Mais um disco do “Trio Parada Dura” de Veneza: Merulo, Gabrieli e Gabrieli. Os três trabalharam mutos anos na Basílica de San Marco, a maior igreja de Veneza, financiada pelos ricaços que comandavam boa parte do comércio mediterrâneo. Eles começaram a empobrecer quando Portugal e Espanha, contornando a África, chegaram às Índias e de bônus encontraram a América, mas esse processo de empobrecimento durou séculos, de modo que por volta de 1550 a 1650 o comércio se reduzia mas a música de Veneza chegou ao seu auge: toda a Europa imitou e aprendeu com as inovações de Merulo, dos dois Gabrieli e de Monteverdi. Mas atenção: o Gabrieli que aparece aqui, Giovanni, era sobrinho do outro, Andrea, que apareceu na postagem de anteontem. Boa parte das obras de Andrea foram publicadas postumamente, com edição do sobrinho, que possivelmente fez certas contribuições colocando notas aqui e tirando ali, de modo que é difícil diferenciar os estilos dos dois Gabrieli.
Claudio Merulo era contratado como organista em San Marco, mas também compunha música vocal como o Magnificat aqui gravado. Já Andrea Gabrieli foi responsável pela música vocal da Basílica de San Marco, cargo que herdou de seu professor, o franco-flamenco Adrian Willaert (morto em 1562). Muitos estrangeiros vinham escutar a música de San Marco e, se possível, aprender um pouco com Willaert, Merulo, A. Gabrieli e, depois, com seu sobrinho G. Gabrieli. O sucessor deste último no cargo foi Monteverdi, o último compositor de renome internacional em San Marco. Depois, outros gênios ainda viveriam em Veneza mas sem relações diretas com a Basílica, como Barbara Strozzi (que, por ser mulher, jamais seria cogitada Maestrina di Capella della Serenissima Republica) e Vivaldi.
Como explica Adrien Mabire nas notas, o programa do disco se baseia nas obras de G. Gabrieli publicadas nos “Concerti” de 1587 e nas “Sacrae Symphoniae” de 1597. Ele mostra a gênese das grandes peças para coro simples e duplo, arte tipicamente veneziana, com o objetivo de restituir a essa música sua forma original, na qual vozes e instrumentos se misturam. Para nos ajudar a imaginar as influências sobra Giovanni Gabrieli, além de sua educação com seu tio e com Roland de Lassus, adicionamos três peças de outros compositores. Primeiro o Magnificat de Claudio Merulo. Este último era organista em San Marco quando os dois Gabrieli ali trabalhavam, é evidente o impacto de sua obra sobre Giovanni. Em seguida a canção de Adrian Willaert (1490-1562), mestre de capela em San Marco e professor de Andrea Gabrieli, canção que representa aqui uma pausa nas obras de igreja. Para fechar, uma pequena peça humorística de Roland de Lassus, com quem Giovanni trabalhou em Munique de 1575 a 1579, apenas cinco ou seis anos antes das primeiras composições de G. Gabrieli aqui gravadas. Ao contrário de outras gravações desse repertório, o conjunto aqui presente é mais reduzido, com seis cantores, quatro sopros e órgão. Nos motetos para mais de seis vozes, são os instrumentos que tocam as partes vocais, prática comum na época em que essa música era ouvida em grandes celebrações na Basílica de San Marco.
GLORIA A VENEZIA !
