Scott Joplin ‘o rei do ragtime’ (1867-1917), post 1/2: Piano Rags com Jeremy Rifkin

Para apresentar este post e o seguinte, permitam-me transcrever aqui um diálogo ficcional entre um grupo de músicos e dois personagens reais de diferentes séculos: o Chevalier de Saint-George (de quem postei aqui 6 CDs não faz muito tempo) e o estadunidense Scott Joplin (1867-1917), de um livro com intenções paradidáticas (mais detalhes no final).

– … permita-me dizer, Monsieur le Chevalier: a fama é uma senhora muito injusta. Escolhe alguns nomes para perpetuar, e deixa outros iguais ou melhores no esquecimento. É uma barbaridade que seus concertos sejam tão pouco executados nos tempos modernos, pois não são em nada inferiores aos de Mozart e Haydn.

Mais non, Monsieur! Agradeço sua intenção de me consolar, mas evidentemente o que o senhor diz não pode ser verdade! – protestou o Cavaleiro.

– Jamais buscaria consolá-lo com falsidades, Chevalier! É minha opinião sincera, e quem é do ofício e conhece sua música só pode concordar, estou certo.

“Sim, sim, é verdade”, apoiaram vários dos presentes, para evidente alegria do Cavaleiro. Era porém muito educado para permitir que a própria glória ocupasse mais que um momento na roda de amigos, de modo que logo desviou:

– Mas parece que a sua vida também foi das mais interessantes, Mr. Joplin! Gostaríamos muito de ouvi-lo!

– Nem de longe tão interessante como a sua, Chevalier. E, sinto dizer, não muito feliz.

– Ora – interveio um músico moderno – sua música teve grande sucesso popular, tanto na sua época quanto anos mais tarde. Quem não conhece a famosíssima The Entertainer, pelo menos da trilha sonora do filme Golpe de Mestre? – Cantarolou:

– Justamente: todo mundo conhece meus “ragtimes”, alegres, dançantes, mas a música de maior fôlego, quem conhece? Minhas óperas, quem quis ouvir?

– Fale um pouco da sua vida, Mr. Joplin. Assim poderemos entender melhor.

– Está bem, já que insistem…

… Nasci em 1868 no interior do Texas, respirando música: meu pai, ex-escravo, tocava violino – country music, bem entendido – enquanto minha mãe tocava banjo e cantava. Desde o início, porém, foi o teclado que me fascinou: onde existisse um piano na vizinhança, lá ia eu investigar.

… Minha mãe dava todo apoio que podia. Quando ficou sozinha e teve de se empregar em casas de família pra nos sustentar, pedia licença pra eu estudar no piano da patroa…

Por um instante tremulou na lembrança de Túlio a figura de sua própria mãe, Dona Aurora, e os olhos ameaçaram se molhar.

– E parece que o barulho de minhas experiências chamou atenção, e foi assim que o Professor apareceu. Era um alemão excêntrico que vivia lá em Texarkana, e me ofereceu aulas de piano e harmonia. Na verdade deu mais: deu pistas em todas as áreas do mundo do conhecimento, explodindo os limites do acanhado horizonte de Texarkana.

… Não que minha vida tenha ficado cosmopolita da noite pro dia! Adolescente, saí tocando pelos bares, às vezes pelos piores lugares, para ter o que comer.

Túlio ouviu na cabeça a voz de Milton Nascimento cantando: “foi nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão / que muita gente boa pôs o pé na profissão / de tocar um instrumento e de cantar / não se importando se quem pagou quis ouvir…”

– De vila em vila, cidade em cidade, fui chegando às maiores: Saint Louis, Chicago… Em Sedalia fiquei alguns anos e consegui me matricular em cursos de harmonia avançada e composição. Vendia aqui e ali meus ragtimes, até que em 1899 o Maple Leaf Rag explodiu no mundo todo. Virei o “Rei do Ragtime”. Casei, podia estar tranqüilo pra sempre.

… Mas eu queria mesmo era escrever para o palco, realizar coisas de fôlego. Achei que agora as portas estariam abertas, mas… mesmo sendo o Rei do Ragtime, de todos os lados só ouvia “não”.

… A muito custo montei uma pequena ópera-rag, cujo manuscrito depois se perdeu. Minha filha morreu, meu casamento acabou, saí pelo mundo de novo, fui parar em Nova York, onde vivi até 1917 – quer dizer, pelo resto da vida.

