Maior compositor italiano de seu tempo, Verdi seguiu tradição de quase três séculos — desde Monteverdi e Vivaldi, até Rossini e Donizetti. E aos 34 anos, projetava-se na Europa, recebendo convites para novas óperas. “I Masnadieri”, primeiro contrato internacional, veio de Londres e estreou no “Her Majesty’s Theater”, onde o músico foi aclamado pelo público e recebido com honras…
Verdi encantou-se com Londres, a pujança econômica, as docas e os arredores, os campos e o povo, apesar do clima… Mas, se a fumaça e o “fog” londrinos o afetavam, impressionavam-lhe a limpeza das casas e educação das pessoas…
De Paris, o convite veio da “Académie Royale” ou “Opéra de Paris”, que ocupou a “Salle Peletier” até o incêndio de 1873, que a destruiu – o atual “Opéra” ou “Opéra Garnier” sucedeu aquele espaço, sendo inaugurado em 1875. À época, o diretor Leon Pillet propôs uma nova ópera à Verdi, que já havia encenado “Nabucco” e “Ernani” no “Théâtre-Italien”…
Porém, no lugar de trabalho inédito, Verdi propôs revisão de “I Lombardi alla prima Crociata” – sua 4ª ópera, que não havia estreado em Paris e entender o texto mais apropriado à tradução francesa… A que denominou “Jerusalém”, atualmente sua 12ª ópera…
Aconselhado pelo escritor Eugène Scribe, Verdi concordou que o libreto francês ficasse com Alphonse Royer e Gustave Vaez, que haviam trabalhado com Donizetti… Em Paris, a tradição italiana vinha do século XVII. E na Itália, os experimentos em Florença, no final do séc. XVI, do teatro “Comunale” e “Camerata di Bardi”, deram origem ao “melodrama” e depois à “ópera”. Assim, desde a “Dafne”, de Peri, 1597, primeiro drama musicado; até o magnífico “Orfeu”, de Monteverdi, o gênero firmava-se como típica invenção italiana, ganhando a Europa e o mundo.
– “Théâtre-Italien” em Paris
Assim, as primeiras óperas apresentadas na França foram italianas. E por Iniciativa da regente Anne d’Autriche e do primeiro ministro, cardeal Mazarin, organizou-se o “Théâtre-Italien” em Paris, sec. XVII. Tratava-se, portanto, de uma companhia que, ao longo do tempo, ocuparia diversos espaços na capital francesa. São exemplos, “La finta pazza”, de Sacrati, encenada na “Salle du Petit-Bourbon”, 1645; ou“Egisto”, de Cavalli, e “Orfeo”, de Rossi, ambas no “Palais-Royal”, 1646-47…
Estética e tradição francesa iniciariam a partir de 1669, pelo trabalho do poeta Pierre Perrin, quando fundou a “Académie d’Opéra”, no reinado de Louis XIV… Na “Salle du Jeu de Paume de La Boutelle” foi apresentada a primeira ópera francesa – “Pomone”, de Cambert, com grande sucesso. Desde o início, o modelo implicava na associação do canto à dança e, sendo uma concessão de estado, dependia da cobrança de ingressos. Em 1672, perseguido por credores, Perrin vendeu os direitos à Jean-Baptiste Lully, italiano naturalizado francês, que tornou-se detentor do projeto na França, encenando sua “opéra-ballet” e depois a “tragédie lyrique”…
Assim, a presença de estilos diversos estimulou rivalidades. E, no séc. XVIII, “La Serva Padrona”, de Pergolesi, 1752, surpreenderia o público francês. A apresentação ocorreu na “Académie Royale”, sede da ópera francesa, o que desencadeou, além de ressentimentos, uma revolução estética – o despojamento e personagens humanos, no lugar da complexidade dos temas mitológicos, marcariam a transição do barroco para o classicismo. E Paris sediaria a famosa “Querelle des Bouffons”, um aguerrido debate entre os partidários de Rameau – da “tragédie lyrique” francesa; e os de Rousseau – da leveza italiana…
E a vitalidade do “Théâtre-Italien” adentraria o sec. XIX, então denominado “Opéra Buffa” ou “Buffons”, sob liderança da atriz Mademoiselle Montansier. A companhia instalou-se na “Salle Favart” – atual “l’Opéra-Comique”, entre 1802-04; ocupou a “Salle Louvois” até 1808; e, finalmente, o “Théâtre de l’Odéon” até 1815. Óperas de Cimarosa e Paisiello, além de Mozart em italiano, com “Mariage de Figaro”, “Cosi fan Tutte” e “Don Giovanni”, foram encenadas nestas salas…