CLAUDIO MERULO (1533-1604)
1. Magnificat 5’38
GIOVANNI GABRIELI (1557-1612)
2. Canzon terza a 4 1’50
3. Ego Dixi a 7 2’42
4. Beati immaculati a 8 2’42
GIOSSEFO GUAMI (1542-1611)
5. Canzon alla francese « La Lucchesina » 2’46
G. GABRIELI
6. Inclina Domine a 6 3’20
7. O magnum mysterium a 10 2’50
8. Canzon quarta a 4 2’26
9. Jubilate deo a 8 3’22
10. Deus, deus meus a 10 3’43
11. Ricercar per organo 1’49
12. Domine exaudi a 10 1’52
ADRIAN WILLAERT (1490-1562)
13. Le dur travail 1’21
G. GABRIELI
14. Surrexit pastor bonus a 10 2’37
15. Canzon seconda 2’36
16. Beata es virgo maria a 6 3’24
17. Canzon « La Spiritata » a 4 3’00
18. Angelus ad pastores a 12 2’42
ROLAND DE LASSUS (1532-1594)
19. Lucescit iam o socii 2’58
La Guilde des Mercenaires
Adrien Mabire, direction et cornet
Chanteurs:
Violaine Le Chenadec, soprano; Anaïs Bertrand, mezzo soprano; Marnix De Cat, contre-ténor; Marc Mauillon, baryton-basse; Renaud Bres, baryton-basse; Marc Busnel, basse
Instrumentistes:
Benoit Tainturier – cornet
Juan Gonzales Martinez, Arnaud Bretecher, Abel Rohrbach – trombones
Jean-Luc Ho – orgue
Enregistré à la Chapelle Royale de Versailles, France, 2019
Dois CDs dedicados à música para teclado do norte da Itália por volta de 1590-1600. Veneza: “tão única no mundo e tão estranha que parece saída de um sonho”, nas palavras de Juan del Encina por volta de 1500. Naquela época, ao mesmo tempo que começava lentamente a perder protagonismo comercial para as caravelas do comércio atlântico, Veneza mantinha-se como uma cidade notável por sua mistura de influências de todo o Mediterrâneo e especialmente da metade oriental daquele mar. Ao mesmo tempo, uma inovação recente havia se firmado há poucos anos: a impressão em papel. É preciso lembrar que a Bíblia de Gutenberg é de 1455, e que poucas décadas depois tanto Veneza quanto Roma já contavam com dezenas de casas comerciais que imprimiam – sabe-se lá o quê! Livros religiosos, seculares, talvez listas de mercadorias e também música, talvez nem tanta música em 1500, mas sem dúvida muita música mais para o fim daquele século.
Em 1600, Veneza seguia única com seus palácios de estilo meio gótico, meio bizantino, meio árabe – as três metades se equlibravam sobre as águas da laguna meio que por mágica, mas também por técnicas milenares. E seguia sendo uma das cidades com mais casas de impressão na Europa. Este disco traz obras para cravo impressas em Veneza entre 1588 e 1621: a música puramente instrumental apenas começava a ser escrita e publicada, ao contrário da vocal que já tinha tradição de manuscritos por monges e padres da idade média. Não é um acaso que a difusão da imprensa tenha coexistido com essa ideia nova e revolucionária de se registrar no papel música instrumental.
No disco da Harmonia Mundi, temos alguns dos primeiros compositores a publicarem obras impressas (e não só manuscritas) para instrumentos de teclado. Alguns deles – Facoli, Radino, Picchi – escreveram volumes de obras ligeiras, danças e coisas do tipo, que dão um interessante panorama de como devia ser a vida musical em Veneza e região vizinha por volta de 1600.
Andrea Gabrieli e Claudio Merulo já são outra coisa, compará-los com esses outros citados é como comparar duas grandes árvores com pequenas flores. A flor tem beleza, aroma, simpatia, mas uma árvore de dezenas de metros, cheia de galhos mas também cipós e epífitas, insetos e pássaros em sua copa, isso é algo mais próximo da complexidade da escrita de A. Gabrieli, cheia de encontros e desencontros de diferentes vozes em contraponto e outras sutilezas.
Andrea Gabrieli sucedeu ao seu professor, o franco-flamenco Adrian Willaert (morto em 1562) no cargo de responsável pela música da Basílica de San Marco. Muitos estrangeiros vinham escutar a música de San Marco e, se possível, aprender um pouco com Willaert, A. Gabrieli e, depois, com seu sobrinho G. Gabrieli, outro importante compositor de Veneza. Ambos foram organistas na Basílica de São Marcos, isso é bem documentado, mas a atividade deles tocando cravo ou clavicórdio em casas, palácios e jardins já é um assunto sobre o qual podemos apenas sonhar. O volume “Canzoni alla francesa & Ricercari Ariosi libro Quinto”, como o nome indica, reunia obras de A. Gabrieli que se baseavam em melodias de canções, fossem elas de origem popular ou inventadas pelo compositor. O princípio é simples como uma semente, mas dele se originavam exuberantes árvores sonoras.