O diálogo (do livro O dia em que Túlio descobriu a África, de R.Rickli, 1997, esgotado, disponível em PDF AQUI) prosseguirá no post seguinte. Por enquanto deixo vocês com uma seleção de “piano rags”, ou ragtimes, tocados por Joshua Rifkin – mas não sem advertir que tenho certeza de que a música do “Ernesto Nazareth dos Estadis Unidos” pode ser tocada com muito mais bossa.

Não se trata da velocidade: Scott Joplin passou a vida advertindo os compradores de suas partituras contra a tentação de tocar acelerado; “o tempo do ragtime não é rápido”, insistia sempre. O branco Rifkin segue o conselho de Joplin quanto a isso, mas afora isso toca tudo inacreditavelmente igual. Só que essa é a única versão que consegui, e quero crer que “ruim com ela, pior sem ela”, espero que vocês concordem.

Joshua Rifkin plays Scott Joplin’a piano rags
01 Maple leaf rag
02 The entertainer
03 The ragtime dance
04 Gladiolous rag
05 Fig leaf rag
06 Scott Joplin’s new rag
07 Euphonic sounds
08 Elite syncopations
09 Bethena
10 Paragon rag
11 Solace
12 Pineapple rag
13 Weeping willow rag
14 The cascades
15 Country club
16 Stoptime rag
17 Magnetic rag

. . . . . BAIXE AQUI – download here

LINK ALTERNATIVO

O grande Scott Joplin
O grande Scott Joplin

Ranulfus

15 comments / Add your comment below

  1. Tenta de novo, Gabriel. O Megaupload anda com umas frescuras assim ultimamente. Acabo de tentar e está ok. Verdade que pra quem é cadastrado com eles e faz login essa menasgem parece ser menos comum. Não sei se tem como fazer isso sem pagar, pois eu paguei uma vez e não mais… e todos os serviços continuam funcionando!

    Boa sorte!

  2. Caro Ranulfus:

    O Ragtime é bastante sóbrio se comparado “aos Jazzes” que surgiram durante o século XX. Ao meu ver, é a nova música, resultado da mistura de influências ocorrida no sul dos EUA. Mais isto é especulação de minha parte.
    Lembra também aqueles solos de piano que eram tocados em filmes de velho oeste, talvez naqueles pianos com rolos de furos, enquanto uma briga corria solta no saloon. Bem, talvez seja uma impressão equivocada.
    Por fim, na segunda faixa reconheci o tema do filme “Golpe de Mestre”.

    Tomo aqui a liberdade de parodiar o nosso anfitrião:

    hrrr!!! Este post é IM-PER-DÍ-VEL !!!

  3. Pois é, Adriano, este aqui vai pra consolar que não tenho mais Nina pra postar. Na verdade tenho o disco seguinte, Live at Town Hall (1959), mas a qualidade da tomada de som é TÃO ruim que não vale a pena. Decepciona demais. Mas se uma hora arranjar, pode ter certeza que trago aqui!

    Acho que a gente projeta muito para o passado uma imagem que recebeu do cinema… Esta música vem do vale do Mississipi-Missouri, regiões verdes, diferentes daquele oeste… e logo fluiu para o mundo urbano. Não tinha gravação, mas eram lançadas as folhas de música avulsas, e multidões de “sinhazinhas” aos redor do mundo faziam o papel de gramofone das suas famílias, ao piano. Foi assim que Joplin foi um sucesso de massas antes da gravação do som.

    Aliás, há um paralelo fortíssimo entre o papel do Joplin nos EUA e o do Ernesto Nazareth, entre nós.

    Por último: reparem na última peça, o Magnetic Rag: pra mim parece ser o melhor, musicalmente mais sofisticado. Mas confesso que não ouvi tudo com igual atenção, pra poder afirmar isso com a mão no fogo… rsrs

  4. Eu tinha um LP do Rampal tocando essas peças, mas ele se perdeu nas areias do passado (o LP, é claro, apesar que se pensar bem, o Rampal também se perdeu nessas gravações).

  5. Vou postar pouco por uns bons tempos por razões de saúde, Vanderson: tenho que reduzir as horas no computador, e o trabalho de ganho infelizmente não tenho opção de reduzir.

    Quanto ao seu teclado, se os teclados costumam ter umas sombras da Pour Elise de Beethoven, da Marcha Turca de Mozart, não é de estranhar que tenham também do The Entertainer. Me conte o dia que o seu teclado tiver a Treemonisha inteira.

