Este CD traz dois ícones sinfônicos da humanidade. A afirmativa 5ª Sinfonia e a tranquila Pastoral, a 6ª de Beethoven. A Sinfonia Nº 5, Op. 67, dita Sinfonia do Destino, foi escrita entre 1804 e 1808, é uma das composições mais populares e conhecidas em todo repertório da Música Erudita Europeia, além de ser uma das sinfonias mais executadas nos tempos atuais. Trata-se da primeira sinfonia do autor composta em tonalidade menor, o que só voltaria a acontecer em 1824 com a Sinfonia Nº 9, Op. 125. A Sinfonia Nº 5 é um monumento intocável. Os quatro movimentos são exemplos de alternância: o primeiro movimento tem grande tensão começada pelas cordas e elevada a um dramatismo extremo; o segundo movimento é solene, possuindo uma marcha fúnebre que se eleva pela sua emoção e beleza; o terceiro andamento é silencioso, mas também explosivo e o quarto expressa triunfo e magnificência. A Sinfonia Nº 6, Op. 68, é também chamada Sinfonia Pastoral. Ela é uma obra precursora da música programática. Esta sinfonia foi completada em 1808 e teve a sua primeira apresentação no “Theater an der Wien” em 22 de dezembro de 1808. Dividida em cinco andamentos, tem por propósito descrever a sensação experimentada nos ambientes rurais. Beethoven insistia que essas obras não deveriam ser interpretadas como um “quadro sonoro”, mas como uma expressão de sentimentos. É uma das mais conhecidas obras da fase romântica de Beethoven.
#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 4 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)
CD4
01. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: I. Allegro con brio
02. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: II. Andante con moto
03. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: III. Allegro
04. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: IV. Allegro
05. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: I. Allegro non troppo
06. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: II. Szene am Bach: Andante molto moto
07. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: III. Lustiges Zusammensein: Allegro
08. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: IV. Donner, Sturm: Allegro
09. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: V. Hirtengesang: Allegretto
Beethoven foi um gênio da Música e mestre não menos consumado da arte de enrolar. Uma de suas obras-primas nessa menos votada arte foi a maneira com que levou a composição das três últimas sonatas para piano. Como vimos ontem, ele recebeu a encomenda dessas sonatas em 1820, enquanto se dedicava à Missa Solemnis. Pois bem: depois de entregar a primeira sonata, já com atraso, avisou ao encomendante que as outras duas se seguiriam “sem demora”, só para – claro – deixá-las de lado e mergulhar novamente no árduo trabalho de composição da Missa, no qual também se atrasara. Só um ano depois de completar a Op. 109, enfim, ele iniciou a Op. 110, concluindo-a no Natal de 1821.
A Sonata em Lá bemol maior, Op. 110, é notável por ser, assim como a Oitava Sinfonia, uma das poucas obras importantes de Beethoven a ser publicada sem dedicatário. O compositor mandou o manuscrito sem qualquer dedicatória, prometendo que ela seria informada posteriormente. O editor, decerto tiririca com o imenso atraso da entrega, publicou-a assim mesmo, e como tal ficou. Ao que tudo indica, a sonata seria dedicada a Antonie Brentano, a mais provável destinatária da famosa correspondência à “Amada Imortal”, e que receberia, mais tarde, a dedicatória das monumentais Variações Diabelli.
Assim como na Op. 109, a maior parte do “peso” da Op. 110 está no final. Os dois primeiros movimentos são concisos e contrastantes. O movimento de abertura, que tem a indicação “com amabilidade”, é belamente contido, seguindo-se um turbulento movimento em menor, fazendo as vezes de scherzo. O finale é tão complexo, e foi tantas vezes reformulado, que Beethoven, num gesto sem precedentes, passou a limpo o original, em vez de enviar ao editor a habitual floresta de garranchos. Não obstante, por motivos que só ele próprio deveria compreender – e porque Beethoven, como já devem ter percebido, era um tipo raro -, ele acabou por reter a cópia “limpa” e mandou a partitura original, cravejada de rasuras. Pois este movimento de gênese tão trabalhosa inicia com um recitativo, que depois ganha ares de uma lamúria cantável, e desemboca numa extraordinária fuga que, quando parece encaminhar-se para a coda, volta à lamúria, que recebe a incomum indicação “exausto, lamentando”. Depois, a fuga retorna, sob a indicação “aos poucos revivendo novamente”, com a inversão do tema, até chegar a um assertivo clímax e a conclusão verdadeira.
O intérprete que lhes apresento é, também, extraordinário. O londrino Solomon Cutner (1902-1988) iniciou a carreira como criança-prodígio, interrompeu-a por toda adolescência para dedicar-se aos estudos com uma aluna de Clara Schumann, e retomou-a somente como adulto jovem, adotando o monônimo Solomon.
Solomon foi uma estrela fulgurante que embarcou em extensas turnês mundiais – uma proeza considerável, se levarmos em conta o tempo que se levava, por exemplo, para chegar à Austrália e à Indonésia nos anos 30 – e que teve amplo reconhecimento por suas interpretações a um só tempo austeras e altamente expressivas de um vasto repertório, principalmente pelas sonatas de Beethoven.
A carreira de Solomon foi lamentavelmente destruída por um devastador derrame que, aos meros 54 anos, o fez perder o controle da mão direita. Na ocasião, ele se dedicava à gravação da integral das sonatas de Beethoven, das quais já gravara dezoito. Este torso de integral, no entanto, é um dos clássicos imorredouros da discografia beethoveniana. Quem ouve a legendária “Hammerklavier” de Solomon – com um constrito movimento lento que impressiona tanto quanto os malabarismos medonhamente difíceis dos demais movimentos -, ou a consumada maestria com que ele interpreta a Op. 110, só consegue juntar-se ao coro de lamúrias pelo fim precoce de sua carreira e pela interrupção de seus projetos com as obras do renano. Serve-nos de consolo, no entanto, que as gravações de Solomon, todas em mono, foram feitas com a EMI, que dispunha de excelentes produtores e de equipamento no estado da arte. Eu chamaria o som desses registros quase setentões de miraculosamente bom, se chamá-lo de milagre não fosse um desrespeito ao maravilhoso trabalho dos engenheiros de som. Com a possível exceção da Op. 111, que me parece estar num degrau abaixo do elevadíssimo patamar das demais, o que se ouve com Solomon é Beethoven para a eternidade. Recomendo que o escutem com parcimônia, e bem aos poucos, para que descubram com fascínio o controle magistral do artista sobre o teclado, sobre os andamentos e sobre os expressivos silêncios entremeados ao seu distinto som. E não deixem de voltar a ele, pois Solomon – parafraseando aquilo que os portenhos dizem sobre o canto de Gardel – cada dia toca melhor.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 Composta em 1816 Publicada em 1817 Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
1 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
2 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
3 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
4 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
Sonata para piano em Mi menor, Op. 90 Composta em 1814 Publicada em 1815 Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky
1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 Composta em 1820 Publicada em 1821 Dedicada a Maximiliane Brentano
3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110 Composta em 1821 Publicada em 1822
6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente
Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
9 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
10 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
A Sinfonia Nº 4 de Beethoven é muito boa, mas, na minha opinião, é o patinho feio da série. Se fosse escrita por um compositor menor, seria sua obra-prima, claro, só que com Ludwig a exigência é maior. Beethoven dedicou a obra ao conde Von Oppersdorff, o qual, alguns anos antes, fora à casa do príncipe Karl Lichnowsky, tendo lá ouvido a Sinfonia Nº 2. Oppersdorff gostou tanto da peça que ofereceu a Beethoven uma grande quantia em dinheiro, para que compusesse uma sinfonia para ele. A obra foi estreada em março de 1807 na casa do príncipe Franz Joseph von Lobkowitz, sob regência do próprio compositor. Sua segunda apresentação deu-se a 15 de novembro do mesmo ano no Burgtheater, em Viena. A partitura possui uma dedicatória “ao nobre conde silesiano Franz von Oppersdorff”. Robert Schumann referiu-se à sinfonia como “uma esbelta donzela grega entre os gigantes nórdicos”. OK.
#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 3 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)
CD3
01. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: I. Adagio – Allegro vivace
02. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: II. Adagio
03. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: III. Allegro molto vivace
04. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: IV. Allegro ma non troppo
As três últimas sonatas para piano de Beethoven, pináculos da literatura para o instrumento, foram inspiradas pela mesma costumeira musa de outras tantas obras suas: a Pindaíba.
Em 1820, Beethoven encontrava-se absorto havia já um ano na composição de sua imensa Missa Solemnis, que pretendia apresentar em homenagem a seu aluno e amigo, o arquiduque Rudolph da Áustria, por ocasião de sua entrada solene como arcebispo de Olmütz. Em abril daquele ano, no entanto, Rudolph já vestira seus paramentos arquiepiscopais, de modo que Beethoven viu-se relativamente livre (e outra vez queimado nos prazos) para correr atrás de bufunfa. Já tinha sob sua tutela o sobrinho Karl, cuja educação muito pesava em seu bolso, de modo que aceitou com alívio a encomenda de três sonatas para piano feitas pelo editor Schlesinger, com um generoso, e decididamente incomum, desconto de 25% sobre a pedida inicial.
Ao aceitar a tarefa, Beethoven já tinha pronto o primeiro movimento do que viria a ser a sonata Op. 109, escrito para um método de piano de seu amigo Friedrich Starke. Ao atinar-se de que esse material viria a calhar para uma sonata, ofereceu-lhe cinco de suas novas bagatelas, e completou a primeira das três sonatas prometidas a Schlesinger, compondo mais dois movimentos. Depois dos atrasos de praxe, a obra foi à prensa somente no ano seguinte, com uma dedicatória a Maximiliane Brentano, filha de seu amigo Franz e de Antonie, que é muito provavelmente a “Amada Imortal” da famosa carta de destinatária anônima.
A singeleza do movimento de abertura, cujo primeiro tema dura alguns segundos e que dá a impressão de começarmos a ouvir uma obra que já estava em execução, deriva certamente de sua finalidade didática original, e que contrasta com o turbulento movimento seguinte, em menor, que o sucede sem interrupção. O finale consiste de um tema (“muito cantável e com profundo sentimento”, na indicação em alemão) com seis variações, crescentemente mais engenhosas, que desembocam na repetição do tema cantável.