Sobre Andrea Gabrieli, as notas do CD nos informam: compositor prolífico e respeitado, ele reune em sua música para teclado as heranças dos polifonistas franco-flamencos e a da música espanhola para órgão, a mais evoluída do século XVI com compositores como Antonio de Cabezòn e Juan Bermudo. O seu “Pass’e mezzo Antico” está mais próximo de certas obras espanholas do que do “Pass’e mezzo” de Picchi, de estilo bem mais solto. Gabrieli faz um rico trabalho imitativo, caracterizado, ao mesmo tempo, mais por elegância do que por virtuosismo.
Andrea Gabrieli, além de organista, foi cantor no coro de San Marco quando jovem. De sua ligação com a polifonia vem provavelmente a predominância das formas imitativas. Ricercari e Canzoni são mais frequentes em sua obra do que a forma mais livre da Toccata, a qual tinha como mestre inigualável seu colega em San Marco, Claudio Merulo.
Gabrieli se baseou em uma célebre canção muito famosa naqueles tempos, “Suzanne un jour”, de Lassus, para transformá-la praticamente em uma Pavana – palavra derivada de Padoana, de Pádua, cidade próxima a Veneza – cheia de ornamentos. Para dar uma ideia da distância entre a [i] canzon de Gabrieli e o modelo vocal, o disco apresenta uma versão da canção de Lassus, originalmente para cinco vozes, apenas com a parte de soprano cantada por Kiehr. Era comum naquela época essa prática de improvisos e passagi que traziam apenas uma distância lembrança da canção original.
O disco termina com uma Toccata de Claudio Merulo: embora nascido na Emilia-Romagna (região italiana situada entre Veneza e a Toscana), ele permaneceu em Veneza como organista em San Marco por quase 30 anos, e foi ali que ficou famoso também como compositor, fazendo música para os nobres de Veneza e também comparecendo em Florença no casamento de Franceso de’ Medici como embaixador da Serenissima República de Veneza. Ele foi inovador sobretudo nas suas toccatas, com alternância de momentos polifônicos e passagi brilhantes de virtuosismo. Isso significa que ele alternava, na mesma composição, momentos de contraponto elaborado sob certas regras e momentos bastante livres. Esse estilo influenciou as Toccatas de italianos como Frescobaldi e A. Scarlatti e ainda as de gente de terras distantes como Sweelinck na Holanda, Buxtehude e J.S. Bach na Alemanha.
A toccata de Merulo aqui presente foi publicado no seu segundo livro de “Toccate d’Intavolatura d’organo”. Intavolatura significa introdução. Esse nome, equivalente ao de “Prelúdio” em séculos seguintes, indicava que boa parte da música instrumental publicada era compreendida como introdução a um “Prato Principal” que costumava ser a música vocal, fosse ela sacra ou profana.
Marco Facoli (séc. XVI)
1-10. Peças de “Il secondo Libro d’Intavolatura di Balli d’Arpicordo (Veneza, 1588)
Aria della Comedia nuovo, Aria della Marchetta Schiavonetta,
Aria della Signora Livia, Padoana prima dita Marucina, Aria della Signora Fior d’Amor, Aria della Signora Ortensia,
Aria della Signora Michiela, Padoana quarta dita Marchetta à doi modi, Napolitana “Deh pastorella cara”, Napolitana “S’io m’accorgo ben mio”
Andrea Gabrieli (ca. 1510-1586)
11-12. Peças de “Il Terzo Libro de Ricercari (Veneza, 1596)
Pass’e mezzo antico in cinque modi variati, Ricercar del secondo tono
Giovanni Maria Radino (séc XVI – após 1607)
13-17. Peças de “Il primo Libro d’Intavolatura di Balli d’Arpicordo (Veneza, 1592)
Gagliarda seconda, Gagliarda prima, Padoana prima, Gagliarda terza, Gagliarda quarta,
Orlando di Lasso (1532-1594)
18. Peça de “Mellange d’Orlande de Lassus” (Le Roy & Ballard, 1570)
Susanne ung jour (G. Guerault), chanson
Andrea Gabrieli (ca. 1510-1586)
19-20. Peças de Canzoni alla francese & Ricercari Ariosi, Libro Quinto (Veneza, 1605)
