Albert Ketèlbey (1875-1959): Orchestral Works

O anúncio de um editor no jornal da Sociedade de Direitos de Execução Britânica em outubro de 1929 disse tudo: “É de ARTHUR W. KETÈLBEY (o maior compositor inglês vivo) uma nova e bela inspiração, A Hora Sagrada”.

Pondo de lado o fato não insignificante de que homens da estatura criativa de Elgar, Vaughan Williams, Holst e Bax viviam ainda nessa época, há uma certa elegância freudiana na própria circunstância de que o próprio editor não deu o nome de Sir Ketèlbey direito! Ele era, realmente, Albert W. Ketèlbey, mas, era o sobrenome, e não o prenome, que normalmente causava problema. A bem da verdade, o público tendia a colocar o acento no lugar errado – fazendo-o na segunda sílaba: Ke-tèl-bey. Quando não, pessoas desavisadas a ele se referiam como Kettleboy ou Kettlebay e diversas outras variações de nomenclatura.

É preciso alertar para o fato, porém, de que, embora tudo isso, ele sempre soube absorver essa confusão. Diz-se surpreendentemente, embora ninguém ainda o tenha dado certeza, que ele teria nascido simplesmente William Aston, todavia, como veio ao mundo em Aston, distrito de Birmingham, é possível que tal nome tenha surgido em razão dessa indistinção! Onde, quando e como ele assumiu tal troca de nomes permanece no mistério, exceto que tenha sido em tempos muito distantes. Chegou-se a buscar o novo nome como ligado a origens dinamarquesas, a teoria sendo calcada a seguinte: “o ke tendo o papel de prefixo ligado ao Ke nos nomes “Kenelm”. “Kesteven”, “K’nut”, “Quebec”, ou seja, Ke-bec, o Que vindo a ser o equivalente do francês Ke“, alguém tendo de ser perdoado por esse retrocesso. Presume-se que o “W” signifique William mas, de novo, inexiste evidência incontestável que confirme isto.

De um modo ou de outro, Albert William Ketèlbey que seja, nasceu, como já afirmou, em Birmingham, no dia 4 de agosto de 1875. Parece haver demonstrado talento para música muito cedo, com aparente aptidão para o piano. Certa tendência para a composição terá se manifestado muito rápido nele, pois, com apenas 11 anos de idade, escreveu uma Sonata para piano que foi executada em um recital havido no recinto da Prefeitura de Worcester, a qual, depois, iria ganhar a admiração de alguém do porte de Sir Edward Elgar. Em Birmingham, seus estudos foram feitos sob as orientações de Alfred Gaul e do Dr. Herbert Wareing, ambos havendo-o preparado para a admissão em um dos colégios de música londrinos. Supôs-se, inicialmente, que ele pudesse ter ingressado no Colégio Real de Música, mas, por qualquer razão, perdeu o prazo para uma bolsa de estudos lá e optou por outra, a Bolsa de Estudos da Rainha Vitória, no Colégio Trinity. Tinha apenas 13 anos, mas, com facilidade, ganhou o primeiro lugar, obtendo muitas notas mais altas que o seu colega concorrente, Gustav Holst, quase um ano mais velho do que ele.

Ketèlbey viveu 84 anos e, compreensivelmente, seu ritmo de vida foi diminuindo bastante nos últimos tempos de existência. Com uma criação musical comovente atrás de si, satisfez-se no gozo do tranqüilo ambiente da Ilha de Wight ao lado de sua segunda mulher, Maud. Não tinha família, mas isto parecia não aborrecê-lo. Morreu no dia 26 de novembro de 1959, época em que já se tornara uma espécie de fora-de-moda. Uma nota de obituário absolutamente prosaica no Times de Londres anunciou a sua morte, tendo sido isto o mais favorável que encontraram: “desenvolveu talento para a escrita descritiva… na qual mostrou habilidade para captar sonoridade ambiental”.

As Obras

No Jardim de um Mosteiro (In a Monastery Garden)

Este foi o “intermezzo característico”, publicado em 1915, primeiro responsável pelo deslanchar de Ketèlbey na vanguarda dos compositores de música ligeira. O próprio compositor providenciou descrição para a peça: “O primeiro tema representa o devaneio de um poeta na quietude do jardim de um mosteiro, em meio a um belo arredor – s serena tranquilidade do ambiente -, árvores frondosas e pássaros cantando. O segundo tema, em tom menor, expressa uma nota mais “pessoal” de tristeza, de apelo e de penitência. Nesse momento os monges são ouvidos cantando o “Kyrie Eleison” com fundo de órgão e o sino da capela soando. O primeiro tema é ouvido novamente de modo tranquilo, como se houvesse se tornado mais etéreo e distante; o canto dos monges se faz ouvir outra vez – fica mais forte e insistente, levando a peça a uma conclusão exultante”.