A riqueza do contraponto dessas últimas sonatas certamente atraiu o jovem Glenn Gould, que as incluíra no repertório desde seus primeiros recitais. Assim, quando a Columbia lhe deu carta branca para escolher as obras do disco seguinte ao tonitruante arrasa-quarteirão que foi a estreia com as Variações Goldberg, (1955), sua opção pelas três derradeiras sonatas de Beethoven foi-lhe absolutamente natural. Antes mesmo do disco chegar às lojas, o reproche dos críticos à petulância do pianista de vinte e três anos já era forte. Gould, segundo eles, começava por onde deveria terminar, arriscando-se imaturamente num repertório que os pianistas amiúde relegam para mais grisalhas eras. Após o lançamento, claro, o reproche virou um coro ardente de ódio, inaugurando a tensa relação da crítica com o pianista – tensa, claro, por parte dos críticos pois Gould não lhes poderia dar menor importância. Em suas notas para o disco, tascou que “a riqueza de escritos críticos sobre as últimas sonatas e quartetos [de Beethoven] revela uma maior preponderância de absurdos, sem sequer mencionar contradições, do que qualquer literatura comparável.”
Como todas realizações gouldianas de Beethoven, estes registros das três últimas sonatas estão repletos de idiossincrasias. Os andamentos são frenéticos, a dinâmica fica por conta do intérprete, e tudo soa muito diferente do que estamos acostumados. Admito que detestei essas interpretações na primeira vez que as ouvi, há mais de trinta anos, e que elas me foram um gosto adquirido. Ainda hoje acho duro de engolir o que Gould faz com algumas variações do final da Op. 109, cujo Andante é um quase-Presto, e a rapidez com que despacha o Allegro con brio ed appassionato da Op. 111 provocará desespero em quem já o conhece por outras mãos. Por outro lado, a legendária clareza com que ele despachava as mais complicadas texturas contrapontísticas faz-se notar, mesmo nos trechos em que resolve aloprar com os andamentos. A Sonata Op. 110, por exemplo, abarrotada de contraponto, é magnificamente realizada, com muita precisão, sobriedade e e uma expressividade nada sentimental. A despeito de toda merecida reputação iconoclástica do intérprete, acho que essas gravações cheias de surpresas têm imenso valor, nem que seja para nos abrirem janelas e refrescarem nossos ares – pois talvez o Gould garoto, em vez de irritar seus contemporâneos, quisesse tão só falar a nós outros, pandêmicos ouvintes do futuro.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 Composta em 1820 Publicada em 1821 Dedicada a Maximiliane Brentano
1 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
2 – Prestissimo
3 – Gesangvoll, mit innigster Empfindung – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110 Composta em 1821 Publicada em 1822
4 – Moderato cantabile – Molto espressivo
5 – Allegro molto
6 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente
Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra
7 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
É tradicionalmente aceito dividir a vida artística de Beethoven em três fases. A primeira começa com a mudança para Viena, em 1792. Uma fase quase mozartiana. Nove anos depois, em 1801, Beethoven afirmou não estar satisfeito com o que compusera até então, decidindo tomar um “novo caminho”. Tudo parecia levá-lo ao épico e, dois anos depois, em 1803, surge um grande fruto desse “caminho”: a Sinfonia Nº 3, Eroica. Ela abre um verdadeiro ciclo épico. A Sinfonia era para ser dedicada a Napoleão Bonaparte, pois Beethoven admirava Napoleão e os ideais da Revolução Francesa. Porém, quando o corso autoproclamou-se Imperador da França em maio de 1804, Beethoven retirou a dedicatória de forma bastante característica… Foi até a mesa onde estava a sinfonia já pronta, pegou a primeira página e riscou o nome de Napoleão com tanta força que ficou um buraco no papel. É que ele apagara a referência ao novo Imperador com uma faca… E que música havia naquelas folhas! O ciclo épico iniciado pela Eroica seguiu com obras verdadeiramente espantosas e originais, que cantavam a força da humanidade, a paixão pela liberdade e a vitória do espírito humano.
#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 2 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)
01. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: I. Allegro con brio
02. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: II. Marcia funebre. Adagio assai
03. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: III. Scherzo. Allegro vivace
04. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: IV. Finale. Allegro molto
Como a ___________ [insira aqui sua hipérbole] “Hammerklavier” dispensa apresentações, foco aqui num de seus grandes intérpretes.
Falo “um dos grandes” porque, claro, jamais haverá uma realização completamente satisfatória de qualquer obra musical, quanto menos dessa mais transcendental de todas as sonatas daquele século. Suas dificuldades eram tão grandes que Beethoven, que já não tinha mais ouvidos para tocar em público, além de sérias dúvidas quanto à qualidade dos músicos britânicos (George Thomson que o diga), concordou com que seu editor inglês lançasse somente os três primeiros movimentos, deixando o complicadíssimo finale numa publicação em separado – mesmo expediente que, como veremos, adotaria para com sua Grande Fuga para quarteto de cordas. Nessa curiosa versão, o imenso Adagio sostenuto – que, sozinho, era mais longo que a maioria das sonatas para piano da época – era o movimento central, e a “Hammerklavier” era encerrada pelo lépido e brevíssimo Scherzo.
Viena viu a sonata sair inteira da prensa, com os movimentos na ordem que hoje conhecemos – a mesma em que foram compostos. A reação foi estupefata e unânime em considerá-la difícil de compreender e impossível de tocar, e não há registro de que seu dedicatário – o arquiduque Rudolph, excelente pianista – a tenha tocado, pelo menos em público. Sua estreia aconteceria somente em 1836, dezoito anos depois de sua composição, por um Franz Liszt que, mesmo já histericamente idolatrado em toda Europa, colheu tão só olhares de incompreensão.
Quase todo pianista que se preza tenta escalar este K2 pianístico, e alguns são insensatos a ponto de legar gravações para que a posteridade lhes dê pedradas. O primeiro foi Artur Schnabel, já distante de seu apogeu, mas bastante fiel às prescrições de Beethoven e atento aos andamentos insanamente rápidos, dos quais até um pianista genial como Glenn Gould (que só tocou a “Hammerklavier” comedidamente na rádio e a considerava “horrendamente difícil”) sabia fugir. Outras gravações notáveis apareceram, muitas em verdade, e os nomes de Gilels, Yudina e Sokolov, que já escutamos na série, e os de Pollini, Perahia e Brendel, que os colegas já lhes trouxeram antes, estão entre os píncaros indiscutíveis da discografia.
Brendel terminando a “Hammerklavier” = um dos meus momentos favoritos na vida
A mim, no entanto, restava a curiosidade de saber o que o mais demoníaco dos pianistas da segunda metade do século XX teria a dizer sobre esta sonata.
Ecce homo
Sim, Sviatoslav Richter era meu intérprete dos sonhos para a “Hammerklavier”. Além da técnica formidável e do tremendo elã que trazia para todas as obras que tocava, sempre apreciei nele o espírito desbravador, aventureiro mesmo, com que mergulhava nas partituras e delas trazia novidades que só ele era capaz de encontrar. Por isso, fiquei meio jururu quando lançaram a caixa de Beethoven por Richter e a mastodonta não estava lá. Foi só recentemente que tive a imensa surpresa de descobrir não só um, mas três registros diferentes da Op. 106, todos realizados ao vivo e ao longo de pouco mais de duas semanas de 1975 – que foi, aparentemente, o período em que a “Hammerklavier” permaneceu no imenso repertório de Richter, pois ele nunca mais voltaria a tocá-la.
Assim, ofereço aos leitores-ouvintes as três leituras que Richter fez do colosso do renano, todas elas como encerramento de recitais de programas idênticos, iniciados pela sonata Op. 2 no. 3 e tendo, como interlúdio, três das bagatelas do Op. 126.
O primeiro foi realizado em Praga, cidade que Richter amava, de cujo Festival de Primavera era arroz de festa, e onde fez dezenas de gravações ao vivo para o selo Supraphon. A segunda foi feita em Aldeburgh, no festival fundado por seu amigo Benjamin Britten, e do qual o legendário pianista soviético foi a maior estrela naquele 1975. Por fim, um recital no Royal Festival Hall em Londres, notável pelo bis: ao terminar o medonhamente difícil finale da Op. 106, depois do qual quase todos pianistas saem correndo ao camarim para se hidratarem e chorarem, Richter decidiu tocá-lo de novo, porque não ficara satisfeito com sua execução anterior. Cada uma das leituras é excepcional, e vale a pena compará-las para fruir de tudo que esse genial pianista tinha a dizer sobre a “Hammerklavier”. Ainda que eu tenha reparos à sua abordagem do maravilhoso Adagio sostenuto, que de alguma maneira não soa como o cerne da obra, o que Richter faz na fuga sublima toda a crítica que eu lhe pudesse fazer. A escolha é difícil, mas a versão de Londres é minha preferida. Ouçam-nas e me digam qual vocês preferem.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Das Três Sonatas para piano, Op. 2 Compostas entre 1793-1795 Publicadas em 1796 Dedicadas a Joseph Haydn
No. 3 em Dó maior
1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Scherzo: Allegro
4 – Allegro assai
Das Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825
5 – No. 1: Andante con moto, cantabile e compiacevole
6 – No. 4: Presto
7 – No. 6: Presto – Andante amabile e con moto
Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
O bom destes 250 anos de Beethoven é que estamos ouvindo toda a obra dele quase diariamente e descobrindo que não ficamos nada, mas nada mesmo, enfarados. Este registro das 9 Sinfonias que ora iniciamos é ao vivo. Alguns de vocês sabem que PQP Bach ama os registros ao vivo. Não que ao morto e em bom estado seja ruim, mas ao vivo é melhor. O pontapé inicial de Giovanni Antonini ao abordar as Sinfonias é extraordinário. Creio que, das gravações mais recentes, dificilmente outra orquestra chegará próximo de Antonini e desta outra joia aqui. A Sinfonia n.° 1, Op. 21, é a primeira das nove sinfonias de Ludwig van Beethoven. Foi composta em Viena entre os anos 1799 e 1800. A segunda foi escrita Foi escrita entre os anos de 1801 e 1802. São menos famosas que a 3ª e aquelas que vão da 5ª à 9ª, mas não pensem que são música de segunda linha. São autênticos Beethoven, rapaz, e Antonini só faz valorizar a coisa!
Em 2005, Giovanni Antonini e a Kammerorchester Basel deram início ao projeto de gravação desta série, que logo foi saudada como “uma das gravações de Beethoven mais emocionantes de nossos dias” (Gramophone). Por ocasião do ano de Beethoven em 2020, as “gravações sensacionais” (NDR) estão agora sendo lançadas pela primeira vez em uma caixa de 6 CDs. O som brilhante, mas extremamente afiado de Beethoven, deve-se aos costumes da prática da performance histórica, na qual o maestro e especialista em barroco Giovanni Antonini desempenhou um papel fundamental na modelagem. Tocar em instrumentos históricos também faz parte da marca musical da Orquestra de Câmara da Basiléia.
E vamos em frente que atrás vem gente!
