Mark Isham & Charlélie Couture: The Moderns – original soundtrack

Pense no seu prato favorito, aquele com o qual você sonha, dormindo e desperto. Esta trilha é tão deliciosa quanto um prato favorito. Temos aqui uma Nouvelle Cuisine, à qual se aplicaria perfeitamente a velha sentença dos pequenos frascos com os melhores perfumes, pois que é uma trilha breve, porém rica e deliciosa; de um filme hoje infelizmente raro: The Moderns, de Alan Rudolph, 1988. Existiu em VHS, que eu saiba jamais saiu em DVD e se alguém souber, por caridade, me avise. O filme se passa na Paris de 1926, após a primeira catástrofe mundial, numa pausa entre as duas tempestades. Artistas plásticos, literatos e poetas, desocupados – flâneurs; damas do dia e da noite, modelos, provocadores dadaísta, nouveau riches, nobres arruinados e embusteiros; punguistas, pianistas e pianeiros, amontoados nos cafés toldados pela fumaça dos cigarros, cachimbos e charutos. As estéticas em metamorfose, à maneira de um magnífico piano Art Nouveau arremessado abaixo numa escadaria cubista.

2jbp0s4Um filme raro com raros artistas. Keith Carradine (irmão de David – Kung Fu e Bill de Tarantino – ambos filhos do prístino vampirão John Carradine). Talvez alguns lembrem dele em Os amores de Maria, o violeiro que seduz a bela Natassja Kinski. Keith interpreta Nick Hart, um pintor e desenhista norte americano de seus quarante ans, flanando pelos cafés parisienses e compondo o quadro que tentei pintar acima. A bela do filme – e põe bela nisso – é Linda (linda) Fiorentino, antiga esposa de Hart, que sumira e agora aparece ao lado de um misterioso oriental de passado sombrio, milionário no comércio dos então modernos preservativos de borracha; aluno de Houdini em ‘artes de fuga’. Este oriental é vivido pelo também raro e ótimo ator John Lone – sim, Pu Yi, O Último Imperador; que ignora totalmente o passado de sua ‘propriedade’, digo, de sua amante. Sobre isso nem preciso dizer mais nada. Emoldurando estes protagonistas temos figuras fictícias, históricas e semi-históricas. No papel de fiel parceiro de Nick Hart temos o próprio Hemingway! Vivido por Kevin J. O’Connor. Hem, acorrentado ao balcão do bar e em constante banho maria etílico, mistura realidade com ficção, nomes reais com os de seus personagens. Em meio a esta glamourosa fauna transita a insuportável Gertrude Stein e sua escudeira, a não menos insuportável Alice B. Toklas. Em certo momento, numa festa de intelectuais, Miss Stein diz pra Hem: “Hemingway, lembre-se: o sol também se põe!”; ao que Hem responde: “Sim, bem sobre o seu grande traseiro”. Geraldine Chaplin interpreta uma ricaça espertinha, abandonada pelo marido que fugira com uma dançarina apache. Tenta passar a perna em Hart lhe encomendando três obras falsas – no que Hart é especialista – porém sem a menor intenção de pagar por elas. São elas um Matisse, um Modigliani e um Cezanne. Obras que emblematizariam a chamada modernidade. Em certo momento de fúria o truculento oriental irá destruir os originais pensando que são falsos. As cópias de Hart irão para os museus do mundo e serão aclamadas como obras únicas, inefáveis, irreproduzíveis! Mas estou falando demais do filme, que espero, todos possam algum dia conhecer. Falemos da música.