Em Paris, Rossini estreou com “L’Italiana em Algeri”, 1817, na “Salle Favart”, seguida de “Il barbiere di Siviglia” e outras, na “Salle Louvois”, tornando-se, mais tarde, seu diretor. Suas óperas eram tão populares, que lotavam também a “Salle Le Peletier”, sede da ópera francesa, com “La gazza Ladra” e “La donna del Lago”. Dominando a cena parisiense, Rossini apresentou a 1ª ópera de Meyerbeer em Paris, “Il crociato in Egitto”. E, nesta época, com habilidade e generosidade, o mestre do “bel canto” tanto dialogava com a grande ópera francesa, quanto colaborava com “Théâtre-Italien”, onde apresentou Bellini, Donizetti e Mercadante – magistral programação que tornaria Paris referência europeia…
De 1841 a 1878, o “Théâtre-Italien” instalou-se na “Salle Ventadour”, palco de quase todas as óperas de Verdi na França, como “Rigoletto”, “Il trovatore” e “La traviata”. Assim, o jovem Verdi incorporava-se à longa tradição, com grande apreço pelos antecessores. A apresentação de “Jerusalém”, no entanto, foi convite da “Académie Royale” e, portanto, ocorreu na “Salle Le Peletier”. Além disto, Verdi tinha motivos pessoais para estar em Paris: encontrar Giuseppina Strepponi – a “Abigaille” na estreia de “Nabucco”, que se tornaria segunda esposa e companheira por 50 anos…
– “Verdi em Paris”
Nesta ocasião, Verdi havia concluído duas óperas, “Macbeth” e “I Masnadieri”, trabalhava em “Il Corsaro” e iniciava “La battaglia di Legnano”. Além do libreto de “Luisa Miller” e do recorrente tema de “Rei Lear”, que nunca concretizou em música…
Ao propor revisão de “I Lombardi”, possivelmente, Verdi sentia-se extenuado para iniciar novo trabalho. Até então, um jovem compositor, que produzia incessantemente – ao que chamaria, mais tarde, os “anos nas galés”… E, se a ópera tornara-se uma indústria musical que lhe trazia bons rendimentos, havia o estresse das produções e trato com empresários e libretistas – o texto importava, sobretudo, ao que Verdi chamava de “parola scenica”, expressões que sintetizavam e intensificavam determinados momentos do drama, tais como “fatalità!”, “maledizione!”, “schiava!” e outras…
Para este nível de expressão, a escolha do elenco era primordial. O sucesso não dependia exclusivamente da música, mas de ensaios e compreensão do drama – Verdi rompera com o teatro “alla Scala” de Milão, pelo que entendia descuido nas produções. Assim, necessitava conciliar datas e locais com agenda dos solistas – artistas afinados aos personagens e características vocais… Contratempos e desconfianças, em geral, o assolavam, embora contando com a dedicação de Emanuele Muzio, amigo e assistente…
Amigo de toda a vida e único aluno, Emanuele Muzio, compositor e regente, foi contratado como “amanuense”, colaborando no intrincado trabalho de copiar e organizar as partes musicais, além de dirigir óperas de Verdi em Bruxelas, Londres e Nova York. Do mestre italiano, Muzio diria: “Verdi tem espírito amplo, generosidade e sabedoria”… “se pudesse nos ver, mais pareço um amigo, do que seu aluno”…
Neste período, vencido o desafio da estreia londrina de “I Masnadieri”, permanecer em Paris, trabalhar em “Jerusalém” e outros projetos, ao lado de Giuseppina, parecia o melhor dos mundos… Verdi alugou um imóvel a poucos metros da residência de Giuseppina e comentários chegavam à Milão… E, de fato, em seguida Verdi alugaria uma casa em Passy, onde moraram juntos e, de volta à Itália, aproximaram as famílias na cidade natal de Verdi, vila “Le Roncole”…
Com “Jerusalém”, Verdi iniciou profícuo diálogo comos palcos franceses, com desdobramentos nas décadas seguintes. E sua música ganhou maior amplitude harmônica e instrumental. Mais tarde, “Jerusalém” seria traduzida para o italiano, mas a preferência do público por “I Lombardi” permaneceu. E, mesmo considerada superior, “Jerusalém” teve poucas récitas, tanto na França, quanto na Itália…
As óperas de Verdi seguiam padrões de época, mas elevaram o gênero – Verdi era um progressista, não um reformista… Assim, utilizou-se da tradicional sequencia de números, onde os personagens exprimiam-se individualmente, em recitativos, árias e cabaletas; dialogavam em pequenos ensembles – duetos, tercetos, etc; ou formavam grandes conjuntos – coros e concertatos; além dos ballets e trechos orquestrais. Tais possibilidades permitiam tanto um mega espetáculo visual e musical, quanto cenas de absoluta introspecção e recolhimento. Sobretudo, o desafio dramático exigia máxima expressão e virtuosismo vocal…
