Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia Nº 2, Ressurreição

Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia Nº 2, Ressurreição

51BJ8GEhWeLCuriosamente, FDP Bach postou recentemente esta mesma obra com o mesmo Zubin Mehta. Mas, sabe?, provavelmente a versão que ele postou é melhor: aqui, o link. Porém, este PQP que vos escreve sempre mete seu bedelho e diz que as melhores versões são as de Rattle com a CBSO, a de Tilson Thomas e as de Bernstein.

A Sinfonia no 2, em Dó Menor (termina em Mi Bemol Maior) por Gustav Mahler foi escrita entre 1888 e 1894. Ela foi publicada em 1897 e passou por uma revisão em 1910. Ela também é conhecida como Sinfonia da Ressurreição porque faz referências à citada crença cristã. Mahler compôs o primeiro movimento em 10 de setembro de 1888. Em 1893 completou o Andante e o Scherzo. Em fevereiro de 1894, durante os funerais do pianista e regente Hans von Büllow, Mahler ouviu um coro de meninos cantarem o hino Auferstehen (Ressurreição), da autoria de Friedrich Klopstock. O hino impressionou tanto Mahler que ele resolveu incorporá-lo ao Finale da sinfonia que estava em preparação. Ao mesmo tempo decidiu que a Ressurreição seria o tema principal da obra. A Segunda Sinfonia é a primeira sinfonia em que Mahler usa a voz humana. Ela aparece na última parte da obra, no clímax, tal qual a Sinfonia no 9 de Beethoven. Além da influência de Beethoven, percebe-se traços de Bruckner e Wagner na composição. Apesar da origem judia, Mahler sentia fascínio pela liturgia cristã, principalmente pela crença na Ressurreição e Redenção. A Segunda Sinfonia propõe responder à pergunta: “Por que se vive?”. Simbolicamente ela narra a derrota da morte e a redenção final do ser humano, após este ter passado por uma período de incertezas e agruras.

Extraído DAQUI

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 2, Ressurreição
01 – 1. Allegro Maestoso
02 – 2. Andante moderato
03 – 3. In ruhig fliessender Bewegung
04 – 4. Urlicht
05 – 5. Im Tempo des Scherzo’s

Live Concert at Masada, 1992

Florence Quivar, mezzo-soprano
Sylvia Geenberg, soprano
The Israel Philharmonic Orchestra
Zubin Mehta, regente

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O compositor austríaco Gustav Mahler
O compositor austríaco Gustav Mahler

Carlinus

Guia de Gravações Comparadas P.Q.P. – Mahler Symphony no.1 in D major ‘Titan’

A Primeira Sinfonia, dita Titan, é uma das obras mais executadas de Mahler, não apenas por sua beleza intrínseca (que aliás não é exclusividade dela), mas basicamente porque é uma das mais curtas, além de ser extremamente otimista, escrita numa linguagem acessível ainda do romantismo pós-wagneriano, e sem necessidade de solistas vocais e grandes coros. Como Otto Maria Carpeaux assinalou, todas as orquestras que querem mostrar certo virtuosismo mas tem dificuldades de produzir as exigências sonoras das demais sinfonias, optam pela Primeira.

Mas além disso, é também uma sinfonia muito interessante no contexto da vida e da obra de Mahler: ela funciona como um prefácio literário ao universo mahleriano, pois há nela ecos resumidos de basicamente tudo o que se ouvirá, melodica e harmonicamente, nas sinfonias posteriores. O termo prefácio literário não é força de expressão; do ponto de vista narrativo, ela trabalha com a ideia de um personagem heróico, descrito musicalmente através de seus temas e resoluções harmônicas tipicamente mahlerianas. É a expressão psíquica de seu autor, em que sua obra, permeada por este alter-ego heróico, apresenta uma ideia-fixa (ou um leitmotif) cujo objetivo é uma expressão de um universo ideal. É patente, através desta narrativa, sua busca incessante pela redenção, uma vez reconhecida a natureza imperfeita e efêmera do ser humano. E assim, passa por todos os conflitos filosóficos da humanidade (as angústias da sociedade, o amor, a morte, a religião), temas estes presentes em todas as suas obras, e, muito a propósito, já expresso nesta sinfonia, que termina numa espécie de cantus firmus de júbilo e alegria, até então único na história da música ocidental, informando ao público a que vem este tal Gustav.

Mahler é uma das mais contundentes respostas musicais às transformações científicas e filosóficas da virada do século XX, absorvendo, ainda que inconscientemente, as ideias da recente revolução psicológica de Freud (tendo ele mesmo sido seu paciente) e, claro, das não menos revolucionárias ideias postuladas por Planck e Einstein que abalaram os pilares da ciência física.

Escrita entre 1887 e 1888, teve diferentes versões apresentadas, começando por estrear como um poema sinfônico em duas partes, donde vem seu subtítulo, Titan, por conta da inspiração literária da obra de Jean Paul. Uma revisão de 1893 a colocou na forma sinfônica tradicional com um movimento a mais, o Blumine, depois suprimido. Após as revisões feitas até a publicação tardia em 1898, a Sinfonia finalmente adquiriu a forma como hoje a conhecemos, e nunca mais foi chamada por Mahler pelo subtítulo. Mas apesar disso, a despeito da imponência do nome, este acabou sendo incorporado como recurso de marketing.

