Primeiramente, quero afirmar que há motivos de sobra para que você baixe e saia ouvindo esse CD imediatamente. (1) Temos a presença de Evgeny Mravinsky, um dos maiores e melhores regentes do século XX. Se a obra de Beethoven possui sisudez, seriedade, com Mravinsky essa característica chega a paroxismos. (2) A Sinfonia no. 1 é o trabalho de um Beethoven ainda jovem, mas capaz de proezas. Vemos nela todo rigor e maturidade que seria revelada na Terceira, na Quinta, na Sétima e na Nona, sendo que esta última é a vida transfigurada, a subida ao paraíso. A Sinfonia No. 1 possui belos momentos de reflexão, de seriedade e alegria. (3) Já a Terceira Sinfonia é um tratado moral, um livro cuja metafísica é o próprio mundo interior de Beethoven. A Marcha Fúnebre do segundo movimento sugere seriedade, meditação, crença no homem e toda sorte de idealismos possíveis. Tudo isso sendo construído com paisagens de silêncio. Música medíocre nos leva ao barulho, aos piores instintos; a boa música, por sua vez, nos remete ao silêncio. Convido você a baixar sua cabeça e meditar com Beethoven. Bom deleite!
Ludwig van Beethoven (1770-1827): Sinfonia No. 1, Op. 21 e Sinfonia No. 3, Op. 55 (Eroica) – Mravinsky
Sinfonia No. 1 in C major, Op. 21
01. Adagio molto: Allegro con brio
02. Andante cantabile con moto
03. Menuetto: Allegro molto e vivace
04. Adagio; Allegro molto e vivace
Sinfonia No. 3 em Mi bemol maior, Op. 55 – “Heróica”
05. Allegro con brio
06. Marcia funebre: Adagio assai
07. Scherzo: Allegro vivace
08. Finale: Allegro molto
Dando prosseguimento a esta bela e interessante série do selo Harmonia Mundi, hoje trago o maravilhoso Concerto para Piano em Lá Menor, op. 54, uma das obras mais gravadas e executadas na história da indústria fonográfica. E também um dos Concertos para Piano mais conhecidos. Adoro seu movimento final, sua força, seu brilho, um legítimo Allegro vivace. Já ouvi este Concerto dezenas, quiçá centenas de vezes, e meus intérpretes favoritos são Rubinstein dentre os Jurássicos, como René Denon classifica as gravações com mais de cinquenta anos, a divina Martha Argerich, que nosso incansável mestre Vassily postou dia destes, e o introspectivo Radu Lupu. Estes músicos tem como característica principal uma total e completa entrega, se jogando de corpo e alma, extraindo da obra toda a sua intensidade.
Em minha modesta opinião, Alexander Melnikov peca neste quesito, talvez por entender que em uma interpretação historicamente informada não caberia se expor tanto. Ouçam o que qualquer um dos pianistas citados acima fazem no Allegro vivace citado. E a orquestra idem. É uma explosão de energia, de vitalidade. Aqui, o resultado me soou um tanto quanto mecânico, sem a vitalidade necessária. Mas se trata de uma opinião pessoal. Há quem prefira este tipo de interpretação.
Schumann compôs seu concerto meio que aos trancos e barrancos, e sua estreia ocorreu em 4 de dezembro de 1845, sendo sua esposa Clara a solista e Ferdinand Hiller, a quem o Concerto seria dedicado, o condutor. Imediatamente a obra foi saudada como a principal já composta por Schumann, e já considerada uma obra prima.
Em se tratando de gravação do selo Harmonia Mundi, a qualidade da gravação sempre é excepcional, e o booklet altamente informativo. Recomendo fortemente sua leitura.
