Sobre Richard Wagner

Pouco antes da publicação de nossa primeira postagem de Richard Wagner, o blog de Milton Ribeiro apresentou um texto sobre o compositor que talvez interesse aos ouvintes/leitores do P.Q.P. Bach. Copio o texto para cá com as fotos e gravura que constam no original.

P.Q.P. Bach.

Richard Wagner e o Nazismo

Uma mente madura deve ser capaz de admitir a coexistência de dois fatos contraditórios: que Wagner foi um grande artista e, segundo, que Wagner foi um ser humano abominável.

Edward Said

Você deve pensar que se a música é algo impalpável e transitório – se, como disse Busoni, “é apenas ar sonoro” -, não haveria espaço para muita ideologia ou nacionalismo nela. Mesmo no terreno da ópera, com a necessidade de se contar uma história, fazer “poesia”, ser teatro e música ao mesmo tempo, seria complicado estabelecer teses. Mas há Wagner e Wagner, o autor e o homem. Curiosamente, Wagner deixou quaisquer referências diretas aos judeus fora de sua música. Aliás, é estranha a culpa de alguns autores que são capazes de escrever pequenos ensaios como Das Judentum in der Musik (O Judaísmo na Música, de 1850), mas deixam sua obra maior livre destas referências seculares… Também Céline, Hamsun e Pound não entremearam sua obra com referências anti-semitas ou nazistas, deixando essas coisas para os panfletos e jornais. O fato é que Wagner foi trazido pelo próprio Hitler ao centro da discussão, tornando-o o maior dos anti-semitas, postura que está longe de ser um privilégio exclusivo. Em Das Judentum in der Musik ele vai longe e como! Primeiro, ataca a influência dos judeus na música e cultura alemãs, descreve os judeus como ex-canibais de fato e agora canibais das finanças. Logo após afirma que são de natureza muito pouco profunda, acusa-os de corruptores da língua alemã e ataca Meyerbeer e Mendelssohn, compositores judeus que considerava inimigos… Em uma carta para Lizst, Wagner completa sua obra ao confessar que “Sinto um ódio, por muito tempo reprimido, contra os judeus e esta luta é tão necessária à minha natureza como meu sangue… Quero que deixem de ser nossos amos. Afinal, não são nossos príncipes, mas nossos banqueiros e filisteus…”.

Siegfried MimeEmbora não haja referências anti-semitas em suas óperas, é bastante claro o significado da existência de Beckmesser em Os Mestres Cantores de Nurenberg e de Mime no Anel. São associações muito claras e ao final ambos são derrotados. Uma mesma canção interpretada por Beckmesser nos Mestres Cantores causa riso e rejeição, enquanto que a interpretação de Stolzing dá vida à música… E o discurso de Hans Sachs ao final da mesma ópera traz uma apologia da santa arte alemã, alertando para os perigos que vêm de fora. Mime estranhamente se declara hipócrita, pois esconde “pensamentos íntimos”, mas o pior é a associação de seu nome (mine, mímesis em grego, significa “imitação”) com a descrição dos judeus em O Judaísmo na Música acrescida pelo fato de Wagner obrigar o personagem a registros altíssimos e a cantar em intervalos semelhantes aos de um pássaro – um corvo, uma gralha –, reservando-lhe ao final uma morte brutal sob a espada de Siegfried.

Grande admirador de Wagner, Gustav Mahler escreveu:

No doubt with Mime, Wagner intended to ridicule the Jews with all their characteristic traits — petty intelligence and greed — the jargon is texually and musically so cleverly suggested; but for God’s sake it must not be exaggerated and overdone as Julius Spielmann does it… I know of only one Mime and that is myself… you wouldn’t believe what there is in that part, nor what I could make of it.

Hitler Und WagnersOra, tais coisas, quando em contato com quem necessita de justificativas para seus ódios… só pode criar uma idolatria. Não por acaso, caíram na mão de um certo Adolf Hitler. Ele ia com freqüência assistir às óperas de Wagner e orgulhava-se de ter lido tudo o que dele havia. Era amigo dos netos do compositor – fez-se fotografar com eles – e visitava Bayreuth mesmo durante os anos de guerra. Em 1923, foi conhecer a viúva de Wagner, Cosima. Ou seja, fazia absoluta questão de ligar-se ao compositor. Claro que o nazismo não é uma conseqüência direta disto, mas é indiscutível que Wagner influenciou a sociedade alemã com suas sagas nórdicas – tão ao gosto do nazismo -, com sua pompa e anti-semitismo. Imaginem que Hitler era tão influenciado que tornou-se vegetariano… por causa e tal como o compositor!