O site gustavmahler.net.free (uma dádiva para os mahlerianos) cita nada menos que 274 gravações diferentes para a Primeira Sinfonia, nem todas, claro, disponíveis no mercado. E, no que diz respeito à possibilidade de ouvir alguma delas na internet, considerando os sites de streaming, o You Tube, a Amazon e os downloads genéricos, é possível achar pelo menos 40 versões. Para que os ouvintes tenham alguma orientação, trago algumas opções que gosto bastante:

1.Bernard Haitink, Concertgebouw PHILIPS 1972

61S7jofvU6L._SL500_SX300_Esta é uma gravação clássica, já está fora do catálogo e de vez em quando é relançada em algum compêndio, como a caixa da integral da sinfonias ou, neste caso, na coleção Abril de Grandes Compositores. Esta gravação, dos anos 70, faz parte do primeiro e único ciclo completo de Haitink, pois o segundo, na década de 90, não foi completado por conta do desmonte da indústria fonográfica, em especial o da música clássica, que foi o que sofreu a maior bancarrota (ver Norman Lebrecht, “Maestros, obras-primas e loucura”). Haitink na verdade gravou esta Sinfonia várias vezes de forma isolada, entre 1962 e 2007, mas esta de 72 desponta como uma de suas mais respeitáveis leituras.
É sem dúvida uma leitura inspirada, sendo tratada de forma muito mais solene que jocosa, e por isso tem um ar bruckneriano que permeia toda a execução. O frenesi dos finais do primeiro e último movimentos, expressões legítimas de uma Mahler jovem e apaixonado, são executados como se fossem reflexões profundas e conflitantes de um Mahler tardio, como o da Sétima ou Oitava Sinfonias. Apesar disso, é um registro que prima pela pureza de timbres e contornos melódicos, deixando, não obstante a maior lentidão rítmica, uma impressão bastante singular. Haitink, sempre distinto, não deixa a peteca cair. Os trompetes desafinam nas fanfarras do finale, mas este é um detalhe menor neste conjunto. A gravação desta edição acompanha o Lieder eines fahrenden gesellen, na voz imponente de Hermann Prey. Assim como em outras gravações, este lieder é sempre bem-vindo por ter sido uma das inspirações originais para temas da Primeira Sinfonia.

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Arquivo FLAC 330Mb

2. Kurt Masur, New York Philharmonic TELDEC 1992

mahler_symph1_masur_smallEsta foi uma das gravações que marcaram a chegada de Kurt Masur na Filarmônica de Nova York em 1991. A gravação é do ano seguinte, mas evoca o mesmo sentimento de frescor recém-casado. A escolha de Masur, pelos músicos de Nova York, se deu para tentar fazer da Filarmônica novamente uma experiência mais “requintada”, uma vez que seus antecessores, Zubin Mehta e Leonard Bernstein eram dados a concertos populares, e Pierre Boulez, muito moderno. Naquela época o público patrono se incomodou com isso. Trazendo a sobriedade do alemão especialista em Beethoven, a ideia era fazer a Filarmônica deixar de parecer uma orquestra crossover, e escolheu a 7a. de Bruckner para estrear com toda a pompa. Hoje este fato soa um pouco anacrônico, mas fazia sentido naquele contexto. De qualquer modo, é um registro primoroso, de quem sabe o que está fazendo. A firmeza rítmica se impõe como um rolo compressor, e acaba deixando a obra mais fria que o desejado. Talvez Masur estivesse tentando causar boa impressão aos americanos, e se manteve cauteloso nas escolhas das dinâmicas. De qualquer forma é uma performance das mais eloquentes, e merece ser visitada, até porque também vem com as Canções do Viandante, na voz do barítono sueco Håkan Hagegård.

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Arquivo FLAC 278Mb

Entretanto, um pequeno parênteses para a questão da performance fria. Kurt Masur também é o responsável pela performance mais quente que conheço da Primeira Sinfonia de Mahler. Aconteceu em 2005 no Festival de Inverno de Campos do Jordão, em que Masur foi o maestro convidado, tendo ao seu lado Roberto Minczuk. Os bolsistas do festival, todos ainda amadores em fase de profissionalização, tinham pouca experiência com prática de orquestra, principalmente em se tratando de orquestras do tamanho exigido pela Primeira. Entretanto, ao invés de uma performance morna para cumprir exigências acadêmicas e agradar aos pais dos bolsistas, o que se ouviu foi uma performance das mais contundentes, que num nível de percepção sensível, transbordava a emoção e o entusiasmo daqueles músicos em tocar pela primeira vez uma obra daquela envergadura. Percebe-se, ao mesmo tempo, tanto a inexperiência e a ingenuidade quanto uma vontade sobre-humana de se superarem, coisa que acabam conseguindo com força descomunal, fazendo do finale desta gravação um dos mais emocionantes da história. Kurt Masur chorou nos aplausos, consciente do esforço que cada músico empreendeu. Esta gravação vale a pena porque é possível sentir toda essa carga emotiva no registro, coisa que muitas orquestras profissionais não conseguem. Infelizmente é um disco que está esgotado, então disponibilizo aqui também. Ele vem com outras obras executadas no mesmo festival (incluindo uma estréia de Almeida Prado), mas eu diria que a Titan é que interessa.

