(Repostagem de 13.07.13)
Colegas,
Para quem estiver em Minas Gerais nessa ocasião, convido-os para os eventos comemorativos dos 40 anos do Museu da Música de Mariana (MG), que serão realizados nessa cidade nos dias 6 e 7 de julho próximos.
O Museu da Música foi a primeira instituição criada especialmente para reunir e preservar manuscritos musicais brasileiros, de maneira ainda informal na década de 1960, mas oficializado em 6 de julho de 1973 pelo então Arcebispo de Mariana, Dom Oscar de Oliveira. Centro do maior projeto conjunto de edição e gravação de música antiga brasileira (o Projeto Acervo da Música Brasileira, patrocinado pela Petrobras, entre 2001-2003), o Museu da Música de Mariana desenvolve atualmente vários projetos artísticos e sociais, e recebeu, do Programa Memória do Mundo da UNESCO, em 2 de dezembro de 2011, o Registro Regional para a América Latina e o Caribe (MOWLAC), tornando-se, assim, a primeira instituição brasileira do gênero com esse tipo de distinção.
Segue abaixo o texto publicado na revista portuguesa de música Glosas, sobre a história e as atividades atuais do Museu da Música, e seu respectivo link.
Abraço,
Paulo Castagna
[email protected]
http://paulocastagna.com/
A HISTÓRIA DOS 40 ANOS (E VÁRIOS SÉCULOS) DO MUSEU DA MÚSICA DE MARIANA
Prof. Paulo Castagna
.História de uma solução
O Museu da Música de Mariana, como tem sido popularmente chamado o Museu da Música do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana (Minas Gerais), celebra 40 anos de uma contribuição que, de várias maneiras, vem participando da construção cultural de brasileiros e portugueses. Sua história, no entanto, exibe uma complexa teia de relações, que fez desta instituição um centro pioneiro de recepção, preservação e difusão do patrimônio histórico-musical luso-brasileiro, que se encontra em franco desenvolvimento.
A origem do Museu da Música está associada a um problema inicialmente observado pelo musicólogo teuto-uruguaio Francisco Curt Lange (1903-1997), que realizou as primeiras investigações histórico-musicais em território brasileiro nas décadas de 1940 e 1950: a falta de pessoal especializado e, principalmente, de instituições locais destinadas ao cuidado e estudo de acervos de manuscritos musicais. A primeira solução adotada por Curt Lange foi, no entanto, discutível: o musicólogo obteve muitos manuscritos musicais com os quais se deparou nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, por compra ou por métodos obscuros, levando-os à sua residência, nessas décadas no Rio de Janeiro e em Montevidéu (Uruguai).
Mas se, nesse período, não havia no Brasil nenhuma instituição especificamente dedicada a esse tipo de acervo, ao menos nos moldes defendidos por Curt Lange, os manuscritos por ele recolhidos estavam sendo cada vez mais referidos no Brasil, principalmente a partir da primeira publicação de uma coletânea desse repertório (LANGE, 1951) e de sua primeira gravação, em 1958. Por outro lado, praticamente nenhum especialista, além dele próprio, tinha acesso a tais documentos, antes de sua transferência para o Museu da Inconfidência (Ouro Preto – MG) em 1983 e sua disponibilização pública na década seguinte.
Foi nesse contexto que se destacou o trabalho do terceiro arcebispo da Arquidiocese de Mariana, Dom Oscar de Oliveira (1912-1997). Desde o início de sua função arquiepiscopal, em 1960, Dom Oscar vinha tomando várias medidas referentes à preservação e acesso ao patrimônio histórico e artístico de sua região: em 1962 instituiu o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra e em 1965 o Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Até o final de sua atuação à frente da arquidiocese, em 1988, Dom Oscar fundou também o Museu do Livro (com o acervo da antiga Biblioteca dos Bispos de Mariana), o Museu dos Móveis, a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana e a Fundação Marianense de Educação.
Mariana (figuras 01 a 03) é sede episcopal desde 1748 e a sexta diocese brasileira, depois das dioceses (ou bispados) da Bahia (1555), Rio de Janeiro (1676), Olinda (1676), Maranhão (1677) e Pará (1719), tendo sido elevada a arquidiocese em 1906. Primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais, Mariana começou a se desenvolver economicamente em função da mineração aurífera, tornando-se região agropastoril no século XIX e, na recente fase industrial, um centro minerador de ferro.