Beethoven: The 9 Symphonies — CD 1 de 6 (Kammerorchester Basel & Giovanni Antonini)
CD1
01. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: I. Adagio molto – Allegro con brio
02. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: II. Andante cantabile con moto
03. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: III. Menuetto. Allegro molto e vivace
04. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: IV. Adagio – Allegro molto e vivace
05. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: I. Adagio molto – Allegro con brio
06. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: II. Larghetto
07. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: III. Scherzo. Allegro
08. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: IV. Allegro molto
Pedimos vênia hoje ao grande homenageado do ano e à sua mastodôntica Grande Sonata para o Piano de Martelos – que voltará, com muita gala, amanhã – para focarmos numa sua maiúscula intérprete.
Maria Yudina (1899-1970) é legendária e, tão logo começamos a ouvi-la, entende-se o porquê. O virtuosismo e a expressividade são evidentes, tanto quanto as inúmeras licenças poéticas que ela toma e que, longe de parecerem idiossincrasias, soam muito coerentes. Nosso patrão PQP sempre fala que há músicos que, em suas interpretações, demonstram não só imensa cultura musical, mas também revelam sua vasta cultura geral. Yudina é dessas intérpretes, e o que se chamou nela de “rigor intelectual” é, embora correto, apenas uma pequena entre as tantas janelas que ela nos oferece com suas leituras.
Nascida numa família judia, e mais tarde convertida ao cristianismo, Yudina estudou no Conservatório da então Petrogrado (hoje São Petersburgo) na mesma classe que Dmitri Shostakovich. Graduou-se em piano e também em teologia na Universidade local, e lecionou no Conservatório até ser de lá expulsa pelas críticas ao governo soviético. Desempregada, faminta e sem teto, sobreviveu de “bicos” até ingressar no Conservatório de Tbilisi, na república soviética da Geórgia, de onde seguiu para o Conservatório da capital da União Soviética. Em Moscou, lecionou no Instituto Gnessin, de onde foi demitida, outra vez, por conta de suas críticas abertas ao regime e suas convicções religiosas. Autorizada a manter sua carreira de recitalista, desde que seus recitais não fossem gravados ou divulgados, ela acabou banida por oferecer ao público, como bis, um poema do desgraçado Boris Pasternak (cujo “Doutor Zhivago” foi lido pela primeira vez no apartamento de Yudina), e não uma peça musical. Após o final do “gancho”, que durou cinco anos, ela retomou a carreira e gozou duma certa celebridade, gravando febrilmente, nem sempre com os melhores pianos (o que é evidente em algumas gravações), como se adivinhasse que levaria mais um punhado de anos até morrer em Moscou.
Muito já se escreveu que Maria foi maior que Gilels e Richter, e que só não teve a importância artística e pedagógica dos dois por conta de suas ferozes críticas ao regime soviético e por ser mulher. Não consigo lhes dizer que ela foi maior, mas certamente foi a mais original, e ardentemente independente. Não temia se alinhar aos perseguidos e oprimidos – além do supracitado Pasternak, foi amiga de Osip Mandelstam e protetora no banido Aleksandr Solzhenitsyn -, nem tocar repertório ocidental contemporâneo, dedicando recitais inteiros à música “degenerada” de Hindemith, Krenek e Bartók. Não temia sequer Stalin, que lhe enviou uma vultosa quantia como recompensa por uma gravação de Mozart, e que acabou doada para a suprimida Igreja Ortodoxa Russa, junto com a seguinte resposta ao “caucasiano do Kremlin“:
Eu rezarei por você dia e noite e pedirei ao Senhor que perdoe seus grandes pecados antes do povo e do país. ‘
Quem tem a coragem de dizer isso ao Továrich Koba certamente não temeria tocar a leviatânica “Hammerklavier” do jeito que ela toca. Ouçam com seus próprios ouvidos, porque… só ouvindo vocês vão acreditar.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
Sonata para piano em Mi menor, Op. 90 Composta em 1814 Publicada em 1815 Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky
5 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
6 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 Composta em 1816 Publicada em 1817 Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
7 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
8 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
9 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
10 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra
11 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
12 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
Um bonito CD duplo de Cantatas barrocas belamente interpretadas por excelentes cantores e orquestra historicamente informada. É claro que tudo sobe muito de nível quando passamos por Bach — que abre e fecha a função –, e também por Sweelinck e Schütz. É natural. Mas aqui ninguém decepciona. A coisa satisfaz plenamente quem ama o barroco, caso deste que vos escreve.
Gênero foi muito explorado no período barroco, a Cantata (do italiano “cantata”, do verbo “cantare”) é um tipo de composição vocal, para uma ou mais vozes, com acompanhamento instrumental, às vezes com coro, de inspiração religiosa ou profana, contendo normalmente mais de um movimento e cujo texto descreve um fato dramático ou uma situação psicológica. Na Alemanha, a Kantate era basicamente um gênero sacro. Foi a mistura de textos bíblicos e poéticos o que caracterizou o formato da cantata alemã. As de Bach são atípicas em qualidade e diversidade. Depois e mesmo na época do mestre, nas mãos de compositores menores, o gênero foi se tornando cada vez mais padronizado, deixando as Cantatas fora de moda e fossilizadas.
J. S. Bach / Hoyoul / Hellingk / Lechner / Sweelinck / Selle / Schein / Schütz / Bernhardt / Förtsch / Graupner / Stölzel: Deutsche Barock Kantaten (VIII) (Ricercar Consort) [2CD]
CD1
Aus Tiefer Not Schrei Ich Zu Dir (BWV 38)
Composed By – Johann Sebastian Bach
(16:27)
1-1 Coro: “Aus Tiefer Not…” 4:23
1-2 Recitativo: “In Jesu Gnade…” 0:47
1-3 Aria: “Ich Höre Mitten In Dem Leiden…” 7:47
1-4 Recitativo: “Ach, Dass Mein Glaube…” 1:30
1-5 Aria (Terzetto): “Wenn Mein Trübsal…” 3:36
1-6 Choral: “Ob Bei Uns Ist Der Sünden…” 1:24
1-7 Aus Tiefer Not
Composed By – Balduin Hoyoul
2:18
1-8 Aus Tiefer Not
Composed By – Lupus Hellingk*
1:52
1-9 Aus Tiefer Not
Composed By – Leonhard Lechner
2:30
1-10 De Profundis
Composed By – Jan Pieterszoon Sweelinck
5:25
1-11 Aus Der Tiefe
Composed By – Thomas Selle
5:12
1-12 Aus Der Tiefe
Composed By – Thomas Selle
3:04
1-13 Ich Ruf Zu Dir
Composed By – Johann-Hermann Schein*
2:56
1-14 Aus Tiefer Not
Composed By – Johann-Hermann Schein*
2:50
1-15 Aus Tiefer Not
Composed By – Heinrich Schütz
2:39
1-16 Ich Ruf Zu Dir
Composed By – Heinrich Schütz
2:55
1-17 Aus Der Tiefe Ruch Ich
Composed By – Heinrich Schütz
3:59
1-18 Aus Der Tiefe
Composed By – Christoph Bernhardt*
7:19
1-19 Aus Der Tiefe
Composed By – Johann Philipp Förtsch
8:05
CD2
Aus Der Tiefe Rufen Wir
Composed By – Christoph Graupner
(13:51)
2-1 Coro: “Aus Der Tiefe…” 4:40
2-2 Recitativo Accompagnato: “Wenn Aber Kommt Einmal…” 4:32
2-3 Coro: “Brunnquell Der Gnaden…” 4:39
Aus Der Tiefe Rufe Ich
Composed By – Gottfried Heinrich Stölzel
(15:00)
2-4 Aria: “Aus Der Tiefe…” 3:04
2-5 Recitativo: “Aus Tiefer Not…” 1:53
2-6 Aria: “Meine Hände Ringen Sich…” 4:34
2-7 Recitativo: “Jedennoch Bleib Ich…” 1:09
2-8 Aria Da Capo: “Aus Der Tiefe…” 4:20
Aus Der Tiefe Rufe Ich (BWV 131) (22:32)
Composed By – Johann Sebastian Bach
2-9 Coro: “Aus Der Tiefe Rufe Ich, Herr, Zu Dir…” 4:42
2-10 Aria & Choral: “So Du Willst Herr…” “Erbarm Dich Mein…” 4:41
2-11 Coro: “Ich Harre Des Herrn” 3:49
2-12 Aria & Choral: “Meine Seele Wartet…” “Und Weil Ich Denn…” 5:18
2-13 Coro: “Israel Hoffe Auf Den Herrn…” 4:02
(Oh, yeah. Depois do comentário que meu Reich acaba de receber, melhor postar). Sim, Galuppi não é Vivaldi. Por anos e anos acharam que o Dixit Dominus era de Galuppi, mas não, era de Vivaldi. O grande Vivaldi tornou-se ainda maior e o pobre Galuppi ficou sem sua única obra importante. Este CD da Archiv tenta recolocar Galuppi como um cara legal e até, olha, Baldassare era legal. Mas não é Vivaldi. O trabalho da turminha de Dresden, chefiada por Peter Kopp é uma joia (perdeu também o acento ou não?) que você, prezado melômano amante do sexo, das drogas pesadas e da música sacra, não devaria deixar passar em branco, apesar de termos aqui um Galuppi bonzinho ao lado de um enorme Vivaldi.
Ando num período muito vivaldiano, andei comprando umas óperas que nem lhes conto. Sem baixar o nível — pois este é um blog-família — , diria que são do caraglio.
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Dixit Dominus, R. 807
1) Dixit Dominus [1:38]
2) Donec ponam inimicos tuos [2:58]
3) Virgam virtuis tuae [2:44]
4) Tecum principium [1:51]
5) Juravit Dominus [1:37]
6) Dominus a dextris tuis [1:50]
7) Judicabit in nationibus [2:40]
8 ) De torrente in via bibet [3:13]
9) Gloria Patri et Filio [2:10]
10) Sicut erat in principio [0:31]
11) Et in saecula saeculorum [2:34]
Baldassare Galuppi (1706 – 1785)
Laetatus sum
12) Laetatus sum [4:39]
13) Fiat pax [1:50]
14) Propter fratres meos [1:42]
15 Gloria Patri et Figlio / Sicut erat [1:52]
Nisi Dominus
16) Nisi Dominus [3:31]
17) Vanum est nobis [1:51]
18) Cum dederit [4:29]
19) Sicut sagitte [2:42]
20) Beatus vir [3:39]
21) Gloria Patri et Figlio [5:38]
22) Sicut erat [2:07]
Lauda Jerusalem
23) Lauda Jerusalem [0:59]
24) Quoniam confortavit [2:18]
25) Qui posuit fines [1:38]
26) Qui emittit [0:57]
27) Emittit verbum [2:25]
28) Qui annuntiat [0:40]
29) Gloria Patri et Figlio / Sicut erat [1:52]
Körnerscher Sing-Verein Dresden
Dresdner Instrumental-Concert
Peter Kopp
Sara Mingardo
Roberta Invernizzi
Paul Agnew
Thomas Cooley
Lucia Cirillo
Sergio Foresti
PQP (Links revalidados por Pleyel com os pitacos a seguir)
P.S.1. Concordo com PQP: Galuppi não está no nível genial de Vivaldi, mas é um importante compositor que carrega a tocha da tradicional escola de Veneza, com características também da geração de C.P.E. Bach: árias mais operísticas que devocionais, às vezes com os cantores fazendo pausas para sublimes solos de violino que, aliás, lembram os solos da Missa do Padre João de Deus Castro Lobo, compositor do Barroco tardio nascido em Vila Rica (Ouro Preto).