Chal Romano (Jovem Egípcio)

Esta “Abertura Descritiva”, datada de 1924, dá uma boa demonstração da atuação de Ketèlbey naquilo que se pode perceber como estruturas mais “formais”, fora daquelas adotadas em suas miniaturas pictóricas. A invenção melódica é, na verdade, indistinta, embora conduzida com inegável maestria, e revela inteiramente as qualidades de um artista que sabe como tirar o máximo de uma orquestra.

Suíte Romântica (Suite Romantique)

Esta comovente suíte orquestral surgiu, igual a peça antecedente, em 1924, trazendo uma dedicatória a Sir Dan Godfrey (1868-1939), esse incansável campeão dos compositores ingleses, cujo brilhante trabalho com a Orquestra Municipal de Bournemouth muito fez para erguer o padrão de concertos na Inglaterra, e não só ao nível local, mas também, nacional. Cada um dos três movimentos traz um título romântico caracterizante (em francês, naturalmente!).

Capricho Pianístico (Caprice Pianistique)

Uma dentre outras peças compostas para uso próprio, este agradável destaque serve para lembrar-nos a destreza de Ketèlbey como pianista virtuose. Definida como “Piano Novelty” (Novidade para Piano), é uma obra relativamente recente, tendo surgido após a Segunda Grande Guerra, em 1947. Tem acentuação bem definida de “capricho”, oferecendo uma despreocupação onde, ao se buscar aproximação com elementos mais sérios, cede-se lugar a um ânimo galhofeiro.

O Relógio e as Figuras de Porcelana (The Clock and the Dresden Figures)

Publicada em 1930, esta encantadora fantasia foi dedicada a um amigo do compositor, Tenente W. J. Dunn, e, consequentemente, por um toque possível de incongruência, há dela uma versão para piano e banda militar, além desta mais convencional, para piano e orquestra, aqui registrada.

Suíte Cockney (Cockney Suite)

Os cinco movimentos da Suíte Cockney (um Cockney, ao acaso, pode ser definido como alguém nascido ao som do Bow Bells no leste londrino, se não todos da própria área leste da cidade) constituiu outro produto do industrial ano de 1924 e, sob muitos aspectos, serviu de tributo à cidade onde Ketèlbey residiu por inúmeros anos e que contribuiu para a sua fama e fortuna (de uma maneira bem semelhante à retribuição feita por Eric Coates na suíte “Londres”. Os locais por ele escolhidos para inspiração cobrem o spectrum total da sociedade londrina. Aqui podemos apreciar os movimentos de números 5 e 3.

Ao Luar (In the Moonlight)

Esta miniatura é descrita como um “Intermezzo Poético” e foi subtitulada em francês como Sous la Lune, no intuito de se acrescentar apropriada aura romântica. Acima de tudo uma peça de época, tem o mérito de encantar por seu valor melódico. Foi modelada no esquema A B A C A e mais a coda, com C servindo de apaixonado fecho relativo de B. Teve sua estreia relativamente cedo na carreira do compositor no âmbito da música ligeira, em 1919.

Wedgwood Melancólico (Wedgwood Blue)

De modo algum Josiah Wedgwood iria imaginar, quando fundou sua hoje famosa fábrica de cerâmicas em 1759 que, 161 anos depois, seu empreendimento seria homenageado numa dança por Albert W. Ketèlbey. A dança em foco é uma gavota, encerrando uma seção contrastante intermediária da qual se encarregam solos de violoncelo e de violino. Inteiramente despretenciosa, esta peça fascina por sua evocação, há muito desaparecida.

Sinos Através das Campinas (Bells Across the Meadows)

Uma das mais conhecidas composições de Ketèlbey, este fragmento declaradamente sentimental surgiu em 1921. Para as modernas audiências, este trabalho oferece emanação equivalente às pinturas de Myles Birket Foster sobre as cenas do passado – casinhas de teto vegetal com flores entrelaçadas, em meio a jardins repletos de malva – rosas com gracioso regato borbulhando adiante e vacas pastando sossegadamente além.

A Melodia Fantasma (The Phantom Melody)

Este é um trabalho que proporcionou a Ketèlbey um prêmio de 50 libras no concurso organizado por August Van Biene e que atraiu o interesse do compositor para a música ligeira. Nesta versão orquetral, os violinos tomam o lugar originalmente entregue ao violoncelo solista. O próprio Biene havia ganho fama em 1893 com uma peça intitulada The Broker Melody (A Melodia Partida) e é bem possível que Ketèlbey haja escolhido este tipo e título em homenagem ao criador do concurso. Mais tarde, uma canção foi adaptada desta obra, com o título de I Loved You More Than I Knew.