A herança urbanística e eclesiástica de Mariana fez com que lá se concentrassem muitas reminiscências da antiga arte sacra (especialmente dos séculos XVIII e XIX), incluindo muitos manuscritos musicais e o conhecido órgão Arp Schnitger construído em Hamburgo (Alemanha) na primeira década do século XVIII e transferido para a catedral de Mariana em 1753.
Mudanças litúrgicas do século XX, no entanto, acarretaram uma sensível diminuição das atenções em relação ao repertório dos séculos anteriores, até o momento em que essa música começou a ser vista não apenas como componente litúrgico, mas também como patrimônio histórico. Quem pela primeira vez percebeu isso em Mariana foi Dom Oscar de Oliveira.
Desde sua consagração como arcebispo em 1960, Dom Oscar de Oliveira (figura 04) já manifestava especial interesse pela música sacra. Nesse mesmo ano publicou uma série de treze artigos com o título “Música sacra e liturgia” (OLIVEIRA, 1960), embora sem qualquer menção ao passado musical marianense. Em meio a tais iniciativas e sentindo a necessidade de uma ação também dirigida ao patrimônio histórico-musical, o arcebispo fundou em 1973 o Museu da Música, como parte do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Principalmente constituído de manuscritos musicais, apesar de também contar com alguns instrumentos musicais, o Museu da Música acabou recebendo esse nome em decorrência das instituições anteriormente fundadas por Dom Oscar para a proteção do patrimônio histórico marianense, como o Museu de Arte Sacra e o Museu do Livro.
A fundação do Museu da Música foi uma solução criada por Dom Oscar para a falta de instituições brasileiras destinadas à preservação e estudo de manuscritos musicais. Tal solução, entretanto, foi o resultado de uma longa série de ações anteriores à sua oficialização, que inclui a tradição dos mestres da capela do século XVIII e a acumulação de manuscritos musicais na cidade durante o século XIX.
Quando assumiu a arquidiocese, ou talvez mesmo antes disso, Dom Oscar de Oliveira percebeu que a cúria marianense, à época instalada na igreja de São Pedro dos Clérigos (figura 05), guardava um precioso acervo de manuscritos musicais, muitos deles bastante antigos. O arcebispo manifestou publicamente o interesse por esse acervo em 1966, quando convidou o irmão marista Wagner Ribeiro a publicar o artigo “Visita ao maravilhoso reino da música antiga mariananese” no jornal O Arquidiocesano, texto que se tornou a mais antiga notícia hoje disponível sobre o acervo que deu origem ao Museu da Música.
Entre outros impressos e documentos, Wagner Ribeiro (1966) descreveu dezenove manuscritos musicais do acervo da cúria, chegando a apresentar o incipit musical (figura 06) da Antífona de Nossa Senhora Regina Cæli lætare de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746?-1805), a partir de uma cópia de 1779 (figuras 07 e 08), o mais antigo manuscrito musical datado desse acervo. No ano seguinte, um artigo do mesmo jornal (VASCONCELLOS, 1967) já mencionava a existência de dois arquivistas musicais trabalhando na cúria: Aníbal Pedro Walter e Vicente Ângelo das Mercês. A partir desse período, o arcebispo estava firmemente decidido a cuidar desse acervo.
Mas qual foi a origem dos manuscritos musicais preservados na cúria de Mariana? A existência de uma tradição musical do século XVIII (CASTAGNA, 2004b) na matriz e depois catedral de Mariana (figura 09), associada à presença de várias cópias desse período no acervo encontrado por Dom Oscar, sugeriram a hipótese de que o acervo musical da cúria fosse o remanescente do antigo arquivo musical da catedral de Mariana, suposição apoiada pela existência de várias cópias com a indicação de propriedade “catedral” na página de rosto (figura 10).
De fato, vários documentos atestam a relação entre o arquivo musical catedralício e o acervo encontrado por Dom Oscar de Oliveira na cúria, como a “Lista das músicas pertencentes à Catedral”, de 1832 (figura 11), embora seja evidente que boa parte do repertório acumulado nessa igreja nos séculos XVIII e XIX tenha se perdido. Paralelamente, em 1882, o arcediago José de Souza Teles Guimarães (figura 12) doou à catedral de Mariana 164 músicas “dos melhores autores conhecidos, para uso da Catedral”, encaminhando “a lista nominal de todas as peças” e solicitando que “as ditas músicas sejam acondicionadas e zeladas de modo que se prestem ao fim proposto” (CASTAGNA, 2010). Essa “lista nominal” parece corresponder à “Lista Geral de Todas as Músicas” (figura 13) localizada no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, a qual exibe muitas correspondências com o antigo acervo musical da cúria e nos ajuda a esclarecer a origem de uma parte dos manuscritos preservados.
