Dois álbuns gravados ao vivo e liderados por saxofonistas estadunidenses. Dois saxofonistas que alternam entre os sons mais brutais, vanguardistas e sons mais amigáveis, embora jamais passando perto da vulgaridade saxofonística que infelizmente também é comum nos EUA.
Ambos os líderes tocaram em uma variedade de formatos e estilos: Joe Henderson junto com pesos-pesados do jazz como Alice Coltrane, Herbie Hancock e McCoy Tyner. James Carter, além de tocar com famosos como o mesmo Hancock, liderou grupos de vários formatos, gravou um Concerto para Saxofone do compositor Roberto Sierra e, mais recentemente, tem se apresentado na formação de trio com órgão hammond e bateria. Neste álbum o repertório todo se baseia em temas do violonista cigano e belga Django Reinhardt, mas nem sempre as melodias de Django são tão perceptíveis assim no meio da reinvenção constante.
Joe Henderson – In Japan
1. ‘Round Midnight (T. Monk, C. Williams)
2. Out ‘N In (J. Henderson)
3. Blue Bossa (K. Dorham)
4. Junk Blues (J. Henderson)
Bass – Kunimitsu Inaba
Drums – Motohiko Hino
Electric Piano – Hideo Ichikawa
Photography By – Katsuji Abe
Tenor Saxophone – Joe Henderson
Recorded in Tokyo, 4 aug. 1971
Remix, Edited By – Rudy Van Gelder
James Carter Organ Trio – Live from Newport Jazz
1. Le Manoir de mes Reves
2. Melodie au Crepuscule
3. Anouman
4. La Valse des Niglos
5. Pour Que Ma Vie Demeure
6. Fleche d’Or
All composed by Jean “Django” Reinhardt
Tenor, Alto and Soprano Saxophone – James Carter
Organ [Hammond B-3] – Gerard Gibbs
Drums – Alex White
Recorded live at Newport Jazz Festival, Newport, RI, USA, 5 aug. 2018
Disco gravado em estúdio pelo quarteto americano, na época em que Jarrett tinha também um quarteto com músicos escandinavos. Aqui, mais do que em outros lugares, Keith Jarrett mostra seu ecletismo nas duas faixas que ocupam os lados inteiros do álbum (prática comum nos anos 1970 como o Jack Johnson de Miles Davis, o Köln Concert do próprio Jarrett, LPs do Pink Floyd, Rush, etc), no lado A o piano só entra depois dos oito minutos e no lado B, lá pelos 3 min. Então o que temos, em grande parte do tempo, é Jarrett tocando percussão ou sax soprano, instrumento que ele abandonaria quando mais velho. Muitas ocasiões para o resto da banda brilhar: o sax tenor de Dewey Redman e o baixo de Charlie Haden com sonoridades mais estranhas e atonais (ambos tocaram longos anos com Ornette Coleman antes de Jarrett “roubá-los”) e a bateria/percussão de Paul Motian explorando mais os ritmos hipnóticos e pouco sincopados. Lá para o meio de cada lado, temos também solos de piano característicos de Keith Jarrett, mas a variedade de estilos e de sonoridades garante que a cada 3 ou 4 minutos tudo mude.
Ecletismo é frequentemente um xingamento que pode significar mais ou menos uma falta de compromisso com um ou outro estilo, também falta de originalidade pois, afinal, quem atira para vários lados acaba às vezes soando como outras pessoas, pecado mal visto em nossos tempos tão obcecados por copyright e propriedade privada até das ideias. Por outro lado, a postura eclética frente ao mundo tem defensores de peso: nunca esqueço aquelas palavras de Guimarães Rosa no Grande Sertão. “Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue.”
Além dessa crítica implícita à fixidez e à previsibilidade dos que só rezam com um único livro, o que Keith Jarrett faz aqui e em outros momentos de sua carreira é mostrar sua atenção e compromisso em cada momento. Não se tem a sensação de que aqui ele está tocando com o quarteto americano só para cumprir o contrato, o que temos é um grupo de músicos sedentos por novidades e com capacidade e treino suficiente para jogar em várias posições sem fazer feio em nenhuma.
Vamos por outro tipo de metáfora… Eu não vi o Pelé jogar mas vi o Romário. O que este último fazia, se a gente colocar por escrito, pode parecer banal: ficava na banheira, pegava a bola, driblava um, dois no máximo e chutava pro gol. Na prática, ele fazia isso de um jeito único e genial. Keith Jarret às vezes é como Romário, fazendo certas melodias e acordes óbvios soarem cativantes de um jeito inesperado. Mas, ao jogar em várias posições, está mais para Pelé ou, se quiserem, Messi.
A partir de 1987 ele começou a gravar obras de compositores do século XVIII, de início sobretudo J.S. Bach. Isso ganhou dimensões maiores nos anos 90: Variações Goldberg no cravo, Concertos de Mozart e o meu preferido dentre esses seus passeios pelos clássicos pré-românticos: as sonatas de C.P.E. Bach ao piano, gravadas em 1994 e lançadas só em 2023 (aqui).
E nos anos 1980 ele abriu mais uma frente de combate, gravando compositores do século XX como Dmitri Shostakovich, Alan Hovhaness e Arvo Pärt. Importante lembrar que Pärt era bem menos famoso na época do que é hoje.
Ao mesmo tempo, Jarrett continuou fazendo recitais de piano solo improvisado… aliás, se ele fosse do tipo que se especializa em uma coisa só, poderia ficar fazendo turnês comemorativas do Köln Concert (1975) que, com milhões de cópias vendidas, é não apenas o grande sucesso comercial de Jarrett mas também o disco de piano solo mais vendido de todos os tempos. O diretor de um documentário sobre o álbum diz que Jarrett não quis dar entrevistas sobre o álbum gravado em Köln (Colônia, na Alemanha):
“Deve ser irritante para um grande músico ser frequentemente questionado sobre aquele concerto específico de décadas atrás” diz (aqui) Vincent Duceau, diretor de Lost in Köln, que compara ainda com um grande pintor que só recebe perguntas sobre um detalhe de um único quadro.
O fato é: Jarrett continuou fazendo concertos solo e lançando discos que registram alguns deles. O meu favorito é La Scala, de 1995, totalmente diferente de Köln e com momentos de graves profundos que talvez tenham certa influência do Concerto de Hovhaness que ele tinha gravado anos antes.