Robert Schumann (1810-1853) – Concerto para Piano in A Minor, Op. 54, Piano Trio No. 2 in F Major, Op. 80 – Melnikov, Faust, Queyras, Heras-Casado, Freiburger Barockorchester
01 – Piano Concerto in A Minor, Op. 54- I. Allegro affetuoso
02 – Piano Concerto in A Minor, Op. 54- II. Intermezzo. Andantino grazioso
03 – Piano Concerto in A Minor, Op. 54- III. Allegro vivace
Alexander Melnikov – Piano
Freiburger Barockorchester
Pablo Heras-Casado – Condutor
04 – Piano Trio No. 2 in F Major, Op. 80- I. Sehr lebhaft
05 – Piano Trio No. 2 in F Major, Op. 80- II. Mit innigem Ausdruck
06 – Piano Trio No. 2 in F Major, Op. 80- III. In mäßiger Bewegung
07 – Piano Trio No. 2 in F Major, Op. 80- IV. Nicht zu rasch
Alexander Melnikov – Piano
Isabelle Faust – Violino
Jean-Guihen Queyras – Violoncelo
Escrevo este textinho em 12 de junho, Dia dos Namorados, mas ele está programado para ir ao ar lá em 5 de julho, data em que está marcada a segunda dose de minha amada AstraZeneca, além de ser a dia de aniversário de minha mãe — ela faria 94 anos — e daquela pessoa que posso chamar de meu melhor amigo. Todas datas especiais, portanto. O disco do esplêndido Murray Perahia não tem nada a ver com isso. Mas é um bom disco, um disco, antes de tudo, inteligente. Ele explora os vários pontos fortes de Perahia. Estas peças exigem acima de tudo a capacidade de projetar e sustentar uma linha de canto, de moldar e dar forma a um som belo e cheio de nuances e de evocar a atmosfera de cada inspiração poética. Em suma, eles exigem um pianista com a sensibilidade e o temperamento de Perahia. Os Prelúdios Corais de Bach/Busoni são tocados com andamentos inteiramente naturais, não tão fúnebres como Nikolai Demidenko, mas nunca permitindo que os acompanhamentos, por mais floreados que sejam, soem apressados ou agitados. Na seleção de canções de Mendelssohn, Perahia jamais chafurda nas peças mais lentas — um pecado comum em pianistas que as interpretam. Ele consegue trazer um sorriso ao nosso rosto com o final espirituoso. De todas essas riquezas, no entanto, eu estava mais interessado nas transcrições das canções de Schubert/Liszt. Perahia, um schubertiano natural e pianista de calor e pureza lírica, parece-me um candidato óbvio para esses arranjos maravilhosos e os resultados são sempre envolventes. A poesia pura deste disco é algo para se alegrar e a arte de Perahia brilha em cada compasso.
Bach/Busoni, Mendelssohn, Schubert/Liszt: Canções sem Palavras (Songs Without Words — Perahia)
Johann Sebastian Bach / Ferruccio Busoni
1 “Wachet Auf, Ruft Uns Die Stimme,” BWV 645 3:24
2 “Nun Komm, Der Heiden Heiland,” BWV 659 4:14
3 “Nun Freut Euch, Lieben Christen,” BWV 734 2:03
4 “Ich Ruf’ Zu Dir, Herr Jesu Christ,” BWV 639 3:04
Felix Mendelssohn
Lieder Ohne Worte
5 Opus 19, No. 3 2:07
6 Opus 67, No. 2 1:57
7 Opus 30, No. 4 2:27
8 Opus 19, No. 1 3:14
9 Opus 19, No. 5 2:13
10 Opus 30, No. 6 2:54
11 Opus 38, No. 3 2:13
12 Opus 102, No. 5 1:12
13 Opus 38, No. 2 1:58
14 Opus 30, No. 2 1:57
15 Opus 67, No. 1 2:02
16 Opus 38, No. 6 3:08
17 Opus 67, No. 4 1:43
18 Opus 53, No. 4 2:25
19 Opus 62, No. 2 1:47
Franz Schubert / Franz Liszt
20 “Auf Dem Wasser Zu Singen” 3:52
21 “In Der Ferne” 6:35
22 “Ständchen” 5:17
23 “Erlkönig” 4:28
Era desejo deste que vos escreve postar esta série já há muito anos, porém, pelos mais diversos motivos, acabei esquecendo, e os CDs se perderam na bagunça de meu acervo. Lembro como fiquei entusiasmado com este projeto, afinal, três jovens instrumentistas se reuniam para apresentar uma nova leitura principalmente dos Concertos para Piano e para Violoncelo, interpretados sob a ótica das interpretações historicamente informadas. Não que fosse uma novidade para mim, lembrando da gravação que Phillippe Herreweghe fez destes dois concertos com dois outros experientes nomes desta escola, Christopher Coin e Andreas Staier, CD que também postei já há mais de uma década.