DOWNLOAD HERE – XXXVI Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão
CD Duplo – Arquivo FLAC 661Mb

3. Leonard Slatkin, St.Louis Symphony Orchestra TELARC 1981

mahler1slatkinEsta é a pior de todas: Slatkin é um bom regente, tenta dar um ar sóbrio e distinto ao frenético finale, mas no fim, não consegue. Boa parte do problema é a orquestra, St.Louis tem metais com uma sonoridade bem fraca, e Slatkin ainda puxa o freio de mão. Aí não dá mesmo. As fanfarras não empolgam, e parecem contidas como se precisassem fazer pouco barulho para não atrapalhar os vizinhos. Mas a gravação tem méritos: a Telarc é um selo americano que foi o absoluto pioneiro na gravação digital, sendo deles o primeiro LP lançado comercialmente que teve sua matriz gravada digitalmente, em 1978. Este know-how fez de suas gravações verdadeiras referências para o desenvolvimento de uma metodologia de gravação na era digital, e a clareza de seus registros é até hoje apreciada. Mas a recomendação é clara: só para fãs.

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Arquivo FLAC 195Mb

4.Rafael Kubelik, Symphonie-Orchester des Bayerischen Rundfunks DG 1968

mahler_symphony1_titan_kubelik_coverHá um certo consenso sobre a superioridade desta gravação, que foi inclusive indicada, recentemente, pela revista Gramophone, como a melhor Titan de todos os tempos. Mas toda a classificação é relativa, e acredito ser impossível uma unanimidade. Claro, a gravação tem méritos indiscutíveis, mas acho um pouco de exagero tanto crédito. Kubelik é um maestro dos mais competentes, um dos grandes “monstros sagrados” (expressão que na minha época era corriqueira) da regência do século XX. De origem tcheca, tem todos os requisitos para entender esta música até o último fio de cabelo. E ele realmente a entende como poucos, fazendo principalmente do scherzo e da paródica marcha fúnebre momentos de rara e fina ironia. Mas venhamos e convenhamos, a sonoridade da tecnologia de gravação de 1968 fica um pouco a desejar, principalmente deixando evidente certa estridência dos trompetes, uma limitação que nem toda gravação desta época possui ou incomoda, mas esta possui – e incomoda. Outra: Kubelik é famoso por seu rubato, ele costuma diminuir o andamento com algum exagero antes dos clímax ou das repetições dos temas essenciais. Em alguns casos, funciona que é uma maravilha, em outros, considero o resultado cafona. Não posso dizer que achei ruim seu rallentando na retomada do tema no primeiro movimento, mas também não vou dizer que não estranhei. Confesso que não tenho opinião definitiva, mas no fim das contas não é minha gravação dos sonhos. Mas se vale a pena? puxa, se vale! E a gravação também tem o Lieder eines fahrenden gesellen, mas na voz de ninguém menos que Dietrich Fischer-Dieskau. Aí fica covardia não ouvir.

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Arquivo FLAC 314Mb

5.Zubin Mehta, New York Philharmonic CBS 1982

mahler_symphony1_mehtaA grande zebra é esta gravação de Zubin Mehta, feita pela CBS em 1982. Uma verdadeira jóia. Outras leituras de Mehta, como a da DECCA com Israel, não chegam aos pés dessa. É uma leitura precisa, clara, entusiasmada e empolgante. Os trompetes de Nova York estão em ótima forma – melhor que na gravação de Masur – e executam as fanfarras com convicção ímpar, em que ouvem todas as notas com clareza e limpidez. O registro deixa aflorar o Mahler sonhador da juventude como poucos, coisa até rara em se tratando de Zubin Mehta, mas é preciso admitir: neste caso é quase impossível não se deixar contaminar pela empolgação da sonoridade desta gravação. Mehta, apesar de não ser um mahleriano convicto, é responsável por várias leituras memoráveis, e esta é uma delas. Não há meio termo, é uma leitura brilhante, ou se adora ou se ignora. Os puristas podem objetar que Mehta não faz o ritornello do primeiro movimento, mas devo dizer que também é um detalhe menor. Compensa todo o crime.

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Arquivo FLAC 218Mb

6.Klaus Tennstedt, London Philharmonic Orchestra EMI 1977

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Esta gravação é primorosa. Klaus Tennstedt era um mahleriano não apenas convicto, mas devoto e praticante. Norman Lebrecht explica bem esta relação meio doentia: “após um sério colapso nervoso, encontrou apoio na música de Mahler, que se tornou o leitmotiv de sua ansiosa vida”. Com efeito, o Mahler de Tennstedt é altamente intuitivo, sempre inesperado e avassalador, tirando das profundezas da alma os mais insondáveis sentimentos. Por algum motivo alheio à minha percepção (talvez pela própria personalidade trôpega de Tennstedt), ele nunca foi muito festejado do grande público, tendo sempre um time restrito de admiradores fiéis mas recatados, e normalmente suas performances escapam de uma análise pública mais abrangente. Mas devo dizer, poucas Titans tem a força desta: a impressão é de um vulcão prestes a explodir, e que efetivamente explode nos clímax adequados. Apesar de carismática, é uma interpretação bastante pessoal, em que há o perigo do ouvinte não interagir com a espontaneidade proposta. Neste caso, será uma leitura esquisita. Mas garanto: soltem-se e deixem-se levar pelos delírios do sr. Tennstedt, e estarão diante de uma performance única na história.
Obs.: A edição da Primeira que disponibilizo aqui faz parte da caixa com as 10 Sinfonias, então não estranhem o bônus do primeiro movimento da Segunda, obra que comentarei em outra ocasião.

