Alessandro Scarlatti (1660-1725): Obra completa para teclado – CD 7 de 7

Nascido na Sicília, Alessandro Scarlatti se mudou para Roma ainda adolescente, após a morte do pai. Em 1678, aos 18 anos, foi nomeado organista e mestre de capela na igreja San Giacomo degli Incurabili. Em 1682, foi nomeado organista em outra igreja romana, S. Girolamo della Carità. Em 1683 deixou esse posto ao se mudar pela primeira vez para Nápoles. Ao longo de toda sua vida, seriam várias idas e vindas no trecho Roma-Nápoles, cidades distantes cerca de 200 km, ou seja, metade da distância entre São Paulo e Rio de Janeiro. Em outro período em Roma (1703-1708), já muito famoso e protegido por alguns influentes cardeais, Alessandro Scarlatti era contratado para tocar órgão na igreja de Santa Maria Maggiore, uma das maiores de Roma. Ele também tocou em muitas igrejas em Nápoles, embora, como já dissemos, a música que ele escreveu para órgão seja quase toda sem finalidade religiosa. Sem dúvida ele improvisava durante ou após as missas e outras cerimônias católicas, mas isso era algo tão comum e esperado como o calor do sol no verão romano, de forma que ninguém se preocupou em anotar as improvisações do Signor Cavalieri Scarlatti. Ele próprio parece ter se preocupado mais em pôr no papel sua música sem finalidade religiosa: toccatas com um número indefinido de movimentos, além de fugas avulsas e, em menor número, outros movimentos avulsos como arpeggios, vivaces, etc. e que também podem se unir para formar toccatas ao gosto do intérprete. Neste último volume da integral de suas obras para teclado, temos fugas aos montes, que parecem ter tido também um papel didático. Como sabemos, o estilo contrapuntístico da música vocal de Palestrina (1525-1594) virou uma espécie de “estilo oficial” da Igreja Católica Romana, a ser ensinado e difundido. Não é muito claro se Alessandro atuava como professor de música em algumas ou em todas as igrejas de Roma e Nápoles onde trabalhou, de fato os registros que restaram nesse sentido são poucos e levam a crer que os alunos foram poucos, em comparação por exemplo com Vivaldi que passou cerca de 30 anos cuidando das atividades orquestrais e da educação musical de um orfanato e convento em Veneza. O ganha-pão principal de Alessandro parece ter sido como compositor de óperas e cantatas para diversos palcos, com representações sobretudo em Roma, Nápoles, Florença e Veneza, mas ao mesmo tempo na maior parte de sua vida as atividades de organista e mestre de capela em igrejas sempre ajudavam a equilibrar o orçamento. Nisso, como também em outros sentidos, A.Scarlatti pode ser comparado a Mozart: se o primeiro ficou apenas alguns anos em cada igreja, sem criar vínculos estreitos com nenhuma delas mas compondo várias missas e oratórios sacros, Mozart aos 25 anos se livra da submissão ao arcebispo de Salzburgo e ambos vão viver compondo várias óperas por ano, além de comporem e tocarem para uma série de protetores ricos, fazendo música de câmara e o que mais fosse lhes garantir o sustento.

As fugas de A.Scarlatti são um pouco mais curtas e menos rígidas do que as de J.S.Bach, mas ainda assim cheias de temas e contratemas se imitando: a imitação é mais um estilo do que uma série de regras fixas. Algumas de suas modulações, segundo os especialistas, vão em desacordo com as convenções harmônicas de seus contemporâneos, e ele deixa claro em um manuscrito seus motivos: “Perchè fa buon sentire”, ou seja, porque soa bem. No mesmo sentido, seu filho Domenico Scarlatti dizia ter quebrado todas as regras em suas obras, mas perguntava, segundo Burney: esses desvios ofendem o ouvido? Essa parecia ser a principal regra para Scarlatti pai e filho: as outras regras eles conheciam muito bem, apenas para quebrá-las melhor.

Não surpreende, então, que o pai tenha composto dezenas de toccatas e o filho, centenas de sonatas, nas quais podiam exercitar com liberdade suas preferências harmônicas e melódicas. Ao contrário do estilo imitativo das fugas, as toccatas muitas vezes têm um início exploratório de uma única voz, que me faz imaginar o músico se sentando ao teclado e fazendo um improviso inicial (ou ainda: um prelúdio) enquanto as pessoas ao seu redor terminam as conversas e as bebidas antes de se virarem para o lado do salão onde está o cravo. Sim, porque na época barroca o cravo era um instrumento mais familiar, para plateias de amigos e parentes, ao contrário do órgão, que existia em duas versões: o órgão positivo, móvel, e o órgão de igreja, fixo. Era na igreja e na ópera que o músico tocava para multidões.