Começo trazendo o primeiro CD da série, com uma de minhas violinistas favoritas, Isabelle Faust, interpretando o Concerto para Violino, que tem uma história incrível, que contarei mais abaixo. Faust se estabeleceu nos últimos anos como uma das principais violinistas da atualidade, realizando gravações altamente elogiosas, que sempre que posso, trago para os senhores. Lembro aqui dos Concertos para Violino de Mozart que já na primeira audição identifiquei como uma das melhores gravações que já escutara daquelas obras, e tanto acertei que ela ganhou diversos prêmios, entre eles, o da prestigiosa revista Gramophone. Recentemente lançou mais um volume da série de Sonatas para Violino do mesmo Mozart, ao lado de seu parceiro Alexander Melnikov, CD que pretendo trazer assim que possível. E sempre pelo selo ‘Harmonia Mundi’, o que por si só já é garantia de qualidade.
Mas vamos contar a história do Concerto, muito curiosa, por sinal. Sabe-se que Robert Schumann era muito amigo de Joseph Joachim, o maior violinista de seu tempo, e também amigo de Brahms, mas isso é outra história. Conhecedor do talento de Robert, Joachim encomendou-lhe um Concerto para Violino, que gostaria de estrear. Eis um trecho da carta que o violinista mandou:
“Que o exemplo de Beethoven o inspire a produzir de sua ampla loja uma obra para os pobres violinistas, que, além da música de câmara, tão cruelmente carecem de composições edificantes para seu instrumento, ó maravilhoso guardião dos tesouros mais ricos!’
Schumann à época estava envolvido na composição de uma Fantasia também para Violino e Orquestra, porém aceitou a encomenda. Concluiu a respectiva Fantasia, e sua estreia foi um sucesso. E logo se envolveu na composição do Concerto, que concluiu e entregou a Joaquin, que já não demonstrava o mesmo interesse e entusiasmo anteriores. O texto abaixo foi livremente traduzido do booklet que acompanha o CD:
“Mas desta vez Joachim mostrou menos entusiasmo: embora ele tenha empreendido alguns ensaios com sua orquestra da corte de Hanover na presença do compositor, ele finalmente abandonou o projeto quando Schumann renunciou ao cargo de regente em Düsseldorf no final de outubro de 1853 em resposta à pressão da orquestra. A longa história de estigmatização fatal começou. Após a morte de Schumann, e em acordo com os desejos de sua viúva Clara, que se opôs firmemente à publicação do concerto como parte da edição completa de suas obras, o manuscrito foi transferido para a posse de Joachim. Mas ele também continuou a retê-lo, supostamente por acreditar que poderia detectar nele sinais de fraqueza composicional, que indicavam a incipiente doença psicológica de Schumann, um “certo cansaço” onde ele identificou um “contraste perturbador” com o resto da produção de seu amigo. Com a intenção, sem dúvida, bem intencionada de proteger a reputação artística de Schumann, Joachim deu um passo além e deixou instruções em seu testamento de que a peça não deveria ser executada nem publicada nos próximos cem anos. (…)”
Enfim, a obra ficou guardada com um editor, porém em 1937 foi publicada sob os auspícios de Joseph Goebbels, o temido chefe da GESTAPO, lembrando que os nazistas haviam banido o conhecidíssimo Concerto de Mendelssohn, pois esse tinha sangue judeu. A idéia era usar esse Concerto de Schumann como um elo de ligação entre o Concerto de Beethoven e o de Brahms, ignorando desta forma o de Mendelssohn. A obra foi estreada em novembro de 1937 pelo violinista Georg Kulenkampff, acompanhado pela Filarmônica de Berlim dirigida por Karl Böhm. Yehudi Menuhin a estreou em 1938, junto à Filarmônica de Nova Iorque, dirigida pelo maestro inglês John Barbirolli.
