Respighi (1879-1936): Trittico Botticelliano (2 versões); Gli Ucelli; Antiche Danze ed Arie per Liuto suítes 1 e 3

Publicado originalmente em 21/05/2010

Ao pensar em uma postagem que ajudasse a in-augurar 2016 convenientemente, o Monge Ranulfus logo se decidiu pela revalidação desta aqui, pois a sente como luminosa, leve e equilibrada em alegria e poesia. Isso apesar de uma vez o Grão-Mestre PQP ter observado que acha Respighi chato – e eu não chego a discordar: também acho chato no que tange os poemas sinfônicos de intenção impressionista ‘Fontes de Roma’ e ‘Pinheiros de Roma’. Já tentei ouvir essas obras com boa-vontade, mas foi em vão.

E no entanto, acreditem: é de Respighi uma das peças que mais me fizeram gosto até hoje – seguramente uma das 10 que eu levaria para o exílio em outro planeta: o Trittico ou Tríptico Botticelliano (ou ainda ‘Três Quadros de Botticelli’, seguindo o costume inglês de referir-se à obra como ‘Three Pictures of Botticelli’ – o que teria a vantagem de fazê-la “conversar” com os ‘Três Afrescos de Piero della Francesca’, de Martinu – outra postagem à espera de revalidação!).

Respighi começou o estudo da música pelo violino e por sua irmã mais gorda, a viola, e aos 21 anos foi parar como primeiro violista de orquestra em São Petersburgo, numa temporada de ópera italiana. Já tinha estudado também um pouco de composição, e não perdeu a oportunidade de agarrar 5 meses de aula com Rimsky-Korsakoff, então com 56 anos – mesma idade com que ele, Respighi, morreria na década de 30.

De volta à Itália uma de suas principais frentes de atividade foi a de musicólogo: hoje parece banal conhecer a música da Renascença, mas no começo do século XX isso era atividade de garimpo, e nosso amigo foi um dos pioneiros. Editou e publicou diversas coleções de madrigais e também seu tanto de barroco – e aparentemente amou essa música com tanta intensidade que quis fazê-la sua: ao lado dos referidos poemas sinfônicos, suas obras mais famosas são as 3 suítes Antigas Danças e Árias para Alaúde, formadas por arranjos orquestrais de 4 peças renascentistas cada uma; e o curioso é que esses arranjos do alheio parecem soar mais autênticos, mais como uma voz própria, que aqueles poemas sinfônicos que são propriamente composições.

Já a suíte As Aves (Gli Ucelli) fica numa posição intermediária: aqui são um pouco mais que arranjos de peças barrocas para cravo; o artesanato de texturas, cores, ambiências, chega a momentos de expressividade intensa – ou de deliciosa comédia, como na recriação de ‘La Poule’, a famosa Galinha de Rameau.

E aí chegamos ao que é efetivamente uma composição – o Trittico Botticelliano -, mesmo se também com evidente uso de temas antigos – embora desses eu só identifique com certeza a melodia gregoriana Veni veni Emmanuel, que emerge aos 1:10 de ‘A adoração dos Magos’. Talvez também haja material original que apenas evoque danças e cantos antigos e/ou populares, não sei. Seja o que for, os temas são definitivamente desenvolvidos em um discurso próprio – muito mais do que, digamos, o bem mais famoso Carl Orff consegue desenvolver o que quer que seja.

A palavra ‘discurso’, aliás, é bastante apropriada, pois não temos aqui a menor pretensão de ‘pintar com sons’ como nas ‘Fontane’, ou no Debussy de ‘La Mer’. O que temos são, eu diria, relatos de encenações interiores dos episódios que os quadros evocam.

E, querem saber? Não me importa a mínima se isto não for uma obra-prima em técnica composicional: eu a vejo como absoluta obra-prima do afeto, da máxima amabilidade ou delicadeza (não ‘frescura’) que o ser humano consegue alcançar. E, com isso, inversão total do estereótipo do italiano como especialista do exagero, vulgaridade e barulheira – no que a comparo com outra obra-prima italiana, lamentavelmente inincontrável: o filme de Franco Brusati ‘Dimenticare Venezia’, de 1979, jamais lançado em vídeo ou DVD.