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Arquivo FLAC 289Mb

7.Sir Georg Solti, Chicago Symphony DECCA 1983

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Considero esta, ao lado da de Bernstein (1974) com a Wiener Philharmoniker (que infelizmente – ou felizmente – só tenho em DVD), a gravação que combina o melhor de todos os mundos: tem a sonoridade dos áureos tempos dos míticos engenheiros da DECCA, tem o equilíbrio preciso entre a espontaneidade e a fidelidade à partitura, tem o encanto do frescor juvenil do Mahler apaixonado, e tem a sobriedade de um registro convicto. Se eu fosse escolher a gravação mais equilibrada, e que satisfaz a maioria dos requisitos mahlerianos com louvor, ficaria com esta, com a possível alternativa de Bernstein. Mas para mim esta tem um trunfo a mais: as pratadas de Chicago são mais eficazes que as de Viena, e a eloquência da juvenília mahleriana fica em plena ebulição. Esta é, portanto, a escolha do Chucruten.
Bom divertimento!

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Arquivo FLAC 239Mb

CHUCRUTEN

Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia No. 5 (Haitink)

Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia No. 5 (Haitink)

Mahler devia estar irritado e decidiu escrever uma sinfonia realmente complicada para seus músicos sofrerem bastante. Mas, como estou com pouco tempo, transcrevo a informação que tem na Wiki. Depois da cobertura das eleições de ontem, tenho até dificuldade em lembrar meu nome:

Na opinião do crítico e historiador musical Deryck Cooke, a quinta sinfonia de Mahler possui caráter “esquizofrênico”, já que nela, convivem perfeitamente separados o mais trágico e o mais alegre dos mundos. Consta de cinco movimentos, sendo os dois primeiros quase temáticos, explorando o lado trágico da vida. O primeiro movimento, uma escura marcha fúnebre, começa com uma fanfarra de trompetes que aparecerá repetidamente, dando-lhe uma atmosfera especial de inquietude e desolação. O segundo, um frenético allegro, muda completamente o espírito do movimento anterior; seu caráter histérico alterna com o de marcha fúnebre, onde ao final da exposição parece triunfar um relativo otimismo, para cair novamente na angústia e na escuridão. É no scherzo, do terceiro movimento, que surge com maior clareza o citado caráter esquizofrênico, em absoluta contradição com a atmosfera nihilista anterior, saltamos, sem solução de continuidade, à visão mais alegre da vida. São dois modos de ver a existência impossível de reconciliar. Tanto o ländler como a valsa do trio estão, ainda com seu ar de nostalgia, muito longe do desespero inicial da sinfonia. O famoso adagietto para cordas e harpas, constituindo o Quarto movimento, é um remanso de paz entre a força do scherzo e do último movimento, estando impregnado de um desejo de distanciar-se das tensões e lutas para refugiar-se da solidão interior. O quinto movimento finale, parte de motivos populares, possuindo um caráter exuberante e alegre. Em seu clímax final recupera e funde o caráter angustiante dos primeiros dois movimentos com a alegria dos últimos, combinando assim os elementos tão díspares de escuridão e luz que convivem na Sinfonia.

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 5

01 – Trauermarsch
02 – Sturmisch bewegt. Mit groBter Vehemenz
03 – Scherzo (Kraftig nicht zu schnell)
04 – Adagietto (Sehr langsam)
05 – Rondo Finale (Allegro)

Concertgebouw Orchestra, Amsterdam
Bernard Haitink, regente

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Bernard Haitink: um de meus regentes preferidos
Bernard Haitink: um de meus regentes preferidos

PQP

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 4 em G e Sinfonia No. 5 em Dó Sustenido Menor (Revalidação)

Postado originalmente em 1 de maio de 2010.

Quarta Sinfonia: Muitos biógrafos e musicólogos ainda incluem nesta fase [dos pensamentos profundos sobre a existência humana, o sofrimento e a salvação] a sua Quarta Sinfonia, por ela ainda manter inspiração nos textos do Knaben Wunderhorn, e por seu último movimento ter sido pensado originalmente para o final da Terceira. Mas são universos já bastante distintos, apesar das semelhanças físicas, pois, ao contrário das anteriores, sua Quarta Sinfonia é uma das mais simples e objetivas. Talvez já tendo esgotado os recursos grandiloqüentes da Segunda e Terceira, Mahler procurou nesta a extrema simplicidade, pureza de timbres e de temas, síntese de idéias e evitando os efeitos de massa instrumental das sinfonias precedentes. Com isso conseguiu apurar ainda mais sua técnica de composição, mas ainda aproveitou a voz humana no último movimento, com um texto do Wunderhorn sobre as impressões de uma criança no Paraíso. Um final extremamente simples, mas também muito significativo na obra de Mahler, que prima pelo discurso claro, de transparência cristalina, mas cuja riqueza de idéias e de temas nada fica a dever às Sinfonias anteriores.