Não sou muito fã deste Concerto, o considero inconcluso, com muitas ideias esparsas, e nenhum norte, mas enfim, para quem não o conhece, ei-lo aí, nas mãos muito bem treinadas de Isabelle Faust, acompanhada pela Freiburger Barockorchester. A atitude de Joachin foi correta ao esconder a partitura? Não sei se após quase 170 anos possamos julgá-lo, nem a própria Clara, que melhor que ninguém conhecia as composições do marido. Com certeza, ao lado dos Concertos para Violoncelo e para Piano podemos considerar obra de menor qualidade.
PAra compensar, temos o Trio para Piano nº3, este sim, uma obra prima. Isabelle Faust tem como parceiros nesta obra o pianista Alexander Melnikov e o violoncelista Jean-Guilhen Queyras. Um trio de respeito, diga-se de passagem.
1. Violin Concerto in D Minor – I. In kräftigem, nicht zu schnellem Tempo
2. Violin Concerto in D Minor – II. Langsam
3. Violin Concerto in D Minor – III. Lebhaft, doch nicht schnell
4. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – I. Bewegt, doch nicht zu rasch
5. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – II. Ziemlich langsam
6. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – III. Rasch
7. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – IV. Kräftig, mit Humor
Isabele Faust – Violino
Alexander Melnikov – Piano
Jean-Guilhen Queyras – Violoncelo
Freiburger Barockorchester
Pablo Heras-Casado – Condutor
A história de hoje tem um príncipe que morreu jovem, na flor da idade, como se costumava dizer. Ele tinha tudo para passar essencialmente anônimo para a posteridade, mas a sorte o colocou em contato com o genial Johann Sebastian Bach. Em troca, ele colocou Bach em contato com outro tipo de genial compositor, que morava mais ao sul, na bem mais ensolarada e colorida Veneza.
O príncipe Johann Ernst von Sachsen-Weimar era sobrinho do Duque Wilhelm Ernst, patrão de Bach em sua estada em Weinmar entre 1708 e 1717.
Johann Ernst era um talentoso músico e foi aluno de Johann Gottfried Walther, organista de Weinmar e aparentado de Bach. Em 1711, Ernst foi estudar na Universidade de Utrecht, na Holanda, onde ouviu organistas tocando transcrições para órgão de concertos de compositores italianos, cujas publicações eram feitas na Holanda.
Ao retornar a Weinmar, Johann Ernst levou consigo vários destes concertos que a seu pedido foram transcritos para cravo ou para órgão por Walther e por Bach.
Neste disco, um dos que ainda tenho das gravações para órgão feitas por Simon Preston para a Deutsche Grammophon, temos 4,3333… concertos transcritos por Bach para órgão. Há três que eram originalmente de Vivaldi (as indicações dos concertos originais estão logo a seguir, na relação das faixas) e um concerto e um movimento de concerto que foram originalmente compostos pelo jovem e talentoso príncipe. Lamentavelmente, ao fim de 1713 o príncipe adoeceu e morreu perto de um ano depois.
