Sim, sim, um bom disco de grandes compositores modernos. Em 23 de agosto de 2011 Anne-Sophie Mutter comemorou seus 35 anos de palco. De palco, gente. Ela não é apenas uma das principais violinistas do mundo, mas também uma best-seller internacional, tendo vendido mais de 5.000.000 CDs em todo o mundo — e subindo. Para celebrar, a Deutsche Grammophon lançou um novo álbum com gravações de estreias mundiais de duas novas obras escritas para Mutter: Lichtes Spiel de Wolfgang Rihm e Time Machines de Sebastian Currier, gravadas com a Orquestra Filarmônica de Nova York. Penderecki também está no CD original, mas por não ser uma estreia ficou fora até da capa, vejam só.
Wolfgang Rihm / Sebastian Currier / Krzysztof Penderecki: Lichtes Spiel / Time Machines / Duo Concertante (Mutter / NYP)
Lichtes Spiel (2009)
Composed By – Wolfgang Rihm
1 Ein Sommerstück 17:08
Duo Concertante (2010)
Composed By – Krzysztof Penderecki
2 Andante, Quasi Una Cadenza – Allegretto Scherzando – Andante, Quasi Una Cadenza 5:03
Dyade (2010-2011)
Composed By – Wolfgang Rihm
3 Andante, Quasi Sempre Rubato 12:35
Time Machines (2007)
Composed By – Sebastian Currier
4 I Fragmented Time 2:36
5 II Delay Time 4:19
6 III Compressed Time 1:29
7 IV Overlapping Time 3:44
8 V Entropic Time 6:26
9 VI Backwards Time 1:39
10 VII Harmonic Time 8:52
Composed By – Krzysztof Penderecki (faixas: 2), Sebastian Currier (faixas: 4 to 10), Wolfgang Rihm (faixas: 1, 3)
Conductor – Alan Gilbert (2) (faixas: 4 to 10), Michael Francis (3) (faixas: 1)
Double Bass – Roman Patkoló (faixas: 2, 3)
Orchestra – New York Philharmonic* (faixas: 1, 4 to 10)
Violin – Anne-Sophie Mutter
Prestamos, antes tarde que ainda mais tarde, nossa homenagem ao magnífico Mariss Jansons, que deixou este vale de lágrimas no estrebucho do último novembro. Falo em lágrimas, e também de como Jansons, depois de longa enfermidade, deixou o mundo, antes mesmo de lembrar as duras circunstâncias em que veio a ele: na Letônia ocupada por Hitler, talvez o pior momento no século para se nascer letão e de ventre judeu, um pouco depois de sua mãe escapar do gueto de Riga e de sua liquidação. Cresceu sob a inspiração do pai regente, que sucumbiu a um infarto no palco, e de uma mãe cantora lírica, e seguiu sua formação no mesmo Conservatório de Leningrado em que depois lecionaria, no qual também estudaram Tchaikovsky e Shostakovich, que sempre estariam no cerne de seu repertório. O posto de assistente na Filarmônica local, liderada pelo legendário Mravinsky, trouxe-lhe notoriedade e convites, não sem várias pestanas queimadas por conta de seus opressores de Moscou, para trabalhar e estudar com Karajan e Swarowsky. Sob sua direção (1979-2000), a discreta Filarmônica de Oslo saltou para um patamar com que nunca sonhara entre as orquestras do mundo. Depois de mais de vinte anos a comandá-la, deixou-a para assumir a Sinfônica de Pittsburgh (1997-2004), não sem antes repetir a escrita do pai e infartar no palco, desgraça que só não foi completa porque foi prontamente atendido depois do colapso. Em seguida, encontraria os conjuntos mais importantes de sua formidável carreira: a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam (2004-2015) e, ainda mais notavelmente, a Sinfônica da Rádio Bávara, que conduziu até o final da vida, e com quem realizou a gravação ao vivo que ora compartilhamos.