Keith Jarrett – The Survivors’ Suite
1. Beginning [Lado A do LP]
2. Conclusion [Lado B do LP]
American Quartet:
Keith Jarrett – piano, sax soprano, flauta doce baixo, celeste, percussão
Dewey Redman – sax tenor, percussão
Charlie Haden – contrabaixo
Paul Motian – bateria, percussão
Gravado em Ludwigsburg, Alemanha, abril de 1976
Com inteira justiça, o pianista, cravista e organista Keith Jarrett é conhecidíssimo e famosíssimo. Este The Köln Concert é um de seus grandes momentos — talvez o maior deles. Jarrett começou sua carreira no jazz com Art Blakey e Miles Davis. Depois foi contratado como grande estrela da ECM, criou dois quartetos, um americano e outro escandinavo, gravou montes de concertos solo, criou um trio com Gary Peacock e Jack DeJohnette, fez esplêndidas duplas com meio mundo, virou pianista e cravista erudito, gravou O Cravo Bem Temperado, os 24 Prelúdios e Fugas de Shostakovich e também Mozart, Barber, Handel, Pärt, etc., sempre com notáveis resultados artísticos. Creio ter intuído a futura carreira erudita do moço quando ouvi um solo dilacerante de Nude Ants (1979) e vaticinei que ele queria mesmo era tocar Bach. Bem, sei lá se ele já estava tocando clássicos em 79. Bom, mas o que interessa é que The Köln Concert é um trabalho fundamental, principalmente o solo inicial de 26 minutos que contém uma súmula do que é capaz Mr. Jarrett.
Detalhando, The Köln Concert é uma gravação de um concerto ao vivo com improvisações para solo de piano executadas por Keith Jarrett na Ópera de Colônia no dia 24 de janeiro de 1975. O álbum em vinil duplo foi lançado em 1975 pela ECM e tornou-se o álbum solo mais vendido da história do jazz e o álbum de piano mais vendido, com mais de 3,5 milhões cópias comercializadas. Não pouca coisa e é justo que assim tenha sido.
O show foi organizado por Vera Brandes, de 17 anos, então a mais jovem promotora de shows da Alemanha. A pedido de Jarrett, Brandes selecionou um piano de cauda Bösendorfer 290 Imperial. No entanto, houve uma confusão por parte da equipe da Ópera e, em vez disso, eles pegaram outro Bösendorfer nos bastidores — um muito menor — e, presumindo que este fosse o solicitado, colocaram-no no palco. O erro foi descoberto tarde demais para que o Bösendorfer correto fosse colocado no local do show a tempo do concerto da noite. O piano que eles trouxeram era destinado apenas para ensaios e estava em más condições e exigia várias horas de afinação e ajuste para torná-lo tocável. O instrumento era pequeno e pouco agudo nos registros superiores e fraco nos registros graves. Os pedais também não funcionavam bem. Consequentemente, Jarrett frequentemente usou ostinatos e figuras rítmicas da mão esquerda durante sua apresentação para dar o efeito de notas de baixo mais fortes e concentrou sua execução na parte central do teclado. O produtor da ECM Records, Manfred Eicher, disse mais tarde: “Provavelmente Jarrett tocou do jeito que tocou porque não era um bom piano. Como ele não conseguia se apaixonar por seu som, ele encontrou outra maneira de tirar o máximo proveito isto.”
Jarrett chegou à Ópera no final da tarde, cansado após uma longa viagem exaustiva desde Zurique, na Suíça, onde havia se apresentado alguns dias antes. Ele não dormia bem havia várias noites, sentia dores nas costas e precisava de um aparelho ortodôntico. Depois de experimentar o piano e saber que o instrumento substituto não estava disponível, Jarrett quase se recusou a tocar e Brandes teve que convencê-lo a tocar, pois o show estava programado para começar em apenas algumas horas. Além disso, Brandes tinha reservado uma mesa em um restaurante italiano local para Jarrett jantar, mas uma confusão da equipe causou um atraso na refeição que estava sendo servida e ele só conseguiu beber alguns goles de água antes de ir para o concerto. Parecia que tudo ia dar errado e, no final das contas, Jarrett decidiu tocar principalmente porque o equipamento de gravação já estava configurado.
O concerto começou às 23h30. O horário tardio era o único que a administração colocara à disposição da jovem Brandes para um concerto de jazz — o primeiro na Ópera de Köln. O show lotou, com mais de 1.400 pessoas pagaram 4 marcos por cada ingresso. E vocês sabem o que é aquilo que ele faz com a mão esquerda logo no começo da música? Aqueles 4 toques meio solenes? Pois é, ele inicia imitando as badaladas do sino que abre a cortina da Oper Haus em Köln, que são inspiradas no toque dos sinos da Catedral de Colônia. Digo a vocês que, apesar dos obstáculos, a atuação de Jarrett foi… Bem, ouçam: É OBRIGATÓRIO.
Jarrett trouxe calma e lirismo à improvisação livre. Nada neste programa foi preparado antes que ele se sentasse para tocar. Todos os gestos e harmonias intrincadas, as linhas melódicas, os gritos e suspiros do homem, tudo é espontâneo. Embora tenha sido um concerto contínuo, a peça foi dividida em quatro seções porque teve que ser dividida para formar os quatro lados um LP duplo.
Pois bem, a partir do momento em que Jarrett dá seus acordes iniciais e começa a meditar sobre as harmonias, construindo figuras melódicas, combinações de glissandos e temas em ostinato, a música mudou. Para alguns ouvintes, mudou para sempre naquele momento. O som íntimo de Jarrett envolveu os ouvintes em sua busca por beleza e significado.
A genialidade de Keith Jarrett é demonstrada não apenas por seu claro domínio da tradição do jazz, mas também em como ele se desvia dela. A gravação de The Köln Concert demonstra a indefinição de fronteiras de gênero usando temas hipnóticos e improvisações sem fim, criando uma experiência quase religiosa para o ouvinte. Apesar de receber críticas desfavoráveis de alguns fãs de jazz mais conservadores, este álbum é certamente um testemunho do notável senso de improvisação, composição e espontaneidade de Jarrett.
Ainda me lembro do meu primeiro encontro com The Köln Concert. Eu tinha uns 20 anos e estava vasculhando as caixas de jazz e eruditos da extinta King`s Discos aqui em Porto Alegre. O Júlio, lendário atendente da loja, colocou um disco para tocar. Quando as notas de abertura começaram a serem ouvidas, pude sentir imediatamente a mudança no ambiente da loja. Os clientes ergueram os olhos e gradualmente concentraram sua atenção na música que saía dos alto-falantes. Então, algo inesperado aconteceu. Um cliente foi até o Júlio para perguntar o que era aquilo. E adquiriu o vinil duplo. Logo um segundo cliente fez o mesmo. O terceiro fui eu. Imaginem meu desespero se acabasse!
Eu ouvia muito jazz, mas o verdadeiro mistério era o motivo pelo qual os outros clientes, que estavam olhando discos de rock e pop, estavam comprando Jarrett. Uma coisa ficou logo muito clara: aquilo não soava como qualquer outra coisa no mundo da música dos meados dos anos 70. Mesmo quando comparado aos álbuns de jazz, o novo som de Jarrett era diferente. Nos anos 70, o jazz estava fazendo coisas pouco acústicas. Chick Corea e Herbie Hancock, por exemplo, estavam com os dois pés no piano elétrico e as bandas fusion pululavam.