P.S.2. CD gravado na Lukaskirche (Igreja São Lucas) em Dresden, 2006. Prestem atenção nas reverberações e ecos da igreja!
As cinco sonatas para violoncelo e piano de Beethoven repartem-se bem ao longo de sua trajetória criativa. As duas primeiras, compostas e publicadas simultaneamente, são fruto do contato do jovem virtuoso do piano com os irmãos Duport, violoncelistas da corte do rei da Prússia. Já a sonata Op. 69, a melhor de todas as obras do gênero, é um emblema de seu estilo intermediário. Muito diferentes são as duas últimas, também compostas simultaneamente e publicadas como par, sob o Op. 102. Diferem, também, demais entre si, cada qual com um gesto característico do chamado “estilo tardio” de Beethoven. A primeira, ultraconcentrada e enigmática, tem apenas dois movimentos, embora a gravação a reparta em quatro faixas, e leva a tonalidade para passear num esquema tonal totalmente heterodoxo, para então oferecer um breve retorno de um tema do primeiro movimento antes da coda e do assertivo final na tônica. A segunda, numa forma mais tradicional de três movimentos (rápido-lento-rápido), termina com um dos atraentes fugatos que Beethoven passou a criar em sua busca de incorporar à sua linguagem seus estudos e admiração por Händel e por Sebastian Bach. Recomendo muito parear a audição da primeira com a sonata para piano, Op. 101 – sua antecessora imediata no catálogo de obras do compositor -, e a da segunda com a Op. 110, também concluída por um movimento fugal, e depois me digam se não é mesmo possível pensar que algumas dessas obras carregam as sementes das outras.
Admito que, quando publiquei a excelente gravação de Pieter Wispelwey e Dejan Lazić, há alguns meses, eu já considerara vencido o afã das sonatas para violoncelo nessa nossa travessia da obra beethoveniana. No entanto, foi só publicar uma gravação do incansável Menahem Pressler que me lembrei das versões do decano dos pianistas com o recifense Antonio Meneses, seu parceiro no Beaux Arts Trio e último violoncelista da história do mítico conjunto, gravadas após sua excursão pelo mundo a tocarem essas sonatas. O entrosamento dos dois experientes cameristas me parece ímpar, e ao revisitar os discos, que ficaram esquecios na pilha de CDs que mantenho em minha Dogville natal, eles me deixaram um retrogosto que me diz que esta é minha gravação favorita desse repertório.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5
No. 1 em Fá maior
1 – Adagio sostenuto – Allegro
2 – Adagio – Allegro vivace
No. 2 em Sol menor
3 – Adagio sostenuto ed espressivo
4 – Allegro molto più tosto presto
5 – Rondo: Allegro
Doze Variações em Sol maior sobre “See the conqu’ring hero comes”, do Oratório “Judas Maccabaeus” de Händel, para violoncelo e piano, WoO 45
6 – Thema – Variationen I-XII
Doze Variações em Fá maior sobre “Ein Mädchen oder Weibchen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, Op. 66
7 – Thema – Variationen I-XII
Muita tinta já foi usada para descrever as rápidas mudanças na forma “Sinfonia para orquestra”, cristalizada por Haydn e enriquecida por Mozart e Beethoven poucos anos depois.
Menos lembrada é a semelhança do mestre de Bonn com a música de C.P.E. Bach (1714-1788). Não na forma (as sinfonias deste último, curtas e em 3 movimentos, podem ser conferidas aqui, aqui e aqui) mas no temperamento e retórica. Não me peçam para explicar, é apenas uma impressão. Como disse seu irmão P.Q.P. Bach: “Segundo filho de papai e Maria Barbara, Carl é considerado o fundador do estilo clássico na música erudita”, com uma “maneira única de combinar uma marca muito digna de seriedade e uma concentração e originalidade muitas vezes perturbadora pelas surpresas nos momentos dramáticos, tudo isso sem perder o foco na simetria e na organização formal.”
Sobre o interesse de Beethoven por C.P.E. Bach mais ou menos no período em que compôs o Concerto Tríplice e a 7ª Sinfonia:
beginning in 1809 Beethoven expressed renewed interest in Bach’s works and asked Breitkopf for more scores, saying “I have only a few samples of Emanuel Bach’s compositions for the clavier; and yet some of them should certainly be in the possession of every true artist, not only for the sake of real enjoyment but also for the purpose of study.” Over a year later he was still asking, with a broader request (“I should like to have all the works of Carl Philip Emanuel Bach, all of which, of course, have been published by you”), and two years later he asked again with some asperity (“I fancy you could make me a present of C.P.Emanuel Bach’s works, for surely they are rotting with you”)
Fonte: Elaine R. Sisman. After the Heroic Style: Fantasia and the Characteristic Sonatas of 1809
Como já falei na postagem anterior, as percussões brilham especialmente nessas gravações ao vivo realizadas no Barbican Centre em Londres. Em um breve mergulho no túnel do tempo, conferi que de fato as gravações Jochum, Szell, Karajan etc. dão um destaque muito maior para as cordas, com o naipe de percussões lá no fundo, meio tímido. A surpresa entre os jurássicos foi Klemperer com a Orquestra Philarmonia, também em Londres, em 1957-1959. Por exemplo no segundo movimento da 9ª Sinfonia, Klemperer usa um andamento muito diferente do de Haitink, mais calmo, descritivo, mas curiosamente o balanço entre percussões e cordas é muito semelhante ao que se usa hoje em dia. Voltar aos grandes mestres como Beethoven e Klemperer sempre nos traz algumas surpresas, mesmo em obras tão famosas como a Nona Sinfonia. No futuro (se houver futuro), creio que Haitink/LSO estará entre essas gravações de referência.
Ludwig van Beethoven:
CD5
1-4. Symphony No. 7 in A major, Op. 92 (1811-12)
5-7. Triple Concerto for Piano, Violin, and Cello in C major, Op. 56* (1803-04, rev.1808)
London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
*Tim Hugh (cello), Gordan Nikolitch (violin), Lars Vogt (piano)
Recorded live, 2005
CD6
1-4. Symphony No. 9 in D minor, Op. 125 ‘Choral’ (1822-24)
John Mac Master (tenor), Karen Cargill (mezzo-soprano), Twyla Robinson (soprano), Gerald Finley (bass)
London Symphony Orchestra, London Symphony Chorus
Bernard Haitink
Recorded live, 2006
In Sixty Years of Listening: One of the Very Best
I have been listening to Beethoven performances, both recorded and live, for the past 60 years. I’ve heard and have on disc many, many performances. When I want to hear a recording for the past 5 years I don’t reach for Toscanini, Karajan, Klemperer, Walter, Szell, Furtwangler, or Bernstein -to name a few of those I have on the shelf – I reach for this box.
It’s nonsense to dislike this set because the tempos are fast. Beethoven’s tempos are fast! It’s nonsense to dislike this set because it’s aggressive: Beethoven’s music, albeit not all of it, is aggressive! How anyone can give these performances a low rating is beyond my comprehension.
And, in case you’re wondering, I have not been an uncritical fan of Haitink, but now that I do think of it he has made great recordings of Debussy, Mahler, Strauss and others.
I certainly am not saying that the other conductors named above don’t have excellent performances of this most universally appealing music. But, in sum, I believe it would be a very big missed opportunity to go through the rest of life without being able to hear this set.
Oh yes, did I mention: the sound is wonderful. (Amazon Review)
This recording has impressed every one of the CD Review team – there is a feeling of immediacy and drama tempered with vision and maturity as though Haitink’s long career has been leading towards this time where he can combine impetuosity and youthful enthusiasm with the wisdom of age and experience (BBC Radio 3 CD Review)
Com os primeiros compassos da maravilhosa sonata Op. 101, Beethoven anuncia sua última e visionária fase criativa, marcada por obras expansivas, duma sofisticação sem precedentes, e que transcendiam quaisquer dos já rotos limites que o compositor redefinira para as formas musicais, associadas a um inovador uso do contraponto e, especificamente, das formas fugais.
A sonata foi iniciada em meados de 1815 e concluída no final do ano seguinte. Dentro da tendência iniciada com a sonata Op. 90, Beethoven deixou instruções em alemão aos intérpretes: “um tanto animado e com o sentimento mais íntimo”; “animado, marchando”; “lento e cheio de saudade”; “rápido, mas não muito, e com determinação”. Com um olho no mercado externo, também indicou os andamentos em italiano, mas lançou mão somente de sua língua materna no frontispício, prescrevendo a sonata para o “Hammer-Klavier” (“piano de martelos”). Muito se conjeturou se esse título – que, como sabemos, colou indelevelmente na imensa sonata seguinte, a Op. 106 – era uma contraindicação a que se executasse a obra no cravo. Não parece ser o caso, não só porque o fortepiano já suplantara seu antecessor nos lares e salas de concerto da época, como também “Hammerklavier” era o termo mais usado, juntamente como “Hammerflügel”, para designar os fortepianos em alemão. Por fim, havia já um bom tempo que as sonatas de Beethoven não mais cabiam nas acanhadas extensões dos teclados dos cravos, e ele próprio vivia a resmungar as limitações dos próprios fortepianos que conhecia.
A Op. 101, aliás, é antes de mais nada uma celebração da capacidade dos instrumentos da época. O novíssimo Mi grave é explicitamente prescrito (“contra E“) no final do último movimento, e o inovador uso do pedal de suavização, que permitia a execução de cada nota em uma, duas ou três cordas, surge no movimento “cheio de saudade”, em que o pedal vai sendo liberado aos poucos, permitindo o acréscimo gradual de cordas e alterando substancialmente o timbre.