Apesar da trilha se configurar uma galeria de estilos, autores e intérpretes, quem a assina é o trompetista americano Mark Isham, que a divide com o cantor francês Charlélie Couture. E apesar de Isham ser trompetista, é o violino quem praticamente lidera a trilha, na participação do violinista americano Sid Page. Numa galeria de atmosferas, encontramos o grande Sidney Bechet na faixa 4 – Really the Blues, irresistível, com seu intenso vibrato e generosidade melódica. Quem viu a abertura do também delicioso ‘Meia noite em Paris’ de Woody Allen sabe do que estou falando. Esta presença de Bechet não somente é oportuna por enriquecer a trilha, como também está de acordo com a acolhida que a França deu ao jazz e aos jazzistas americanos no início do século XX. A faixa 7 traz a versão original da famosíssima canção francesa Parlez moi d’amour, com Lucienne Boyer, 1930; canção que, por incrível que pareça e por alguma razão, faltou no repertório da mais famosa das divas do canto francesas, Edith Piaf. A faixa de abertura com o tema chefe do filme, será, acredito, inesquecível. Quem não conheceu o filme ainda, poderia ouvi-la assistindo a antigas filmagens da Paris de princípios do século XX ou contemplando antigas fotografias daquele contexto. Quem o fizer se concederá, garanto, um grande prazer. A sexta faixa, cantada por Charlélie Couture que aparece no filme como pianista dos cafés e cabarés, é uma curiosa peça que sabe a dadaísmo, um toque de caricatura musical típica do grande Erik Satie – Dada Je suis

25jv51xSeparei este parágrafo para destacar a faixa 8, La Valse Moderne. É que da primeira vez que estive no MASP (que os céus protejam este lugar da barbárie que impera), estava precisamente a ouvir em um aparelhinho de mp3 essa faixa quando fiquei de frente com um dos mais encantadores modiglianis: Renée. A música naquele instante deu vida ao quadro e os olhos daquela musa de Modi brilharam de verdade. Fiquei longo tempo verdadeiramente apaixonado por Renée, que travou comigo o mais profundo e romântico diálogo tácito e estético. Quem baixar esta trilha e estiver em São Paulo tente o mesmo. Não terei ciúmes, juro.

A derradeira faixa e das mais deliciosas é uma versão ‘moderna’ do Parlez moi d’amour. Algo inebriante, muito bonito e de grande elegância. O trompetista introduz reflexos de Miles Davis em seu fraseado. Esta música acompanha os créditos do filme, nos quais se vêm cortinas de seda que esvoaçam suavemente. Uma imagem que deixo para os que ouvirem esta trilha, que casa elementos impressionistas e modernos com perfeição; num indubitável exemplo de finíssimo gosto musical.

Mark Isham & Charlélie Couture: The Moderns – original soundtrack

1 Les Modernes
2 Café Selavy
3 Paris La Nuit /Selavy
4 Really the Blues
5 Madame Valentin
6 Dada Je Suis
7 Parlez moi d’amour (Retro)
8 La Valse Moderne
9 Les Peintres
10 Death of Irving Fagelman
11 Je ne veux pas des tes chocolats
12 Parlez moi d’amour (Moderne)

L’Orchestre Moderne
Sid Page – violin
Peter Maunu – violin, mandolin, electric guitar
Ed Mann – vibraphone, marimba, snare drum
Dave Stone – acoustic bass
Charlélie Couture – piano, vocals
Rich Ruttenberg – piano
Patrick O’Hearn – electrid and acoustic bass
Michael Barsimanto – drum machine
Suzy Katayama – cello
Mark Isham – trumpet

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'Charlélie' Je Suis...
‘Charlélie’ Je Suis…

Wellbach

13 comments / Add your comment below

  1. Acho que assisti a este filme quando foi lançado. Adoro a Linda Fiorentino, que infelizmente não decolou no cinema, mesmo sendo linda e muito talentosa.

    1. Armando, testei aqui e vem em mp3, talvez após receber vc possas configurar para mp3. Não sou bom conselheiro em assuntos informáticos como todos sabem, mas talvez dê certo. Abrs.

  2. Grande wellbach, mais um grande presente com o qual você nos brinda… ideal para estas tardes chuvosas e frias no sudeste brasileiro. Muito obrigado e grande abraço.

    1. Eu que agradeço poder partilhar esta beleza. Quem me dera por aqui tardes chuvosas e frias, aqui é um calor da peste o tempo todo, e quando chove dá muriçoca. rss Abrs.

  3. Caro Wellington
    Parabéns pelo lindo texto e maravilhosa postagem. O I Tunes automaticamente configurou em mp3 , uma das mais bonitas que vi! Vou atrás da dica do Igor Freinberg agora mesmo!
    Abraços
    Dado

    1. É um ótimo filme, costumo mandar sugestões para a Versatil home Video pelo facebook, mandei este também. Espero que aceitem rs. Abrs.

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