Quinta Sinfonia: As três sinfonias que se sucederam são puramente instrumentais, e Mahler inaugura com elas um novo ciclo, mais “musical”, sem interferências de textos e narrativas extra-musicais. Mas, apesar disso, são sinfonias que não abandonam as intenções filosóficas, apenas as deixa mais subjetivas. Sua Quinta Sinfonia é a mais conhecida e também a mais importante, obra divisora de águas, em que Mahler busca uma fusão de suas convicções pessoais com sua poderosa intuição estética, na tentativa de transformar suas idéias em música pura. Dividida em três partes, ela organiza de uma maneira bastante convicta o que antes aparecia de maneira implícita, ou seja, a narrativa musical saindo do trágico e caminhando para o triunfo. A primeira parte abre com uma marcha fúnebre, seguida de um movimento tempestuoso e enérgico (não sem a indicação da esperança, num tema que depois será retomado com alegria abundante no final), caracterizando o conflito e definindo suas metas. A segunda parte engloba um único movimento, o Scherzo, mais descontraído e musicalmente muito bem arquitetado, como se fortalecendo as bases para a terceira e última parte. Esta inicia com o famoso adagietto, talvez a mais conhecida passagem de Mahler, um movimento escrito apenas para cordas, lento e de beleza incomparável em sua obra. Um grande hino de amor e esperança. O final mescla temas dos movimentos anteriores, mas sempre direcionando-os para a resolução dos conflitos, com passagens simples, quase infantis, concluindo com uma grande explosão de alegria. A Quinta é, para muitos, sua mais característica obra, onde suas idéias musicais e convicções pessoais estão dispostas de maneira mais equilibrada e segura (apesar do próprio Mahler ter revisto várias vezes a partitura e se espantava em verificar erros de orquestração cada vez que fazia uma nova revisão).

Extraído DAQUI

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 4 em G

Disco 1

01. I. Bedächtig. Nicht eilen
02. II. In gemächlicher Bewegung. Ohne Hast
03. III. Ruhevoll
04. IV. Das himmlische Leben. Sehr behaglich

Concertgebouw Orchestra
Sylvia Stahlman, soprano
Sir George Solti, regente

Disco 2

Sinfonia No. 5 em Dó Sustenido Menor

01. 1. Trauermarsch
02. 2. Stürmisch bewegt. Mit grösster Vehemenz
03. 3. Scherzo – Kraftig, nicht zu schnell
04. 4. Adagietto – Sehr langsam
05. 5. Rondo – Finale – Allegro

Chicago Symphony Orchestra
Sir Georg Solti, regente

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Carlinus

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 4 em Sol e Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Exsultate, Jubilate, K. 165

Costumo afirmar que a Quarta Sinfonia é uma “porta dimensional” para o mundo de Gustav Mahler. Ela é, didaticamente, uma janela que se abre para que enxerguemos as planícies infinitas da música do compositor astríaco e nos assustemos com isso. A música de Mahler é grande, imensa. Ouvi-la é ser convidado para experimentar o conflito, a libertação e o êxtase. Escutar Mahler é abrir uma janela, prafraseando Mario Quintana. O poeta gáucho costumava dizer que quem “escreve um poema, abre uma janela”. Ou seja, a música de Mahler provoca em nós aquela sensação de liberdade, alívio e esperança, que são experimentados quando abrimos uma janela e recebemos um borrifo de vento. Didaticamente, poderia sugerir ao ouvinte pouco afeito à textura provocante e filósofica e que busca ingressar pelos portões do mistério e caminhar nas trilhas largas da música do compositor, que deva começar a sua caminhada pela Quarta Sinfonia e depois a Primeira, a Quinta, a Sexta, a Terceira, a Segunda, A Oitava, a Sétima e a Nona. Essa seria um trilha segura, sem sobressaltos e sustos. Quando quero perceber uma certa gradação, uma escadaria poética, geralmente disponho as sifonias do austríaco dessa forma. Esse CD que posto é uma joia. Já ouvi umas cinco vezes essa semana. Ainda temos Mozart com a sua deliciosa Exsultate, Jubilate. Verdadeiramente uma baita CD! Não deixe de ouvir. Uma boa apreciação!

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 4 em Sol

01. I. Bedächtig. Nicht eilen
02. II. In gemächlicher Bewegung. Ohne Hast
03. III. Ruhevoll
04. IV. Das himmlische Leben. Sehr behaglich

Rafael Druian, violino solo
Judith Raskin, soprano

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Exsultate, Jubilate, K. 165
I. Allegro
II. Andante
III. Allegro

Judith Raskin, soprano

Cleveland Orchestra
George Szell, regente

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Carlinus

Leonard Bernstein (1918-1990) – Sinfonia No. 1 – "Jeremias" e Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 4 em Sol

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A Sinfonia No. 1 de Bernstein – “Jeremias” – estreou no mundo da música em 1944. Foi considerado o melhor trabalho daquele ano nos Estados Unidos. Particularmente, eu gosto bastante deste trabalho de Bernstein. É uma obra programática feita a partir da história do profeta judeu Jeremias. Bernstein utiliza o drama vivido pelo profeta, bem como textos do livro de Lamentações de Jeremias, um poema acróstico, narrando a destruição de Jerusalém pelos babilônicos, 6 séculos antes de Cristo, e as desventuras do referido profeta. Entre os profetas judeus, Jeremias certamente seja um dos que mais sofreram. Sujeito de emoções à flor da pele, Jeremias absorve todas as dores de Jerusalém quando a cidade é completamente sitiada e queimada. Antes disso, passara 40 anos advertindo o povo para que se voltasse para o Deus de Israel sem que tivesse qualquer êxito. Vale a pena conferir o trabalho de Bernstein. Aparece ainda no post a maravilhosa Sinfonia no. 4 de Mahler. Não é natural que vejamos, mas a regência fica com Marin Alsop, uma mulher (sic.). Em alguns dias postarei o próprio Bernstein regendo a Sinfonia Jeremias. Uma boa apreciação!