Canzon deta “Suzanne un iour” d’Orlando Lasso, Canzon deta “Frais et Galliard” di Crequillon
Giovanni Picchi (fin do séc. XVI – início séc. XVII)
21-28. Peças de “Intavolatura di Balli d’Arpicordi” (Veneza, 1621)
Ballo ditto il Steffanin, Todescha con il suo Balletto, Ballo ditto il Picchi, Padoana ditta La Ongara, Ballo ongaro con il suo Balletto, Ballo alla Polacha con il suo Saltarello, Pass’e mezzo, Saltarello del Pass’e Mezzo
Claudio Merulo (1533-1604)
29. Peça das “Toccate d’Intavolatura d’organo, Libro Secondo”
Toccata Seconda
Jean-Marc Aymes – cravos fabricados por Philippe Humeau, cópias de Giovanni Antonio (Veneza, 1579) e anônimo italiano
Faixa 29: claviorganum por Philippe Humeau e Etienne Fouss
Faixas 9, 10, 18: Maria-Cristina Kiehr, soprano
Os dois livros que nos transmitiram as toccatas de Merulo foram publicados pelo autor, que também era editor de partituras. Sabemos que, de maneira geral, a escrita musical se transformou progressivamente e se enriqueceu de novos sinais gráficos a fim de permitir uma melhor transmissão das intenções do autor para o intérprete. Certos compositores sentiram este exigêncie de precisão com mais acuidade do que outros, e Merulo certamente foi um destes: ao contrário de Frescobaldi, porém, ele não utilizou, para alcançar tal objetivo, indicações dinâmicas ou agógicas, ou prefácios explicando o que a página musical não podia conter. Ele colocou seu pensamento unicamente na notação escrita, que articulou através de uma variedade de ritmos e de agrupamentos de notas absolutamente sem igual.
Merulo obriga assim o intérprete a se equilibrar entre, de um lado, a precisão da escrita musical e, de outro lado, seu renome como improvisador, o que faz pensar em interpretações fundamentalmente livres e inventivas. Sua precisão de escrita, da fato, poderia facilmente afastar o intérprete em nosso século do espírito original das obras, preocupado apenas com a realização meticulosa de cada detalhe. Mas se consideramos as partituras […] como a tradução escrita de alguma coisa que escapa à notação musical tradicional, então o intérprete alcança um leque fascinante de possibilidades, o que lhe permite recriar o clima de improviso que esteve presente no nascimento dessas obras. É, então, a busca por um equilíbrio delcado entre a fidelidade ao texto e a liberdade de interpretação que me conduziu ao longo da execução dessas obras sedutoras.
(Fabio Bonizzoni, 1997)
Fabio Bonizzoni, cravo veneziano (anon.), fim do século XVI & órgão da Madonna di Campagna em Ponte in Valtellina, 1519-1589
(venetian harpsichord, anon., end of 16th c. & organ from Ponte in Valtellina, 1519-1589)
Nada no mundo se assemelha à Basílica de San Marco. Na França há umas dez catedrais no mesmo estilo gótico de Notre-Dame de Paris, com torres altas e vitrais exuberantes, algumas delas maiores e mais altas como em Chartres, Amiens, Beauvais, Strasbourg. Mais perto de nós, as igrejas de Ouro Preto, Mariana, Congonhas formam um estilo barroco mineiro, não tão diferente de outras em Salvador, Rio de Janeiro, etc.
Mas a Basílica de San Marco, em Veneza, não tem nada parecido: para começo de conversa, até 1807 San Marco não era a catedral, era a igreja dos Doges de Veneza, mas muito maior, mais rica e influente do que a catedral onde quem mandava era o bispo. Com essa predominância dos Doges sobre a hierarquia eclesiástica, formou-se uma igreja única no mundo, com uma riqueza de mosaicos dourados, abóbodas de estilo bizantino/islâmico e estátuas de cavalos do século IV a.C. roubados de Constantinopla em uma cruzada. Há também o túmulo do evangelista São Marcos, roubado de Alexandria no século 9, com base no “manda quem pode”, e naquela época Veneza podia muito.