– 12ª Ópera – “Jerusalém”
“Jerusalém” estreou na “Salle Peletier”, 26/11/1847, com libreto de Alphonse Royer e Gustave Vaez; figurinos de Paul Lormier; e para os cenarios, duas equipes: uma com Charles Sechan, Jules Dieterle e Edouard Desplechin; e outra com Charles-Antoine Cambon e Joseph Thierry…
O drama foi ambientado na “Idade média – 1ª cruzada”, 1095-99, envolvendo amor e ressentimento, crime e resgate da honra – temas inseridos na saga cristã de libertação da palestina. O libreto foi adaptado para ressaltar a presença francesa na “1ª Cruzada”. Assim, os personagens, de italianos passaram a franceses; foram alteradas as tessituras vocais; ou simplesmente excluídos no novo libreto…
Com maior ênfase no romance central, o desenlace amoroso tornou-se mais presente e auspicioso. E Verdi acrescentou um “ballet”, típico da grande ópera francesa, escrevendo música nova ou reformulando e removendo partes originais. Uma ampla revisão, onde “poucos números permaneceram como no original”. E Verdi descreveu o trabalho como uma “transformação de ‘I Lombardi’ distante do reconhecimento”…
O libreto baseou-se no poema épico “I Lombardi alla prima Crociata”, do escritor e ativista italiano Tommaso Grossi, do grupo de Carlo Porta e Alessandro Manzoni – os três poetas lombardos. Grossi era “persona non grata” às autoridades austríacas e Verdi, um nacionalista que também almejava a libertação do domínio austríaco e unificação da Itália. Assim, para driblar a censura, os personagens do poema de Grossi tiveram nomes substituídos, já na versão italiana…
Além disto, o libretista de “I Lombardi”, Temistocle Solera, realizou mudanças significativas, retirando personagens históricos do poema de Grossi e criando, praticamente, uma ficção ambientada nas cruzadas. À época, qualquer alusão às lutas italianas seria rejeitada pelas autoridades austríacas – por incitar o levante. A censura, no entanto, acabou exercida pela Igreja, mas os cortes foram poucos e a ópera liberada. A música de Verdi era vigorosa – por si, um sonoro estímulo à autodeterminação…
Em meio às tensões políticas, os coros ganhavam importância, por representarem anseios coletivos e vibrantes apelos patrióticos, secundados pelos desenlaces individuais e amorosos. E, embora Verdi cultivasse um estilo despojado e incisivo – o realismo do “camponês de Roncole”, como dizia; para a crítica, “I Lombardi” revelou-se um encadeamento desigual, alternando grande música dramática e incríveis banalidades, muitas eliminadas ou revistas em “Jerusalém” – produções atuais, por vezes, suprimem trechos… Ainda assim, uma narrativa de amor e superação, em grande estilo épico e romântico!
2. Sinopse de “Jerusalém”
– Personagens: Hélène (soprano), Gaston, visconde de Béarrn (tenor); Roger, irmão do Comte (barítono); L’Emir, chefe em Ramia (baixo-barítono); Le Comte de Toulouse (baixo-barítono); Adhemar de Monteil, “Legado Papal” (baixo-barítono); Isaura, assistente de Hélène (soprano)
– Coros: Nobres, religiosos, mulheres, soldados, peregrinos e povo de Ramla
– Ato 1
A ópera inicia com breve prelúdio orquestral – “Introduction”
Cena 1: No interior do palácio de Toulouse
No palácio, os amantes Hélène e Gaston encontram-se e planejam o casamento. Mas dependem da reconciliação de suas famílias, um obstáculo que será superado. Cantam o dueto “Adieu, jê pars” e Gaston deixa o recinto. Hélène, acompanhada de Isaura, sua assistente, ora pela segurança de Gaston, que se prepara para seguir na “1ª cruzada”, na preghiera “Ave Maria”…
Cena 2: Nas proximidades da capela do palácio
Ao amanhecer, reúnem-se nobres, soldados e religiosos e entoam o coro “Enfin voici le jour propice”… O conde de Toulouse proclama a reconciliação das famílias e autoriza o casamento do filho, Gaston, com Hélène. Todos celebram no concertato, com solistas e coro, “Je tremble encore”. Segue um ato religioso e um coro feminino canta “Viens ô pécheur rebelle”...