The Köln Concert era o oposto. Jarrett não apenas tocava um piano de cauda (cada vez mais conhecido como piano acústico, naquela conjuntura, para diferenciá-lo dos teclados elétricos), mas também com um grau de sensibilidade e nuance que você não encontraria em outro lugar na música comercial. Ele até arrisca certo sentimentalismo, uma franqueza emocional que muitos artistas de jazz teriam se envergonhado de imitar — especialmente em meados dos anos 70, quando a ironia estava em ascensão como atitude cultural.
No entanto, nos meses seguintes, assisti com espanto ao The Köln Concert entrar na cultura mainstream, alcançando um público que eu poderia ter considerado imune ao apelo de um piano.
E Jarrett fez isso violando quase todas as regras da música comercial. As faixas do The Köln Concert eram longas improvisações de fluxo livre gravadas ao vivo em um recital na Alemanha. Elas careciam de estrutura. Pior ainda, eles eram longas demais para serem tocadas nas rádios. A abertura tinha 26 minutos de duração, e as próximas duas faixas tinham 15 e 18 minutos de duração. Apenas o bis de 7 minutos seguiu algo semelhante a uma forma de música divulgável, mas mesmo isso parecia um mundo à parte dos singles de sucesso do dia. Como tornou-se um tremendo sucesso?
Você pode pensar que os amantes do jazz aceitariam facilmente a música. Mas mesmo eles ficaram céticos. The Köln Concert evitava as síncopes e os sotaques familiares que permeavam os outros álbuns de jazz. Muita gente dizia que o disco não soava muito a jazz.
No entanto, de alguma forma Jarrett contornou tudo isso e conseguiu se tornar um sucesso através do método mais antigo de todos, o boca a boca, o contato pessoal com amigos que possuíam o disco. As vendas enormes nem sempre são recebidas com entusiasmo na comunidade do jazz e uma reação foi inevitável. A franqueza emocional da música e seu melodismo descarado deixaram o álbum especialmente exposto à crítica daqueles que sentiam que a forma de arte do jazz exigia algo mais abrasivo. Quando a horrorosa New Age floresceu alguns anos depois, houve inúmeros imitadores de menor talento imitando (e diluindo) a visão estética das improvisações de Köln e talvez até o próprio Jarrett se perguntasse “o que fiz?”.
Eu entendo as críticas dos jazzistas conservadores, mas não concordo com elas. Jarrett fez algo novo (e honesto) naquela noite. Ele criou um trabalho visionário que ainda chama a atenção dos ouvintes de primeira viagem hoje — da mesma forma do que naquele dia em meados dos anos 70, quando o ouvi pela primeira vez em uma loja de discos. A música se manteve, era na verdade muito melhor do que muitos dos projetos carregados de pose e que pareciam muito mais progressivos na época.
Claro, a maioria do público que descobriu Keith Jarrett com The Köln Concert nunca abraçou o resto de sua obra. Eu teria ficado encantado em ver Facing You ou o Concerto de Bremen ou os álbuns dos quartetos de Jarrett do período — e os de outros artistas de jazz merecedores — também encontrarem o grande público. Dessa perspectiva, a promessa de Köln nunca foi cumprida. Mas não podemos culpar Jarrett por isto. E ele certamente também não pode ser culpado por seus imitadores banais, ou repreendido por suas vendas. De sua parte, ele não almejava um disco de sucesso e, ao contrário de muitos de seus contemporâneos na cena do jazz, nunca fez a menor tentativa de impor uma tendência ou mesmo abraçar as fórmulas aceitas de discos comerciais. Além disso, nunca tentou recriar o ambiente especial daquela apresentação. Ele viu aquele dia como um evento único. Simplesmente confiou em sua música, em seu talento, e corajosamente se lançou. E, afinal, não é disso que trata o jazz?
Keith Jarret – The Köln Concert
1. Köln, January 24, 1975, Part I 26:01
2. Köln, January 24, 1975, Part IIA 14:54
3. Köln, January 24, 1975, Part IIB 18:14
4. Köln, January 24, 1975, Part IIC 6:56
Interessante o nome desse CD, “Yesterdays”, assim mesmo, no plural. Acho que coloquialmente alguém fala de repente em ‘ontens’, no sentido de que nossa vida passada na verdade foram outras vidas, outras realidades, outras alternativas, outros rumos oferecidos, que optamos em não seguir.
E é neste sentido que resolvi escrever este texto em homenagem aos 80 anos de um de meus maiores ídolos, o imenso Keith Jarrett, que de certa forma me ajudou a escolher meus caminhos, me orientou a fazer minhas escolhas. Somos o que escolhemos ser, tivemos alternativas se abrindo à nossa frente, e se estou neste quarto de um pequeno apartamento em uma cidade do interior do país, muito se deve a este gigante dos teclados, que me inspirou na juventude a ser o ‘fora do padrão’, por assim dizer, e explico. Em nossos vinte e poucos anos de vida não sabemos de nada, procuramos nosso rumo. Alguns se inspiram em seus pais (muitos de meus amigos filhos de médicos e advogados se tornaram médicos e advogados), outros procuram trilhar outros caminhos, procurar outras possibilidades, em todos os sentidos, inclusive quando se trata de nossas sensibilidades e gostos musicais. Ouço fulano pois todos os meus amigos ouvem, não ouço rock pois não sei o que estão cantando, enfim, foi ignorando estes comentários que fui aos poucos tomando um rumo, que me levou a este imenso mundo do Jazz e da música clássica. Um dia me caiu em mãos o “Nude Ants”, e o resto é história. Ouvi, reouvi, analisei, suspirei, gritei, assim como este pianista que geme, chora, suspira, grita em seus solos. Poucos músicos se envolvem e se entregam tanto quando estão tocando. E então entendi que aquele ali era o meu destino.
Citando uma velha canção do Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. E foi ouvindo Keith Jarrett e seus fiéis escudeiros, Peacock e DeJohnette, ou mesmo Jarrett em seus discos solos, que entendi o significado desta frase tão forte e intensa.
Mestre Keith Jarrett está completando 80 anos. E que venham mais 80 … sua contribuição para o bem da humanidade está aí, registrado em suas gravações, em seus discos, CDs, plataformas de streaming, e a minha velha edição do “Nude Ants” está guardada ali entre os meus LPs, há mais de quarenta anos. E ali vai ficar, pois sempre volto a ele. É um porto seguro para os momentos de maior angústia e tensão.
01-Strollin’
02-You Took Advantage Of Me
03-Yesterdays
04-Shaw’nuff
05-You’ve Changed
06-Scrapple from the Apple
07-A Sleepin’ Bee
08-Smoke Gets in Your Eyes
09-Stella by Starlight
Keith Jarrett – Piano
Gary Peacock – Double Bass
Jack DeJohnette – Drums
Então vocês pensavam que iam ficar livres de fazer downloads? Nada disso! Recebemos o golpe do MegaUpload, perdemos muitos links de uma só vez e seguimos. Já sei que receberemos muitos pedidos de revalidações de links, essas coisas. Bem, digo com todo o respeito, fodam-se. Se você não comprou aquele HD externo e guardou tudo, só lamento. Por sorte, as minhas postagens permanecem pelo fato de eu usar sempre o detestado, bom e velho Rapidshare. Pura sorte, pois não creio que a Suíça seja menos subserviente aos EUA do que a Nova Zelândia. Ah, já leram isso?
