A música na corte de D. João VI
Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 (CPM 106) & Credo em si bemol (CPM 129).
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O Kyrie da missa é tripartido. Na primeira parte, Kyrie eleison, já temos o José Maurício bastante característico. Uma escrita vocal homofônica, em contraposição à escrita da orquestra bastante refinada e com riqueza de timbres, variando sobre um tema que se repete e se transforma. Como movimento intermediário, um extenso e impressionante fugato no Christe eleison. É um momento que realmente se consolida como uma sofisticação da mesma forma já utilizada nas duas missa anteriores. É um fugato com stretto e pedal que prepara a volta do Kyrie, apresentado como uma volta simplificada à primeira parte, seguida de uma pequena coda que finaliza o movimento.
No Gloria in excelsis, a introdução da orquestra é brilhante e festiva, sendo a mais extensa presente em obra sua até então. O coro em uníssono, remete a uma figura temática que será usada sobre mesmo texto na Missa pastoril de 1811, abrindo a escrita do coro a quatro vozes quando na repetição da palavra Gloria, e intercalado com intervenções do tenor solista. O Et in terra pax, em andamento mais lento, caracteriza-se pelos diálogos entre as madeiras e pela utilização dos cantores solistas, ligando-se diretamente a uma repetição do Gloria anterior, porém sem a introdução orquestral, que se encaminha para a coda final.
O Laudamus te é uma ária para soprano em dois movimentos: Andante e Allegro. É uma das árias mais sofisticadas que José Maurício escreveu. Ainda distante da extrema virtuosidade do mesmo trecho na Missa de Santa Cecília, de 1826, a escrita vocal está muito mais próxima da utilizada no moteto para soprano solo e orquestra Te Christe solum novimus, de 1801. É rica em modulações e coloraturas, porém sem os extremos de extensão exigidas na de Santa Cecília.
O Gratias agimus tibi é bipartido. O movimento lento, sofisticado nos diálogos das madeiras com o restante da orquestra e coro, prepara o Allegretto do Propter magnam gloriam, que será caracterizado por uma escrita contrapontística que remete a uma forma de fugato bastante simplificado. Este recurso é utilizado pelo compositor em muitas de suas obras. Um exemplo pode ser encontrado na Missa de N. Sra. do Carmo, de 1818, no mesmo momento litúrgico.
O Domine Deus é um exemplo único de sexteto solista nestes moldes em sua produção, caracteriza-se pelo virtuosismo de forte influência operística. Numa escrita vocal que remete a de compositores como Perez e Jomelli, é a estréia de um modelo de escrita para conjuntos solistas que estará presente em suas obras mais significativas. Neste movimento podemos encontrar elementos melódicos que serão utilizados em obras posteriores, como no Te Deum, de 1811.
O Qui tollis é uma ária em dois movimentos para tenor e coro concertato. A primeira parte, Andante sostenuto em sol menor, é totalmente “modinheira” na sua escrita melódica e na ambientação. O tema apresentado pelos fagotes e depois repetido pelo tenor se assemelha ao tema que será usado na introdução do Dignare Domine do Te Deum de 1811. A segunda parte pode ser considerada uma cabaletta ao estilo das óperas belcantiscas de Jomelli e Marcos Portugal.
O Qui sedes é um dueto para tenor e contralto, que mais uma vez mostra as possibilidades técnicas dos cantores da Real Capela, principalmente dos castratti.
O Quoniam é uma grande ária para baixo, escrita provavelmente para o grande cantor João dos Reis Pereira, para o qual José Maurício escreverá ainda grandes solos, principalmente o Quoniam da Missa de Santa Cecília. É o primeiro grande solo de baixo escrito por José Maurício, com coloraturas de extrema dificuldade e uma escrita orquestral em que é bem evidente o já referido trabalho de orquestração operando entre violoncelos e fagotes. A idéia melódica dos violinos na segunda parte remete a uma mesma idéia melódica utilizada na Abertura Zemira, em mi bemol maior, mesmo tom da ária.
