Hoje, como não estou para brincadeira, vou logo sacando minha pistola e desferindo estampidos estraçalhadores; lampejos de fogo e fumaça polvorenta podem se verificar saindo do coldre. Claro, estou brincando. Estou usando essa linguagem bélica, marcial, de combate, para deixar claro que este CD é estonteante. O Shosta de Rostropovich emociona. Existe um rasgo trágico e de silêncio nas obras de Shostakovich que me prende a ele. Não é música para saraus e sim para velórios. Para reflexões firmes e atordoantes. Música para embalar eventos tenebrosos. Shosta foi um artista que soube como ninguém transpor para a sua arte os gritos de agonia que pervagavam em sua alma. E Stálin sabia impigir terror. Quando a agressão não era física, surgia de forma psicológica. Imagine você viver em um país em que as liberdades democráticas são suspensas – “em sentido burguês”, para usar um termo de Caio Prado Jr.

Em todos os locais há “olheiros” a vigiarem os seus paços. A sensação de que tudo aquilo que você fala ao telefone está sendo ouvido por uma terceira pessoa. Que para sair do país é preciso pedir autorização das autoridades que regem o Estado. Ao voltar de sua viagem, seu passaporte é recolhido. De repente você nota que seus familiares, conhecidos e amigos estão sumindo misteriosamente. Uma onda impetuosa parece avançar em sua direção. Todos são levados, arrastados por ela, que não se detém em obstáculos. Você vive com o medo na alma. Uma sensação de asfixia lhe invade. Aquilo que você faz é vistoriado por olhos invisíveis. Uma serpente que não se mostra, que não pode ser apunhalada, envolve-lhe a cintura. Esmaga-lhe os ossos. Comprime as suas energias. Nem mesmo o sono você consegue divisar. O único meio que existe de você verbalizar qualquer coisa é com a arte, que deve ser direcionada para determinados fins. Era assim que Shosta vivia na União Soviética. Sob Stálin, Shosta amargou horas de intensa agonia. Alex Ross conta-nos um episódio bastante ilustrativo para mostrar como Shostakovich vivia. Em 1949, Shosta foi ao Estados Unidos – enviado por Stálin – e foi feito de “mártir” – e logo ele, o grande Shosta! Durate uma conferência promovida por certos grupos, que davam ensejo às primeiras disputas ideológicas durante a Guerra Fria, Shosta fez um discurso e alguém leu para ele. “O pronunciamento atacou Stravinski por ter traído sua Rússia natal e se aliado às hordas dos modernistas reacionários. ‘Seu começo foi promissor, mas […] suas aridez moral se revela em seus escritos abertamente niilistas, deixando claras a falta de sentido e a ausência de conteúdo de suas criações. Stravinski não tem medo desse profundo abismo espiritual que o separa da vida do povo’. O discurso prosseguiu denunciando ‘novos aspirantes à dominação mundial, agora empenhados em reviver a teoria e a prática do fascismo’. Essa ‘camarilha de semeadores de discórdias’ – provavelmente os guerreiros frios da administração Truman – estava engajado no desenvolvimento de armas de destruição em massa que barravam o caminho para a paz mundial”. E uma dose de execessiva de humilhação a Shosta foi encetada por um tal Nabokov, seu desafeto e inimigo do comunismo. Ross diz assim: “O fato de saber que Shostakovich não tinha liberdade para se expressar não evitou que Nabokov o forçasse a falar. O imigrante se levantou e perguntou se Shostakovich endossava a condenação de Jdánov a compositores como Stravinski, Schoenberg e Hindmith. Shostakovich não teve escolha a não ser responder: “Estou de pleno acordo com as afirmações feitas pelo Pravda”. Décadas depois, Arthur Miller era atormentado pela lembrança daquele momento de humilhação para Shostakovich: : ‘Deus sabe o que ele estava pensando naquele recinto, que rachaduras fendiam o seu espiríto'”. Não deixe de ouvir. Boa apreciação!
Dmitri Shostakovich (1906-1975) – Concerto para violino e orquestra No. 1 em Lá menor, Op. 77 (Op.99) e Concerto para violino e orquestra No. 2 em Dó sustenido menor, Op. 129
Concerto para violino e orquestra No. 1 em Lá menor, Op. 77 (Op.99)
01. Nocturne: Moderato
02. Scherzo: Allegro
03. Passacaglia: Andante
04. Burlesque: Allegro con brio
Concerto para violino e orquestra No. 2 em Dó sustenido menor, Op. 129
05. Moderato
06. Adagio
07. Adagio – Allegro
London Symphony Orchestra
Mstilav Rostropovich, regente
Maxin Vengerov, violino
Carlinus


Frédéric Chopin era de ascendência francesa e polonês de nascimento, mas, como observou o poeta Heinrich Heine, “sua verdadeira pátria era a poesia”. De fato, nenhum compositor corresponde melhor ao conceito romântico de personalidade poética do que Chopin, com sua figura meiga, esbelto, delicado, um tanto efeminado, porém languidamente atraente para muitas mulheres. Apesar de reservado e contido socialmente, sua correspondência revela uma mente apaixonada e brilhante.
Faltam apenas dois dias para começar o maior espetáculo da Terra, palpites à parte, o que interessa aqui é a música, e com essa postagem quero revelar o meu interesse pela música marcial e solene das nações. Nesta seleção, feita especialmente para essa copa, temos representados alguns dos mais belos hinos nacionais já compostos. Infelizmente muitos outros não puderam fazer parte desta lista; esses ficarão para uma outra oportunidade. Aqui, tomei a iniciativa de selecionar os hinos de todos os países que farão parte da Copa do Mundo de 2010. Retirados de uma caixa com 8 cds, lançada em 2005, intitulada “
Se passássemos o olhar pelas biografias, comentários, críticas ou estudos sobre músicos e suas obras, veríamos com surpresa como a palavra “gênio” e seus derivados inundam uma boa parte desses escritos, disseminados com uma generosidade completamente injustificada na maior parte dos casos. Adjetivar assim é uma mania utilizada em excesso, chegando às raias do louvor exagerado, fastidioso e, o que é pior, injustificável. A genialidade, infelizmente, é um dom que raramente faz parte da produção humana de ideias, na arte em geral e deveria guardar-se para aqueles escassos seres humanos que realmente a merecem. Se fizéssemos um inventário das personagens que habitam a história da música, veríamos que, dentre os milhares de bons músicos, compositores e intérpretes, muitos realizam um trabalho meritório, de qualidade, de expressão mais ou menos clara das ideias que expõem ou interpretam na escrita ou na leitura, e que por vezes atingem elevadas formas de expressão, mas são muito poucos, dia mesmo raros, os que transmitem uma visão pessoal, um ideal próprio e, na interpretação, uma compreensão que vai além do que está escrito, sendo capazes de revelar o que subsiste diante da quase sempre insuficiente forma de expressão desses sentimentos. Há que considerar que a interpretação da música é uma forma de criação nada fácil, e que, quando é somente leitura e não existe uma personalidade na maneira de pôr em foco, de transmitir, a música que lemos, a criatividade está ausente e não damos à interpretação toda a profundidade que existe em uma ideia musical, pequena ou grande, e porque na criação pura, a composição, também existe maior diversidade de categorias e que nessa diversidade o título de gênio, genial etc. pode e deve aplicar-se com cuidado.