Quando conheci o primeiro movimento, na tônica de Lá maior, pensei estar ouvindo Schumann, até que o desenvolvimento – uma sonata-forma a um só tempo enxuta e rica – me gritasse claramente que aquilo era Beethoven tardio. No movimento seguinte, o scherzo é substituído por uma marcha em Fá maior, uma tonalidade distante, com um delicado cânone fazendo as vezes de trio. O movimento mais importante é o extenso finale, que começa como um adagio em Lá menor (aquele “cheio de saudade”), com a liberação gradual supracitada do pedal de suavização, passando por uma breve recapitulação do movimento inicial (um expediente muitas vezes usado por Beethoven nos finales de suas obras maduras), até irromper num enérgico, complexo fugato que cresce inexoravelmente até um clímax em fortissimo.
Assim como as sinfonias e os últimos quartetos de cordas, as derradeiras sonatas para piano de Beethoven são por demais transcendentais para que eu delas tenha uma interpretação favorita. Por isso, eu também hei de publicar algumas séries entre minhas prediletas. Trago-lhes hoje o excelente Peter Serkin, algo injustamente conhecido tão só como o filho do mestre Rudolf Serkin, mas um tremendo pianista por seus próprios méritos. Sua gravação das seis últimas sonatas num fortepiano Graf, contemporâneo ao compositor, nasceu clássica. Ao contrário duma boa parte dos registros dessas sonatas em instrumentos de época, que causam uma invencível estranheza e sensação de que os velhos instrumentos não são suficientes para dar conta da música (sensação que, como sabemos, também era a do próprio compositor), Serkin usa o Graf de modo muito efetivo, lançando mão de sua riqueza tímbrica, particularmente nos contrastes entre as notas agudas – muito menos pungentes que nos instrumentos modernos – e um tanto anasaladas notas graves. A mim, que tão pouco conheço sobre fortepianos e sua técnica de construção, o Graf soa muito mais moderno que seus concorrentes contemporâneos. O resultado é impressionante, e sobremaneira porque Serkin conseguiu, mesmo com o instrumento antigo, realizar uma das minhas gravações favoritas da grande Hammerklavier (Op. 106) – notável, entre outras coisas, por respeitar estritamente as indicações metronômicas quase suicidas do compositor.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 Composta em 1816 Publicada em 1817 Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
1 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
2 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
3 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
4 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Dois Rondós para piano, Op. 51 Compostos entre 1795-1798 Publicados em 1802 (no. 2) e 1810 (no. 1)
5 – No. 1 em Dó maior
6 – No. 2 em Sol maior
Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
Sonata para piano em Mi menor, Op. 90 Composta em 1814 Publicada em 1815 Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky
1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 Composta em 1820 Publicada em 1821 Dedicada a Maximiliane Brentano
3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110 Composta em 1821 Publicada em 1822
6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente
Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra
9 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
10 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
Este disco é um tesouro repleto de pequenas gemas – linda poesia, ótima música e excelente interpretação – mas pede uma audição cuidadosa, demanda tempo para ser devidamente apreciado.
É claro, você poderá ouvi-lo uma vez e coloca-lo naquela pasta de discos interessantes, seguindo em frente para outras aventuras sonoras. Mas, se você dispuser de um pouco mais de tempo, poderá deleitar-se devidamente e abrir uma porta ou uma janela para um universo cultural bastante rico.
Digo isto pois John Dowland é um compositor cuja música pode ser facilmente rotulada de dolente, melancólica, cheia de sofrência… Realmente, tem isso, faz parte do pacote. Mas vai bem além disso. Não por acaso o seu Primeiro Livro de Canções – The First Booke of Songs – editado pela primeira vez em 1597 foi seguido de quatro edições, a última em 1613, e foi o primeiro do gênero em língua inglesa, estabelecendo um padrão altíssimo.
Outros livros do compositor seguiram e sua arte permanece como um retrato da cultura de seu tempo – ele foi contemporâneo da Rainha Elizabeth I e de Shakespeare. Há em sua música uma componente de atemporalidade que percebemos ao vê-la interpretada até pelo pop-star Sting. Afinal, canções que falam de amor – love, love, love – são sucesso de compositores ingleses até hoje.
Escolhi este álbum para ser o primeiro de uma série de postagens com obras de Dowland por achar que ele evita as principais armadilhas que se não forem afastadas na preparação de um projeto como este, acabaria resultando um disco chato – booooring!
Primeiro obstáculo – excesso de melancolia e tempo por demais moroso. A questão do tempo é fundamental. Dowland viveu no fim do século 16, começo do século 17. A passagem do tempo, a velocidade das coisas era diferente da que experimentamos hoje. Uma viagem de Londres a Paris, que seria feita apenas por pessoas distinguidas, demoraria dias. Um destes sites de perguntas estranhas me informa que cavalos bem treinados e tratados podem manter a velocidade de uns 15 quilómetros por hora, por horas. São 300 quilómetros de Paris a Calais – umas 25 horas, pois há que parar de vez em quando para trocar os pobres cavalos, refresca-los e essas coisas. Coloque mais umas 11 horas para ir de Dover a Londres. Isso sem contar a travessia do canal, a espera das conexões, a maré certa. Pois é, outros tempos, outro tempo.
Tem também a questão dos intérpretes. Como vamos ouvir canções, a voz é um fator relevante. É comum ouvir as canções de Dowland nas vozes mais altas – soprano e contra tenor. No meu caso, isso pode ser um problema. Além disso, o acompanhamento do cantor em geral é feito por um alaúde. Isso é certo, John fazia isso, mas se houver mais instrumentos, fica mais colorido e isso também é perfeitamente adequado. O cantor deste disco, Joel Frederiksen, é baixo-barítono, toca o alaúde e se faz acompanhar pelo excelente grupo Ensemble Phoenix München e a gravação é espetacular.
A escolha absolutamente criteriosa das canções e dos números instrumentais nos dá um ótimo panorama da obra de Dowland – um desfile de big hits!
A primeira canção, do terceiro livro, é um ótimo exemplo de como música e poesia vão de mãos dadas, no mais alto nível. Veja o refrão: And love is love in beggers and in kings! A canção demora curtíssimos 2’14! Se você não a ouvir de novo, não se embebedar da música, vai perder.
E Dowland conviveu com nobres e reis. A letra da segunda das canções – Can she excuse my wrongs with vertues cloak? – foi escrita pelo segundo Conde de Essex – Robert Devereaux – favorito da Rainha, nobre e corsário inglês, que acabou executado em razão de conspirações muitas. A própria Rainha é constante referência nas canções de Dowland, que esperava uma posição na corte, mas que veio apenas no fim de sua vida, quando assumiu o trono outro monarca. Dowland era católico e chegou a ser acusado de traição. Não foi condenado, mas também nunca ganhou as graças da Rainha Virgem. Na canção When Phoebus first did Daphne love, o frustrado Apolo manda: Past fifteene none, none but one should live a maid! Já deu para perceber quem seria esta uma… Veja também que na outra canção, que a segue no disco, também do Terceiro Livro, ouvimos:
Say Love if ever thou didist find,
A woman with a constant mind,
None but one,
And what should that rare mirror be,
Some Goddesse or some Queene is she,
She, she, she, and only she,
She only quenn of love and beautie.
Mesmo assim, nada de emprego…
A alternância de canções mais dolentes com outras mais animadas é muito bem-feita. A famosíssima Flow my Teares – também conhecida por Lachrimae na sua versão instrumental, é seguida por uma peça instrumental, My Lord Chamberlain his Galliard, e depois pela alegre Fine knacks for ladies, que nos transporta para uma feira ao ar livre – com frivolidades e muita animação.
Entre as peças instrumentais, chamo a atenção para The Frog Galliard, aqui interpretada por um conjunto de três alaúdes, cuja versão com letra Now o now I needs must part é uma belíssima canção do Primeiro Livro, em breve num distribuidor do PQP Bach Ars Blog mais perto de você. Até lá, veja só este avant premiere!
Os temas das canções são o amor platônico, o amor mundano, fidelidade e essas coisas. As raízes de sua música estão fortemente fincadas nas tradições madrigais que aprendeu em Paris, onde aprofundou sua predileção pelo alaúde. Para lá foi aos 17 anos a serviço de Sir Henry Brooke Cobham, embaixador junto ao Rei da França. Boa parte de sua vida, John Dowland passou longe da Inglaterra, muitos anos a serviço do Rei da Dinamarca, de onde enviou seu Segundo Livro de Canções para que sua mulher o publicasse.
Enfim, mais histórias guardo para as próximas postagens. Enquanto isto, aproveite este disco e se familiarize com esta música que permanece tão acima do tempo como as emoções que retratam e as perguntas que fazem.
Veja um exemplo da eterna sabedoria que está escondida nestas letras: Que tolos são os que não sabem que o amor não aprecia qualquer lei que não seja a sua própria…
Sir Thomas Sean Connery deixou-nos no finalzinho do mês passado, e, tão logo soube da má notícia, lembrei de trazer-lhes este pequenino disco.
A comoção das legiões de fãs com sua morte foi tão grande quanto o reaceso rechaço à sua inaceitável e tantas vezes reiterada opinião quanto a bater em mulheres – opinião que, claro, eu não corroboro e que vigorosamente condeno. Enquanto aproveito para recondená-la, e por vivermos tempos em que nenhum óbvio é mais ululante, esclareço que não pretendo aqui tecer loas ao espancador de mulheres, e sim celebrar o legado artístico do ator icônico, dono duma voz inconfundível e de distinto sotaque que, algumas vezes, soltou no cinema:
E é com a voz que Connery aparece nesta nossa homenagem, acompanhado por Antál Dorati e a Royal Philarmonic, em duas figurinhas fáceis do repertório para narrador e orquestra: “Pedro e o Lobo”, de Prokofiev, numa versão em inglês atenuada das cores soviéticas do original (no primeiro esboço, Pedro era um jovem pioneiro de Lênin), e no “Guia dos Jovens para Orquestra”, de Britten, uma adaptação duma obra em variações sobre um tema da música de cena de Purcell para a peça “Abdelazer”, de Aphra Behn. Dorati, um verdadeiro monstro de eficiência, sai-se bem como sempre (e em especial na música para “Tenente Kijé”, também inclusa no disco), e a voz de Connery é tão clássica que não tenho como lhe fazer críticas, e mesmo a forma hilária com que ele pronuncia a palavra “brass” para se referir aos metais inunda a narração de charme.