Keith Jarrett, Gary Peacock e Jack DeJohnette. Não preciso apresentar ninguém. O CD começa com uma faixa chamada Meaning of the Blues… Olha, numa boa, I Felt in Love Too Easily.
Keith Jarrett, Gary Peacock e Jack DeJohnette: Standards, Vol. 1 e 2
CD 1
1. Meaning of the Blues
2. All the Things You Are
3. It Never Entered My Mind
4. The Masquerade Is Over
5. God Bless the Child
Do começo ao fim, somos brindados com uma mistura de humores neste primeiro trabalho de Keith Jarrett e seu quarteto escandinavo. Astuto e consistente, Belonging traz cada músico em ótima forma. Todos têm seu momento de destaque. O trabalho de Jarrett é, claro, soberbo do começo ao fim, mas é a energia subjacente à sua execução que realmente parece impulsionar as coisas. O álbum é ziguezagueante, indo habilmente do abandono de balançar a cabeça para a escuridão pesada. As baladas constituem as passagens mais longas de Belonging. Na maior parte, sax e piano são unificados, como se estivessem caminhando em ambos os lados da mesma rua, embora às vezes pareçam olhar em direções opostas, como se estivessem envolvidos em um longo debate, inseguros se a reconciliação pode ser alcançada no meio de tanta conversa.
.: interlúdio :. Keith Jarrett Quartet: Belonging
A1 Spiral Dance 4:08
A2 Blossom 12:18
A3 ‘Long As You Know You’re Living Yours 6:11
B1 Belonging 2:12
B2 The Windup 8:26
B3 Solstice 13:15
Bass – Palle Danielsson
Drums – Jon Christensen
Piano, Composed By – Keith Jarrett
Soprano Saxophone, Tenor Saxophone – Jan Garbarek
Apresento este belíssimo CD de Keith Jarrett. Trata-se de um concerto solo gravado teatro La Scala em 1995 que difere um pouco de outros que Jarrett gravou antes e depois. Há uma Parte I de 45 minutos de uma improvisação lenta e triste, belíssima. FDP me disse que é apaixonado por este trabalho. A Parte II é mais moderninha e também excelente. A surpresa fica para uma interpretação de Over the Rainbow ao final. Ficou bonito.
Keith Jarrett – La Scala
1. La Scala – Part I
2. La Scala – Part II
3. Over the Rainbow (Arlen, Harburg)
Certamente, este No End concorre ao prêmio de CD de Jazz Mais Chato de Todos os Tempos ou, pelo menos, ao de Disco Mais Chato de Jarrett. Nele, em gravação de estúdio realizada em 1986, Keith Jarrett toca tudo — guitarra, baixo, percussão, tablas, o diabo — , até piano em alguns poucos momentos. O resultado é algo sem graça e indirecional: não sabe bem de onde ele saiu nem onde quer chegar com suas improvisações quase sem temas, só de climinhas pseudo-exóticos. Há momentos legais em meio à maior diluição, mas a coisa simplesmente não para em pé. Ouçam e me digam o que acharam.
Keith Jarrett — No End (2013)
Disc: 1
1. I
2. II
3. III
4. IV
5. V
6. VI
7. VII
8. VIII
9. IX
10. X
Disc: 2
1. XI
2. XII
3. XIII
4. XIV
5. XV
6. XVI
7. XVII
8. XVIII
9. XIX
10. XX
Keith Jarrett: electric guitars, fender bass, drums, tablas, percussion, voice, recorder, piano.
Sons estranhos, gente esquisita. O prazer em alternar momentos de melodias relativamente comuns com sonoridades que dificilmente se ouviu antes… É essa a música que, juntos, fazem o contrabaixista estadunidense e o pianista búlgaro neste álbum. O nome First meeting dava a entender que os dois pretendiam se encontrar mais vezes, mas o filho de Charlie Haden explica aqui que essa primeira gravação – não o primeiro encontro dos dois, apenas o primeiro com microfones – acabou sendo também a última dos dois juntos:
Milcho Leviev was born in Bulgaria in 1937. Same year as my father. He was appointed as the conductor of the Bulgarian National Radio Big Band in 1962. He moved to Los Angeles in 1970. He worked with Don Ellis, Billy Cobham, Lainie Kazan, and Art Pepper.
Charlie had lots of respect for his piano playing. I remember my dad walking around saying “Milcho” a lot. I think Milcho conducted Liberation Music Orchestra when Carla wasn’t available, for a time.
Milcho and Charlie played L.A. gigs together in the early to mid-1980s. They played at the Comeback Inn. They played at a festival celebrating the Olympic Games in 1984. I have a memory of Milcho conducting the Liberation Music Orchestra at McCabe’s Guitar Shop around this time.
After First Meeting, the musical relationship stopped. He and my father never recorded together again. Milcho had a long, distinguished career in the studio, touring, and teaching. He never quite broke through commercially. Milcho died in 2019.
First Meeting
1. When will the Blues leave? (O. Coleman)
2. Nardis (M. Davis)
3. Beaup (M. Leviev/C. Haden)
4. J.S. (J.S. Bach / M. Leviev)
5. Monk’s moment (E. Harris)
6. Chairman Mao (C. Haden)
7. What’ll I do ? (I. Berlin)
8. Silence (C. Haden)
Um absurdo de bom este Hamilton de Holanda. Tudo é bom neste CD ao vivo. As interpretações, as composições — das 8 faixas, 4 são de Hamilton — e, vocês sabem, quando é Milton é bom. Hamilton tem uma longa discografia seja suas próprias composições ou homenagens a alguns de seus ídolos. Ele lançou suas gravações em sua própria gravadora independente, Brasilianos, ou em parceiros mundiais como Universal, ECM, MPS, Adventure Music. Ele entende que a indústria musical precisa de definições de categorias para a música que toca, como por exemplo Jazz, Brazilian Jazz, Brazilian Popular Music; mas para ele a inspiração transcende os rótulos, é algo que cresce livremente sem a necessidade de ser definido. Gosta de se explicar como um explorador musical em busca de beleza e espontaneidade. Dividiu o palco ou gravou com Wynton Marsalis, Chick Corea, The Dave Mathews Band, Paulinho da Costa, Chucho Valdes, Egberto Gismonti, Ivan Lins, Milton Nascimento, Joshua Redman, Hermeto Pascoal, Gilberto Gil, Richard Galliano, John Paul Jones, Bela Fleck, Stefano Bollani entre muitos outros.