O anúncio do casamento, no entanto, desperta o inconformismo de Roger, irmão do conde, que desejava casar-se com Hélène, expresso na ária “Oh dans l’ombre, dans la mystère”. Os eventos antecedem a partida da “1ª cruzada”, quando Gaston será nomeado comandante pelo Legado – representante papal…
Roger, ressentido pela perda de Hélène, articula a morte de Gaston. Mas, ao orientar um subordinado a cometer o crime, na cabaleta “Ah! Viens, demônio, esprit du mal”, confunde um manto branco a ser usado por Gaston – prêmio por sua lealdade ao conde – e, sem o perceber, indica ataque ao próprio conde de Toulouse, que sofre ferimentos, sem morrer…
Quando Roger, confiante em seu plano, regozija-se do feito, é surpreendido pelo ataque equivocado ao conde e, diante da presença de Gaston, instiga o subordinado a acusar Gaston como mandante do crime. Gaston é amaldiçoado por todos, perde honrarias, a mão de Hélène, a missão papal e é condenado ao exílio, no dramático concertato, com solistas e coro, “Non, tu n’est pas homicide”…
– Ato 2
Cena 1: Numa caverna perto de Ramia, Palestina
Solitário e atormentado por culpas, Roger vagueia pelo deserto, onde canta a ária “A ce front Pâle”. Surge Raymond, seu escudeiro, que o confunde a um homem santo e pede ajuda para seus cavaleiros, que estão perdidos… Hélène e Isaura também andam nas cercanias, em busca de um eremita e do paradeiro de Gaston. Mas encontram Raymond, que lhes conta estar Gaston vivo e em cativeiro num castelo, em Ramia. Em grande alegria, Hélène canta a ária “Quell’ivresse, bonheur suprême” e, acompanhada por Isaura, seguem para Ramia, conduzidas por Raymond…
Um grupo de peregrinos aproxima-se da caverna e entoam o magnífico coro “O mon dieu, ta parole est done vaine”. E, ao ouvirem uma “Marcha orquestral”, percebem a aproximação dos cruzados, liderados pelo próprio conde de Toulouse, que sobrevivera ao atentado no palácio – pelo que agradece a Deus e ao Legado Papal. Aos cruzados junta-se Roger, que pede permissão para ir à batalha, concluindo a cena em concertato, com terceto e coro masculinos “Le Seigneur nous promet la victoire! O bonheur!”…
Cena 2: No palácio do Emir de Ramia
Em cativeiro, Gaston lamenta sua sorte e, movido pelo desejo de estar junto à Hélène, planeja uma fuga, no recitativo e ária “Je veux encore entendre”. O Emir, no entanto, o adverte que será morto se tentar escapar. Hélène e Isaura são capturadas e levadas ao Emir. Hélène e Gaston, diante um do outro, fingem não se conhecerem, mas o Emir desconfia de ambos…
Finalmente, ficam sozinhos e expressam seu amor e alegria no reencontro. Mas, se Gaston lamenta sua desonra, que não mais lhe permitirá reconstruir a vida, Hélène mantém-se firme em permanecer ao seu lado, no grande dueto “Dans la honte et l’épouvante”. Por fim, do castelo de Ramia, ambos observam a mobilização dos cruzados e tentam fugir, mas são impedidos por soldados…
– Ato 3
Cena 1: Nos jardins do Harém, no castelo de Ramia
Hélène encontra-se no harém, cercada pelas esposas do Emir e dançarinas, na cena com coro feminino e ballet “O belle captive”. Hélène é advertida pelo Emir: se os cruzados atacarem com sucesso, ela será decapitada e sua cabeça entregue ao conde. Em desespero, ela abomina sua existência na ária “Que m’importe la vie”…
Durante o ataque à fortaleza, Gaston foge e tenta encontrar Hélène, mas é preso pelos cruzados, que exigem sua morte, ainda acreditando ser ele o mandante do atentado ao conde. Hélène, tomada de revolta e indignação, acusa a todos como criminosos, na ária “Non, non votre rage”. A cena conclui-se em grande concertato, onde o conde de Toulouse ordena que ela afaste-se do local…