Pedro e o Lobo (Petya i volk), Conto de Fadas Sinfônico para Crianças, Op. 67
1 – This is the story of Peter and the Wolf
2 – It was early morning
3 – Grandfather led him back to the house
4 – Now this is how things stood
5 – And now, the victory parade
Sean Connery, narrador Royal Philarmonic Orchestra Antal Doráti, regência
Suíte “Tenente Kijé” (Poruchik Kizhe), da trilha sonora do filme de Aleksandr Faintsimmer, Op. 60
6 – O nascimento de Kijé
7 – Romance
8 – Casamento de Kijé
9 – Troika
10 – O funeral de Kijé
Royal Philarmonic Orchestra Antal Doráti, regência
Edward Benjamin BRITTEN (1913-1976)
Variações e fuga sobre um tema de Purcell, para orquestra, Op. 34 (The Young Person’s Guide To The Orchestra), Op. 34
11 – Introduction
12 – Let us hear each instrument play a variation
13 – The highest instruments in the string family
14 – We now come to the brass family
15 – The percussion family
16 – You have heard the whole orchestra in sections
Sean Connery, narrador Royal Philarmonic Orchestra Antal Doráti, regência
A Quinta Sinfonia e a Pastoral de Haitink/LSO são excelentes, é claro. Mas hoje prestei mais atenção nas ovelhas negras da série, as duas primeiras sinfonias, inseridas na primeira fase de sua vida como compositor. A bem da verdade, há uma fase zero, da adolescência até os 24 anos, pois ele só publicou sua primeira obra “oficial”, opus 1, em 1795, quando já morava em Viena. Na primeira fase das obras com opus, ainda seguia modelos típicos de Haydn e Mozart, mas já com algumas características próprias, como as frases assertivas, acabando no tempo forte – comparem com Mozart e suas melodias frequentemente acabando no tempo fraco.
Muitas vezes consideradas agradáveis, tranquilas, mas pouco originais, essas sinfonias assumiram outro aspecto em gravações mais recentes. Entre as integrais mais associadas ao movimento de práticas ditas historicamente informadas (HIP em inglês), Harnoncourt/Chamber Orchestra of Europe é minha referência absoluta. O som da orquestra de Harnoncourt, assim como o da de Londres com Haitink, tem percussões potentes, muito diferentes daquele tímpano discreto das gravações antológicas de meados do século passado. Comparando por exemplo os momentos mais agitados do Allegro molto e vivace (muito alegre e vivo) da 1ª sinfonia e o Allegro com brio (alegre com brilho) da 2ª sinfonia, me parece que os técnicos que gravaram Haitink/LSO fizeram um trabalho que deu ainda mais destaque à percussão do que os técnicos de Harnoncourt. Nestas gravações ao vivo, os percussionistas em alguns momentos roubam a cena com pancadas quase tão violentas quanto as dos bateristas de bandas de rock como Rush ou Led Zeppelin.
Nas sinfonias mais célebres, como a 5ª e a 6ª, as percussões também soam poderosamente e Haitink usa andamentos bastante rápidos em comparação com a velha guarda. No segundo movimento da Pastoral – “cena à beira do riacho”, a música flui, balança como a água, muito diferente das gravações de Karajan (que faz uma Pastoral rápida, mas com uma fluência bem diferente) e as águas bem mais lentas de Jochum, de Celibidache e de Furtwangler. Ao mesmo tempo, há algo indefinível no Beethoven do velho Haitink que remonta à concepção desses maestros de tradição romântica.
Ludwig van Beethoven: CD3 1-4. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67 (1807-08) 5-8. Symphony No. 1 in C major, Op. 21 (1799-1800)
London Symphony Orchestra
Bernard Haitink
Recorded live, 2006
A música de Bach sempre é bem-vinda aqui, mas esta gravação das Suítes Orquestrais com o apelativo título ‘Suítes Orquestrais para um Jovem Príncipe’ nos oferece algumas novidades.
Temos as conhecidas quatro suítes que Bach compôs quando estava a serviço do Príncipe Leopold of Anhalt-Köthen, o tal jovem príncipe do título, mas três delas em suas versões ‘originais’ – as suítes de Nos. 2, 3 e 4.
Essas reconstruções buscam apresentar o que teria sido as primeiras versões destas peças. Não se preocupe muito, a música está toda aí e com a interpretação excelente da Monica Huggett e o Ensemble Sonnerie, com toda a sua grandeza preservada, especialmente se levarmos em conta a excelente produção da Avie.
Na Segunda Suíte, sai a flauta e entra um oboé. Inicialmente acreditava-se que o instrumento original (que não seria uma flauta) tenha sido um violino. No entanto, o oboísta Gonzalo X. Ruiz argumentou teoricamente e depois mostrou na prática que o oboé é o tal instrumento com destaque na primeira versão.
Nas duas últimas suítes as principais mudanças são a eliminação dos tímpanos e dos trompetes cujas partes foram acrescentadas posteriormente por Carl Philippe Emanuel na Terceira e por Johann Sebastian, para uso na Cantata BWV 110, na Quarta Suíte. Essas modificações não roubaram da música seu caráter festivo pois que foram aqui substituídas por instrumentos de cordas e oboés.
Temos assim uma reconstrução das Suítes como o Príncipe as deve ter ouvido. Se você baixar os arquivos e não se der conta de que é uma ‘reconstrução’ das Suítes, poderá se sentir como o alemão que comprou o disco da Amazon e se disse enganado, uma vez que a música não se apresenta conforme a intenção do Herr Bach. Cadê a flauta e os tímpanos e os trompetes que estavam aqui??? Mas se você gosta de música e tem a mente um pouco mais arejada, vai gostar muito, especialmente porque a Monica e a Sua Turma farão as Suítes dançarem para você!
Como disse outro ilustre crítico amador: The Ensemble Sonnerie, under Ms Huggett seems to play a much livelier set of suites than I have been used to. So far, it seems to be the way it should be played. and I actually love their performance.
Bernard Haitink, nascido em Amsterdam, é um dos maestros mais célebres da nossa época. Ele esteve à frente da Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam de 1961 – com apenas 32 anos de idade – até 1988, e gravou com essa e outras orquestras ciclos completos das sinfonias de Beethoven, Brahms, Schumann, Tchaikovsky, Bruckner, Mahler, Shostakovich e Vaughan Williams. Também sou fanático pela gravação que ele fez dos Concertos de Brahms com Claudio Arrau (1970). Em 2019, com 65 anos de carreira e 90 de idade, ele aposentou a batuta e foi gozar seu merecido descanso.
Haitink já tinha gravado as nove sinfonias nos anos 1970 (London Philharmonic – LPO) e nos anos 80 (Concertgebouw Amsterdam). Nos anos 2000, Haitink voltou a estas sinfonias, agora com outra orquestra londrina, a Sinfônica – LSO. Nessa sua última integral, o maestro mostra ter aprendido muito com as interpretações historicamente informadas: os andamentos são um pouco diferentes, o balanço entre os naipes da orquestra também, com notável destaque para as percussões em alguns momentos. Na Marcha Fúnebre da 3ª Sinfonia, por exemplo, Haitink usa praticamente o mesmo andamento de Harnoncourt/COE e Abbado/BPO, unindo o caráter sério com um movimento constante, sem muitas pausas dramáticas (afinal é uma marcha). Com 14 minutos, a marcha anda mais depressa que as de Monteux, Toscanini, Karajan, Jochum, Böhm, Thielemann e muito mais do que o lento passo das marchas de Celibidache e Furtwangler, que caminham monumentais como uma manada de elefantes.
Nesses dois primeiros CDs, a ordem não é cronológica: todas as obras aqui pertencem à segunda fase de Beethoven. A segunda fase começa “oficialmente” com a 3ª Sinfonia, “Heroica” (1804), e é o Beethoven mais grandioso, que já se mostrava um pouco antes em obras como a Sonata Patética em dó menor (1799) e o Concerto Para Piano em dó menor (1803). Esta fase, associada à época das revoluções e guerras napoleônicas, vai mais ou menos até a 8ª sinfonia, opus 93 (1812) ou talvez até o Trio Arquiduque, opus 97.
Ludwig van Beethoven: CD1
1-4. Symphony No. 3 in E flat major, Op. 55 ‘Eroica’ (1803)
5. Leonore Overture No. 2, Op. 72a (1805)
O universo sonoro criado por Maurice Ravel é extremamente rico, luxuoso, sofisticado. Todas as suas obras, desde as peças para piano, música de câmera ou com orquestra apresentam riqueza de detalhes e características absolutamente próprias que as tornam fáceis de serem identificadas como obras suas.
Eu não consigo ouvir ou fazer qualquer alusão a Ravel e sua obra sem lembrar de Artur da Távola, que (provavelmente) produzia e apresentava um programa sobre a vida e a obra de Ravel na Rádio MEC, que eu ouvia no Rio de Janeiro.
Mas quanto ao disco da postagem, temos uma coleção de peças de música de câmera interpretadas por músicos da Berliner Philharmoniker que têm alguma ligação, um certo compromisso com a música e a sonoridade francesa, apesar de não serem todos de origem francesa. O disco também não apresenta qualquer ‘integral’ da música de câmera de Ravel, que deveria então incluir o maravilhoso Trio com Piano ou a Sonata para Violino. Mas, o que temos aqui é excelente e muito representativo da obra de Ravel.
Inclusive porque duas obras foram escritas para outra combinação de instrumentos e Ravel ele mesmo orquestrou eventualmente peças que havia escrito para piano.
Começamos com a belíssima Introdução e Allegro para flauta, clarinete, harpa e quarteto de cordas. É música de câmera, mas com um conjunto sonoramente muito diverso e rico. A peça parece um pequeno concerto para a harpa.
Em seguida, o quarteto de cordas da BP apresenta a sua leitura do belíssimo quarteto de cordas.
A peça que segue é um arranjo para conjunto de câmera da Sonatine (escrita originalmente para piano) feito por Carlos Salzedo para flauta, harpa e violoncelo. Nesta gravação, o violoncelo foi substituído pela viola, fazendo assim a mesma formação que a Sonata de Debussy. Belíssimo!
Ravel escreveu um Duo para Violino e Violoncelo em 1922 e esta é a peça que posteriormente ganhou o status e título de Sonata e é a mais modernosa das peças aqui apresentadas. A interpretação dos músicos da BP enfatiza essa modernidade com os ataques bem pronunciados e evitando de ‘embelezar’ a peça. Um bom contraste para com as peças anteriores.
Para completar, o grupo todo se reúne para apresentar um arranjo do último movimento da Suíte ‘Ma Mère l’Oye’, Le Jardin féerique, escrita originalmente para piano a quatro mãos, mas que o próprio Ravel posteriormente ampliou e orquestrou.
Nos arquivos postados, às 13 faixas originais do disco eu acrescentei algumas ‘faixas bônus’ para ilustrar e servir de comparação com as versões do disco.
Temos uma gravação para dois pianos da ‘Introdução e Allegro’, aqui interpretado pelos excelentes Stephen Coombs e Christopher Scott. Esta gravação mostra o poder do(s) piano(s) de recriar o universo sonoro obtido com outras combinações de instrumentos.
Escolhi a gravação do Bavouzet da Sonatine, na versão original para piano. E para a última peça do disco, de título imaginoso, Le Jardin féerique, a versão para piano a quatro mãos da simpaticíssima dupla Marylène Dosse e Annie Petit.
