Franz Schubert (1797-1828): obra para Piano a 4 mãos em 7 CDs (Link revalidado)

Eu ainda era menino quando me impressionei com o corpo da sonoridade que brota de um piano quando 20 dedos, e não apenas 10, manipulam as suas 88 teclas. Ou seja: piano a 4 mãos.

Acho que muitos até hoje pensam que se trata de uma forma meramente pedagógica de música, para ser tocada por professor e aluno (e atesto que é ótima nesse sentido!) ou para estimular que aluninhos estudem por podê-lo fazer brincando com amiguinhos, ou qualquer coisa assim.

Muitos também sabem que antes da invenção da gravação de som – quando a aparelhagem de som das casas pequeno ou médio burguesas consistia das filhas da família treinadas para extrair sons dos pianos – cada vez que um compositor consagrado lançava uma ópera ou sinfonia, essa era imediatamente publicada em redução para piano a quatro mãos: era o CD da época.

Mas não sejamos muito maldosos: também os próprios músicos estudavam as óperas e sinfonias uns dos outros através dessas reduções – pois afinal não era bem assim encontrar uma montagem da Nona de Beethoven ali na esquina quando se quisesse, não?

Mas à parte isso tudo, houve compositores que exploraram a formação como veículo de música séria original para ela – e entre eles parece que Schubert tem posição de destaque. Digo “parece” porque não sou nenhum especialista no assunto, mas ouvi essa afirmação quando tinha 12 ou 13 anos, em uma apresentação no interior do Paraná do pianista e compositor Henrique Morozowicz com sua mulher Ulrike Graff, pianista e violista. (Lembro que já postei aqui o piano do Henrique, no caso em duo com seu irmão Norton à flauta, numa ripagem de dois belos e raros LPs).

Por outro lado, acho certa graça de me ver postando Schubert, pois é um compositor com quem tenho duas dificuldades: uma, acho que às vezes ele perde a noção de quando parar de explorar o desenvolvimento de um material temático: se alonga demais como quem quer mostrar todas as possibilidades, e acaba cansando.

Outra, mais grave, é que seus temas tão encantadores muitas vezes parecem reconduzir natural e inevitavelmente ao seu próprio começo, e acabam deflagrando no meu cérebro algum processo no rumo do obsessivo-compulsivo: podem ficar se repetindo mentalmente dia e noite a ponto de me sentir não inspirado e sim obsedado, “encostado” pelo Franz.

É por essas razões que não o ouço muito, apesar de respeitá-lo como compositor e de achar sua música bonita.

Mas tem UMA obra… uma obra dele que está entre minhas mais queridas sei lá por quê. Dentro da literatura pianística acho que só o Prelúdio, Coral e Fuga de César Franck também mora tão dentro do meu coração (se me permitem expressão tão banal…): é a FANTASIA EM FÁ MENOR para piano a 4 mãos, que fecha o primeiro CD desta coleção de sete. Nunca me dediquei a conhecer nenhuma outra de Schubert como me dediquei a essa, inclusive estudando um tanto a parte de baixo ao piano, e por isso deixo algumas palavras sobre ela como depoimento pessoal. (Quanto ao resto do material, irei a partir de agora explorá-lo como tão ou mais novato que vocês).

Olhada como um todo, minha querida Fantasia faz pensar em uma sinfonia com suas quatro partes tradicionais – isso apesar de o 1º movimento (Allegro molto moderato) não ser em “forma de sonata” e sim uma melodia livre, como é o 1º movimento da Ao Luar de Beethoven, e de um lirismo de que creio só encontrar paralelo, no romantismo germânico, no 1º movimento do Concerto para Violino deste mesmo.

Segue-se um Largo de caráter dramático entremeado com uma seção cantante quase leviana (no que talvez se possa ver alguma analogia com a Marcha Fúnebre de Chopin) – o qual conduz a um Allegro vivace que é efetivamente um dinâmico e substancioso scherzo com “trio” no meio (ou seja: um típico 3º movimento de sinfonia).

E como 4º movimento temos a retomada do tema inicial, que leva mais uma vez a uma seção dramática como a abertura do Largo, só que desta vez mais dinâmica, até tempestuosa, e em forma de Fuga – e se alguém ousar chamar Schubert de “compositor menor” taco-lhe na cabeça esta Fuga!

Acontece porém que tão vigorosa Fuga não termina em orgasmo como as fugas do pai do PQP sóem terminar, mas (estamos em tempos românticos) se deixa interromper mais uma vez pela lírica melancolia do tema inicial. Só que faz isso isso com tanta beleza que – coitado do Franz – nós, egoístas, não podemos deixar de aplaudir…

Enfim: sobre o duo de executantes, a net me conta que Yaara Tal (apesar de o primeiro nome parecer brasílico ou tupi) é israelense, e que Andreas Groethuysen (apesar desse sobrenome tão obviamente flamengo ou holandês) é alemão. E a gravação teria sido feita num piano Fazioli aproveitando a acústica do castelo Grafenegg, na Áustria – chiquíssimo, não? (Ah, esses europeus…)

BOM PROVEITO!