Cena 2: No cadafalso, em praça pública de Ramia
Um intermezzo em “Marcha fúnebre” anuncia a condenação à morte de Gaston, que é trazido para desonra pública e execução no dia seguinte, por decisão do Legado Papal. Gaston implora por sua honra, na grande cena e ária “O mes amis, mes frères d’armes”, mas é submetido à humilhação pública, onde seu capacete, espada e escudo são destruídos, e a cena conclui-se com coro e solista…
– Ato 4
Cena 1: Nas proximidades do acampamento dos cruzados
Roger vagueia como um eremita, encontrando-se próximo ao acampamento militar, onde uma procissão, entre mulheres e cruzados, canta “Choeur de la procession”. Hélène distancia-se e observa o Legado pedir ao eremita Roger que conceda algum conforto ao condenado Gaston. Hélène, Gaston e Roger cantam o belíssimo terceto “Dieu nous sépare, Hélène! Roger nega-lhe a benção, mas instiga Gaston a lutar pelo “senhor Deus” na tomada de Jerusalém, entregando-lhe sua espada…
Cena 2: Na tenda do conde de Toulouse
Breve interlúdio orquestral – “La Bataille” – abre a cena. Hélène e Isaura aguardam notícias. Finalmente, ouvem-se gritos e comemorações. Jerusalém fora libertada. Conde e Legado, seguidos pelos cruzados, adentram o acampamento e Gaston permanece incógnito. Mas, ao ter sua bravura reconhecida, é exigido revelar-se. Gaston revela-se e agradece pela honra de lutar, sentindo-se pronto para morrer…
Partícipe da batalha, mas mortalmente ferido, Roger é trazido e revela-se irmão do conde. Assolado por culpas, confessa ter planejado a morte de Gaston, vitimizando, por engano, o conde e caluniado Gaston, para quem pede misericórdia, no solo “Un instant me rest encore”. Todos regozijam o restabelecimento da honra de Gaston, no grande concertato final, com solistas e coro, “A toi gloire, O Dieu”. Hélène e Gaston unem-se e Roger morre olhando para as muralhas de Jerusalém…
– Cai o pano –
Aos 34 anos e autor de 13 óperas, entre elas, “Nabucco”, “Ernani” e outros trabalhos notáveis, Verdi, na companhia de Giuseppina, aproximava-se de surpreender o mundo musical com “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata” – referências definitivas de sua dramaturgia e do romantismo. E muito ainda viria…
Além disto, Verdi assistiria o término da dominação austríaca e a unificação italiana. Ideais que compartilhou, exaltando o amor e a liberdade, em versos como “Voa, pensamento, em asas douradas!” ou “Oh! minha pátria, tão bela e perdida!”, cantados nas ruas de Milão…
Após a estreia em Paris, “Jerusalém” foi apresentada no “Théâtre d’Orleans”, Nova Orleans, USA, 1850. E a versão italiana, de Calisto Bassi, “Gerusalemme”, ocorreria no teatro “alla Scala” de Milão, depois em Turim, Veneza, Verona e Roma, até 1865. Esquecida por quase 100 anos, retornou aos palcos em 1963, na direção de Gianandrea Gavazzeni, no teatro “La Fenice”, em Veneza.
3. Gravações de “Jerusalém”
Após resgate no teatro “La Fenice”, “Jerusalém” tem sido revisitada com sucesso:
3.1 Registros iniciais
– Em 1975, produção em forma de concerto e gravação em áudio da RAI, com Katia Ricciarelli (soprano) e José Carreras (tenor);
– Em 1986, produção do “Teatro Regio” de Parma, em francês, com Katia Ricciarelli (soprano) e Cesare Siepi (baixo);
– Em 1986, transmissão em forma de concerto da “BBC Philharmonic Orchestra”, em francês, direção de Edward Downes e o soprano June Anderson como “Hélène”;
– Em 1990, passados mais de 140 anos da estreia em Paris, “Jerusalém” foi encenada no Reino Unido, no “Grand Theatre” em Leeds, pela “Opera North”;
– Em 1998, produção em forma de concerto da “Orquestra de Ópera de Nova York”.