Leonard Bernstein (1918-1990) – Sinfonia No. 1 – “Jeremias”
01. I. Profecia
02. II. Profanação
03. III. Lamentação

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 4 em Sol
04. I. Bedächtig. Nicht eilen
05. II. In gemächlicher Bewegung. Ohne Hast
06. III. Ruhevoll
07. IV. Das himmlische Leben. Sehr behaglich

Bournemouth Symphony Orchestra
Marin Alsop, regente
Lisa Milne, soprano

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Carlinus

Ludwig van Beethoven (1770-1827) -Sinfonia No. 8 em Fá maior, Op. 93 e Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No.1 em Ré maior, "Titã"

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Há combinações que são indispensáveis. Penso que a que se encontra neste post, com aquelas seleções ao vivo que sempre trago à tona de vez em quando, seja mais uma combinação a que não se pode contestar. Dois dos meus compositores favoritos – Beethoven e Mahler – estão presentes. Ao meu modo de ver todas as sinfonias de Beethoven são monumentos indeléveis. Gosto de todas, embora afirme que a número 8 eu não escute com certa frequência. Ela fica logicamente entre a maravilhosa número sete e a arrebatadora número 9. Deve ser por isso que ela não tenha tanta proeminência. Beethoven a chamava carinhosamente de “minha pequena sinfonia em Fá”. Ele a compôs em 1812. É um trabalho alegre, ensolarado, repleto de leveza e com aquela força humanizante tão típica de Beethoven. A outra obra que aparece ainda neste registro é a Sinfonia Titã de Mahler ou Sinfonia No. 1. Hoje pela manhã fui a um mercado aqui perto de casa. Enquanto comprava alguns produtos, ouvia esta gravação com o Jansons. Fiquei a pensar enquanto ouvia a música: “A vida é tão breve e tantas são as belezas !” A Sinfonia Titã é uma das minhas favoritas em toda a história da música. Ela possui aspectos luminosos e soturnos – alegria e tristeza; triunfo e expectativa de queda; ironia e seriedade extravagante. Falando, livremente, acredito que Mahler tenha captado como ninguém os elementos mais importantes da vida nesta obra. A existência é breve. O que conta mesmo é o quanto nos doamos ao próximo. O quanto amamos e buscamos superar as impressões mesquinhas que apequenam o nosso ser. Acredito, finalmente, que a “Titã” seja tão atordoante que chega a rir da gente de tão poderosa que é. Bom deleite!

Ludwig van Beethoven (1770-1827) -Sinfonia No. 8 em Fá maior, Op. 93
01. Allegro vivace e con brio
02. Allegretto scherzando
03. Tempo di menuetto
04. Allegro vivace

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No.1 em Ré maior, “Titã”
05. Langsam, schleppend
06. Kraftig bewegt, doch nicht zu schnell
07. Feierlich und gemessen, ohne zu schleppen
08. Sturmisch bewegt

Na Amazon

Royal Concertgebouw Orchestra
Mariss Jansons, regente

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Carlinus

Richard Strauss (1864-1949) – Vida de Herói (Ein Heldenleben) e Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 6 em Lá menor – "Trágica"

Achei por bem postar o ensaio abaixo sobre Mahler e Richard Strauss – DAQUI. É bastante elucidativo. O CD abaixo, com regência de Barbirolli, é para ouvir e cair de joelhos em preces apaixonadas. É algo que aturde. Vida de Herói de Strauss é uma beleza de profundidade e rigor orquestral a nos provocar os sentidos. FDP havia postado no início do ano passado uma versão da obra de Strauss que parece aqui com Jarvi. Julgo que essa versão com o Barbirolli seja fatal. Tenho uma outra versão com o Carlos Kleiber, gravada ao vivo que qualquer dia surgirá aqui no PQP Bach. Boa apreciação!

PROFETAS DA MODERNIDADE

GUSTAV MAHLER e RICHARD STRAUSS precederam as vanguardas do início do século pontuando os limites da música tonal. Este ensaio exclusivo revela a extrema coerência de suas opções estéticas e revela as faces de heróis psíquicos.

FILIPE W. SALLES


Richard Strauss e Gustav Mahler foram duas personalidades muito próximas. Ambos eram excelentes orquestradores, regentes e produtores de concertos. Foram amigos, eram conterrâneos e pareciam buscar, através de suas músicas, a mesma coisa: o auto-conhecimento. Diferenças, apenas quanto ao estilo e à forma: Strauss optou pelo poema sinfônico e pela ópera; Mahler pela sinfonia e pela canção. Talvez não exista música mais pessoal e intimista que a de Mahler, com a possível exceção de Richard Strauss. O contrário também serve. Os traços que constituem ambos os estilos, épico em Strauss e melodramático em Mahler, são marcados pela presença de um protagonista, explícito em Strauss e implícito em Mahler. Este protagonista, a quem nos dois casos serve a denominação de “herói”, é claramente apresentado na obra de Strauss, sendo ele motivo dos temas e títulos de seus principais poemas sinfônicos, “Don Juan”, “Macbeth”, “Morte e Transfiguração”, “Till Eulenspiegel”, “Don Quixote”, e até mesmo no “Assim Falou Zarathustra”. No caso de Mahler, as referências são menos diretas.