Agora, há grandes méritos em Wagner. Foi compositor, regente, libretista, ensaísta, político (principalmente no sentido de que era suscetível a alterar suas posições subitamente, era um casuísta), polemista, amigo e referência de toda a intelectualidade alemã da época, entendido em acústica, publicitário dos bons, e era quase tudo o que você imaginar. Sem dúvidas, era um gênio. Construiu em Bayreuth um teatro revolucionário que até hoje é o melhor para suas óperas serem apresentadas, devido ao grande palco e ao fato da posição da orquestra ficar sob o mesmo, no chamado Abismo Místico (mystischer Abgrund), o qual produz um som absolutamente espetacular, escondendo inteiramente a orquestra dos espectadores – pois Wagner queria atenção absoluta ao palco – e permitindo que a orquestra abuse dos fortíssimo porque, por misteriosa ciência acústica, a posição da orquestra garante que tudo será ouvido claramente pelos espectadores da ópera, apesar dos músicos sofrerem com o calor do aposento. A acústica do teatro está mais para o milagre do que para qualquer outra coisa.

Sua imaginação melódica e suas texturas harmônicas são de um refinamento ao qual é impossível associar imagens como, por exemplo, as dos assassinatos em massa. Há um enorme descompasso quando Goebbels utiliza sua música na propaganda nazista. Na verdade, é uma música revolucionária destinada a entendidos. Mas Goebbels vê nela a música do autor de O Judaísmo na Música, a música de um nacionalista que odiava os judeus, porém apenas algumas aberturas e a tal Cavalgada das Valquírias serviam aos propósitos propagandistas do regime e não suas vastas e complexas óperas que, em seu contexto, fizeram a efetiva ligação entre a música dó século XIX e a moderna. Sua música sempre aparece descontextualizada sob o nazismo e eu imagino o que não sofriam os nazistas que faziam a peregrinação anual à Bayreuth para assistir por horas e horas óperas destinadas a uma elite intelectual… Só que eles tinham que gostar, não? Na opinião do chefe, era a expressão de uma superioridade.

Hitler3Eu leio Céline – um dos maiores romancistas que conheço – e abomino seu lado B; também leio Pound e gosto de Dali, um admirador de Franco. Por que não ouviria Wagner? É ilógico, mas confesso que não o evito. Sinto como se houvesse muito de demasiado na personalidade de Wagner e isto invade a esfera artística de tal modo que é quase impossível ouvi-lo (não há erro na expressão “muito de demasiado”). Ele queria tudo: a obra de arte total, a criação de uma nova música, o tea
tro ideal para ela, procurava a maior controvérsia, escrevia panfletos, fazia tudo para aparecer e era tudo para si. É demais para mim saber de tudo isso, mesmo não ignorando seus indiscutíveis e tão audíveis méritos. Para vocês terem uma idéia, a cena em estética nazista do filme Apocalipse Now – a dos helipcópteros bombardeando os surfistas tendo a Cavalgada como fundo – provoca-me náusea… E detesto o filme de Coppola! E nem sou judeu! É irracional, mas é assim. Defendo-me com o auxílio de Thomas Mann que denunciou o substrato racista das obras de Wagner sob aquelas confusas sagas nórdicas, das quais também não gosto nem um pouco, mas sei que é isso é apenas colocar uma grife numa rejeição para a qual não encontro explicação. Por que posso preterir o grande Richard Wagner e não o não menos enorme Louis-Ferdinand Céline? Sei lá.

19 comments / Add your comment below

  1. Parabéns!Adoro os textos de PQP, Clara, FDP, e outros… É bom ler textos bem elaborados!Vale a pena dizer que Wagner tinha uma obsessão em mente: A Nona Sinfonia de Beethoven. A introduçao do coro em Obras Orquestrais da Nona Sinfonia, e a altura estética alcançada nessa obra, sempre foi uma inspiração na vida de RW. Pessoalmente, mesmo sabendo das suas idéias pessoais lamentáveis, sinto algo totalmente diferente quando ouço obras como Cavalgada das Valquirias!Essa obra e outras me transmite uma mensagem de conteudo místico que me preenche de bem estar! Mas… aproveitando o comentario, sem querer atrapalhar o planejamento pqp, quando teremos a continuação dos ultimos quartetos de Beethoven? Quer ler e ouvir a Grande Fuga, bem como os seus comentarios sobre o op.131!

  2. A única coisa que tenho a dizer após ler essa M. de artigo é que ainda bem que Wagner e Gerard Thomas não foram contemporâneos. O mundo seria pequeno demais para ambos. Essa foto de Hitler com os “wagnerzinhos” foi uma das coisas mais ridículas que já vi na minha vida.Esse história de que Wagner era menfistofélico não passa de uma lorota disseminada por um doido varrido que atendia pela alcunha Nietsche. No fundo, Wagner era um boa praça, como poder ser testemunhado por todos que assitiram o Ludwig, do insuspeito “conde vermelho”, Lucchino Visconti. Era uma gênio musical como pode ser verificado por todos os que tiveram o privilégio de assistir alguma de suas éperas em DVD. Confiram o Anel com o Boulez, a abertura magistral e a subida ao Wahala são músicas das mais gloriosas já feitas. Embora meus compositores prediletos sejam Brahms e Bach (nada mais anticênico que a música de ambos), devo admitir que tenho um fraco pelo gênio de Richard. Não gosto de coletâneas. Sugiro que se comece a gostar de Wagner pela gravação do Navio Fantasma regista por Solti. Após isso, a coisa flui naturalmente e somos obrigados a nor curvar ao gênio de Bayreuth.