3.2 Outros registros
– Vídeo – 1984
Orquestra do Opéra de Paris – “Opéra Garnier”, direção de Donato Renzetti
Solistas: Veriano Luchetti (Gaston) – Cecilia Gasdia (Hélène)
Alain Fondary (conde de Toulouse) – Silvano Carroli (Roger)
Coro do “Opéra de Paris”, França
– Vídeo – 1995
Orquestra “Ópera Estatal de Viena”, direção de Zubin Mehta
Solistas: Jose Carreras (Gaston) – Eliane Coelho (Hélène)
Davide Damiani (conde de Toulouse) – Samuel Ramey (Roger)
Coro da “Ópera Estatal de Viena”, Austria
– CD de áudio da Phillips – 1998
“Orchestre de la Suisse Romande”, com direção de Fabio Luisi
Solistas: Marcello Giordani (Gaston) – Marina Mescheriakova (Hélène)
Philippe Rouillon (conde de Toulouse) – Roberto Scandiuzzi (Roger)
Coro do “Grand Théatre de Genève”, Suiça
– CD de áudio e Vídeo – 2002
Orquestra “Teatro Carlo Felice”, com direção de Michel Plasson
Solistas: Ivan Momirov (Gaston) – Veronica Villarroel (Hélène)
Alain Fondary (conde de Toulouse) – Carlo Colombara (Roger)
Coro do “Teatro Carlo Felice”, de Gênova, Itália
– Vídeo – 2017
Orquestra “Filarmonica Arturo Toscanini”, direção de Daniele Callegari
Solistas: Ramon Vargas (Gaston) – Annick Massis (Hélène)
Pablo Gálvez (conde de Toulouse) – Michele Pertusi (Roger)
Coro do “Teatro Regio di Parma”, Itália
3.3 Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Jerusalém”, sugerimos a excelente gravação em áudio da Phillips, 1998, com a “Orchestre de la Suisse Romande” e coro do “Grand Théatre de Genève”, direção de Fabio Luisi e solistas de imensa qualidade. Além disto, a gravação oferece a ópera integral, sem cortes…
– Vozes solistas e direção
Neste grande trabalho, os solistas respondem com sensibilidade e elevada técnica. “Quell’ivresse, bonheur suprême” mostra a leveza, agilidade e belos pianíssimos de Marina Mesheriakova – notável soprano russo, formada no Conservatório Tschaikovsky, Moscou, e com as renomadas Renata Scotto e Licia Albanese…
Para buscar maior expressão, o canto deve fluir com liberdade. Assim percebe-se a performance de “Je veux encore entendre” ou “O mes amis, mes frères d’armes”, de Marcello Giordani, grande tenor italiano, lamentavelmente, falecido em 2019…
Interpretar é agregar significados e Verdi sempre reservou grandes papéis aos barítonos. Notável em “Oh dans l’ombre, dans la mystère” ou “A ce front Pâle”, o italiano Roberto Scandiuzzi é considerado um “baixo nobre” ou “baixo cantante”, facilmente interpretando papéis de barítono, pela extensão vocal e timbre harmonioso…
E o trabalho de Fabio Luisi revela um músico refinado à frente da conceituada “Orchestre de la Suisse Romande”, onde trata com imenso cuidado cada solo, conjunto ou trecho musical. Sua atenção aos detalhes, ao equilíbrio sonoro e às nuances do canto tem assinatura – um sujeito meticuloso…
Por fim, aplaudimos e agradecemos os grandes coros e concertatos, além da excepcional orquestra. Num gênero fascinante, embora longo e desafiante, como a ópera, tem-se aqui música, permanentemente, viva, pulsando e exprimindo-se. Música que mantém o ouvinte, naturalmente, envolvido. Nestes tempos de prevalência das imagens, somos aqui cativados apenas pelo som e sua diversidade – um belíssimo trabalho!…
– Em vídeo, sugerimos também:
1. produção do “Opéra Garnier”, 1984, com Cecilia Gasdia e direção de Donato Renzetti;
2. produção da “Ópera Estatal de Viena”, 1985, com a brasileira Eliane Coelho e direção de Zubin Mehta – nestes dois vídeos, alguns trechos são suprimidos, tais com “ballets”, partes orquestrais e outros…
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“Fabio Luisi à frente da PQP Bach Philarmonic”…
“Nossa homenagem ao colega Ammiratore,
de grata lembrança e grande contribuição ao PQP Bach.”
Alex DeLarge