.: interlúdio :.

No último post, havia prometido o ponto de contato entre Miles Davis e Hermeto Pascoal. Fiquei tanto tempo cavando no pátio os line-ups deste monstruoso disco que deixo a apresentação, e a história, a cargo de um copy/paste deste artigo no poppycorn.

Hermeto Pascoal também morou alguns anos nos Estados Unidos, a convite de Airto Moreira – o percussionista, que já foi várias vezes considerado o melhor do mundo, abandonou o Quarteto Novo em 1969, indo para a terra do Tio Sam e encerrando a trajetória do grupo. Em Nova York, 1971, Hermeto apresentou-se para uma seleta platéia que incluía Miles Davis, Wayne Shorter e Gil Evans, onde impressionou a todos, tanto que Miles mais tarde o convidou a participar do álbum Live-Evil. O disco traz duas composições de Hermeto, Capelinha (Little Church) e Nem um Talvez. (nota canina: são três composições, com Selim; e nenhuma foi creditada.) Ele conta que, enquanto não estavam tocando, costumava lutar boxe com o trompetista.

Mas como exatamente Miles Davis e Hermeto Pascoal se conheceram? Assim conta Hermeto, em entrevista recente: “Eu fui ver um show dele, levado por um tradutor. Antes do show começar, vi aquele crioulão – apesar de ele não ser muito alto, mas sempre bem vestido, gostava muito de couro, impressionava – se aproximando. Chegou pertinho de mim e sussurou com aquela voz rouca no meu ouvido. Não o reconheci e achei que era um cara me passando uma cantada. Como não falava inglês, o tradutor que estava do meu lado me disse que era o Miles e que ele queria saber quem eu era. O tradutor respondeu ao Miles e marcamos um de nos conhecermos depois. Mostrei a ele umas 12 músicas, que eram bem diferentes de tudo aquilo que ele fazia. Disse que queria colocar algumas no disco dele e eu me senti à vontade para brincar e dizer que eu veria quantas músicas deixaria ele colocar no disco dele. Aí o Miles continuou a brincadeira dizendo: “Esse albino é mais louco que eu”. Tínhamos mais um CD engatilhado, mas ninguém imaginou que ele fosse morrer tão cedo.”

(…) Diz ele, sobre o que acha de Miles, hoje: “Um eterno gênio. Digo isso pela sua essência, pela sua contribuição. Claro que ele teve seus erros. Tivemos um amizade espiritual, maravilhosa. Deus me deu um presente ao conhecer o Miles. Acredito que nada acontece por acaso. Ele era um sujeito que não gostava de passar as mãos nas costas. Se ele não gostava de você logo dizia “vamos interromper nossa conversa por aqui” e era isso, direto.”

Diz a lenda que Miles jamais despediu um músico; eles simplesmente sabiam a hora de sair. As formações em constante mutação, como vocês podem ver abaixo junto ao nome das músicas, são recorrentes – e com vantagem para o ouvinte. Miles, se não era um excelente gestor de Recursos Humanos, tinha um olho inigualável para talentos e para ajustar as melhores formações. Nestes registros, temos só craques. Meio estúdio (duas sessões em fevereiro, uma em junho, 1970), meio ao vivo (faixas 1, 4, 7 e 8 gravadas em 19 de dezembro daquele ano), é sucessor de Bitches Brew; se o som segue o fusion iniciado na obra-prima anterior, aqui ele vem ainda mais miscigenado – cheio de funk e grooves, além do rock. Diz-se que é um disco para iniciados; eu o considero um grande iniciador ao fusion, também. Esperem destreza técnica, trumpete com filtros (notadamente um wah-wah) e muita eletricidade – sendo as composições de Hermeto os interlúdios leves. Suas participações nas músicas (e também nas de Airto Moreira) descrevem-se sozinhas, e provocam sorrisos no ouvinte.