O herói é uma personificação arquetípica (e no caso de Strauss, muitas vezes literária), podendo figurar como “extensão” do ego. Extremamente explícito em Strauss, é levado às últimas conseqüências na “Vida de Herói” e na “Sinfonia Doméstica”. Nos dois casos temos um Strauss experiente e maduro pondo toda a energia de seus anseies num forno – e servindo-os no prato da grande orquestra.

Mahler, talvez até inconscientemente, envereda por caminhos semelhantes no que diz respeito ao uso da grande orquestra romântica, mas de uma forma incontestavelmente mais problemática. Não se contenta em apresentar o problema com uma solução já prevista (como é o caso da música de programa): ele fornece o problema e procura resolvê-lo no próprio processo criador. Por esse motivo, suas sinfonias são colossos modernos, titãs adormecidos que escondem tesouros do inconsciente. Sua mais curta sinfonia tem entre 50 e 54 minutos. Sua mais longa chega a 100 minutos. Se Strauss foi objetivo o suficiente para ir direto ao poema sinfônico descrever suas emoções, Mahler seguiu o caminho oposto, subjetivando a forma – até então “absoluta”- da sinfonia. Mahler nunca explicitou “sinfonia descritiva” ou “absoluta”. “A sinfonia”, segundo Mahler, “deve abranger tudo”.

Sua Primeira Sinfonia, a “Titã”, tem, inegavelmente, um Programa mais ou menos definido, assim como a Segunda e a Terceira, Mas podemos ouvir a “Titã” sem nenhum conhecimento de seu programa. O efeito será o mesmo. Talvez isso não funcione na imensa Terceira, mas trata-se de um caso à parte. Da mesma forma, a “absoluta” Quinta Sinfonia, que dispensa qualquer argumento extra-musical, tem a mais típica estrutura descritiva de Mahler: “Tragédia-Consolação-Triunfo”, presentes de forma clara também na Primeira, Segunda, Terceira, e Sétimas sinfonias. Richard Strauss estabelece parâmetros diametralmente opostos. Em quase todos os seus poemas sinfônicos, o herói começa em plena atividade, a desenvolve de acordo com o argumento, e finalmente morre, numa metáfora da antecipação do inevitável. “Don Juan”, seu primeiro poema sinfônico, já inicia seus acordes num frenético “Triunfo”, onde o desenrolar orquestral gira em torno deste ideal, indo cair na tragédia de forma brusca e incontestável. A estrutura para Strauss seria “Triunfo-Degustação-Tragédia”. Tragédia que, vinda de Strauss, não é idêntica à de Mahler. A tragédia de Mahler está ligada à angústia, ao sofrimento, e aos aspectos Psicológicos que determinam estes estados – fruto de conflitos pessoais e, por este motivo, distantes de uma realidade cotidiana. A tragédia de Strauss tem mais um espírito de realidade, de fatos concretos e consumados. “Till Eulenspiegel” ilustra com maestria esta metáfora, onde a morte de Till nada mais é do que uma conseqüência lógica do contexto na história. Não chega a ser uma “tragédia” propriamente, mas uma conformação com a realidade. “Morte e Transfiguração” vai pelos mesmos caminhos, sendo a morte do protagonista justamente o triunfo da obra, o objetivo final da própria vida.

Mahler está longe de encarar a morte de forma tão otimista, embora procure sempre estabelecer aspectos místicos, como uma, espécie de compensação pelo seu inconformismo – caso, por exemplo, da Segunda Sinfonia, a da Ressurreição. O principal fator que determina esta diferença de enfoque na obra de Mahler e Richard Strauss talvez seja a escolha do herói. É fato que ambos se projetam em suas peças, algo como autobiografias musicais. Mas enquanto Strauss procura resolver-se externamente, enfrentando cara-a-cara a realidade, Mahler trava uma luta constante consigo próprio, subvertendo a realidade através da reação emocional que lhe espelha o mundo. São visões bastante antagônicas: é como se Strauss observasse o mundo e respondesse a ele exatamente como o vê e interpreta, ao passo que Mahler observa, sente, relaciona, interpreta e reage, dando a suas sinfonias uma duração que freqüentemente ultrapassa os 70 minutos de execução. Talvez por isso Strauss tenha dado preferência no poema sinfônico, forma muito mais livre que a sinfonia e de caráter mais sucinto. O mais curto poema sinfônico de Strauss, “Till Eulenspiegel”, tem algo em torno de 15 minutos, e o mais longo, “Vida de Herói”, 45.

Há extrema coerência, em ambos, na escolha de suas formas de expressão. Um poema sinfônico como os de Strauss certamente não comporta tanta informação como as sinfonias de Mahler – e estas nunca conseguiriam ser claras e objetivas como os poemas de Strauss sem cair numa extrema redundância. Ambos contornam facilmente estas possíveis aberrações estéticas numa simples escolha inteligente do meio correto de utilizar a música.
A estrutura de narração de Mahler (tragédia, consolação, triunfo), é visivelmente modificada, sutil ou abruptamente, na Quarta, Sexta, Oitava e Nona sinfonias. Destas, apenas a Sexta e a Oitava são abruptas, a Sexta é inteiramente trágica e angustiante, ao passo que a Oitava é triunfal e otimista do começo ao fim. A Quarta é um meio termo, uma sinfonia que parece não tomar muito partido desta relação, pois está montada sobre um afresco extremamente original de melodias brilhantemente orquestradas, cuja intenção é justamente espelhar uma espécie de ingenuidade infantil. A Nona é indefinível. Pertence a um universo abstrato, místico, transcendente. Um universo de um compositor que esgotou as possibilidades estruturais padronizadas pelo próprio estilo e busca, através dele, vislumbrar outras dimensões. Processo semelhante ao que ocorre no “Das Lied von der Erde”, ciclo de canções sobre poemas chineses onde a estrutura também é subvertida, sendo a última parte um canto de despedida que Mahler interpretou como o de sua própria vida.