Maurice Ravel (1875 – 1937)
Introdução e Allegro para flauta, clarinete harpa e quarteto de cordas
Introdução e Allegro
Quatuor à cordes en Fa Majeur
Allegro moderato – très doux
Assez vif – très rythmé
Très lent
Vif et agité
Sonatine en Trio (flauta, harpa e viola)
Modéré
Mouvement de Menuet
Animé
Sonate para Violono e Violoncelo
Allegro
Très vif
Lent
Vif, avec entrain
Ma mère l’Oye
Le Jardin féérique, para flauta, clarinete, harpa e cordas
Wenzel Fuchs, clarinete
Emmanuel Pahud, flauta
Marie-Pierre Langlamet, harpa
Christophe Horak, violino
Simon Roturier, violino
Ignacy Miecznikowski, viola
Bruno Delepaire, violoncelo
Faixas Bônus
Introdução e Allegro para flauta, clarinete harpa e quarteto de cordas
Introdução e Allegro
Stephen Coombs e Christopher Scott, pianos
Sonatine (para piano)
Modéré
Mouvement de Menuet
Animé
Jean-Efflam Bavouzet, piano
Ma mère l’Oye
Le Jardin féérique
Marylène Dosse e Annie Petit, piano (a quatro mãos)
Uma boa gravação de um extraordinário e basilar repertório do século XX. Ibragimova não alcança as transcendências de outros violinistas, como Oistrakh e Vengerov, mas sai-se muito bem na complicada tarefa.
Shostakovich referiu-se ao seu Concerto para Violino Nº 1, iniciado em 1947, mas não estreado até 1955, como uma sinfonia para violino e orquestra. O que ele quis dizer? Que os quatro movimentos, um a mais que o normal, têm ambição e enorme grandeza. Os humores de cada um não correspondem a nenhuma norma dos concertos. Abrindo com um Noturno lento e dolorosamente melancólico, a obra mergulha na reflexão. É seguido por um Scherzo enlouquecido e sardônico que cai numa sombria e lírica Passacaglia, que nos leva a uma vasta cadência solo. O final é um “burlesco” sombrio, uma perseguição estridente e veloz entre solista e orquestra.
O Concerto para Violino Nº 2 de Shostakovich (1967), é mais curto e tem forma mais regular, girando em torno de um movimento lento prolongado, introvertido e emocional: aqui, o silêncio e concentração são essenciais. Nunca é fácil de ouvir, mas quem espera isso deste compositor?
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Os Concerto para Violino (Ibragimova / Jurowski)
1. Violin Concerto No. 1 in A Minor, Op. 77: I. Nocturne: Moderato (12:36)
2. Violin Concerto No. 1 in A Minor, Op. 77: II. Scherzo: Allegro (06:26)
3. Violin Concerto No. 1 in A Minor, Op. 77: III. Passacaglia: Andante – Cadenza – (15:02)
4. Violin Concerto No. 1 in A Minor, Op. 77: IV. Burlesque: Allegro con brio – Presto (04:56)
5. Violin Concerto No. 2 in C-Sharp Minor, Op. 129: I. Moderato (14:14)
6. Violin Concerto No. 2 in C-Sharp Minor, Op. 129: II. Adagio – (10:01)
7. Violin Concerto No. 2 in C-Sharp Minor, Op. 129: III. Adagio – Allegro (08:10)
Alina Ibragimova
State Academic Symphony Orchestra of Russia “Evgeny Svetlanov”
Vladimir Jurowski
Ontem recebi a ligação de um amigo com quem não falava há tempo. Custou um pouco para entender de quem se tratava, hoje recebemos tantas indesejadas chamadas. É claro que eu não conheço alguém por nome Selim Gidnek e a pessoa falava como se estivesse em uma cabine de telefone de Londres. Mas, rapidamente matei a charada. Uma vez espião, mesmo aposentado certos hábitos de disfarces persistem. Pois a ligação era do Miles Kendig, o espião que ama a música de Mozart. E como ele sabe de minha enorme predileção pelo piano, foi logo entabulando conversa sobre o tema. Lá onde ele se encontra agora, faz muito sucesso a gravação dos concertos de Wolfgang pelo Géza Anda. Imagine só… Ele fez um som como quem faz um muxoxo quando mencionei pianofortes e instrumentos de época. Isto não é para o Miles. É claro ele interessou-se pelas novidades e prometeu ouvir tão logo pudesse a gravação do Pennetier que postei dia destes aqui.
Adorei o papo com o Miles e resolvi ouvir um bom disco com concertos para piano de Mozart. O difícil aqui só é mesmo escolher, pois há muitos. Assim, olhando pela prateleira com os Concertos de Mozart cheguei no espaço reservado para o Alfred Brendel. Ele gravou várias vezes as obras de Beethoven, Schubert e Mozart, assim como outros compositores. Primeiro para a Vox e depois para a Philips – analógico, digital. Certamente há preferências por esta ou aquela fase do artista, mas tratando-se de Concertos para Piano de Mozart, temos a integral, na qual ele é acompanhado pela Academy of St. Martin-in-the-Fields e o onipresente Neville Marriner. E temos também algumas gravações feitas posteriormente, estas acompanhadas pela Scottish Chamber Orchestra regida por Sir Charles Mackerras. Eu, que sou easy to please, como aquela famosa camiseta que você sonha dar para o cunhado, gosto de todas…
Um disco me chamou a atenção, por ter dois concertos que gosto muito – os de Nos. 12 e 17. Pois bem ao lado dele, um disco que custei bastante a conseguir, onde a EMI ‘empresta’ o Brendel da Philips e o coloca junto com o Alban Berg Quartett para gravarem a versão do Concerto No. 12 com o piano acompanhado por um quarteto de cordas. Este disco nos oferece uma oportunidade de ouvir um excelente pianista tocando com um dos melhores quartetos de cordas de seus dias. Alfred Brendel e Alban Berg Quartet é assim, um dream team.
O disco de concertos que escolhi ouvir já havia sido postado em 2008 pelo FDP Bach. Como o link da postagem já não está mais ativo, decidi fazer uma dupla postagem. O que o FDP chamou de ‘falta de vigor’ da SCO, regida pelo excelente Mackerras, eu chamo de ‘excesso de experiência’. Acho que os dois músicos principais, tanto Alfred quanto Charles, sabiam que suas experiências com concertos e gravações estavam se aproximando do fim (Brendel aposentou-se devido a problemas com artrites) e acredito que poderiam estar se aproveitando bastante do momento… Fica aí para você decidir, como disse antes o FDP Bach.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Concerto para piano No. 12 em lá maior (arranjado por Mozart para Piano e Quarteto de Cordas)
Allegro
Andante
Allegretto
Quarteto com piano No. 2 em mi bemol maior, K. 493
L’accoppiata Brendel/Mozart non fallisce mai e in questa magnifica edizione brilla in partnership con il fenomenale Alban Berg Quartett. Un tassello encomiabile per chi ama la musica da camera.
Sobre o segundo disco:
Alfred Brendel’s Mozart concertos with Mackerras and the Scottish Chamber Orchestra have been a major pleasure over the past few years, and this latest issue doesn’t disappoint. BBC Music Magazine
Aproveite!
René Denon
Faça como o Miles, não deixe de visitar a postagem a seguir:
Este álbum traz duas importantes obras de música de câmara — o Quarteto para o Fim dos Tempos (Messiaen) e Quatrain II (Takemitsu) — ambas para um invulgar grupo instrumental: clarinete, violino, violoncelo e piano. Em setembro de 1939 a França entrou na Segunda Guerra Mundial. Messiaen foi chamado às armas e poucos meses depois, em maio de 1940, durante uma ofensiva alemã, foi capturado pelo inimigo. Junto a outros prisioneiros, foi levado ao campo de prisioneiros Stalag VIII-A de Görlitz (na fronteira sudoeste da Polônia), onde permaneceu por um ano. O oficial nazista responsável pelo Stalag era amante de musica e, quando soube de Messiaen (como de outros três prisioneiros músicos), deixou que o compositor trabalhasse a fim de fazer um concerto no próprio campo. Messiaen escreveu, para os musicistas que conheceu na prisão (um violoncelista, um violinista e um clarinetista), inicialmente um breve trio (posteriormente inserido na obra como quarto movimento) e depois, com o acréscimo de um piano (tocado pelo próprio Messiaen), escreveu o Quarteto.
Quatuor pour la fin du temps foi concluído no início do novo ano e foi apresentado no dia 15 de janeiro de 1941, sob a neve e em condições muito difíceis, diante de todos os prisioneiros do Stalag VIII-A, reunidos em um pátio gelado. Os outros músicos que participaram da estreia foram Henri Akoka (clarinete), Jean le Boulaire (violino) e Étienne Pasquier (violoncelo). Nenhum dos três era músico profissional. O Quatuor pour la fin du temps foi inspirado no décimo capítulo do Livro do Apocalipse e é dedicado ao Anjo do Apocalipse. Provavelmente, o Quarteto não evoca o “fim dos dias” — ou o desaparecimento da civilização humana –, mas sim o início da Eternidade. Este pano de fundo religioso é acompanhado por uma grande riqueza de imagens que alimentaram a criatividade de Messiaen, como ritmos hindus, métricas gregas, cantos de pássaros e breves elementos emprestados de outros compositores.
Muito conhecedor e admirador das culturas e tradições musicais asiáticas, Messiaen, por sua vez, atraiu compositores do Extremo Oriente. Toru Takemitsu admirava seus trabalhos, que influenciaram seu próprio estilo. Takemitsu compôs o Quatrain I para clarinete, violino, violoncelo, piano e orquestra, e o Quatrain II em 1976-1977 com a mesma instrumentação do Quarteto de Messiaen, sem orquestra. É uma homenagem a Messiaen. Da mesma forma que o Quarteto de Messiaen se baseia no simbolismo numérico, o Quatrain II se organiza em torno do número quatro: quatro no sentido de plenitude, equilíbrio, simetria, como uma mesa; quatro como as linhas que compõem uma estrofe de um verso; quatro instrumentos usados; quatro seções em grupos de quatro barras…
O quarteto formado por Iturriagagoitia, Apellániz, Estellés e Rosado é realmente muito bom. Estão à altura da obra a que se propuseram, que é de difícil abordagem, tanto pelo desafio técnico como pelo ontológico.
