Dou continuidade aqui ao diálogo transcrito e explicado em post anterior:
… Não posso dizer que minha vida em Nova York tenha sido ruim. Não faltou sucesso pra meus ragtimes, nem um casamento novo e melhor. O problema foi minha ópera, Treemonisha, que ninguém queria ouvir.
… Foram anos e anos de composição. Não era ragtime, não era comédia: era uma ópera séria, com grandes partes de coro escritas no melhor contraponto… e ninguém queria ouvir. Um negro podia compor ragtime, diziam; que quisesse escrever ópera era muita pretensão.
… Todos os meus esforços foram em vão. O desgosto apertou o gatilho da doença, e fui perdendo a razão. Fui internado, e morri sem ouvir Treemonisha soando no ar nem ao menos uma vez.
Músicos que eram, os membros do grupo compreendiam bem. Por uns instantes só alguns suspiros furaram o silêncio, até que o próprio Scott Joplin sorriu e disse:
– Mas no fundo estou vingado. Sessenta anos depois de minha morte Treemonisha foi montada, e com sucesso. Foi gravada em disco, e o mundo todo pôde conhecer.
– E é uma bela ópera, posso garantir – disse um dos músicos. – Seu estilo é único; não há no mundo obra que se pareça com ela.
Já outro deles falou assim:
– Sou amigo de Gunther Schuller, o musicólogo que recuperou a partitura e regeu a montagem. Como se vê no nome, é de origem alemã, como seu primeiro professor. Não lhe parece curioso?
– Sem dúvida. É um traço bem curioso do meu destino.
– Isso não rouba a pureza negra da sua música?
– Esse tipo de idéia é uma grande bobagem. Neste mundo há lugar pra tudo:
para a expressão de todas as culturas “em estado puro”, e também pra todas as combinações que se possa imaginar.… As coisas mais ricas, que abrem caminhos novos para a humanidade, acontecem onde os diferentes se encontram e, em vez de brigar ou de um calar a boca do outro, resolvem cantar juntos, com diferença e tudo. E aí, de repente, sem que ninguém possa prever como será, um caminho novo nasceu!
“Bravo, isso mesmo, é isso aí!”, aplaudiu todo o grupo – e nossos amigos sentiram que era hora de prosseguir.
Como dito no post anterior, o diálogo procede do livro O dia em que Túlio descobriu a África (R.Rickli, 1997, esgotado, disponível em PDF AQUI). Cabe registrar que a orquestração realizada pelo próprio Scott Joplin nunca foi encontrada, apenas a redução para piano cuja impressão ele pagou do próprio bolso. Gunther Schuller, autor de estudos clássicos e aprofundados sobre as origens do jazz, foi o primeiro a orquestrá-la e regeu sua estréia em 1972 – produção que foi lançada em vinil em 1976, e é a reproduzida aqui. De lá para cá foram feitas outras orquestrações e gravações, mas não cheguei a conhecer.
O arquivo postado inclui reprodução de capas e o libreto completo da ópera – também da autoria de Joplin, e por isso não vejo necessidade de maiores detalhes aqui.
Scott Joplin: Treemonisha – ópera em 3 atos (1910)
para solistas, coro, orquestra e ballet.
Gunther Schuller regendo o coro e orquestra da Houston Grand Opera Production
Carmen Balthrop, Betty Allen, Curtis Rayam: solistas principais
Gravação original: Deutsche Grammophon, 1976
. . . . . BAIXE AQUI – download here
Ranulfus
publicação original: 31.08.2010