Quase da mesma época (1977) foi o vinil em que conheci essa obra, com uma realização magnífica da Orquestra de Câmara de Praga. Como prêmio de consolação por não poder postá-lo, nosso amigo José Eduardo me conseguiu duas versões – vejam abaixo de quem – que coloquei uma abrindo, outra fechando o programa.

Comparação com a obra análoga de Martinu? Não, gente, eu ainda a ouvi muito pouco para me atrever. Só digo que não me pareceu impressionista – como alguém já a caracterizou – e sim francamente neo-romântica. E que sua linguagem abertamente sinfônica torna ainda mais difícil a comparação com esta aqui, quase camerística. E agora é com vocês…

Ottorino Respighi (1879-1936), obras para pequena orquestra

Trittico Botticelliano (Three Botticelli Pictures) p. orquestra (1927)
01 La Primavera
La Primavera http://www.tropis.org/imagext/botticelli-primavera-peq.jpg
02 L’Adorazione dei Magi (a adoração dos magos)
L'adorazione dei Magi http://www.tropis.org/imagext/botticelli-magi-peq.jpg
03 La nascita di Venere (o nascimento de Vênus)
La nascita di Venere

Gli Uccelli (As Aves) p. pequena orquestra, sobre peças barrocas p. cravo (1927)
04 Preludio (Bernardo Pasquini)
05 La Colomba (a pomba) (Jacques de Gallot)
06 La Galina (a galinha) (J.P. Rameau)
07 L’Usignuolo (o rouxinol) (anônimo inglês)
08 Il Cuccù (o cuco) (Bernardo Pasquini)

Antiche Danze ed Arie (antigas danças e árias), suite 1, p. orquestra (1917)
sobre peças p. alaúde de S. Molinaro, Vicenzo Galilei (pai de Galileo!) e anônimas
09 Baletto detto ‘Il Conte Orlando’
10 Gagliarda
11 Villanella
12 Passo Mezzo e Mascherada

Antiche Danze ed Arie (antigas danças e canções), suite 3, p. cordas (1932)
sobre peças p. alaúde e violão de Besard, L.Roncalli, Santino Garsi da Parma e anônimo
13 Italiana
14 Aria di Corte
15 Siciliana
16 Passacaglia

Orpheus Chamber Orchestra (N.York) (DG 1993)

17 BÔNUS: Trittico Botticelliano I, II e III (1927)
Bournemouth Sinfonietta, reg. Tamás Vásáry (Chandos 1992)

. . . . . . . BAIXE AQUI – download here

Ranulfus

9 comments / Add your comment below

  1. Pelo menos por agora, resolvido com a ajuda do grão-mestre PQP. Try again 😉

    E eu tenho que descobrir qual será a sacanagem que o Rapidshare está aprontando comigo!!!

  2. Que eu me lembre, o Respighi estudou orquestração com o Kosarkov, herdando dele o gosto pelo preciosismo instrumental. Entre a composição do Tríptico e das Aves, ele esteve no Brasil e, similar ao que ocorreu com o Milhaud, não pode evitar de se impressionar pelo País Tropical, compondo suas “Impressões Brasileiras”, e utilizando, ao modo dele, as síncopes características da nossa música. Impressionado pelas cobras que viu, o segundo movimento tem o sugestivo nome de Butantan !

  3. Tive o privilégio de ver estes famosos quadros de Botticelli, que estão expostos na Galleria degli Uffizi de Florença-Itália. Magnífico.
    Tem uma outra tela do “Nascimento de Vênus” do francês Alexandre Cabanel no Museu D’Orsay em Paris, que também é de cair o queixo.
    Estou baixando o CD. Grato e um forte abraço do Dirceu.

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