.: interlúdio :. Eumir Deodato: Inútil Paisagem

Pena que parte da música brasileira dos anos 60 não manteve o apuro técnico das gravações de Eumir Deodato. este disco é  um milagre e, se tivéssemos mais improvisações, poderia ter sido lançado ontem. Mas é de 1964.

Deixo aqui o comentário de Carlos Calado — escrito em 2014 — acerca de Inútil Paisagem:

Naquele ano de 1964, muitos músicos brasileiros devem ter sentido ao menos um pouco de inveja do jovem pianista e arranjador Eumir Deodato. Seu disco de estreia – “Inútil Paisagem”, gravado pelo selo Forma, com arranjos orquestrais que ele escrevera para 12 canções de Tom Jobim – trazia na contracapa um texto de apresentação cheio de elogios, assinado por ninguém menos que o próprio Jobim.

“É incrível que um rapaz de 22 anos possa escrever para orquestra como Eumir escreve. Não basta ser musical, talentoso, habilidoso, sabido ou sábio. Escrever para orquestra é coisa que envolve toda uma técnica, experiência, um passado de erros passados a limpo, e eu não creio que Eumir tenha tido, com 22 anos, tempo para isso”, escreveu Jobim, compositor e músico exigente, que não costumava sair distribuindo elogios fáceis. O texto também incluía mais um de seus achados poéticos: “Meu Deus, quanta coisa Deus deu a Deodato!”

Passados cinquenta anos, Deodato ainda demonstra um certo embaraço ao se lembrar desse episódio, mas o motivo não tem nada a ver com música. “Quando alguém me falou sobre aquele elogio do Tom, tomei um susto. Sou um cara tão distraído que, para falar a verdade, ainda não tinha lido a contracapa do meu disco”, confessa o carioca, nascido no bairro do Catete, que vive nos Estados Unidos desde o final dos anos 1960.

Deodato não se recorda exatamente de quando e como conheceu Jobim. Lembra-se de tê-lo visto de longe algumas vezes, no início da década de 1960, nas animadas reuniões musicais promovidas pela família do letrista Lula Freire, em seu apartamento, no bairro de Copacabana, no Rio. Nesses encontros, frequentados por músicos da bossa nova e apreciadores do cool jazz, era comum se encontrar o violonista Baden Powell, o pianista Luiz Eça ou o flautista Bebeto Castilho, entre outros.

“O Tom já era o mais cobiçado de todos, naquela época. Ele já tinha várias músicas gravadas com sucesso, como ‘Teresa da Praia’ ou as parcerias com Dolores Duran, que eram lindas. Sempre havia muita gente em volta dele, naquelas reuniões de bossa nova. E eu era um cara muito calado, tímido. Demorou para que eu tivesse a oportunidade de conversar com ele”, recorda.

Mesmo admirando as canções e a musicalidade de Jobim, Deodato não considera que tenha sido influenciado diretamente por ele, como pianista e compositor. “Trabalhando com o Tom, eu fui descobrindo o que ele considerava mais importante na música. Ele valorizava muito as melodias – era um ótimo arquiteto de linhas melódicas. Tom também era um grande fã do Villa-Lobos. Muitas das coisas mais clássicas que fez eram influenciadas pelas ideias do Villa-Lobos”, analisa.

A ligação dos dois se consolidou quando Deodato foi convidado por Jobim a fazer arranjos para os temas instrumentais e canções que compusera para o filme “Garota de Ipanema”, de Leon Hirszman, lançado em 1967. Clássicos da obra jobiniana nasceram nesse filme ainda pouco conhecido, como o instrumental “Surfboard”, a canção “Ela É Carioca” e, claro, o megassucesso “Garota de Ipanema”, com letras de Vinicius de Moraes.

“O Tom me deu muita força. Depois desse filme eu trabalhei muito com ele”, credita Deodato, ao relembrar outra parceria da dupla para o cinema: a trilha sonora do filme “Os Aventureiros” (“The Adventurers”), do britânico Lewis Gilbert, com a bela norte-americana Candice Bergen, no elenco. Canções populares de Jobim, como “Olha, Maria” (com letra de Vinicius de Moraes e Chico Buarque) e a valsa “Chovendo na Roseira”, nasceram como temas instrumentais para essa trilha, ainda intitulados “Amparo” e “Children’s Games”, respectivamente.