.: interlúdio :. Hamilton de Holanda: 01 byte 10 cordas
1 . No Rancho Fundo — Ary Barroso , Lamartine Babo
2 . Ainda Me Recordo — Pixinguinha , Benedito Lacerda
3 . O Sonho — Hamilton de Holanda
4 . 01 Byte 10 Cordas — Hamilton de Holanda
5 . Pedra Sabão — Hamilton de Holanda
6 . Flor Da Vida — Hamilton de Holanda
7 . Disparada — Théo de Barros , Geraldo Vandré
8 . Adiós Nonino — Astor Piazzolla
Hamilton de Holanda, bandolim solo (gravado ao vivo no Rio Design Leblon, Rio de Janeiro (RJ), nos dias 16/12/2004 e 13/01/2005).
A cantora paulista Eliane Elias se mudou jovem para os Estados Unidos. É mais um daqueles casos de músicos brasileiros que fazem muito sucesso no exterior mas são desconhecidos no Brasil. Dona de uma discografia imensa, ganhadora de inúmeros prêmios, incluindo dois Grammy Latinos, ela atua como uma embaixadora brasileira da boa música.
Já tocou com muitos músicos de jazz renomados, nem vou listá-los pois a lista é enorme. Teve uma filha com o trompetista norte americano Randy Brecker, a também cantora e compositora Amanda Brecker. Cunhada de um de meus saxofonistas favoritos, Michael Brecker, participou de um dos grandes grupos de Jazz dos anos 80 e 90, o Steps Ahead, banda que ainda pretendo trazer aqui no PQPBach.
Vou trazer para os senhores dois discos dela dedicados a Tom Jobim em sequência, um de 1998, ‘Eliane Elias Sings Jobim” e em outro momento “Eliane Elias Plays Jobim”, também gravado pelo prestigioso selo de Jazz Blue Note. Nos dois discos o que ouvimos é música brasileira de primeira qualidade, interpretada por músicos de altíssimo nível.
Nesta primeira postagem temos “Eliane Elias Sings Jobim” gravado pelo selo Blue Note. Nele ouviremos diversos clássicos da Bossa Nova, com produção do grande Oscar Castro Neves, onde a voz tímida, sem muita força, às vezes quase sussurrada de Eliane, contrasta por vezes com a impetuosidade de um piano virtuoso, porém discreto. Exceção é “Esquecendo Você”, onde um belíssimo solo de piano se destaca. Em “Falando de Amor” ela tem apenas o acompanhamento do violão de Castro Neves, um dos melhores momentos do disco, com certeza. Em “Garota de Ipanema” “Ela é Carioca” e “A Felicidade” o sax de Michael Brecker se destaca, porém sem muitos vôos virtuosísticos do músico. O acompanhamento do Contrabaixo de seu companheiro Marc Johnson e a Bateria de Paulo Braga completam a lista dos músicos. Neste disco eu diria que a voz se sobressai ao piano, os solos são muito discretos e pontuais. Temos aqui com certeza um belíssimo disco de Bossa Nova.
Espero que apreciem.
1 Garota De Ipanema
2 Samba De Uma Nota Só
3 Só Danco Samba
4 Ela E Carioca
5 Anos Dourados
6 Desafinado
7 Falando De Amor
8 Samba Do Aviao
9 A Felicidade
10 Por Toda A Minha Vida
11 How Insensitive
12 Esquecendo Voce
13 Pois E
14 Amor Em Paz
15 Modinha
16 Caminhos Cruzados
Eliane Elias – Piano e Voz
Marc Johnson – Contrabaixo
Oscar Castro-Neves – Violão
Paulo Braga – Bateria
Michael Brecker – Sax Tenor
Café – Percussão
Estava com saudades deste disco onde Egberto passa uma régua em suas composições até 1987. Tudo num disco solo, com ar de sarau caseiro e competência de clube de jazz americano ou londrino. Claro que é uma enorme redução e ninguém deve pensar que passa a conhecer o Egberto pré 1987 ouvindo Alma. Aquele foi um período tão criativo que Alma é uma passadinha pelos momentos mais curtos e melódicos do compositor. Por exemplo, como incluir em Alma o notável e irrepetível Dança das Cabeças? E todos as variações que resultaram em memoráveis discos da ECM? Bem, mas para quem quer conhecer um pouco ou lembrar Egberto, Alma é excelente.
Disco super classudo que reúne duas lendas da música norte-americana. Francis Albert Sinatra e Edward Kennedy Ellington, compartilharam essas interpretações elegantes feitas em 1967. Ouvi e respeitei os padrões populares do jazz da época, dos quais Sinatra e Ellington eram expoentes. Frank estava em ótima forma — não era mais o cantor dos meados dos anos 50, quando fez todos aqueles álbuns lendários com Nelson Riddle — mas ainda era o melhor cantor pop estadunidense. A orquestra de Ellington ainda incluía todos aqueles solistas virtuosos que são bem apresentados pelos arranjos de Billy May. O som remasterizado é excelente. Minhas favoritas: Follow me, Sunny, I like the sunrise (que arranjo!, que arranjo!) e Yellow days.
.: interlúdio :. Frank Sinatra & Duke Ellington: Francis A. & Edward K.
1 Follow Me
Written-By – Lerner*, Loewe*
4:00
2 Sunny
Written-By – B. Hebb*
4:05
3 All I Need Is The Girl
Written-By – Styne*, Sondheim*
4:55
4 Indian Summer
Written-By – Dubin*, Herbert*
4:15
5 I Like The Sunrise
Written-By – Duke Ellington
5:05
6 Yellow Days
Written-By – A. Bernstein*, A. Carrillo*
4:55
7 Poor Butterfly
Written-By – Golden*, Hubbell*
4:20
8 Come Back To Me
Written-By – Lerner*, Lane*
4:40
Na semana do dia internacional da mulher, um álbum de free jazz com solos incendiários sobre composições de Carla Bley. Se hoje a funkeira MC Carol canta meu namorado lava minhas calcinhas, se ele ficar cheio de marra eu mando ele pra cozinha… a Carla Bley podia dizer: meu marido toca as minhas melodias. E depois, quando virou ex-marido, Paul Bley (1932-2016) continuou tocando.
Carla Bley, nascida Carla Borg (1936-2023), era pianista assim como o seu ex, mas ela dizia que era 1% pianista e 99% compositora. Em uma entrevista na qual comentou a sua infância em uma casa onde os pais eram músicos, Carla comentou: “comecei a aprender música antes de aprender a andar.” (aqui).
I began learning music before I was able to walk, and I was surrounded by music at home from as early as I can remember. As a very young child I assumed everyone was a musician. I’ve since learned this is not true.