Giovani Gabrieli compôs a maior parte de sua música tendo em mente o ambiente da Basílica, com uma organização espacial bem específica: o público na nave central da igreja e os músicos nas laterais, divididos em dois coros (due cori), sendo que coro aqui não necessariamente é um grupo de cantores, pode ser também de instrumentistas – a ideia de orquestra começa a surgir mais ou menos na geração seguinte, com Monteverdi. Ou seja, se hoje imaginamos sempre uma orquestra com os instrumentistas juntos de frente para o público, não quer dizer que isso sempre tenha sido uma obviedade: por volta de 1600, em Veneza (e nas várias cidades influenciadas por Veneza, que era um polo comercial e de impressão de partituras), a ideia de música a due cori, com dois grupos de músicos/cantores e o público no meio, era muito comum e atingiu seu auge na música de Gabrieli. Na maioria de suas obras, um coro ou grupo instrumental é ouvido de um lado, seguido por uma resposta dos músicos do outro lado. Às vezes havia um terceiro grupo em outro lugar da igreja. Willaert já havia usado esse estilo policoral, e a acústica da Basílica de San Marco produz efeitos impressionantes quando os músicos estao corretamente posicionados. Essa divisão dos grupos de instrumentistas também influenciou o concerto grosso e outras formas concertantes alguns anos depois.
Gabrieli compôs pouca música secular, quase toda quando bem jovem; na sua maturidade, se concentrou em música para ser tocada na igreja, o que não significa apenas música vocal. Dois grandes compilados de sua música, misturando motetos, música instrumental e coisas do tipo, foram publicados com o nome Sacrae symphoniae, nome também usado pelo alemão Heinrich Schütz em 1629. Outra inovação de Gabrieli: ele foi o primeiro – embora talvez tenha havido precursores que se perderam – a anotar a dinâmica em suas partituras, como na famosa Sonata pian’ e forte.
O tipo de conjunto de metais usado por Gabrieli produz um som grandioso, poderoso, que certamente convinha aos Doges de Veneza. Não custa lembrar que o Doge (mal traduzindo, Duque, mas o cargo não era hereditário), era o manda-chuva na Basílica de San Marco, com os padres leais a ele mais do que ao Papa. Essa música de metais pode ser ouvida também em metade da ópera Orfeu, de Monteverdi (1567-1643), com a outra metade, mais pastoral, dominada pela orquestra de cordas.
A música de Gabrieli, contudo, não reinava sozinha em San Marco. Versões com dois coros da Missa eram raras. Um ano após a entrada de Monteverdi em 1613 como maestro di cappella, foram feitas novas cópias de missas de Lassus, Morales, Palestrina e Soriano. Podemos assumir, então, que a Missa Ordinária era frequentemente cantada no estilo polifônico mais comum do Renascimento, apenas para vozes. Os textos de G. Gabrieli não costumam seguir a liturgia comum (do Kyrie ao Agnus Dei), mas sem dúvida suas obras ornamentavam os serviços nos momentos em que música extra-litúrgica era requerida. A entrada e a saída cerimonial do Doge, o Ofertório, a Elevação, a Comunhão eram momentos nos quais havia música vocal ou instrumental.
A música instrumental, como forma artística elaborada e difundida por meio de partituras, era uma coisa muito recente naquela época. Provavelmente o veneziano G. Gabrieli e o romano Frescobaldi (1583-1643) foram os primeiros nomes a se tornarem famosos internacionalmente com música instrumental, graças também à difusão da imprensa, não se esqueçam que antes era tudo manuscrito. A. Gabrieli (tio do Giovani), por exemplo, era organista também na Basílica de San Marco e compôs algumas obras para órgão, algumas são ouvidas neste disco, mas são peças curtas, com função de tapa-buraco antes ou depois da missa, e provavelmente tudo escrito à mão, nada indica que foram impressas durante a vida de Andrea, e não se espalharam por toda a Europa como se espalhariam, anos depois, as partituras de seu sobrinho.