Deodato se lembra de que, quando ele e Jobim chegaram a Londres, em 1969, ainda não havia uma edição final do filme para que pudessem iniciar o trabalho. “O Tom ia escrever todos os temas e eu tinha que fazer as orquestrações. Enquanto a edição não ficou pronta, passamos dias sentados na King’s Road, olhando as garotas de minissaia, passando. Ficávamos discutindo o que faríamos com as músicas, tomando aquela cerveja morna que os ingleses servem nos bares”, recorda.

Para muitos críticos e fãs de Jobim, seus discos “Tide” e “Stone Flower” – ambos lançados em 1970, com produção do norte-americano Creed Taylor, por selos diferentes – estão entre os melhores produtos de sua parceria com Deodato. “Naquela época, Creed trabalhava para a gravadora A&M, mas tinha criado seu próprio selo, o CTI. Então pegou a verba da A&M para gravar o disco do Tom e fez dois. E ainda escolheu as melhores faixas para o ‘Stone Flower’, que saiu pelo selo dele”, comenta o arranjador.

Poucos anos depois, já como artista do elenco da gravadora de Taylor, Deodato teve uma surpresa tão grande quanto a provocada pelos elogios de Jobim aos arranjos de seu primeiro disco. O arranjo “crossover” que criou para o poema sinfônico “Also Sprach Zarathustra” (composição de Richard Strauss, que havia se tornado bastante popular, na época, ao integrar a trilha sonora do filme “2001, Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick) chegou ao topo das paradas de sucesso, em 1973.

“Foi um arranjo praticamente feito no estúdio, ao vivo, que me deixou quase morto”, diverte-se Deodato, contando que levou para a sessão de gravação apenas um esboço da introdução desse arranjo. ““Eu estava sem ideias, mas, na noite anterior, pouco antes de dormir, lembrei de um baiãozinho que tinha anotado em um caderno. Como a música do Strauss e esse tema eram compostas em dó, achei que valia a pena tentar. Deu certo”.

Desde os anos 1970, o requisitado Deodato atuou em centenas de outros projetos e gravações, com artistas de diversos estilos e gerações: do guitarrista de jazz Wes Montgomery e da banda funk Kool and the Gang às cantoras Gal Costa e Björk. Já no ano passado, reencontrou a obra de Jobim, ao escrever os arranjos para o álbum que a cantora Vanessa da Mata dedicou ao grande maestro da bossa.

“Só fizemos algumas mudanças de ritmo. Depois de trabalhar tantos anos com o Tom, sei que que ele tinha pavor de que trocassem a harmonia de suas composições”, comenta o arranjador, consciente de que tentar fazer a música de Jobim soar melhor ou mesmo mais atual, sem comprometer sua identidade, seria uma tarefa inglória.

Eumir Deodato: Inútil Paisagem

1 Insensatez (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)
2 Corcovado (Tom Jobim)
3 Só Tinha de Ser Com Você (Tom Jobim/Aloysio de Oliveira)
4 O Morro Não Tem Vez (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)
5 Vivo Sonhando (Tom Jobim)
6 Ela É Carioca (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)
7 O Amor Em Paz (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)
8 Garota de Ipanema (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)
9 Inútil Paisagem (Tom Jobim/Aloysio de Oliveira)
10 Samba de Uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça)
11 Meditação (Tom Jobim/Newton Mendonça)
12 Samba do Avião (Tom Jobim)

Eumir Deodato: Piano
Juquinha: Bateria
Luis Marinho: Baixo
Roberto Menescal: Violão
Oscar Castro Neves: Violão
Aurino: Sax barítono
Meirelles: Sax tenor, Flauta
Orlando: Sax tenor
Paulo Moura: Sax alto
Édson Maciel: Trombone
Copinha: Flauta
Hamilton: Pistom
Irany Pinto e Sua Turma: Cordas
Arranjos e Direção: Eumir Deodato
Produção e Direção Artística: Roberto Quartin

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O vinil

PQP

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