Paul Bley Quintet – Barrage
1. Batterie – 4:19
2. Ictus – 5:24
3. And Now the Queen – 4:21
4. Around Again – 4:15
5. Walking Woman – 4:18
6. Barrage – 5:31
All compositions by Carla Bley
Paul Bley – piano / Marshall Allen – alto saxophone / Dewey Johnson – trumpet / Eddie Gómez – double bass / Milford Graves – percussion
O que torna um artista um artista diferenciado e único? Além de sua técnica, claro, creio que seja sua capacidade de se reinventar, não ter medo de mudar, característica típica dos grandes mestres, e poucos ousaram e se reinventaram como Pat Metheny, que com certeza está inserido no rol dos grandes guitarristas dos século XX e XXI. Produziu muito e não teve medo de se arriscar. Em determinado momento fomos surpreendidos pela ausência nos discos de seus velhos amigos Lyle Mays e Steve Rodby. Mergulhou então de cabeça em novos projetos, com registros ao vivo com outros músicos espetaculares, ou discos solo acompanhado apenas por um violão.
Já há muito tempo pretendia postar essa obra prima do seu grupo, o Pat Metheny Group, “Travels”, gravado ao vivo ali nos inícios dos anos 80, e que mostra a força e qualidade deste músico excepcional. Sua técnica é impressionante, independente se usa a clássica Guitarra Ibanez semiacústica ou a Casio sintetizada, dois instrumentos aos quais ele sempre se manteve fiel.
Não temo em dizer que Pat Metheny criou um novo gênero do jazz, sempre apoiado pela gravadora ECM, que desde o início o ajudou a moldar uma personalidade musical própria, Suas composições sempre nos dão uma sensação de imensidão, de longas estradas, longos espaços. Seus solos sempre mostram um virtuosismo contido, mas presente. As notas não são aleatórias, estão sempre onde deveriam estar. Para resumir, é um músico completo.
Dentre seus parceiros neste disco maravilhoso estão o pianista e tecladista Lyle Mays, o baixista Steve Rodby, dois músicos com os quais gravou vários discos clássicos, que culminaram em uma obra prima intitulada “The Road to You”, que é, em minha modesta e inútil opinião, um dos melhores discos ao vivo já gravados. Além dessa dupla, temos o baterista Dan Gotlieb e o nosso imenso Naná Vasconcelos.
Espero que apreciem.
Pat Metheny Group – Travels
1 Are You Going With Me?
2 The Fields, The Sky
3 Goodbye
4 Phase Dance
5 Straight On Red
6 Farmer’s Trust
7 Extradition
8 Goin’ Ahead / As Falls Wichita, So Falls Wichita Falls
9 Travels
10 Song For Bilbao
11 San Lorenzo
Pat Metheny – Guitar, Guitar Synths
Lyle Mays – Piano, Keyboards
Steve Rodby – Bass
Dan Gotlieb – Drums
Nana Vasconcelos – Percussion, Voice
Durante aproximadamente 10 anos fiz uma ponte rodoviária entre Florianópolis, onde estudava e morava com meus pais e irmãos, e a cidade onde vivia minha futura esposa, companheira, namorada. Eu estudava e trabalhava em Floripa e ela trabalhava na cidade cujo nome não vem ao caso, então eu embarcava ou na sexta feira de noite ou no sábado de manhã e voltava para a capital catarinense no domingo de noite. São estas situações que fortalecem um relacionamento, e mostram o quão importante é a confiança entre o casal: estamos juntos há trinta e um anos. Enfim, para matar o tédio da viagem, que durava em média entre duas horas e duas horas e meia, eu ouvia música. Comprei um cd player portátil da Sony, que me acompanhou até há poucos anos atrás, e ia ouvindo meus cds.
O disco que provavelmente eu mais ouvi nestas viagens foi essa pintura, essa obra prima do Pat Metheny Group, “The Road to You” que, conforme comentei em postagem anterior, considero um dos melhores discos ao vivo já gravados. E um dos mais bonitos. Impossível não se render à beleza das harmonias, à incrível complexidade dos solos de Metheny e de seus músicos, e à voz maravilhosa de Pedro Aznar, com vocalizações incríveis, que me arrepiam até hoje quando às ouço. E hoje, pensando neste título tão singular, vejo que inconscientemente eu absorvia aquele disco como a trilha sonora daquela viagem semanal, o objetivo de todo aquele ‘sofrimento’ de ida e volta era o reencontro com a mulher amada, a certeza de que ela estava me esperando. Como comentei essa rotina durou dez anos, até eu me mudar em definitivo para a cidade dela, onde vivo até hoje, e onde pretendo terminar meus dias, sempre ao seu lado.
Passados quase vinte anos daquela rotina, e às vésperas de completar 60 anos, ouvindo novamente esse álbum duplo depois de alguns anos, ainda encontro nele as mesmas sensações e as mesmas emoções. E continuo com a mesma opinião: com certeza é um dos melhores e mais belos discos ao vivo já lançados. Cada faixa é uma explosão de sentimentos, cada solo é uma busca da nota perfeita, nada sobra ou falta. Poucos são os músicos que atingem este nível de qualidade e talento.
Ao ouvi-lo hoje, talvez a única diferença seja o fato de que não preciso chegar ao final da viagem e daquela maratona sonora para encontrar a mulher amada: ela está a apenas uma parede de distância, se me virar a vejo. E sorrio.
Pat Metheny Group: The Road to You
01 – Have You Heard
02 – First Circle
03 – The Road To You
04 – Half Life Of Absolution
05 – Last Train Home
06 – Better Days Ahead
07 – Naked Moon
08 – Beat 70
09 – Letter From Home
10 – Third Wind
11 – Solo From More Travels
Pat Metheny – Guitars
Lyle Mays – Piano & Keyboards
Steve Rodby – Bass
Paul Wertico – Drums
Armando Marçal – Percussion
Pedro Aznar – Percussin, Acoustic Guitar, Percussion, Sax, Voice
Música velha e deliciosa continua saindo da toca — coisas que ninguém sabia que tinham sido gravadas até meio século depois. O gigante do saxofone Coltrane tocou com o genial Monk por apenas seis meses em 1957, e os resultados foram registrados em algumas fitas mal conservadas. Mas, em janeiro deste ano, um funcionário da Biblioteca do Congresso, Larry Appelbaum, encontrou algumas fitas rotuladas como “Event 11/29/57 Carnegie Jazz Concert No 1”. O concerto do Carnegie Hall contou com uma série de estrelas do jazz — incluindo o quarteto Monk/Coltrane, com Monk em um bom piano e a qualidade da gravação incomensuravelmente melhor do que as fitas que citei antes. Coltrane, que estava se recuperando depois largar a heroína naquele ano, teve, no começo, muitos problemas com as composições tortuosas de Monk. Mas este show foi gravado quatro meses após e a parceria já soa sensacionalmente. Aparece um Coltrane apaixonado em Monk’s Mood, e os dois ecoam um ao outro conscientemente na gaguejante Evidence. Os acordes e a imaginação de Monk dominam Crepuscule com Nellie; Nutty e Epistrophy têm um swing sinistro; Blue Monk sorri. Incendiado, liberto e educado pelo encontro, Coltrane gravaria seu primeiro grande marco pessoal, Blue Train, apenas dois meses depois.