Tōru Takemitsu (1930-1996): Quatrain II / Olivier Messiaen (1908-1992): Quarteto para o Fim dos Tempos
— Tōru Takemitsu (1930-1996): Quatrain II
1. Quatrain II (15:24)
— Olivier Messiaen (1908-1992): Quarteto para o Fim dos Tempos
2. Quatuor pour la fin du temps, I/22: I. Liturgie de cristal (02:32)
3. Quatuor pour la fin du temps, I/22: II. Vocalise, pour l’Ange qui annonce la fin du temps (05:00)
4. Quatuor pour la fin du temps, I/22: III. Abîme des oiseaux (08:22)
5. Quatuor pour la fin du temps, I/22: IV. Intermède (01:44)
6. Quatuor pour la fin du temps, I/22: V. Louange à l’Éternité de Jésus (07:11)
7. Quatuor pour la fin du temps, I/22: VI. Danse de la fureur, pour les sept trompettes (06:26)
8. Quatuor pour la fin du temps, I/22: VII. Fouillis d’arcs-en-ciel, pour l’Ange qui annonce la fin du temps (07:36)
9. Quatuor pour la fin du temps, I/22: VIII. Louange à l’Immortalité de Jésus (07:23)
José Luis Estellés, clarinete
Aitzol Iturriagagoitia, violino
David Apellániz, violoncello
Alberto Rosado, piano
Alguns filhos de famosos relutam seguir a carreira dos pais por diversas razões e certamente o peso da comparação está entre elas. No caso de Carl Philippe Emanuel, além do pai, também o padrinho era famoso. Talvez até mais famoso. No entanto, Emanuel era um Bach e naqueles dias, Bach e músico era quase a mesma coisa.
O florescimento da carreira de Emanuel ocorreu quando o ambiente cultural em que eles viviam fazia assim uma revisão do gosto musical, com o estilo barroco que se desenvolvera por gerações chegando a um ápice e com sua arte extremamente requintada da qual seu pai e seu padrinho eram assim dois grandes representantes começava a dar lugar a uma música menos estudada e mais leve, o estilo galante que abriria caminho para o classicismo. A contribuição de Emanuel para este estilo foi enorme e quando Mozart reverenciava um certo Bach em sua famosa frase, era a Emanuel a quem ele se referia.
Neste disco onde a Kammerakademie Potsdam tem importante papel, tendo como solista o oboísta Ramón Ortega Quero, temos quatro concertos dos três compositores – pai, filho e padrinho.
Mesmo que alguns deles não tenham sido compostos originalmente para o oboé, as adaptações fazem jus à maravilhosa música dessa época e é bem representativa da arte destes geniais compositores, que assim conviveram num período de transição artística.
O disco abre com o concerto do mais jovem compositor, escrito originalmente para flauta e arranjado para oboé pelo excelente solista. Aliás, Ramón tem desempenhado o papel de principal oboé de várias importantes orquestras, sendo mais recentemente indicado para assumir está posição na Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks. Veja uma entrevista sua aqui.
Em seguida, o Concerto em lá menor, BWV 1041, de Johann Sebastian Bach, aqui tendo o oboé no lugar do violino.
O Concerto de Telemann é o único em quatro movimentos e inicia com um lindo movimento mais lento – Siciliano.
Para terminar, o Concerto em sol menor, BWV 1056 de Bach, que tem o movimento lento mais lindo de todos. Confira!
Carl Philipp Emanuel Bach (1714 – 1788)
Concerto para flauta em ré menor, Wq. 22, H. 425 (arranjo para Oboé, cordas e cravo por R. O. Quero)
[Allegro]
[Andante]
Allegro assai
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto para violino em lá menor, BWV1041
[Allegro moderato]
Andante
Allegro assai
Georg Philipp Telemann (1681 – 1767)
Concerto em lá maior para oboé d’amore, cordas e baixo contínuo, TWV 51:A2
This is Ramón Ortega Quero’s debut Genuin CD and is part of the Movimentos edition. He won the ARD Music Competition and is solo oboist in the BR-Symphonieorchester.
Well supported here by the highly versatile Kammerakademie Potsdam.
Uma linda gravação de uma das maiores obras sacras de Mozart! Sem dúvida, A Grande Missa em dó menor (em alemão: Große Messe in c-Moll), K. 427/417a, é a maior e mais ambiciosa missa de Wolfgang Amadeus Mozart, possuindo dois coros, uma grande orquestra, e solistas: dois sopranos, um tenor e um baixo. Composta em Viena e Salzburgo em 1782 e 1783, ela foi deixada incompleta por razões desconhecidas, faltando a aria que segue o “Et incarnatus est”, aqui parcialmente reconstruída, uma grande porção da orquestração do Sanctus (que foi perdida), a maioria do Credo e o Agnus Dei. Assim como o Réquiem de Mozart, essa obra também se destaca pelo enorme número de reconstruções feitas ao manuscrito de Mozart desde o começo do século XX. Mas, assim como o Réquiem, vale a pena conhecer esta obra fundamental.
W. A. Mozart (1756-1791): Grande Missa K. 427 (Christie / Les Arts Florissants)
Mass In C Minor K 427
1 Kyrie 7:16
2 Gloria In Excelsis 2:12
3 Laudamus Te 4:51
4 Gratias 1:05
5 Domine Deus 2:40
6 Qui Tollis 4:10
7 Quoniam 3:48
8 Jesu Christe – Cum Sancto Spiritu 4:15
9 Credo In Unum Deum 3:24
10 Et Incarnatus Est 6:40
11 Sanctus 3:04
12 Benedictus 5:12
Bass Vocals – Alan Ewing
Bassoon – Claude Wassmer (tracks: 10)
Conductor – William Christie
Ensemble – Les Arts Florissants, Les Sacqueboutiers De Toulouse
Flute – Serge Saïtta (tracks: 10)
Oboe – Pier Luigi Fabretti (tracks: 10)
Soprano Vocals – Lynne Dawson, Patricia Petibon
Tenor Vocals – Joseph Cornwell
Bassoon – Claude Wassmer
Flute – Serge Saïtta
Oboe – Pier Luigi Fabretti
Digamos que você tenha acordado com uma insaciável vontade de ouvir Bach – música para teclado – piano em geral é o meu caso. Você corre os olhos pela prateleira onde normalmente coloca os CDs com esse tipo de música ou dá aquela blitz pela pasta de arquivos digitais com o nome Bach-Klavier e só encontra coleções enormes: O Cravo Bem Temperado, as Partitas, as Suítes Francesas e Inglesas. Até aquela gravação de A Arte da Fuga tão almejada e que você ainda não encontrou tempo para ouvir.
Mas, acalme-se, trago aqui a solução para o problema. Uma coleção de peças para teclado do Bach Maior, mas que não lhe tomará o dia todo para ouvir: as Invenções (Sinfonias a Duas Vozes) e as Sinfonias (a Três Vozes).
E vos digo mais, gravadas por uma maravilhosa pianista – Zhu Xiao-Mei. As peças foram escritas por Bach para servirem de exercícios para o aprendizado do teclado, mas reúnem tanta beleza dentro de sua simplicidade que se tornaram obras primas.
Zhu Xiao-Mei é realmente uma pessoa muito especial. Suas enormes experiências de vida, algumas verdadeiramente difíceis, certamente contribuíram, assim como seu enorme talento, a forjar uma pianista muito especial e que tem pela música de Bach uma grande afinidade. Assim, é com muito prazer que faço esta postagem e espero que os leitores-seguidores do blog tenha a oportunidade de apreciar suas interpretações tanto quanto eu.
Não resisto a traduzir um pedacinho da abertura do livro autobiográfico que Xiao-Mei relutantemente escreveu, o qual já tenho lido uma parte. Ela inicia contando como sua avó contava uma história sobre o dia de seu nascimento. ‘Na tarde em que você nasceu, eu olhei para o céu sobre Xangai. O sol ia se pondo por entre as nuvens. Eu jamais havia visto tão lindo por do sol. Eu me lembro de ter pensado que a sua vida seria como uma grande e resplandecente tapeçaria, assim como aquela paleta de tons vermelhos. Eu tinha certeza disso’. Não é maravilhoso poder ouvir uma história como esta?
Portanto, sem mais delongas, baixe o disco e deleite-se! Este é verdadeiramente ‘papa-fina’.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Invenções a Duas Partes Nos. 1-15, BWV772-786
Invenção No. 1 em dó maior, BWV 772
Invenção No. 2 em dó menor, BWV 773
Invenção No. 3 em ré maior, BWV 774
Invenção No. 4 em ré menor, BWV 775
Invenção No. 5 em mi bemol maior, BWV 776
Invenção No. 6 em mi maior, BWV 777
Invenção No. 7 em mi menor, BWV 778
Invenção No. 8 em fá maior, BWV 779
Invenção No. 9 em fá menor, BWV 780
Invenção No. 10 em sol maior, BWV 781
Invenção No. 11 em sol menor, BWV 782
Invenção No. 12 em lá maior, BWV 783
Invenção No. 13 em lá menor, BWV 784
Invenção No. 14 em si bemol maior, BWV 785
Invenção No. 15 em si menor, BWV 786
Invenções a Três Partes (Sinfonias) Nos. 1-15, BWV787-801
Zhu Xiao-Mei sings the sinfonias with her finger tips. When I want to have peaceful blissful moment in the evening, this fills the bill.
Alberic Lagier of Musikzen (01/2016) has the following interesting comment about Zhu Xiao-Mei’s interpretation of the Inventions and Sinfonias of Bach: « It is not music to be taken on a desert island, it is rather the music that will take you there ».
si vous avez aimé les variations Goldberg, vous allez adorer ces inventions, la même fluidité, ce même refus du cliquant ou de l’ épate, juste de la musique par une merveilleuse artiste qui, loin des “effets” et pourtant sans austérité aucune, nous offre un pur moment de plaisir.
“Johann Sebastian Bach’s Inventions and Sinfonias become real musical pearls in Zhu Xiao Meis incomparably refined playing, peppered by a totally respectful imagination and creativity. Enchanting!” Pizzicato
She follows Bach’s instructions to perform in a “cantabile” style, the melodic lines always emerging with crystalline clarity over the counterpoint. — New York Times
“Zhu Xiao-Mei turns her attention to these smaller-scale pieces, finding the drama in each miniature and rendering the set with myriad nuances.” Arts Beat, The New York Times
この曲集こそ「ミクロコスモス」、まさに小宇宙であることを気付かせてくれました。
各曲・各声部が、その歌を自然に歌っています。鍵盤楽器の技術教本ではなく、歌の宝石箱。(Essa coleção de músicas me fez perceber que “Microcosmos” é realmente um microcosmo. Cada música e cada voz canta a música naturalmente. Uma caixa de joias para canções, não um livro técnico para instrumentos de teclado.)
Nas muitas críticas feitas por amadores e profissionais sobre este álbum, recorrentemente ouvimos palavras como fluidez, ‘cantabile’, e também, prazer, encantamento, que bem descrevem as interpretações. Mas a citação que eu mais gostei foi a que listei por último, escrita em japonês. Uma excelente maneira de explicar o disco.