É possível que Bach entrasse em contato com a música de Vivaldi e de outros compositores italianos mesmo que não tivesse conhecido o príncipe, mas gosto de pensar que o mesmo ajudou nisto e maior tributo do que ter suas próprias obras (mesmo que mais modestas do que as do mestre italiano) transcritas por Bach não pode haver.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto para Órgão em ré menor, BWV 596
(Transcrição do Concerto Op. 3, No. 11 em ré menor, RV 565, de Vivaldi)
[…]
Grave
Fuga
Largo e spiccato
[…]
Concerto para Órgão em lá menor, BWV 593
(Transcrição do Concerto Op. 3, No. 8 em lá menor, RV 522, de Vivaldi)
[…]
Adagio
Allegro
Concerto para Órgão em dó maior, BWV 594
(Transcrição do Concerto ‘Grosso Mogul’, em ré maior, RV 208, de Vivaldi)
[…]
Adagio
Allegro
Concerto em sol maior, BWV 592
(Transcrição do Concerto em sol maior, do Príncipe Johann Ernst)
[…]
Grave
Presto
Concerto em dó maior, BWV 595
(Transcrição do Primeiro Movimento do Concerto em dó maior, do Príncipe Johann Ernst)
A crítica deste disco em uma das edições do Penguin Guide é bem ‘inglesa’: It was Prince Johann Ernst who introduce Bach to the Italian string concertos; […] The two Ernst works show a lively and inventive if not original musicianship. The performances are first class and the recording admirably lucid and clear, yet with an attractively resonant ambience.
Está esperando o que, ande, aproveite, é primeira classe…
Há um ano, Rosana Martins nos deixava. Muito querida por todos que a conheceram, ela teve um papel muito importante na história do piano brasileiro, tanto por seu trabalho junto ao selo Connoisseur Society, responsável pela maior parte das gravações do grande Antonio Guedes Barbosa (1943-1993), quanto como produtora de “Meu Piano”, a memorável coleção de 41 CDs gravados por Arthur Moreira Lima que levou um vasto repertório pianístico, a preços muito acessíveis, a um público brasileiro que o desconhecia. Rosana tinha estreito contato com grandes nomes da música em todo mundo, e era especialmente próxima de Nelson Freire, a quem muito apoiou como empresária e grande amiga.
Meu contato com Rosana, ainda que breve e estritamente virtual, deixou-me as melhores lembranças: foi uma das primeiras integrantes de um grupo que criei na internet para lembrar Antonio Guedes Barbosa, que abastecia com memórias de seu contato com o extraordinário artista pessoense. Quem frequentava os fóruns sobre piano nas redes sociais não demorava a encontrar suas contribuições e fascinantes mementos de outros encontros memoráveis.
Nossa homenagem a Rosana, no entanto, traz um precioso registro de sua própria carreira como pianista. Criança-prodígio, ela venceu, aos doze anos, o Concurso Internacional das Juventudes Musicais em Berlim, o que acabou por lhe abrir portas para estudos no exterior. Não lhes saberei contar a trajetória tão bem quanto ela própria nessa entrevista ao incansável, indispensável Alexandre Dias, diretor do Instituto Piano Brasileiro (você ainda não apoia o IPB? Pois deveria):
Rosana deixou os estudos pianísticos aos 18 anos, para dedicar-se a seus outros interesses, mas voltou ao teclado aos 21 para fazer a gravação que lhes alcançamos agora. Realizada pelo selo Connoisseur Society, e tendo como engenheiro de som Péter Bartók (o filho do próprio), este registro de duas das mais célebres sonatas de Amadeus recebeu resenhas entusiasmadas e láureas quando de seu lançamento, em 1969. Permaneceu no limbo por décadas – assim como permanece, inexplicavelmente, quase todo precioso acervo da Connoisseur Society – até vir à tona novamente há alguns anos, num popular canal pianístico do YouTube, atestando a grandeza da mui modesta Rosana como pianista, para os tantos que, como eu, a desconheciam. A leitura, como ouvirão, é extraordinária – clara, transparente, impecável! -, e aqui está, creio, numa qualidade sonora melhor que a de todas outras fontes disponíveis nas redes: a digitalização, feita a partir dum LP que estava lacrado até o ano passado, foi-me alcançada por um generoso melômano e leitor-ouvinte dos Estados Unidos, que escolheu permanecer anônimo e a quem agradeço demais pela contribuição à memória de Rosana e para o deleite de PQPianos de todo mundo!
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Sonata para piano em Lá maior, K.331
1 – Andante grazioso
2 – Menuetto
3 – Alla turca – Allegretto
Sonata para piano em Fá maior, K.332
4 – Allegro
5 – Adagio
6 – Allegro Assai
BÔNUS: O triunfo da menina Rosana no concurso da FIJM em Berlim levou-a a gravar Schumann (Papillons, Op. 2) e Debussy (“Poissons d’Or”) com a Deutsche Grammophon em Hannover, para o álbum comemorativo. Para escutar o prodígio de doze anos, clique AQUI.