O Réquiem de Wolfgang Rihm, composto em 2016 e cuja première nossos leitores-ouvintes apreciarão nas faixas a seguir, é, na tradição de “Um Réquiem Alemão” de Brahms, menos uma obra litúrgica do que uma reflexão sobre a vida e a morte, baseada em textos tão diversos quanto sonetos de Michelangelo, poemas de Rilke e salmos bíblicos, e concluída por “Strophen”, de Hans Sahl, donde seu epíteto. Constrito, ainda que com momentos de velada celebração, é uma composição que me deu, desde a primeira audição, a impressão de merecer manter-se no repertório. Jansons demonstra aqui sua fabulosa capacidade de compreender uma obra por inteiro – no caso, imensa, novíssima, inédita, sem qualquer tradição interpretativa em que se pudesse basear – e expressar em sua leitura um maravilhoso senso de continuidade e coerência. Rihm derramou-se em elogios, e nossos leitores-ouvintes, creio eu, hão de se lhe juntar ao coro.
Já com saudades do maiúsculo Maestro que, por todos os relatos, era um humilde servo da Música, tão exigente quanto gentil com seus colegas e generoso com seus muitos protegidos, e enquanto me desculpo pelo que talvez seja a indelicadeza de colocá-lo a reger seu próprio Réquiem, faço votos de que, lá nas Esferas, haja música tão extraordinária quanto a que nos deixou moldada pela batuta.
RIHM – REQUIEM-STROPHEN – MARISS JANSONS
Wolfgang RIHM (1952)
REQUIEM-STROPHEN, para solistas, coro e orquestra (ESTREIA MUNDIAL)
PARTE I
1 – I: Initial
2 – II
3 – III: Kyrie
PARTE II
4 – IV: Sonett I
5 – V.a: Psalm
6 – VI: Sonett II
7 – V.b: Psalm
8 – VII: Sonett III
PARTE III
9 – VIII
10 – IX: Lacrimosa I
11 – X: Sanctus
12 – XI
PARTE IV
13 – XII: Lacrimosa II
14 – XIII: Agnus Dei
15- XIV: Epilog (Strophen)
Mojca Erdmann e Anna Prohaska, sopranos Hanno Müller-Brachmann, barítono Coro e Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara Mariss Jansons, regente
O violoncelista Jan Vogler, que mora entre Nova York e Dresden, gravou três concertos duplos para violino, violoncelo e orquestra com sua esposa, a notável violinista Mira Wang, com a Royal Scottish National Orchestra sob a direção de Peter Oundjian. É claro que Mira Wang também mora entre Nova York e Dresden. O concerto duplo de Brahms é espetacular com seus sons românticos, solos eloquentes e grande participação orquestral. A imprensa inglesa escreveu a respeito: “Vogler, em particular, tratou suas seções solo como um recitativo de ópera, mesmo nas seções mais rápidas do Vivace. Wang, sua esposa, combinou com ele em virtuosismo e em beleza de tom. O destaque, no entanto, foi a abertura do movimento lento, que traz sensacionais timbres de legato, com solistas e orquestra entrando um no outro como em círculos concêntricos, criando um som como o de chocolate derretido”. Bem… O compositor norte-americano John Harbison (nascido em 1938) compôs o concerto duplo para a Boston Symphony Orchestra, encomendado pelo Friends of the Dresden Festival. A estreia mundial altamente elogiada com Jan Vogler e Mira Wang ocorreu em 8 de abril de 2010 em Boston, sob a direção de Carlos Kalmar. Agora, este trabalho colorido e dinâmico, repleto de virtuosismo cintilante, pode ser ouvido pela primeira vez em uma gravação. O compositor alemão Wolfgang Rihm (nascido em 1953) é considerado um dos mais importantes compositores do nosso tempo. Seu “Duo Concerto”, apresentado no Carnegie Hall em Nova York por Jan Vogler e Mira Wang com Orpheus Chamber Orchestra em 2015, completa este grande CD.