Thelonious Monk Quartet with John Coltrane at Carnegie Hall
Early Show
Monk’s Mood 7:52
Evidence 4:41
Crepuscule With Nellie 4:26
Nutty 5:03
Epistrophy 4:29
Late Show
Bye-Ya 6:31
Sweet And Lovely 9:34
Blue Monk 6:31
Epistrophy (Incomplete) 2:24
Thelonious Monk – piano
John Coltrane – tenor saxophone
Ahmed Abdul-Malik – bass
Shadow Wilson – drums
Se você entende inglês, mesmo de maneira amadora, vai perceber que essas lindas canções, interpretadas magnificamente pela diva Ella Fitzgerald, falam de frio, neve, bonecos de neve e trenós, tudo muito contrastante com a realidade que vivemos essa época do ano, desse lado de cá do equador. Mas, há nesse período de festas e nessas canções também, algo universal, que é comum a todos, do Tahiti até a Kashmira. O Natal e as comemorações de Ano Novo exacerbam em nós a busca de estar com as pessoas que amamos, aquelas que nos fazem sentir parte de um grupo, de pertencimento. É claro que as canções são alegres e divertidas, afinal a ocasião é propícia. Mas essa animação pode esconder sentimentos de solidão ou de ausência de alguma querida pessoa. Você poderá perceber isso lá pela terceira canção do disco, onde o desejo é de apenas um momento de paz, de leveza, e na quarta canção – What are you doing for New Year’s Eve? – a busca por estar com alguém é ainda maior. Mas é apenas uma nota de melancolia, para lembrar nossas fragilidades, e depois a alegria já estará de volta, completando o disco com a canção White Christmas, uma forma de desejar um Natal perfeito!
Neste ano no qual o blog chegou à maioridade, é isso que desejamos a todos os nautas e simpatizantes, leitores assíduos ou casuais – um Natal Perfeito, seja lá como for, à sua moda!
E não esqueça: What are you doing for New Year’s Eve?
It’d be hard to imagine a happier wish than the one this jazz vocal legend offers her listeners on this urbane-yet-homey collection of holiday favorites. The First Lady of Song recorded these tunes in 1960, at the peak of her interpretive powers. As such, she puts her singular stamp on everything from a sultry vamp like “What Are You Doing New Year’s Eve” to the sweet and cozy “The Christmas Song.” Even potentially shopworn standards like “Santa Claus Is Comin’ to Town” sound fresher when they’re coming from Ella Fitzgerald. –David Sprague
Seria difícil imaginar um desejo mais feliz do que aquele que esta lenda vocal do jazz oferece aos seus ouvintes nesta coleção urbana, mas caseira, de canções de Natal. A Primeira Dama da Canção gravou essas músicas em 1960, no auge de sua capacidade interpretativa. Como tal, ela coloca sua marca singular em tudo, desde a sensual “What Are You Doing New Year’s Eve” até a doce e aconchegante “The Christmas Song”. Mesmo velhas canções potencialmente desgastadas como “Santa Claus Is Comin’ to Town” soam mais frescas quando cantadas por Ella Fitzgerald. –David Sprague
Aproveite!
René Denon
PS1: Há no Spotify uma versão desse álbum com canções adicionadas e até uma animação.
PS2: Se você gostou dessa postagem, poderá visitar:
Antes que o ano acabe, vamos lembrar aqui de mais três discos com o fabuloso baterista Billy Cobham que completou 80 primaveras. Dois dos anos 1970, quando Ron Carter sempre o convidava para seus grupos, e um dos anos 2000 em que Cobham se mistura com percussões cubanas.
A quantidade de álbuns gravados por Ron Carter é tão grande que não surpreendente o fato de alguns serem pouco lembrados. Seja acompanhando gente como Milt Jackson, Tom Jobim, Miles Davis, McCoy Tyner e Roberta Flack (a lista poderia ser 15 vezes maior, mas ficaria cansativo) ou como líder, é música pra se ouvir ao longo de décadas. Em New York Slick (1979), ele assina todas as composições e também os arranjos para um grupo com três sopros: flauta, trombone e flugelhorn (um parente próximo do trompete). É a flauta de Hubert Laws que fica com os solos mais longos e mais saborosos: ao contrário do som mais angelical e agudo comumente associado à flauta, aqui o instrumento ganha um caráter mais noturno e um timbre rico como o do baixo de Carter, até porque na maioria das vezes Laws toca a flauta alto, maior e um pouco mais grave que a soprano.
Um ano depois, Ron Carter reuniu em estúdio mais ou menos os mesmos músicos do disco anterior, reforçados por mais um trompetista, um saxofonista e um guitarrista, para gravarem os seus arranjos da trilha sonora de “O Império Contra-Ataca” da 1ª trilogia de Star Wars. Eu não costumo gostar desses concertos em que orquestras ou grupos de jazz tocam trilhas sonoras de filme, de videogame… Nada conta quem gosta, é melhor ir ver um concerto desses do que certas diversões como ir pra um país em guerra pra pegar mulher, como fez um certo brasileiro. O que me incomoda provavelmente é a execução muito preocupada em imitar, no palco, uma música que é de outro contexto, sem fazer as devidas alterações, pôr um toque de pimenta aqui e ali… Uma relação de adoração com uma obra – a trilha sonora – que em sua origem era acessória e por isso mesmo tinha certas limitações à criatividade do compositor. Não é essa a relação de Ron Carter com a música de Star Wars aqui: assim como no caso dos arranjos de Eumir Deodato para R. Strauss e Debussy (aqui), em Empire Jazz (1980) os músicos alçam voos próprios sem se preocupar com a fidelidade às partituras de John Williams.
Nesses dois álbuns de 1979 e 1980, por detrás dos três a cinco instrumentos de sopro, o baixo de Ron Carter e a bateria de Billy Cobham ocupam um outro espaço sonoro com grandes diálogos entre os dois. Muitas vezes os pratos soam mais do que os tambores, nas micro-divisões de tempo características de Cobham.
Já no disco De Cuba y de Panama (2008), há um único sopro (trompete) e Billy Cobham é acompanhado por um naipe de percussionistas tocando congas, bongos e outros instrumentos tipicamente afro-caribenhos. Gravado com o grupo cubano Asere, trata-se de uma parceria um tanto fora da curva na carreira de Billy Cobham, ao contrário daquelas com Ron Carter que se repetiram tantas vezes em estúdio e nos palcos. Para quem gosta de música cubana, com as fortes influências do candomblé que nós brasileiros conseguimos perceber apesar das diferenças de sotaques, é um prato cheio.
Já estamos quase na sexta-feira e o final de semana se aproxima benfazejo; este cão inicia os trabalhos – no clima e no temperamento, ao menos – jogando alto com a intensidade e a vivacidade do jazz de Wes Montgomery.