Não são conhecidos registros sobre a transferência do arquivo musical da catedral para a cúria, mas isso deve ter ocorrido após a promulgação do Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903) do papa Pio X, que acarretou o desuso da maior parte do repertório sacro dos séculos XVIII e XIX, decorrente da depuração do “funesto influxo que sobre a arte sacra exerce a arte profana e teatral” solicitada pelo pontífice. Essa determinação foi amplamente conhecida pelo clero marianense, pois além de ter sido transcrita nas atas do cabido, foi impressa em Mariana poucos meses após sua assinatura em Roma (PIO X, 1904).
Pelo menos trezentas obras devem ter sido transferidas da catedral à cúria de Mariana no início do século XX, a julgar pelo atual conteúdo da seção mais antiga do Museu da Música. Entre elas, estão principalmente composições de autores afro-mineiros dos séculos XVIII e XIX, mas também algumas obras de autores portugueses mais antigos, com destaque para as quatro Paixões da Semana Santa escritas por Francisco Luís no século XVII. Fica assim evidente que, embora instituído há 40 anos, o Museu da Música de Mariana partiu de um repertório acumulado ao longo de três séculos – obviamente com muitas perdas e substituições – mas cujas raízes remontam à história musical portuguesa, europeia e católica. Nesse sentido, o acervo do Museu da Música é a reminiscência, no Brasil, de uma rede de difusão musical que iniciou-se na Europa e cruzou várias vezes o Atlântico, reunindo e mesclando estilos, tendências, origens, formas e funções.
A visão planejadora de Dom Oscar de Oliveira
Interessado em preservar toda essa documentação musical, o arcebispo Dom Oscar de Oliveira tomou duas medidas, ainda no final da década de 1960: a primeira delas foi convidar, para a função de arquivista musical, a professora Maria Ercely Coutinho (figura 14), que trabalhou na cúria, ainda na igreja de São Pedro dos Clérigos, de 1968 a 1972 (em substituição aos primeiros arquivistas Aníbal Pedro Walter e Vicente Ângelo das Mercês, que lá atuaram em 1967). A segunda foi solicitar às famílias de músicos que o arcebispo encontrava, durante as visitas episcopais às paróquias da arquidiocese, a doação de músicas à cúria de Mariana, o que ocorreu várias vezes a partir dessa época: o primeiro desses acervos foi oferecido em 1969 por José Henrique Ângelo, descendente de uma família de músicos da cidade de Barão de Cocais (MG)
O tamanho e a complexidade do acervo de Barão de Cocais tornou necessária a intervenção de um musicólogo com experiência na área, o que representou novo desafio ao arcebispo. Francisco Curt Lange, que já tinha conhecimento do acervo musical da cúria de Mariana, começou a oferecer seu trabalho a Dom Oscar de Oliveira em 1967 (CASTAGNA, 2005), mas este acabou aceitando a colaboração do padre José de Almeida Penalva (1924-2002) (figura 15), que já vinha trabalhando com manuscritos musicais em Campinas, sua cidade natal: o primeiro trabalho de Penalva como pesquisador havia sido impresso em 1955, mas a catalogação, em 1970, das obras de Carlos Gomes (1836-1896) no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (SP), foi a iniciativa que diretamente o conectou à pesquisa que realizaria em Mariana dois anos mais tarde (PROSSER, 2000: 227).
Em Mariana, José Penalva organizou e elaborou um catálogo do arquivo de José Henrique Ângelo, parcialmente publicado no jornal O Arquidiocesano em 1972 (figura 16), porém impresso em sua forma integral no ano seguinte na revista Cadernos, periódico do Studium Theologicum de Curitiba (PR), cidade na qual o padre Penalva passou a residir.
Com o encerramento do trabalho de Maria Ercely Coutinho e do Padre José de Almeida Penalva, em 1972, surgiu novamente a necessidade de contar com alguém que continuasse o trabalho por eles iniciado. Dom Oscar de Oliveira, em nova ação planejadora, aceitou a colaboração de Maria da Conceição de Rezende, então professora de História e Estética Musical na Fundação de Educação Artística de Belo Horizonte (MG), que assumiu as tarefas de organização, catalogação e estudo do acervo por doze anos ininterruptos.