Brahms / Rihm / Harbison: Double Concertos
Wolfgang Rihm (1952)
1. Duo Concerto for Violin, Cello and Orchestra 22:41
Johannes Brahms (1833-1897)
2. Concerto for Violin, Cello and Orchestra in A minor, Op. 102 : I. Allegro 17:19
3. Concerto for Violin, Cello and Orchestra in A minor, Op. 102 : II. Andante 07:40
4. Concerto for Violin, Cello and Orchestra in A minor, Op. 102 : III. Vivace non troppo 08:55
John Harbison (1938)
5. Double Concerto, “To the Memory of Roman Totenberg” : I. Affetuoso, poco inquieto 06:58
6. Double Concerto, “To the Memory of Roman Totenberg” : II. Notturno. Adagio 07:41
7. Double Concerto, “To the Memory of Roman Totenberg” : III. Tempo giusto 06:15
Personnel:
Mira Wang (violin)
Jan Vogler (violoncello)
Royal Scottish National Orchestra
Peter Oundjian (conductor)
Um sensacional álbum triplo que reúne gravações dos anos 90 de música moderna por Anne-Sophie Mutter e diversas orquestras. Tudo é um primor, a começar pelo Concerto neoclássico de Stravinsky. Aliás, cada um dos CDs inicia com uma obra-prima. Há o já citado Concerto de Strava, o belíssimo e insuperável Concerto Nº 2 para Violino e Orquestra de Bartók e o não menos de Berg. Este último tem a triste alcunha de “À Memória de um Anjo”. É que Berg recebeu a notícia da morte de Manon Gropius, filha do arquiteto Walter Gropius e de Alma Mahler. Manon faleceu aos 18 anos, vítima de poliomielite. Naquele momento, Berg estava finalizando o Concerto. Ele então transformou-se num tributo à memória da adolescente e também em um réquiem para si mesmo, que morreria logo depois de compô-lo. O restante tem menos história, mas não é de jogar fora, imagina! Destaque para obras de Lutoslawski, Moret e Rihm, compostas especialmente “Para Anne-Sophie Mutter”. Te mete com ela, rapaz! (Bem, adoraria que ela se metesse comigo).
Anne-Sophie Mutter Modern: Works by Stravinsky / Lutoslawski / Bartók / Moret / Berg / Rihm
Disc 1
Concerto en ré
Composed By – Igor Stravinsky
Conductor – Paul Sacher
Orchestra – Philharmonia Orchestra
1 1. Toccata 5:51
2 2. Aria I 4:09
3 3. Aria II 5:13
4 4. Capriccio 5:49
Partita (“For Anne Sophie Mutter”)
Composed By – Witold Lutoslawski
Piano – Phillip Moll
5 1. Allegro giusto 4:14
6 2. Ad libitum 1:12
7 3. Largo 6:22
8 4. Ad libitum 0:47
9 5. Presto 3:51
Chain 2 (“For Paul Sacher”)
Composed By – Witold Lutoslawski
Conductor – Witold Lutoslawski
Orchestra – BBC Symphony Orchestra
10 1. Ad libitum 3:48
11 2. A battuta 4:58
12 3. Ad libitum 4:58
13 4. A battuta – Ad libitum – A battuta 4:27
Disc 2
Violinkonzert Nr. 2
Composed By – Béla Bartók
Conductor – Seiji Ozawa
Orchestra – Boston Symphony Orchestra
1 1. Allegro non troppo 16:16
2 2. Andante tranquilo – Allegro scherzando – Tempo I 9:58
3 3. Allegro molto 12:13
En rêve (“pour Anne Sophie Mutter”)
Composed By – Norbert Moret
Conductor – Seiji Ozawa
Orchestra – Boston Symphony Orchestra
4 1. Lumière vaporeuse. Mystérieux et envoŭtant 7:13
5 2. Dialogue avec l’Etoile 5:44
6 3. Azur fascinant (Sérénade tessinoise). Exubérant, un air de fête
Disc 3
Violinkonzert (“To the memory of an angel”)
Composed By – Alban Berg
Conductor – James Levine
Orchestra – The Chicago Symphony Orchestra
1 I. Andante – Allegretto 11:31
2 II. Allegro – Adagio 16:12
“Gesungene Zeit” (“Time Chant”) – Dedicated To Anne-Sophie Mutter
Composed By – Wolfgang Rihm
Conductor – James Levine
Orchestra – The Chicago Symphony Orchestra
3 [Anfang / beginning / début / inizio] 14:27