Em um Mercado Persa (In a Persian Market)

Sem dúvida a mais, mundialmente, popular de todas as suas composições. Esta é uma das peças que, ouvindo-a, as pessoas já dizem “é assim que ela se chama!?”. É um tema que muita gente conhece há anos. Designada como “Intermezzo-Scene” pelo próprio compositor e publicada em 1920, ela descreve o seguinte cenário: “Cameleiros se aproximam gradualmente do mercado; gritos de mendigos por ‘Back-shees’, são ouvidos entre o alvoroço. (O lamento todo é “Back-sheesh, Allah, empshi, ‘empsi’, sabemos, significa ‘vá embora!’). Sua fama mundial se deve, principalmente, ao fato de ter sido gravada uma versão pop do seu intermezzo, pela cantora Della Reese, intitulada “Take My Heart”.

Fonte: Encarte do CD, Tim McDonald

Boa audição!

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Ketèlbey: Orchestral Works

01. In a Monastery Garden (5:15)

02. Overture: The Adventures (4:31)

03. Chal Romano (10:06)

Suite Romantique
04. Nº 1 Romance “Réveil d’Armour” (6:49)
05. Nº 2 Scherzo “Pensés Troublées” (3:02)
06. Nº 3 Valse Dramatique “Querelle et Réconciliation” (4:57)

07. Caprice Pianistique (3:33)

08. The Clock and the Dresden Figures (4:06)

Cockney Suite
09. Nº 5 “Bank Holliday” (2:36)
10. Nº 3 “At the Palais de danse” (2:53)

11. In the Moonlight (5:09)

12. Wedgwood Blue (4:11)

13. Bells across the Meadows (5:09)

14. The Phantom Melody (3:54)

15. In a Persian Market (5:34)

Slovak Philharmonic Male Chorus in 01, 15
Czecho-Slovak Radio Symphony Orchestra (Bratislava)
Adrian Leaper

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Albert Ketèlbey: esquecido, talvez merecidamente
Albert Ketèlbey: esquecido

Marcelo Stravinsky

17 comments / Add your comment below

  1. Ótima postagem, Marcelo. O negócio é que, tratando-se de um compositor cujos picos de criatividade estão nesse CD, nunca mais haverá pertinência para se postar outro disco de Ketèlbey, a não ser para se comparar as gravações das obras em questão.

    Em tempo, já que falamos de compositores de música ligeira, você tem algo de Leroy Anderson (cujo prenome, aproveitando as discussões prosódicas, pronuncia-se com tônica na segunda sílaba – mas, pergunto-me, se Ketèlbey não se enfatiza na segunda sílaba, justamente pela incidência rara de um acento grave, mesmo que sendo um estrangeirismo, por que preservar tal sinal diacrítico)?

    Aliás, deixa pra lá senão a gente desvia o foco da música e vai acabar encontrando alguém que nos mande, com certa razão, dar meia hora de relógio parado (risos).

  2. Pois é, esse compositor é cheio de mistérios. Não encontrei nada sobre ele em português, além do próprio texto do encarte.
    Você está corretíssimo. Praticamente, toda a obra interessante está nesse cd, provavelmente teremos apenas repetições com intérpretes diferentes e/ou arranjos.
    Sobre o Leroy, devo ter uma peça ou outra, em cds variados, infelizmente nada só dele. Sou fascinado por música clássica ligeira, afinal de contas, comecei assim, a partir de uma coleção de 12 discos de vinil com as melhores de todos os tempos. Ainda hoje existem versões inigualáveis que não encontro em lugar algum. Como o Moto Perpétuo de Paganini, a Rapsódia Húngara de Liszt, Uma Noite no Monte Calvo de Mussórgsky, entre outras.
    Quanto a postagem, optei por, simplesmente, repassar o conteúdo do encarte, já que, provavelmente, não teremos outras postagens do compositor inglês. Porém, acho que essa não deva ser uma gravação de referência, com certeza, devem haver melhores por aí.
    Um abraço!

    1. O camarada do comentário abaixo resumiu tudo, tanto que nem consigo escutar mais Ketélbey hoje. Tem um CD dele pela Philips que também é referencial.

      Abraço.

  3. Ketèlbey é o rei do kitsch e da perfumaria orquestral para o chá da tarde.

    É divertido no começo, mas depois começa a ficar bastante ridículo. Um verdadeiro banho de “vergonha alheia” 🙂

    1. Péssimo para alguns e verdadeira maravilha para outros… Adoro essa diversidade de opiniões, e é exatamente isso que traz toda a compensação por todo esse “trabalho” voluntário!