A música vocal, por outro lado, tinha uma antiquíssima tradição nos mosteiros e catedrais medievais e renascentistas. O flamenco Orlande de Lassus, que aparece neste álbum com sua Missa Congratulamini Mihi, estava seguindo mais ou menos os mesmos caminhos de seu contemporâneo Palestrina (c. 1525-1594) a partir da tradição da polifonia dos franceses e flamencos como Josquin des Prez (c. 1450-1521). Já a música instrumental de G. Gabrieli se aventurava por mares nunca dantes navegados.
Andrea Gabrieli (1533-1585), Giovani Gabrieli (1553-1612), Orlande de Lassus (1532-1594), Claudio Merulo (1533-1604), Cesare Bendinelli (1567-1617) – Domingo de Páscoa em Veneza, circa 1600
01 Merulo: Toccata Prima del Quinto Tono
02 A. Gabrieli: Maria Stabat ad Momentum
03 Quem Quaeritis
04 C. Bendinelli: Tocada … Con Vitoria
05 Surrexit Christus
06 G. Gabrieli: Surrexit Christus a11
07 Introitus – Resurrexi et Adhuc Tecum Sum, Alleluia
08 A. Gabrieli: Intonatione del Quinto Tono
09 O. de Lassus: Missa Congratulamini Mihi – Kyrie a6
10 O. de Lassus: Missa Congratulamini Mihi – Gloria a6
11 Oratio – Dominus Vobiscum…
12 Epistola – Lectio Epistolae Beati Pauli Apostoli ad Cor.Fratres…
13 G. Gabrieli: Canzon VIII a8
14 Sequenta – Victimae Paschali Laudes
15 Evangelium – Dominus Vobiscum…
16 G. Gabrieli: Hic Est Filius Dei a18
17 Prefatio – Per Omnia Saecula Saeculorum…
18 O. de Lassus: Missa Congratulamini Mihi – Sanctus a6
19 G. Gabrieli: Sonata Octavi Toni 12 – Elevatio
20 Pater Noster – Per Omnia Saecula Saeculorum…
21 O. de Lassus: Missa Congratulamini Mihi – Agnus Dei a6
22 G. Gabrieli: Canzon XVII a12
23 Postcommunio – Dominus Vobiscum…
24 Ite Missa Est
25 Benedictio
26 Illustrissimus et Reverendissimus in Christo Pater….
27 G. Gabrieli: Regina Coeli a12
28 Oratio – Gaude et Laetare Virgo Maria, Alleluia…
29 Merulo: Congedo – Toccata Settima del Ottavo Tono
30 G. Gabrieli: Sonata con Voce – Dulcis Jesu a20
Gabrieli Consort & Players, com instrumentos de época Paul McCreesh, maestro Gravado na Catedral de Ely, Cambridgeshire, UK, 1996
Desejo uma Feliz Páscoa para nós todos e todas, com um pouquinho de esperança de que os tempos de confinamento tenham ficado para trás e de que eles tenham sido minimamente agradáveis com a ajuda das artes, como expressou um caríssimo leitor-ouvinte no comentário abaixo:
Em confinamento, o que abre janelas e arrebenta portais é a música.
E vós, do PQPBach, sois os porteiros.
Estou convosco a cada dia, obrigado por fazerdes-me mais livre, mesmo sem sair de casa!
Rameau
Este é mais um arquivo que nos foi repassado pelo querido amigo pequepiano WMR.
IM-PER-DÍ-VEL para quem gosta de música antiga e barroca.
Gostei muito deste disco onde fica clara a postura absolutamente experimental da obra de Merulo, um mestre indiscutível. Ouvi os três CDs com grande prazer. O caráter das peças é sempre diverso, não é mais do mesmo. É uma maluquice minha, mas gosto dos barulhos de carpintaria, isto é, dos mecanismos do órgão. Aqui se ouve tudo, a música e o arfar do instrumento. É inacreditável pensar que tudo isto foi feito durante a Renascença.
Claudio Merulo (1553-1604): Toccatas Completas para Órgão
Este é mais um arquivo que nos foi repassado pelo pequepiano WMR.
Claudio Merulo foi um mestre. Este disco é realmente muito bom. As interpretações do Quoniam e do De Labyrintho são excelentes — trata-se de uma gravação convincente e eufônica –, demonstrando um autor inspirado e autenticamente erudito, se me entendem. Merulo foi famoso por suas habilidades como organista, mas aqui temos apenas composições para coral e orquestra (ou grupo instrumental). Jamais pense num disco chato de música religiosa renascentista, a coisa aqui é colorida, bonita e variada.