Franz Schubert: obra integral para piano a quatro mãos em 7 volumes
Duo Tal-Groethuysen (Yaara Tal, Andreas Groethuysen)
Gravado em 1997

CD1
01 – Overture in F major, D675
02 – 8 Variations on a theme from the opera (Marie) in C major, D908
03 – Rondo in D major, D608
04-06 – Trois Marches Heroiques, D602
07 – Fantasie in F minor, D940

CD2
01 – Variations on an Original Theme in B-flat major, D603
02-04 – Divertissement a lhongroise in G minor, D818
05-10 – Six Polonaises, D824

CD3
01 – Allegro in A minor, D947 (Storms of Life)
02-05 – Four Polonaises, D599
06 – Eight variations on a French song in E minor, D624
07-09 – Divertissement sur des motifs originaux francais, D823

CD4
01-06 – Six Grandes Marches D819
07 – Rondo in A major D951

CD5
01-04 – Sonata in C major, D812 (Grand Duo)
05 – Grand Marche funebre in C minor, D859
06 – Grand Marche heroique in A minor, D885

CD6
01 – Eight Variations on an Original Theme in A-flat major, D813
0204 – Sonata in B-flat major, D617
05-07 – Trois Marches militaires, D733
08 – Deux Marches caracteristiques, D968 B – No.1 in C major
09 – Deux Marches caracteristiques, D968 B – No.2 in C major

CD7
01 – Fantasie in G major, D1
02 – Fantasie in G minor, D9
03 – Fantasie in C minor, D48
04 – Overture in G minor, D668
05 – Deutscher with Two Trios in G major, D618
06 – Deutscher with Two Landler in E major, D618
07 – Four Landler, D814
08 – March in G major (March for Children), D928
09 – Allegro moderato in C major, D968
10 – Andante in A minor, D968
11 – Fugue in E minor, D952

BAIXE AQUI – Download Here – CDs 1+2

BAIXE AQUI – Download Here – CDs 3+4+5+6+7

Ranulfus (Revalidado por PQP, que se meteu a colocar o vídeo também.)

21 comments / Add your comment below

  1. Olá, Ranulfus!

    Num post anterior você falava justamente desta fantasia, e me deixou muito curioso para conhecê-la. Agora eu gostaria de compartilhar como você (e todos que frequentam esse blog) a MA-RA-VI-LHO-SA gravação do quarteto “Death and the Maiden” do mesmo Schubert com o Quarteto Takacs.

    Já que você não é muito fã do compositor, ouça apenas o 2º movimento dele. Trata-se de um andante na forma “tema com variações” dos mais impressionantes que eu já ouvi. Há centenas de gravações desse quarteto, mas os Takacs são insuperáveis nesse andante.

    O quarteto todo é magnífico, mas eu confesso pra você que esse andante é uma das obras de arte mais belas que podem existir. Os links abaixo foram extraidos desse site: http://igotmusic.org/topic/17617-schubert-death-and-the-maiden-2006/

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    Não deixe de conhecer essa música extraordinária, e depois eu vou perguntar pra você o que achou dela. Não há palavras que possam descrevê-la.

  2. Adoro Schubert e acho que não conheço a tal Fantasia…

    Engraçado, Ivan. Eu ouço A Morte e a Donzela há décadas e tenho certa resistência a seu 2° Mvto, mas não ao resto…

    Opiniões.

  3. Olá

    No 1º CD a música 2 (8 Variations on a theme from the opera (Marie) in C major, D908) não está abrindo.

    Obrigado por mais esse fantástico post!!!!!!!!!!!!!

  4. Oi, PQP!

    Então, se você puder, baixe essa versão do Takacs. É IMPRESSIONANTE. É das coisas mais belas e profundas que eu já encontrei em toda a música.

  5. Oi Raphael – baixei experimentalmente os CDs 1 e 2, e todas as faixas abriram sem problemas, sem exceção.

    Não terá havido algum problema durante o seu download, ou durante a extração dos arquivos? Você poderia experimentar outro extrator, e, se ainda assim não funcionar, repetir o download.

    Além disso, talvez haja alguma diferença devido ao player usado: eu uso o AIMP2.

    Enfim, vamos perguntar: ALGUMA OUTRA PESSOA TEVE PROBLEMAS PARA ABRIR ALGUMA FAIXA?

  6. Oba!
    Muito obrigado por esta postagem!
    Há muito tempo estive procurando pela integral da obra de piano a quatro mãos de Schubert!
    Gosto muito do Divertissement a lhongroise, mas nunca tinha conseguido achar uma versão muito boa,
    até agora.
    Thanks a lot!

  7. Senhor PQP, isso é um atentado!! Agora sei que o sr quer me matar!! Abro o blog desavisadamente e … dou não só com a postagem revalidada, mas também com os vídeos da minha amada Fantasia em fá menor!! Assim meu coração não resiste, tenho um piripaque e caio aqui mesmo! E o pior: estrebucharei com prazer! 🙂

  8. Concordo com o Marcio Tavares. 🙂

    E parabéns pela postagem. E pela repostagem. E pelo texto, de forma geral – é muito bom ouvir a opinião de um pianista sobre obras para piano. Ou estudante amador de piano, sei lá.

  9. Problemas para descompactar uma pasta zipada geralmente ocorrem quando os arquivos têm endereços muito longos, por exemplo pastas dentro de outras pastas. Renomeiem a pasta zipada assim que ela for baixada. Ou usem outro extrator.

  10. Agora falando sério. Eu já gostava de música erudita, mas é um gênero musical que não se adapta a qualquer ambiente. Hoje fico sozinho a maior parte do dia e com o maravilhoso achado que foi o PQP Bach pude ouvir com mais atenção e com o auxílio luxuoso dos textos das postagens. São textos agradáveis porque saem daquele estilo formalíssimo e chato que geralmente acompanham as gravações. Adquiri um livro guia da Zaar Editora e, juntamente com os textos já referidos, acompanho tanto as obras quanto os autores desse mundo maravilhoso e quase infinito que é o da música erudita. Viva a vida!

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