Também Bach, na Fantasia Cromática, na Fantasia BWV 922 e outras fantasias para cravo reunidas em um belo disco por Andreas Staier, assim como na famosa Toccata e Fuga em Ré Menor para órgão, utiliza esse tipo de início exploratório de uma única voz. As fantasias e toccatas de Bach, assim como as toccatas de A. Scarlatti e os préludes non mésurés de L.Couperin e de E.Jacquet de la Guerre eram, portanto, música para os amigos do instrumentista ou para os amigos dos patrões… E para os amigos é mais fácil improvisar, experimentar, inventar novidades do que em um palco ou catedral com mais de mil pessoas, concordam?

Cavalieri Alessandro Scarlatti

Esta sétima e última etapa da integral gravada por Francesco Tasini se abre com 15 fugas, todas elas de um único manuscrito de Nápoles com o título “Quindici Fughe a Due” (ou 15 fugas em duas partes), que aparentemente era uma coleção para o ensino de contraponto. O segundo disco (este é o único volume da integral em disco duplo), voltamos às toccatas em vários movimentos, além de um conjunto de variações (partite, em português: partes) sobre um tema. As três últimas tocatas são tocadas no cravo, incluindo obras que Tasini já havia gravado no órgão (a última faixa desse vol.7, por exemplo, é a toccata em mi maior que abriu o vol.5) e é interessante ver as diferenças entre a execução nos dois instrumentos.

Confesso que essa opção de Francesco Tasini de gravar tantas fugas juntas não me agradou tanto quanto os volumes anteriores, nos quais as fugas avulsas se encontram rodeadas de muitas toccatas e algumas variações. Nessa integral a ordem das composições sempre teve como princípio a fantasia e vontade do intérprete, inclusive pela falta de dados confiáveis sobre a ordem cronológica das obras ou sobre se Alessandro Scarlatti pretendia publicar algumas delas juntas em uma ordem específica (provavelmente não pretendia).

Para pôr um ponto final nessa abordagem da obra para cravo e órgão de Alessandro Scarlatti, é curioso notar que seu filho Domenico (1685-1757), especialmente no fim da vida, compôs centenas de sonatas para teclado, muitas delas caracterizadas por um cantabile riquíssimo, utilizando melodias italianas e ibéricas de forma a fazer o cravo ou pianoforte cantar como depois faria Chopin, outro fã do bel canto italiano, mas que compunha quase só para teclado. Alessandro Scarlatti, por outro lado, foi um grande compositor de música vocal, muito maior nesse gênero que seu filho, então podemos imaginar que ele utilizou suas melodias mais cantabile em suas centenas de cantatas, mais de cem óperas, dezenas de oratórios e missas, enquanto o cravo, para ele, era o instrumento privilegiado para as invenções harmônicas, modulações, liberdade rítmica, moto perpetuo, improvisos e outros tipos de fantasia (sublinhemos sempre essa palavra, típica da época do compositor), fantasias que a voz humana seria incapaz de alcançar.

Alessandro Scarlatti (1660-1725): Obra completa para teclado, vol. 7

1-15. Quindici Fughe a Due
16. Varie [12] partite obbligate al basso in Do maggiore
17. Andante in Do maggiore
18. Fuga in Do maggiore
19. Tastatura in Do maggiore ([Arpeggio], [Allegro])
20. Toccata per cembalo in La maggiore (Arr. for Organ) ([Allegro], [Allegro], [Partira alla Lombarda])
21. Toccata in Sol maggiore ([Allegro], [Andante])
22. Toccata No. 9 in Sol maggiore (Arpeggio, Allegro, Presto, Allegro)
23. Toccata 4a in Mi minore (Allegro, Adagio, Minuetto / Allegro)
Francesco Tasini – organo Carlo Serassi (1836), chiesa di S. Maria di Campagna, Piacenza, Italia; clavicembalo di anonimo, Ferrara, sec. XVIII

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Domenico Scarlatti foi titular desse órgão de 1582 na Basílica de São Pedro do Vaticano de 1715 a 19, o que mostra a influência da família em Roma

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