Live Ev

Miles Davis – Live-Evil (192)
Produzido por Teo Macero para a Columbia

disco 1 – download (71MB)
disco 2 – download (75MB)

01 Sivad 15’19
Miles Davis: trumpet
Keith Jarrett: electric piano
Herbie Hancock: organ
John McLaughlin: electric guitar
Michael Henderson: electric bass
Hermeto Pascoal: voice, percussion
Airto Moreira: cuica

02 Little Church 3’18
Miles Davis: trumpet
Herbie Hancock: organ
Dave Holland: bass
Hermeto Pascoal: whistling

03 Gemini/Double Image 5’57
Miles Davis: trumpet
Wayne Shorter: soprano sax
Joe Zawinul: electric piano – left
Chick Corea: electric piano – right
John McLaughlin: electric guitar
Dave Holland: electric bass
Jack DeJohnette: drums
Airto Moreira: percussion
Kalil Balakrishna: sitar

04 What I Say 21’13
Miles Davis: trumpet
Gary Bartz: saxophone
John McLaughlin: guitar
Keith Jarrett: keyboard
Michael Henderson: bass
Jack DeJohnette: drums
Airto Moreira: percussion

05 Nem um Talvez 4’06
Miles Davis: trumpet
Chick Corea: organ
Herbie Hancock: electric piano
Keith Jarrett: electric piano
Ron Carter: bass
Airto Moreira: percussion
Hermeto Pascoal: voice, drums

06 Selim 2’17
Miles Davis: trumpet
Steve Grossman: soprano sax
Chick Corea: organ
Herbie Hancock: electric piano
Keith Jarrett: electric piano
Ron Carter: bass
Hermeto Pascoal: voice

07 Funky Tonk 23’31
08 Inamorata and Narration by Conrad Roberts
mesmo line-up de What I Say

Boa audição!

8 comments / Add your comment below

  1. Sério. Todo dia me congratulo por ter fundado o PQP Bach com as pessoas que convidei (e que aceitaram de cara, todas).

    Este blog não é o máximo?

  2. Grande e admirável Sr. PQP
    Congratulo pelo magnífico blog e a infindável seleção de musicas q aqui me deleteio, me surpreendendo todos os dias q aqui me dirijo com a sede de q vou encontrar mais um presente aos meus ouvidos. Sou um amante da musica clássica e seus seguimentos e tenho estudado esse fenômeno cultural e me apaixonei de cara por Bach entre outros grandes nomes.Gostaria de solicitar um pedido de préstimo ao nosso compositor Brasileiro Carlos Gomes e seu lusitano O Guarani.
    Espero poder continuar participando (ainda indiretamente) com esse Blog.
    Sou critico mais reconheço um bom trabalho, continue assim.

    Grato.

  3. Fantástico disco, pra mim o melhor desta fase de Miles. Ainda hoje se especula sobre a importância do papel de Airto Moreira e de John McLaughlin nas faixas em que aparecem (quando um está o outro não, e o som resulta totalmente diferente) bem como do produtor Teo Macero, que montou todo o disco a partir de sessões de estúdio e ao vivo no Cellar Door em Chicago — algumas faixas correspondem a sessões diferentes, umas em estúdio e outras ao vivo, embora não se note no disco. Além de McLaughlin (que segundo a lenda caiu do espaço nessas sessões, tocando completamente de improviso) e de Airto, outra presença fundamental é a de Michael Henderson, o baixista eléctrico que tocava com artistas soul como Aretha Franklin e Stevie Wonder. What I Say é um hino ao baixo funk. E há a capa de Abdul Mati, o mesmo pintor que assinou outra famosa capa nesse tempo, a de Abraxas de Carlos Santana.
    Este foi o primeiro disco de jazz que ouvi na vida. Lembro-me que na altura eu e os meus amigos discutíamos quem tocava melhor guitarra, Pete Townshend dos Who ou Jimmy Page dos Led Zeppelin, e quem seria melhor baterista, Keith Moon ou John Bonham. Até que alguém comprou o Live Evil, e quando nós ouvimos o What I Say não podíamos acreditar – o McLaughlin tocava como 10 Jimmy Pages, e o Jack DeJohnette como 10 Keiths Moon. O resultado foi brutal — deixámos de ouvir rock durante uns anos.

  4. Nascido em Illinois em 1926, foi para a cidade de Nova York na década de 40 onde estudou música em Julliard.Depois de seus estudos na Julliard School of Music de Nova York, entre 1944 e 1945, este músico reconduziu o bebop para um tipo de jazz mais frio, desenvolvendo uma técnica instrumental Inconfundível, caracterizada por um timbre suave e cálido, sem vibrato, e uma linha melódica sóbria com toques líricos. Nos anos 60 e 70, aproximou-se das novas diretrizes do rock, desenvolvendo, a partir de então, o jazz-rock. Davis ganhou 23 prêmios Grammy.Ao longo de sua carreira tocou com os maiores nomes da música e gravou mais de 130 discos.

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