  3. Boa praça, essa é boa. É estranho como as pessoas desejam que seus ídolos sejam bons corações. É imaturidade, apenas. A frase de Said vale muito bem para o Sr. Braga. Que Wagner foi um ser repugnante é coisa sabida, é história, é fato comprovado. Há rios de comprovações. Era um racista de talento.Já tinham me dito que os wagnerianos eram irracionais e não argumentavam… Vanessa Miller.

  4. Caro SSBraga.Avaliar Wagner pelo filme do Lucchino Visconti é insensato. Gosto de comparar os fatos históricos com a sua representação no cinema: eles nunca conferem.Wagner era um canalha a quem não se podia emprestar dinheiro ou com quem não se podia deixar sua mulher à sós. Tinha total consciência da sua genialidade e, por isto, achava que podia tudo. Leia as biografias.Um fato interessante é que uma filha de Wagner casou-se com um Houston Stewart Chamberlain, um inglês naturalizado alemão que fazia parte do seu círculo de amigos do compositor. Os livros de Chamberlain, especialmente “Die Grundlagen des neunzehnten Jahrhunderts (The Foundations of the Nineteenth Century)”, foram os que propagaram a idéia de uma supremacia ariana que foi a base dos maiores crimes dos nazistas.Vale a pena conhecer o genro do Wagner na Wikipedia. http://en.wikipedia.org/wiki/Houston_Stewart_ChamberlainWandhkleyson Vaguiner da Silva.

  5. Wagner foi um BOSTA, só isso. E toda mitologia usada era do extremo norte, Suécia e Finlândia, as terras vikings. Ou seja, NADA ERA DO FOLCLORE ALEMÃO!!! Sigfried e cia. se tornaram alemães por obra e graça wagnerianas.

  6. O que Wagner precisava era de uma boa surra. Uns socos bem dados lhe cairiam bem. Poderiam ter feito ele deixar a presunção do Valhalla e renascer na humanidade de Midgard.

  7. ahauhiahuahiuhaihaiu! Rapaz, mas o pessoal toma partido mesmo, hein?! Cadê a liberdade de expressão? Deixa o moço escrever o que quiser, depois de fazer um blog desses, ele tá com crédito!Querido Peter, você tem a minha Cantata preferida de Bach? A Magnificat?Parabéns por essa belezura, você está polinizando muito bem, sua página já está nos meus favoritos. Sonatas de Beethoven rules! 🙂

  8. Wagner foi e é(Sua música transcende os limites do tempo) um gênio musical extraordinário,o maior operista de todos os tempos. Suma música é belíssima,orquestração perfeita,brilhante e inovadora,um grande revolucionário,o que fez no campo lírico equivale a Beethoven na sinfonia. O resto, não me interessa,se ele era rascista,católico,negro,judeu,da Klu-klus-klan,gay,tarado sexual,fanático,demente,são,atleticano,cruzeirense,alemão,chinês,etc,etc.
    o que importa é o seu legado musical,só isto,e se os Israelenses não o ouvem,pior para eles,pois estão perdendo algumas das mais sublimes músicas já compostas.

  9. E eu concordo, como dizia João Saldanha: Quero Wagner para ouvir música , não para casar com minha filha, para isto,claro, não serve!

  10. Wagner foi um revolucionário e fez música de primeira linha, não é do meu gosto primaz (tal como Rossini) mas admito sua superioridade em muitos pontos. A obra é superior ao personagem, sem dúvida. Acredito que Wagner nunca foi um ser humano completo, ele nunca entendeu que a responsabilidade que uma pessoa notável e que atinge fama e respeito tem é enorme, pois suas falas e ações ecoam com força mundo e tempo a fora. Ele poderia ter usado estas credenciais para evitar o ódio e harmonizar as relações entre os iguais. Todo este assunto voltou a tona em face do discurso do presidente do Irã na ONU, fato lamentável.

  11. Como nos ensina Hölderlin e Heidegger o artista apenas expressa o dom do ser na obra de arte, portanto, a sua biografia está fora do âmbito da obra de arte. O artista pertence a esse dom do ser, portanto, sua obra é maior do que ele.

  12. eu estava pesquisando sobre Wagner porque tenho um seminário sobre o nazismo para apresentar e um dos subtítulos do texto que o professor escolheu como base para o mesmo, é: “o swing contra wagner”… nunca havia ouvido falar a respeito, gostaria de saber um pouco mais e tive a idéia de colocar uma música de fundo desse compositor na apresentação do meu seminário, porém estou em dúvida, será que alguém poderia me ajudar?

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