      1. Meu comentário não é nada pessoal, nem nada contra o post.

        Mas alerto que não é questão de gosto. Questão de gosto é preferir Handel a Vivaldi, ou Bartók a Stravinsky. Ou gostar mais da “Eroica” do que da “Pastoral”.

        Mas minha apreciação de Ketèlbey não se resume a gosto. É algo completamente objetivo: é música kitsch e clichê sempre, independente se o público a aprova ou não.

    2. Realmente tá uma berrrgonha, ou como dizia minha professora de piano, cafonerrimooooo, mas vamu falar baixo pra não dá na vista que a gente também gosta, tá? 😛

  4. O que eu vou falar não tem nada com a postagem presente, é só que eu queria dizer que gosto muito do blog, apesar de comentar esporadicamente (e que vocês estão acabando com o espaço no meu HD – outro dia não conseguia nem carregar a UOL, de tanto arquivo: tive que deletar a coleção do Mahler, que nem sou muito chegado mesmo).

    Mas o que eu vim fazer aqui é pedir que vocês ouvissem e opinassem lá no meu blog sobre uma sinfonia que eu acabei de escrever ontem (bem em cima da hora) pra apresentar no vestibular da Unicamp depois de amanhã. Eu ia ficar bem feliz de ter a opinião de vocês, qualquer que fosse, já que não sei quem das pessoas com as quais tenho contato poderia ter mais embasamento do que vocês (cansei de ouvir ‘ah legal’). É só clicar no meu nome que linka direto pra postagem da tal sinfonia, e podem muito bem ignorar o ‘programa’ que eu inventei depois do treco pronto, só pra fazer graça.

    Obrigado se ouvirem, se não, obrigado também por esse blog tão bão.

  5. Poxa, durante muitos anos minha avó me falou desse compositor e eu nunca consegui achar pra ela – essas músicas foram o primeiro contato dela com a música “clássica”.
    Só agora, anos depois, com sua postagem, vou poder falar algo pra ela sobre o compositor e gravar o cd com aquelas músicas!
    OBRIGADO!

  6. Fugindo do classico tradicional e numa linguagem conteporania de livre expressão, Ketèlbey ensina uma verdadeira aula de criatividade longe do convencional.
    Compositor ingles do seculo XIX compos simplesmente algumas das perolas musicais mais lindas como mercado persa,num jardim de um mosteiro,num templo chines,feriado bancario,sinos atraves dos campos e por ai vai…….de um estilo proprio,musicas que tocam no fundo de nossas almas e que muito facilmente nos apaixonamos por elas.Mercado Persa é uma boa pedida para que quer conhecer a criatividade do genio. Saudações e fica na paz.

  7. Ketèlbey foi realmente feliz em suas obras mais populares, por sua criatividade melódica – principalmente porque alguns compositores ingleses contemporâneos dele eram insossos – mas trata-se de um compositor clichê mesmo, que não se elevou do patamar da música ligeira nem soube aproveitá-la para levá-la mais além, aos palcos mais sérios, como Strauss II ou Kurt Weill, p. ex.

  8. Valeu, agradeço a aulinha e a repostagem, eu passei batido na primeira…e parece um cara interessante de se conhecer, mesmo que o pessoal todo aí em cima ache clichê.

  9. O Sr. Ketelbey parece uma vovozinha. rs Desprezado por muitos melômanos, porém melhor do que muita coisa que apareceu no século XX e a modernidade. Seu tema da Princesa no Mercado Persa é bonito e fez sucesso nos anos 70 com uma letra Pop. Açucarado, sim, como o chá das cinco que eu não recusaria em companhia do simpático compositor. rs

  10. Prezado Marcelo Stravinsky,

    Muito bom seu post lembrando Ketèlbey. Embora leve, a música dele é deliciosa, assim como, por exemplo, a de Grofé, Delius e Malcolm Arnold.
    Muitos ouviram Ketèlbey, quando crianças, sobretudo os de minha geração, quando íamos ao circo e durante a apresentação de malabaristas: a parte inicial de “Em um mercado persa”.
    Creio que, no texto do post, houve uma incorreção na legenda da foto do compositor. Você quis dizer “talvez IMERECIDAMENTE esquecido”, ao invés do oposto, não é?

    Um abraço,

    Nilton Maia

  11. A música “Take My Heart”, cujo tema é do “Em um Mercado Persa” ficou realmente muito conhecida com a gravação de Jacky James, em 1975. E o tema é realmente maravilhoso.

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