Conceição Rezende conviveu pouco tempo com Penalva e Coutinho em Mariana e logo passou a desenvolver praticamente sozinha sua tarefa, às vezes contando com o auxílio de músicos e professores de Mariana e de Belo Horizonte (CASTAGNA, 2004a). Poucas semanas após o início do trabalho de Conceição Rezende, naquele agitado ano de 1972, a catalogação dos manuscritos musicais da cúria (especialmente do século XVIII) motivou constantes reportagens na imprensa diária (figura 17), o que acabou dando ao acervo, a partir desse período, uma notoriedade nacional e internacional.
Foi depois de tudo isso que Dom Oscar de Oliveira fundou o Museu da Música, inaugurado em uma sala do novo edifício da Cúria e Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana (figura 18) em 6 de julho de 1973 (figura 19), paradoxalmente sem a presença do arcebispo, cuja mãe havia falecido nessa mesma época. A partir de então, as notícias sobre o Museu da Música tornaram-se frequentes e as doações de manuscritos musicais aumentaram consideravelmente.
Utilizando a metodologia desenvolvida por José de Almeida Penalva, Maria da Conceição de Rezende passou a separá-los pela cidade de origem e por seis categorias funcionais: 1) Te Deum; 2) Ladainhas; 3) Ofícios e Novenas; 4) Missas; 5) Semana Santa; 6) Fúnebres. Assim, o acervo encontrado na cúria por Dom Oscar tornou-se a seção “Mariana”, enquanto o acervo estudado por José Penalva tornou-se a seção “Barão de Cocais”, cada um deles divididos em seis seções referentes à categorias acima mencionadas.
Na década de 1980, os papéis de música já eram procedentes de cerca de trinta cidades mineiras – felizmente registradas por Conceição Rezende – e sua organização estimulou várias ações relacionadas ao patrimônio histórico-musical brasileiro. Uma delas foi a microfilmagem de parte dos manuscritos do Museu da Música (cujos fotogramas encontram-se na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), para a elaboração do catálogo O ciclo do ouro, que relaciona manuscritos musicais e outros documentos históricos de onze acervos mineiros e cariocas (BARBOSA, 1978).
Conceição Rezende, no entanto, encerrou seu trabalho no Museu da Música durante o I Encontro Nacional de Pesquisa em Música (Mariana, julho de 1984), ocasião na qual Dom Oscar providenciou o registro jurídico da instituição, abrindo-o finalmente à pesquisa. Em função da falta de espaço, o Museu da Música acabou sendo transferido para o recém-inaugurado Palácio Arquiepiscopal, na Praça Gomes Freire (figura 20), em 1988 (mesmo ano em que Dom Oscar de Oliveira encerrou sua atuação como arcebispo de Mariana) e, ao lado do Museu do Livro, continuou recebendo pesquisadores e estimulando ações semelhantes nos anos seguintes (figuras 21 a 23).
Felizmente, Dom Oscar foi sucedido por Dom Luciano Mendes de Almeida (1930-2006), que não apenas manteve o acervo aberto à pesquisa no Palácio Arquiepiscopal, como também, à frente da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, aceitou novas ações referentes à modernização e desenvolvimento do Museu da Música.
O Museu da Música de Mariana no século XXI
Um trabalho decisivo foi realizado no Museu da Música entre 2001 e 2003: o projeto “Acervo da Música Brasileira / Restauração e Difusão de Partituras”, da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, financiado pela Petrobras e administrado pelo Santa Rosa Bureau Cultural (Belo Horizonte – MG). Nessa fase, foi constituída uma equipe de pesquisadores para continuar a organização do acervo (figuras 24 a 29) e elaborar um instrumento de busca eletrônico, além de editar nove álbuns de partituras e coordenar sua gravação por coros e orquestras de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
O projeto Acervo da Música Brasileira gerou novo interesse e maior visibilidade em relação ao Museu da Música, que passou a contar com outras ações e projetos destinados a aumentar a difusão social de seu acervo. Após a restauração do antigo Palácio dos Bispos de Mariana, entre 2004 e 2007 (figura 30), o Museu da Música foi para lá transferido, onde se encontra atualmente (figura 31). O novo espaço tornou a instituição apta a desenvolver atividades diferentes, como a recepção de grupos de visitantes e o oferecimento de aulas e apresentações musicais, o que ampliou consideravelmente seu significado cultural e social.