Tudo aquilo que é problemático para Mahler parece ser bastante natural para Richard Strauss. Strauss sempre tratou a psicologia do inconsciente através do argumento de suas obras, e não propriamente do material musical. Fez uma música puramente objetiva, de clareza incomparável, que hesita em se estender nos devaneios contrastantes típicos de Mahler. “Also Sprach Zarathustra” talvez seja o melhor exemplo da relação Strauss/Mahler, porque ambos esboçaram gigantescos afrescos sinfônicos sobre o texto de Nietzsche em épocas muito próximas. A intenção de Strauss era clara: não queria transformar filosofia em música, mas tentar exprimir a idéia do conflito homem-natureza e sua evolução até o nascimento do super-homem nietzschiano (“Übermensch”). Mahler já transcende a descrição sonora de um ideal para um problema puramente existencial, não descrevendo-o musicalmente, mas sim traduzindo suas sensações interpretadas e relacionadas em todo o seu esdrúxulo inconsciente. Assim, a Terceira Sinfonia de Mahler, que se utiliza em seu 4o movimento de um trecho para contralto do Zarathustra, possui todo um contexto maior, relacionado também às lembranças da infância (As marchas, as canções do Wunderhorn), à associação com a morte e o amor, sugerindo uma interpretação muito mais pessoal do texto de Nietzsche do que a de Strauss. Strauss pensava de uma forma mais sintética, pois o próprio argumento de seus poemas já traduzia determinada opinião.

Talvez por toda esta série de diferenças, a obra de Strauss é freqüentemente considerada mais superficial. Erro beócio: a obra de Strauss simplesmente narra uma situação psicológica ou uma ação através de uma projeção do ego num herói, ao passo que em Mahler o herói é a própria música. A narração de Strauss é em terceira pessoa, e a de Mahler é em primeira. Uma simples diferença de perspectiva. A música de Mahler é intimista, a de Strauss é pictórica, e dá mais amplitude a diferentes interpretações relacionadas ao mundo das imagens e das palavras. Mahler é mais hermético. Incontestavelmente, Richard Strauss foi um mestre da orquestração que sabia colocar números extraordinariamente grandes de instrumentos e tratá-los com uma naturalidade camerística, ao passo que Mahler custou um pouco a desprender-se da grandiloqüência wagneriana dos efeitos de massa (típicos da Segunda e Terceira sinfonias) até atingir um refinamento que já era nítido no “Don Juan” de Strauss. O caso Mahler/Strauss é particularmente interessante porque ambos tiveram a oportunidade de acompanhar o crescimento um do outro, bebendo em fontes muito próximas (Beethoven, Wagner, Bruckner), mas sem perder suas particularidades.

Mahler morreu em 1911 e Strauss em 1949, mas seu último “poema sinfônico”, (ainda que chamado de sinfonia), a “Sinfonia Alpina”, é de 1914, sendo portanto a produção de poemas tonais (e não de óperas) que vai de encontro à comparação com a obra de Mahler. Estes dois mestres absolutos da forma e da orquestração foram os últimos patamares da música puramente tonal, que logo em seguida seria totalmente desestruturada por Schoenberg e Stravinsky. Talvez seja chegada a hora de reavaliar a importância de Mahler e Strauss, pois foram eles os últimos mestres antes da escola dodecafônica, onde a música erudita perdeu grande parte de seu público, que voltou às origens de Bach e Mozart. Afinal, além da questão tecnológica e social (e claro, considerando o mundo hoje consumido pela comunicação), poucas diferenças existem entre o fim-de-século deles e o nosso. Seria superestimar a arte de ambos considerá-los profetas da modernidade?

Disco 1

Richard Strauss (1864-1949) – Vida de Herói (Ein Heldenleben)

01. Ein Heldenleben – Das Held
02. Ein Heldenleben – Des Helden Widersacher
03. Ein Heldenleben – Des Helden Gefährtin
04. Ein Heldenleben – Thema der Siegesgewissheit
05. Ein Heldenleben – Des Helden Walstatt
06. Ein Heldenleben – Des Helden Walstatt_ Kriegsfanfaren
07. Ein Heldenleben – Des Helden Friedenswerke
08. Ein Heldenleben – Des Helden Weltflucht und Vollendung
09. Ein Heldenleben – Entsagung

London Symphony Orchestra
Sir John Barbirolli

Gustav Mahler (1860-1911) – Sinfonia No. 6 em Lá menor – “Trágica”

10. I. Allegro Energico, Ma Non Troppo; H

Disco 2

01. II. Andante moderato
02. III. Scherzo. Wuchtig
03. IV. Finale. Allegro moderato – Allegro energico

New Philharmonic Orchestra
Sir John Barbirolli

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Carlinus