[em tempo: no mesmo concurso e na categoria etária imediatamente acima daquela de Rosana, a medalha de prata foi para uma garota portuguesa chamada… Maria João]
Este disco é uma pérola! Adoro este repertório e tudo aqui está excelente. Imagine que você seja um pianista dono de uma soberba musicalidade, técnica poderosa, tenha uma imaginação vibrante e possua uma profunda paixão… Suponha ainda que disponha de uma gravadora interessada em produzir um álbum com o repertório que você escolheu e que você disponha de um ambiente ideal – familiar e tecnicamente impecável – com condições ideais para as gravações. Tudo para resultar assim em um dico primoroso.
Pois foi o que aconteceu aqui. O pianista Jorge Federico Osorio tem todas as qualificações listadas acima, segundo o livreto e como você poderá confirmar ao ouvir o disco. Ele mora em Chicago onde exerce as carreiras artística e acadêmica – é professor da Roosevelt University’s Chicago College of Performing Arts. A gravadora Cedille Records, de Chicago, tem por objetivo promover os artistas locais, criando assim as condições ideais para a produção do disco que foi gravado no Reva and David Logan Center of Arts da Universidade de Chicago em janeiro de 2020.
O programa consiste em oito prelúdios de Debussy e mais duas peças de outras coleções e são típicas da sonoridade que associamos à música francesa. O livreto diz: A fascinação de Debussy com as sonoridades do piano inspirara a criação de seus prelúdios. Eles podem ser ouvidos como experimentos sonoros: quais são as possibilidades das harmonias cromáticas e escalas não tradicionais?
Osorio fez suas escolhas entre as peças e as coloca na ordem que lhe agrada, o que acrescenta uma dose de surpresa na sequência. Começamos com a belíssima e extrovertida peça chamada Les collines d’Anacapri e passamos para a mais introvertida La terrasse des audiences du clair de lune. Para continuar no clima, Clair de lune, possivelmente a peça mais conhecida de Debussy, o movimento lento da Suíte Bergamasque. Mais beleza com a irrequieta peça Ce qu’a vu le d’Ouest seguida do segundo dos prelúdios, Voiles. Depois, ouvir o prelúdio da Catedral Submersa seguido de Fogos de Artifício é de tirar o fôlego. Osorio sai do universo de Debussy pisando em Fuilles mortes para entrar no clima dos precursores de música francesa para teclado com três lindas peças de Rameau, compostas originalmente para cravo.
Dai em diante, as origens latinas do pianista muito provavelmente entraram em consonância com o fascínio que os compositores franceses tinham com a música de origem espanhola. O clima fica ibérico com a Habanera de Chabrier, La Puerta del Vino e La soirée dans Grenade de Debussy e passa para a Alborada del gracioso de Ravel.
O disco se fecha assim como foi aberto, com uma Pavane. A peça da abertura é de Fauré e para completar, Ravel. Ótima hora e um quarto de excelente música.
What appears to be a hodgepodge of French pieces actually emerges as a carefully crafted program. […] All told, an enjoyable and well-put-together recital.
… he [Osorio] plays with beauty and charm, a delicate touch, and a genuine grace, with expressive, nuanced singing in his piano playing. He is a richly expressive piano virtuoso of international fame, and in my experience has never demonstrated anything but sensitive, immaculate, committed, passionate playing, a most-refined pianist whose best work comes in expressively lyrical passages.
Producer James Ginsburg and Cedille’s ace engineer Bill Maylone recorded the music in the Reva and David Logan Center for the Arts at the University of Chicago in January 2020. The sound is gorgeous: not too sharp or bright; not too dull or soft. It simply sounds like a real piano in a real hall setting, with just the right amount of ambient bloom, room acoustics, and lifelike detail to bring it to life.
Aproveite!
René Denon
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