Claudio Merulo (1533-1604): Mottetti e Ricercari
1 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Haec est Domus Dei 1:38
2 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Tribulationem et dolorem 2:35
3 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: O Crux benedicta 2:08
4 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Domine, si adhuc populo 1:45
5 Toccata del settimo tono ‘O admirabile commercium’ 2:34
6 Liber primus sacrarum cantionum: Hodie Spiritus Sanctus 1:55
7 Ricercari da cantare: Ricercare decimo a quattro 3:18
8 Liber primus sacrarum cantionum: Hodie Spiritus Sanctus 2:35
9 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Tanquam aurum in fornace 1:39
10 Liber primus sacrarum cantionum: Maximum hoc omnium 2:22
11 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Vos qui reliquistis omnia 2:05
12 Ricercari da cantare: Ricercare primo a quattro 3:17
13 Liber primus sacrarum cantionum: Ascendens Christus in altum (Instrumental Version) 1:40
14 Liber primus sacrarum cantionum: Ascendens Christus in altum 1:49
15 Liber primus sacrarum cantionum: Sancti et justi 1:41
16 Liber primus sacrarum cantionum: Ave Maria 2:45
17 Ricercari da cantare: Ricercare vigesimo a quattro 4:15
18 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Pax vobis, ego sum 2:12
19 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Haec est Virgo prudens 1:17
20 Liber secundus sacrarum cantionum quinque vocum: Gaude, felix parens Hispania 1:49
Quoniam Ensemble
De Labyrintho Ensemble
Paolo Tognon
Walter Testolin
Este é mais um arquivo que nos foi repassado pelo pequepiano WMR.
Alto nível. Gostei bem mais deste CD duplo do que do quádruplo que postamos há uma semana. Creio que a diferença não é somente a música, mas também a qualidade do organista e do som do órgão de Frédéric Muñoz quando comparado com os mesmos itens de Stefano Molardi. As obras são Missas para coro e órgão. Raras vezes (ou nunca) ambos intervêm juntos, o que causa um efeito e tanto. O clima é variado e sempre adequado ao texto. O som do órgão não forma aquele entediante paredão que parece tapar nossos ouvidos até matá-los por sufocamento. É música de devoção, sensível a contextos, sem ser o mero mais do mesmo de tanta música religiosa. Merulo era um renascentista batuta.
Claudio Merulo (1533-1604): Missa Virginis Mariae / Toccata / Magnificat
Disc 1 Toccata decima del 10 tono
1. Toccata decima del 10 tono 00:13:37
Merulo, Claudio
Missa Virginis Mariae
2. Kyrie 00:09:15
3. Gloria 00:25:23
Disc 2 Missa Virginis Mariae
1. Credo Angelorum 00:10:28
2. Sanctus 00:11:18
3. Agnus Dei 00:08:53
Este é mais um arquivo que nos foi repassado pelo pequepiano WMR.
Claudio Merulo foi um compositor, editor e organista italiano do final da Renascença, conhecido por sua música inovadora para órgão. Ele nasceu em Correggio e morreu em Parma. Nascido Claudio Merlotti, ele latinizou seu sobrenome (que significa pequeno melro) quando se tornou famoso em clubes culturais de Veneza. Suas Toccatas, em particular, são inovadoras. Muitas vezes, suas peças começam como se fossem uma transcrição de polifonia vocal, mas gradualmente adicionam ornamentos até chegarem a passagens de considerável virtuosismo. Às vezes, ele desenvolve acompanhamentos que adquirem o status de temas. Isso antecipa o barroco. Muitas vezes, Merulo ignora a voz principal, dando à música uma intensidade expressiva mais associada à escola tardia de madrigalistas do que à música de sua época. Sua música para órgão foi extremamente influente e suas idéias podem ser ouvidas na música de Sweelinck, Frescobaldi e outros.
