Certamente, a maioria de nós não tem a mesma imagem do tango que os argentinos têm. Eu, por exemplo, comecei a ouvi Piazzolla nos anos 70 e fico surpreso de ainda ler, sempre associada a seu nome, a palavra revolução. Por exemplo, a página oficial de Astor Piazzolla na Internet, na parte de sua biografia, começa com letras garrafais: Astor Piazzolla: Cronología de una Revolución, ou seja, a luta com os tangueiros tradicionais ainda é importante e quando leio que os deuses de Piazzolla eram Stravinski, Bartók e o jazzista Stan Kenton e, mais, que ele estudou com Nadia Boulanger em Paris nos anos 50, começo a entender alguma coisa…
Piazzolla nasceu em Mar Del Plata e sua família mudou-se para Nova Iorque quando tinha 3 anos. Foi lá, aos 8 anos de idade, que ganhou de seu pai o primeiro bandoneón e que, em 1933, começou a ter aulas de piano com o húngaro Bela Wilda, discípulo de Rachmaninov e do qual Piazzolla diria mais tarde “Com ele, aprendi a amar Bach”. Pouco depois – imaginem! – conheceu Carlos Gardel que se fez amigo da familia e com quem, ainda menino, tomou parte em uma cena do filme El Dia em que me quieras como um pequeno vendedor de jornais. Desnecessário dizer que esta cena possui um poderoso valor emblemático na história do tango.
Após voltar a Buenos Aires e de ter participado de vários grupos de tango – compondo e tocando -, Piazzolla, em 1953, estreou Buenos Aires, seus Três Movimentos Sinfônicos. Quando a obra foi interpretada na Faculdade de Direito de Buenos Aires por Orquestra Sinfônica acompanhada de dois bandoneons, estourou o escândalo. O setor “culto” da platéia ficou indignado pela incorporação dos bandoneons à orquestra e os tradicionalistas o acusaram de não fazer mais tango e sim música erudita…
Se os eruditos foram rapidamente dobrados pela qualidade de sua música, o mesmo não se pode dizer dos tradicionalistas. (Depois somos nós os radicais…) Começou então uma revolução solitária contra os tangueiros ortodoxos que faziam-lhe críticas sistemáticas e impiedosas. Era quase um problema de estado. Os meios de comunicação e até alguns palcos negavam-se a receber Piazzolla. Ele não colaborava muito para a paz, mantendo sua postura e respondendo com ironias. Voltou então ao exterior onde foi recebido como autor de tangos e começa uma nova experiência, o tango-canção, com Amelita Baltar, sua mulher na época.
Na Argentina, a controvérsia sobre se sua música seria tango ou não seguiu seu curso, mas agora seu sucesso no exterior começa a gerar inveja entre a comunidade tangueira. Ele acena com a possibilidade de paz ao chamar sua música de “música contemporânea da cidade de Buenos Aires” mas continua provocando com sua vestimenta informal, com sua pose para tocar o bandoneon (tocava de pé, quando a tradição mandava segurar o fole sentado) e com suas respostas muito pouco reverentes.
Porém, em 1983, ano de gravação deste CD, ele já apresentava-se no mítico (e belíssimo) Teatro Colón com Orquestra Sinfônica a fim de receber o reconhecimento bonairense e argentino em vida. Assim, o talentosíssimo compositor e virtuose Piazzolla mostra aos de hoje que os artistas não estão aí para assentir ao determinado por outrem e ao políticamente correto. Artista é um ser que existe para incomodar, mudar e ser controverso. E viva Piazzolla!
Tenho predileção por gravações ao vivo – o mesmo vale para Blue Dog – e, mesmo amando as espetaculares gravações italianas de Piazzolla, apelo novamente para o concerto live, onde quem é bom mostra o rego sentado, reconhece o cego dormindo e sabe de longe a cabeça que tem piolho, se me fiz claro… Aqui, mesmo que pareça paradoxal (pois há uma orquestra, não?), temos um Piazzolla mais brusco que o habitual. Minha aprovação mais entusiasmada vai para a nervosa versão do Verano Porteño.
P.Q.P. Bach.
Astor Piazzolla en el Teatro Colón
1. Fuga y Misterio
2. Adios Nonino
3. Concierto para Bandoneon y Orquesta: 1st Movement – Allegro marcato
4. Concierto para Bandoneon y Orquesta: 2nd Movement – Moderato
5. Concierto para Bandoneon y Orquesta: 3rd Movement – Presto
6. Vardarito
7. Verano Porteño
8. Concierto de Nacar (para Nueve Tanguistas y Orquesta Filarmonica): 1st Movement – Presto
8. Concierto de Nacar (para Nueve Tanguistas y Orquesta Filarmonica): 2nd Movement – Lento, melancolico
8. Concierto de Nacar (para Nueve Tanguistas y Orquesta Filarmonica): 3rd Movement – Allegro marcato
Musicians:
Piazzolla (Astor) – bandoneon
Suarez Paz (Fernando) – violin
Baralis (Hugo) – violin
Ziegler (Pablo) – piano
Roizner (Enrique) – drums
Bragato (Jose) – violoncello
Console (Hector) – bass
Quarleri (Delmar) – viola
Lopez Ruiz (Oscar) – guitar
Calderon (Pedro Ignacio) – director of the Teatro Colon Philarmonic
Year of release: 1997
Studio or Live: Live
Year of performance: 1983
Description: Recorded live at Teatro Colon, Buenos Aires, on June 11, 1983. By this time Piazzolla was working with the quintet, however it appears that Piazzolla tried to recompose the Conjunto 9 (although not exactly) for this concert at Teatro Colon with the Philarmonic Orquestra.
Style: The Nonet and the ‘Italian’ Period (1972-1978); The ‘Classical’ Piazzolla (All periods)
Comments: This concert has also been released (not all the songs however) as “Concierto de Nacar” by Milan Records. Concerto for Bandoneon and Orquestra is listed as as Concerto for Bandoneon, Piano, Strings, and Percussion, which is equivalent but the piece is better known otherwise.