4 [Takt / bar / mesure / battuta 179] 9:56
É com grande alegria que termino o delicioso livro do Arthur Nestrovski – Outras Notas Musicais. O livro é um compilação dos últimos dez anos da vida musical desse crítico, músico, poeta e agora, diretor artístico da Osesp. Mais ou menos 95% das críticas foram impressões vividas nas salas de concertos de São Paulo. Os progressos da Osesp, as tentativas operísticas no Municipal (muitas falhas e sucessos), os célebres convidados (Barenboim, Masur, Gidon Kremer,…), a Cultura Artística,… A descrição de Nestrovski é, na medida do possível, completa e detalhada. Só quando a clareza não é mais possível, a poesia de Nestrovski contorna essa dificuldade. Um livro sobre música e como escrever sobre música. Assim como algum de nós, Nestrovski é um entusiasta da música moderna, em especial Alfred Schnittke. Seu relato do concerto do Alban Berg Quartett na sala Cultura Artística (2003) é invejável, nos apresenta a natureza do quarteto de cordas n.4 de Schnittke, às vezes com simplicidade e noutras, em detalhes quase audíveis (ex: “Final do terceiro movimento: primeiro violino entoa uma melodia cromática, dobrada em oitavas pelo violoncelo sul ponticello…o segundo violino sustenta uma nota longa. Viola pontuando em pizzicato…”). Para compensar a frustração de não ter ido a este concerto, deixo com vocês uma gravação ao vivo do Alban Berg Quartett interpretando a mesma obra de Schnittke – o quarteto de cordas n.4. Não posso esquecer de mencionar o excelente quarteto de Wolfgang Rihm que abre o disco. Pode não ser genial como Schnittke, mas é extremamente empolgante. Comprem esse livro e ouçam essa música do outro mundo.
Wolfgang Rihm (1952) e Schnittke (1934 -1998): String Quartets Nros. 4
Wolfgang Rihm
1 – String Quartet No. 4: I. Agitato – 6:07
2 – Con Moto, allegro – andante – allegro molto – 6:50
A violinista Anne-Sophie Mutter é tão gostosa que nem parece adequada à música moderna. Esta é geralmente trabalho para barangas. Ela também poderia ficar naqueles Concertos para Violino de sempre e seria admirada como gênio, mas o entusiasmo de Mutter para com aquilo que não é tão óbvio demonstra seu tamanho como artista. Sua interpretação de Berg é esplêndida. Alban Berg é o membro que fazia música na Segunda Escola de Viena — os outros faziam algo entre a música e a teoria, mas acho melhor parar antes que CDF delete este post. O Concerto de Berg foi escrito como homenagem à memória de Manon Gropius, filha de Alma Mahler, morta aos 18 anos com poliomielite. Muito apegado à jovem, Berg decidiu que o concerto para violino seria o seu réquiem, sem imaginar que também escrevia o próprio… Denso, difícil e cheio de tristeza, é música de primeiríssima linha. Ecos da música tonal pairam como fantasmas, sobretudo no movimento final, onde Berg cita uma melodia coral de Bach. Rihm, por outro lado, dispensa inteiramente as melodias tradicionais e os modelos musicais do passado. Sua linguagem, a um tempo lírica e fragmentária é notavelmente interpretada por Mutter, sempre de alma, mente e decote aberto.
Alban Berg (1885 – 1935)
Violin Concerto “To the Memory of an Angel”
1) 1. Andante – Allegro [11:31]
2) 2. Allegro – Adagio [16:12]
Wolfgang Rihm (1952 – )
“Gesungene Zeit” 1991/92 – Music for violin and orchestra
3) 1. Beginning: quasi senza [14:27]
4) 2. Takt 179: meno mosso [9:56]
Anne-Sophie Mutter
Chicago Symphony Orchestra
James Levine
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