Claudio Merulo (1533-1604): Obras Completas para Órgão
CD1
1 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata prima 5:23
2 Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar del secondo tuono 8:28
3 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Gratiosa 4:11
4 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: Petit Jacquet 4:54
5 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Leonora 3:04
6 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata terza 4:56
7 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 2: Toccata terza 4:50
8 Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar dell’ottavo tuono 6:53
9 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Cortese 4:03
10 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata quinta 3:33
11 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Seula 4:45
12 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Pazza 2:50
13 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 2: Toccata prima 5:51
CD2
1 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 2: Toccata quarta 6:26
2 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Radivila 4:14
3 Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar del terzo tuono 8:47
4 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: L’Arconadia 2:53
5 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Palma 2:33
6 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Scarampa 3:26
7 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 2: Toccata settima 7:41
8 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata nona 5:36
9 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 3: Content 6:07
10 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 3: Languissans 8:03
11 Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar del settimo tuono 7:59
12 Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Pargoletta 3:18
13 Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata ottava 6:32
CD3
1. Toccate d’intavolatura d organo, Book 2: Toccata nona
2. Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar dell’undecimo tuno
3. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 3: Onques amour
4. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Rolanda
5. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Ironica
6. Toccate d’intavolatura d organo, Book 2: Toccata quinta
7. Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata quarta
8. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Jolette
9. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Zambeccara
10. Toccata del terzo tuono
11. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Benvenuta
12. Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar dell duodecimo tuono
13. Toccate d’intavolatura d organo, Book 2: Toccata decima
14. Toccate d’intavolatura d organo, Book 2: Toccata sesta
15. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: L’Alberagata
16. Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar del primo tuono
17. Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata seconda
18. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: La Rosa
CD4
1. Toccate d’intavolatura d organo, Book 2 (excerpts)
2. Toccata seconda
3. Toccata ottava
4. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 1: La Bovia
5. Ricercari d’intavolatura d’organo, Book 1: Ricercar del quarto tuono
6. Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata sesta
7. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 2: Petite Camusette
8. Canzoni d’intavolatura d’organo fatte alla francese, Book 3: Susanne un jour
9. Toccate d’intavolatura d’organo, Book 1: Toccata settima
As obras deste CD não são nenhuma maravilha, apesar do esforço de Fabio Bonizzoni para dar-lhes sobrevida. Muitas vezes a gente confunde o barroco inicial com a explosão de compositores e criatividade do barroco final. Aqui, o destaque é Giovanni Picchi, um compositor, organista, lutenista e cravista. Ele era um seguidor tardio da Escola veneziana, e influenciou o desenvolvimento e a diferenciação de formas instrumentais que apenas começavam a aparecer, como a sonata. Além disso, ele era o único veneziano de seu tempo para escrever música de dança para cravo. OK, era um pioneiro, mas não tinha muita magia, por assim dizer. Indicado apenas para tarados por barroco.
GIOVANNI PICCHI (1571-1643)
1 Passo e Mezo
2 Saltarello del detto
3 Toccata
4 Passo e Mezo
SPERINDIO BERTOLDO (c.1530-1570)
5 Toccata
GIOVANNI PICCHI (Intavolatura di Balli d’Arpicordo, 1621)
6 Pass’e mezzo
7 Saltarello del Pass’e mezzo
8 Ballo ditto il Pichi
9 Ballo ditto il Stefanin
10 Ballo alla Polacha
11 Ballo Ongaro
12 Todescha
13 Padoana ditta la Ongara
GIOSEFFO GUAMI (1540-1611)
14 Toccata (Il Transilvano, 1593)
GIOVANNI GABRIELI (c.1555-1612)
15 Canzon La Spiritata (Il Transilvano, 1593)
CLAUDIO MERULO (1533-1604)
16 Toccata VII (Toccate d’intavolatura… Libro primo, 1598)
ANNIBALE PADOVANO (1527-1575)
17 Ricercar del 61/4 tono alla terza (Toccate et Ricercari, 1604)
18 Toccata 61/4 tono (Toccate et Ricercari, 1604)
VINCENZO BELL’HAVER (d. 1587)
19 Toccata (Il Transilvano, 1593)
MARTINO PESENTI (c.1600-c.1648)
20 Suite di danze (Il primo libro delli correnti alla francese, 1635)