    Quantp a Estadis Unidos, se você consguiu entnder, qwal é o problma? Se um dia vc me pagar pra fazer ess tipo d revisão, qum sabe eu até pense en fazr. Ou então quando fizer um comntário perceptivo e inteligente SOBRE A MÚSICA POSTADA, em vez de puxar papo sobre outra música ou outra coisa…

  6. Você só fez algumas pequenas confusões, Vanderson: (1) este espaço não é uma escola; as pessoas (inclusive os próprios membros da equipe) não vêm aqui com as mesmas finalidades que alguém vai à escola; (2) ainda que fosse, quem disse que a administração deste espaço contratou você como professor? (3) a escolarização só é obrigatória até o fim no Ensino Fundamental, e todos os colaboradores aqui já concluíram esse há muito: daí pra frente só estudam se quiserem; (4) fora da escola as pessoas têm absoluto direito de escreverem como quiserem, assim como dois dos maiores gênios já nascidos no Brasil – Mário de Andrade e Guimarães Rosa – criaram ortografias e sintaxes próprias.

    Todos os colaboradores do blog têm curso superior, variando de jornalismo e letras a pedagogia e engenharia, entre outros, e pelo menos alguns têm diferentes pós-graduações. Suas idades variam de 20 e pouco a 65 anos. NEM POR ISSO CORRIGIMOS OS TEXTOS DE QUEM ESCREVE COMENTÁRIOS AQUI, pois estamos conscientes de que as pessoas vieram aqui para outros fins. A menos que alguma pessoa o houvesse pedido expressamente, corrigi-las não seria meramente grosseria: seria uma prepotência politicamente inadmissível – como explico mais adiante.

    Por isso, me permita contar a você que a idéia de correção a partir da qual você atua é apenas mais uma das mentiras que se contam sistematicamente no nosso sistema escolar; você acaba de recebê-la ali, e ainda nem desconfia disso, pois visivelmente ainda não teve chance ou interesse de estudar lingüística e/ou autores como Bourdieu, Passeron e Foucault, que já demonstraram há muito que essa ideia de correção serve basicamente para a manutenção das estruturas de opressão – COMO, claro que não cabe aqui eu te explicar.

    Quero te dizer, finalmente, que, ao contrário do que você pensa, nós temos feito um baita esforço pra tratar você com respeito – p.ex. nem ridicularizando você por pretender corrigir textos de quem tem formação em filosofia enquanto ainda nem conhece a existência da palavra “devir”. Mas acho que está hora de você entender que (a) NINGUÉM AQUI ESTÁ INTERESSADO NAS SUAS “CORREÇÕES”. (b) Você mesmo é quem está se expondo ao ridículo ao insistir nesse papel de pentelho oficial nomeado sabe-se lá por quem (por Deus?!); (c) Infelizmente seu tipo de atitude (o indivíduo insistir em impor normas dentro de um coletivo que não o designou para isso) não é meramente ridiculo: é politicamente muito grave; Hitlers e Stálins começaram assim. Por isso sugiro: SE TOQUE ENQUANTO É TEMPO, para no futuro algum comitê de defesa da democracia ainda não precise terminar condenando você a prisão perpétua ou coisa pior, pelo bem comum.

    Pois deve-se ter tolerância com tudo, menos com a intolerância – pois a tolerância que tolera a intolerância é suicida (como se viu na tolerância que a República de Weimar teve com a ascenção de Hitler). E nesse nosso confronto, desde o início o intolerante foi você. Eu já pedi tolerância por você umas quatro vezes na lista interna da equipe – pois a maioria já queria ter simplesmente bloqueado seus comentários desde há muito. Mas agora não defendo mais. Pois, com a maior seriedade pedagógica, acho que tá na hora de um certo rapaz começar a entender o que significa SIMANCOL.

  7. É UMA PENA, O LINK ESTÁ BLOQUEADO PELO FBI, ASSIM COMO VARIOS OUTROS, CONHECÍ O SEU SITE E FIQUEI MUITO FELIZ COM O MATERIAL QUE JÁ BAIXEI, SERIA POSSIVEL POSTAR POR OUTRO CAMINHO?

  8. Adorei Scott Joplin, não conhecia. Fiz os downloads das duas postagens que vocês fizeram dele já há um tempo e só hoje fui ouvir direito (a primeira, por enquanto). Ele já me ganhou logo na primeira faixa, a Maple Leaf Rag. O CD como um todo me emocionou muito, ultrapassou toda e qualquer expectativa que eu tinha. Obrigado por esta fantástica postagem! 🙂

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