma harmonia quase que “alienígena”, que vai ficando extremamente tensa até que os metais surjam novamente com o tema B, ao que acompanham as flautas. As cordas fazem o “baixo-contínuo”, e toda orquestra agora está engolfada por este tema. Um fagote solista faz a transição para o final do movimento, que termina com uma percussão que beira os dois temas sem se definir.
Terceiro Movimento (Largo – Allegro)
O terceiro movimento inicia com uma melodia grave surgindo nas madeiras e outro mais agudo surge no oboé e se repete nas flautas. Essa melodia, uma marcha fúnebre, tem uma gravidade semelhante à que tem o terceiro movimento da 1ª Sinfonia de Mahler, parecendo um tema folclórico. Os contrabaixos repetem-se no fundo como um coração batendo, enquanto as cordas leve e lentamente repetem o motivo deste movimento final; os sopros respondem; metais reclamam um tom grave e uma percussão delicada toca levemente. Lá, nos fundos, algum metal repete lentamente o motivo deste tema final. A delicada percussão do xilofone (ou vibrafone?) se mantém até o fim da sinfonia, com o grave dos contrabaixos constante, batendo como um coração, provavelmente inspirado no final da Patética de Tchaikovsky, encerrando a sinfonia num sombrio desfecho.
O INTERPRETE
A interpretação de Rattle é tipicamente inglesa: bem definida e comportada, dando ênfase nas danças, tornando as fanfarras dos metais quase em “valsas”. Falta algo da visceralidade misturada com a rigidez teuto-eslava dos russos, como se pode ouvir na interpretação de Kondrashin. O ponto forte de Rattle é a melodiosidade: sua rigorosidade inglesa ajuda a manter as melodias principais da sinfonia bem definidas, tornando-as empolgantes. Além disso, como todo bom inglês, sabe lidar bem com os metais.
FUNERAL RUSSO
A prova de que os ingleses são bons com os metais está na obra seguinte, o “Funeral Russo”, de Britten. Apesar de ser sua única obra com este arranjo, ele se sai muito bem. Pega a famosa canção “Tu caíste, como vítima, na luta!”, e a transforma numa quase-fanfarra de metais e percussão.
Essa canção, muito conhecida na Rússia, foi escrita em 1878. Foi cantada principalmente na Revolução de 1905, após o massacre do Domingo Sangrento realizado pelo Czar, e foi novamente recuperada em 1917, na marcha de março feita em Petrogrado em homenagem às vítimas da Revolução de Fevereiro. Graças às revoluções de 1917, ela se tornou mundialmente famosa, sendo cantada mesmo durante os protestos no ano de 1968 pela Europa. O próprio Shostakovich coloca essa canção no terceiro movimento (o Adagio) de sua 11ª Sinfonia. Foi muito utilizada também em filmes, como no “Encouraçado Potemkin” de Eisenstein, e também no filme soviético de 1935 “A Juventude de Maxim”.
Vejam esta bela cena do filme com a letra da música em português:
É interessante o que Britten faz com a obra: intercala a canção com uma fanfarra militar, quase que burlesca, que não tem muito a ver com a Rússia, nem com a canção. Mas tem muito a ver com Mahler e com o próprio Shostakovich (ambos utilizavam marchas militares de forma séria e também como paródia em suas sinfonias), e também com o momento em que Britten escrevia a obra, 1936: ascensão do fascismo na Alemanha e na Itália, Revolução na Espanha e na China, Processos de Moscou na URSS, etc.
Em síntese, ambas as obras conseguem sintetizar o espírito da primeira parte do século XX: fúria, terror, suspense, pesar, esperança. São obras sublimes, e o álbum é muito inteligente ao juntar as duas.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Symphony No. 4 in C minor op. 43; Benjamin Britten (1913-1976): Russian Funeral
Dmitri Shostakovich (1906-1975):
Symphony No. 4 in C minor opus 43
01 I. Allegretto poco moderato-Presto-(Tempo I)
02 II. Moderato con moto
03 III. Largo-Allegro
Benjamin Britten (1913-1976):
Russian Funeral
04 Russian Funeral (for brass and percussion) – Andante alla marcia – Un pochissimo animando – Tempo primo piu maestoso
City of Birmingham Symphony Orchestra
Simon Rattle, conductor
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (320kbps)
Luke
Rrrrrrrapaz… sei que nem todo mundo gosta, mas eu ADORO posts assim, com aulas de História embutidas!! E quero mais, muito mais… Favor não parar!!