Desde então, além de continuar o trabalho técnico (figuras 32 e 33) e de receber pesquisadores, o Museu da Música de Mariana têm realizado projetos destinados não somente ao desenvolvimento da pesquisa musicológica, mas também ao desenvolvimento musical, com a manutenção de espaços para exposições (figuras 34 e 35), aulas e apresentações musicais, e a realização de projetos de apresentações públicas com obras de seu acervo em várias cidades mineiras. Além disso, o Museu da Música mantém o projeto “Aperfeiçoamento de Maestros e Regentes de Coro”, destinado a desenvolver localmente a prática da música coral e a multiplicar ações nessa área.
Em reconhecimento à importância de seu acervo de manuscritos musicais, mas também por conta dos projetos acima referidos, o Museu da Música de Mariana recebeu, do Programa Memória do Mundo da UNESCO, em 2 de dezembro de 2011, o Diploma do Registro Regional para a América Latina e o Caribe (MOWLAC), tornando-se, assim, a primeira instituição brasileira do gênero com esse tipo de distinção.
Apesar dos projetos anteriores de edição e gravação, a maior parte do acervo do Museu da Música de Mariana é desconhecido do público. Bastante variado, esse acervo inclui instrumentos musicais, documentos históricos, recortes de jornais, livros cerimoniais, bibliografia musicológica, manuscritos e impressos musicais. Entre os manuscritos – que constituem a maior parte do acervo – estão obras sacras de vários períodos históricos e uma grande seção de música dos séculos XIX e XX para banda, ainda em processo de catalogação. É grande o número de autores de música sacra representados no acervo, entre eles muitos brasileiros, como José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746?-1805), Manoel Dias de Oliveira (c.1735-1813), Francisco Gomes da Rocha (c.1754-1808), João de Deus de Castro Lobo (1794-1832) e José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), e vários europeus, como os portugueses Francisco Luís (?-1693), Antonio Leal Moreira (1758-1819) e Marcos Portugal (1762-1830).
Por outro lado, a herança portuguesa e africana da maior parte dos compositores brasileiros representados no acervo – sem contar a música dos autores europeus que se transferiram para o Brasil – torna o Museu da Música de Mariana uma instituição de significado internacional. Os projetos nele desenvolvidos não afetam apenas a cidade de Mariana e nem somente o meio musicológico brasileiro, mas difundem pelo mundo, especialmente de língua portuguesa, uma herança cultural que vem participando de nossa vivência cultural por via direta ou indireta.
O Museu da Música de Mariana tem estimulado o surgimento de instituições semelhantes em outras cidades brasileiras – como o Museu da Música de Timbó (SC),[2] inaugurado em 2004, e o Museu da Música de Itu (SP),[3] inaugurado em 2007 – e seu desenvolvimento foi importante na elaboração de outros projetos de conservação, organização, catalogação, edição e gravação de obras, no Brasil e fora dele. Mesmo assim, as ações dessa instituição estão longe de serem encerradas: o Museu da Música planeja, atualmente, a digitalização e disponibilização eletrônica de seu acervo e outras iniciativas igualmente impactantes relacionadas ao patrimônio histórico-musical brasileiro.
Vivemos, entretanto, em um período bastante diferente das décadas de 1940 a 1980, nas quais a falta de informações, de instituições e de oportunidades mobilizou centenas de pessoas para o trabalho técnico e acadêmico relacionado ao patrimônio histórico-musical. Na atualidade, os desafios são quase opostos aos daquela época, estando entre os principais o excesso de informações e que circula nas sociedades e a falta de significado humano de boa parte das ações institucionais.
Em virtude da total reconfiguração do Museu da Música de Mariana e dos projetos nele desenvolvidos nos últimos treze anos, essa instituição vem se preparando para uma nova atuação junto à sociedade, que não se restringe somente à abertura de seu acervo aos especialistas (o que será permanentemente mantido), mas que visa também o desenvolvimento cultural e social, com ações de interesse público relacionados ao seu acervo. Se o Museu da Música foi, no passado, uma instituição pioneira no cuidado de antigos acervos musicais por especialistas, seu futuro aponta agora para o cuidado de pessoas por meio da música antiga.
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• Os links para baixar os 9 CDs produzidos pelo MMM com músicas inéditas, em arquivos FLAC e MP3 320 kbps, com os respectivos encartes, podem ser encontrados AQUI, conforme forem sendo repostados.
Avicenna