O Cum Sancto Spiritu é talvez um dos momentos mais surpreendentes e felizes da produção mauriciana. Uma introdução lenta precede a maior e mais bem acabada fuga escrita por José Maurício. Com 218 compassos de extensão, é a prova contundente da assimilação do estilo e da linguagem grandiloqüente da Real Capela. Esta fuga surpreende pelas várias seções e progressões harmônicas que se sucedem, sem diminuir o interesse. Após o pedal, o compositor se utiliza de uma de suas marcas registradas em outros momentos de finalização de obras com fugatos: a inserção de um tema de caráter popular, cantado em uníssono pelo coro, dialogado com a orquestra. A fuga final da Missa da Conceição faz com que caia por terra a idéia pejorativa de que estes fugatos, antes ditos mauricianos, seriam a forma de escrever fugas de alguém que não teve uma formação contrapontística adequada. Isto ocorre ao vermos que estas fugas não tiveram como modelos as centro européias, difundas por Bach e Handel e que influenciaram Mozart e Haydn, sendo vistas pelas escolas alemãs de musicologia (Musikwissenschaft), no início do séc. XX, como o modelo “correto” a ser seguido. Na realidade, este tipo de fuga era o mesmo utilizado pelos napolitanos Jomelli e Perez, que serviram de modelo para brasileiros e portugueses, representando uma visão mais moderna e iluminista da forma clássica de fuga, de acordo com a idéia da simplificação do discurso musical para atender a funcionalidade.
O Credo em Si bemol (C.P.M. 129), sem data, é uma obra bem menos pretensiosa do ponto de vista de extensão e dificuldades técnicas que a Missa da Conceição. Cada texto litúrgico é tratado dentro de uma forma musical bastante concisa. A orquestração é a mesma usada para a missa, o que dá mais brilho à obra.
O Credo in unum Deum é entoado em gregoriano. Segue o Patrem omnipotenten, com um tema em uníssono apresentado pela orquestra e depois pelo coro. Esta idéia permeia toda a obra, numa espécie de rondó, vindo a ser repetida em outros momentos, deste e dos outros movimentos.
O Et incarnatus est é um pequeno solo de soprano que prepara o Cruxifixus para vozes, flautas, fagotes e trompas somente – instrumentação esta bastante peculiar. Segue-se o Et ressurexit, vindo a finalizar o movimento com o Et vitam venturi numa espécie de alla breve, em que José Maurício utiliza novamente tema de cunho popular.
O Sanctus é dividido em quatro partes: uma pequena introdução, seguida por um breve fugato em Hosana in excelsis. O Benedictus para solistas segue a prática mauriciana de ser bastante breve, não ultrapassando os 15 compassos. Após o qual, repete-se o Hosana in excelsis.
O Agnus Dei utiliza a mesma idéia musical do início do Credo, o que dá um sentido de unidade à obra. Finaliza o movimento em grande tranqüilidade, com elementos melódicos nas cordas, que remetem às obras de sua primeira fase.
(Maestro Ricardo Bernardes, cuja excelente e completa análise desta obra está AQUI)
Palhinha: ouça 01 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 1. Kyrie
.Missa de Nossa Senhora da Conceição e Credo
Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830, Rio de Janeiro, RJ)
01 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 1. Kyrie
02 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 2. Gloria
03 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 3. Laudamus
04 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 4. Gratias
05 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 5. Domine Deus
06 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 6. Qui Tollis
07 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 7. Qui Sedes
08 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 8. Quoniam
09 – Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro de 1810 – 9. Cum Sancto Spiritu
10 – Credo em si bemol – 1. Credo
11 – Credo em si bemol – 2. Et Incarnatus
12 – Credo em si bemol – 3. Crucifixus
13 – Credo em si bemol – 4. Et Ressurrexit
14 – Credo em si bemol – 5. Cujus Regni
15 – Credo em si bemol – 6. Et Vitam Venturi
16 – Credo em si bemol – 7. Sanctus
17 – Credo em si bemol – 8. Hosanna
18 – Credo em si bemol – 9. Benedictus
19 – Credo em si bemol – 10. Hosanna
20 – Credo em si bemol – 11. Agnus Dei
Missa de Nossa Senhora da Conceição e Credo – 2008
Orquestra Sinfônica Brasileira da Cidade do Rio de Janeiro, maestro Roberto Minczuk
Coro Sinfônico do Rio de Janeiro, maestro Julio Moretzsohn
História, vida, discografia do Pe. José Maurício, AQUI
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XLD RIP | FLAC 279,9 MB | HQ Scans 9,9 MB |
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MP3 320 kbps – 128,8 MB – 54,2 min
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Boa audição.
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Avicenna