Aos que precisam de apresentações, não percamos tempo: eis o homem que verteu Django Reinhardt para o jazz e fez da guitarra um instrumento de solo no bop. Clichês à parte, Wes reinventou a guitarra com seu estilo – que não apenas se tornou referencial para todos os guitarristas de jazz posteriores mas encantou cérebros como os de Jimi Hendrix. Não falo muito de técnica porque não muito entendo, e também porque nem sempre é necessário; mas este era um músico que, além de tocar sem palheta, podia dobrar o dedão pra trás até tocar o punho. (Nossa sorte é que ele não se deixou envolver pela gypsy music.)
“Full House” foi gravado em 25 de junho de 1962 no Tsubo, um bar de jazz na Califórnia. O acompanhamento é excelente: o Winton Kelly Trio, que tocava com sempre exigente Miles Davis, e Johnny Griffin, talentoso e veloz saxofonista, amigo dos tempos em que tocaram com Lionel Hampton. Miles estava na cidade e o trio tinha uma noite livre. Toparam fazer um show e em breve mandavam o trompetista às favas para gravar com Wes. Em estúdio, Wes é brilhante; mas nos registros ao vivo, sua música irrompe dos alto falantes para existir como no instante em que foi captada. Mágico assim. A abertura, homônima, tem um dos riffs easy-living mais memoráveis do jazz. De súbito, o solo de Wes cresce com harmonia e suavidade; a seção rítimca insiste em dissonâncias e o guitarrista responde os desafios com mais notas suavemente colocadas nas esquinas do tema. Quer dizer, se você não for cativado pelos 3 minutos do primeiro solo de Full House, tente de novo após uma dose de uísque. Esse é o solo que, uma vez assimilado, vai ser o parâmetro de todos os outros. Momento de gênio em bits digitais? Não deixe passar. Wes é daqueles que toca com a banda, e que surge daqui é um dos menires que marca toda a história.
A faixa dois é a outra face: as baladas. Canções suaves e dedilhadas em notas médias, gentis e suaves e quase bossa nova (no espírito). Uma pausa antes de Blue ‘n’ Boogie, de Gillespie – ou seja, um hard bop de tirar o fôlego) e de Carlba, um swing verdadeiramente rejuvenescedor. Come Rain or Come Shine vem com take duplo (assim como a seguinte, S.O.S. – o rip é da versão desse ano, da Original Jazz Classicas); no take 2, além da qualidade melhor no som, Wes está mais solto, menos preso ao tema. S.O.S tem um riff dobrado de sax e guitarra em alta velocidade que é genial; no take 3, se ouve o sax um pouco mais alto. O encerramento, Born to be Blue, é uma desaquecida – como de costume de Wes, que também gostava de fechar os shows com (uma leitura fantástica de) Round About Midnight, de Monk. Outra balada virtuosa e contemplativa, em solos que deixam refletir a música recém adquirida. A música de Wes Montgomery é generosa e deixa os ouvintes gratificados.
Como fica claro, é um dos meus preferidos entre os preferidos. Ataquem-no!
Post ampliado + links revalidados nov/2011. Ainda bem que o link daquela cópia em 128k expirou; agora o temos em sabor V0. Pra não perder o trem da edição do post, adicionei ainda Far Wes, disco de 1958, tempo em que o jovem Wes ainda era um obscuro guitarrista; neste, que é apenas seu segundo disco, ele começaria a ganhar a atenção devida. A formação tem como base o Montgomery Trio, e as composições próprias já demonstram o caminho que hoje bem conhecemos. No entanto o par de faixas superiores no disco é de outrem: Hymn for Carl e Monk’s Shop se destacam e grudam no ouvido sem pedir licença.
Wes Montgomery – Full House /1962 [V0] Wes Montgomery, guitar; Johnny Griffin, tenor sax; Wynton Kelly, piano; Paul Chambers, bass; Jimmy Cobb, drums. Produzido por Orrin Keepnews para a Riverside download – mediafire /60mB
01 Full House (Montgomery) – 9’14
02 I’ve Grown Accustomed to Her Face (Lerner, Loewe) – 3’18
03 Blue ‘n’ Boogie (Gillespie, Paparelli) – 9’31
04 Cariba take 2 (Montgomery) – 9’35
05 Come Rain or Come Shine take 2 (Mercer, Arlen) – 6’49
06 Come Rain or Come Shine take 1 – 6’49
06 S.O.S. take 3 (Montgomery) – 4’57
06 S.O.S. take 2 – 4’57
07 Born To Be Blue (Tormé, Wells) – 7’23
American jazz guitarist Wes Montgomery (1923-1968) performs with a Gibson L-5 semi acoustic guitar during a recording for the television series ‘Tempo’at ABC TV television studios in May 1965. (Photo by Popperfoto via Getty Images)
Para qualquer fã sério de jazz fusion — não sou um deles –, o lançamento do álbum solo de estreia de Jaco Pastorius não foi nenhuma surpresa. Em grande parte autodidata, aos 22 anos ele já dava aulas de baixo na Universidade de Miami, onde criou uma forte amizade com o guitarrista Pat Metheny, que levaria os dois a gravarem juntos, lançando um LP nada conhecido (simplesmente intitulado Jaco) em 1974. Mas foi só quando ele se tornou um membro do fusion Weather Report que o começou a deixar sua marca. Jaco Pastorius, disco lançado em 1976, é uma vitrine para os talentos incríveis do baixista, sem mencionar sua maturidade como compositor. Junto com no estúdio estavam ninguém menos que alguns dos melhores músicos de jazz da época: Herbie Hancock, Wayne Shorter, Lenny White, David Sanborn, Hubert Laws e Michael Brecker. Até mesmo as lendas do soul / R&B Sam & Dave fazem uma aparição. Acho que este é o disco menos impressionante de Pastorius. Depois ele fez coisa muito melhor, em trabalhos próprios e de outros. Claramente, Jaco Pastorius era um mestre que morreu em circunstâncias trágicas em 1987 aos 35 anos. Jaco permanecerá para sempre um dos baixistas mais proeminentes que o mundo já ouviu. Ele tinha 24 anos quando gravou este disco.
Jaco Pastorius (1976)
1 Donna Lee
Bass – Jaco Pastorius
Congas – Don Alias
Written-By – Charlie Parker
2 Come On, Come Over
Baritone Saxophone – Howard Johnson (3)
Bass Trombone – Peter Graves
Bass, Arranged By [Horns] – Jaco Pastorius
Congas – Don Alias
Drums – Narada Michael Walden
Keyboards – Herbie Hancock
Saxophone [Alto Solo] – David Sanborn
Tenor Saxophone – Michael Brecker
Trumpet – Randy Brecker, Ron Tooley
Vocals – Sam & Dave
Written-By – B. Herzog*
3 Continuum
Bass – Jaco Pastorius
Bells – Don Alias
Drums – Lenny White
Electric Piano [Fender Rhodes] – Alex Darqui, Herbie Hancock
4 Kuru / Speak Like A Child
Bass, Arranged By [Strings] – Jaco Pastorius
Cello – Beverly Lauridsen, Charles McCracken, Kermit Moore
Conductor [Strings] – Michael Gibbs
Congas, Bongos – Don Alias
Drums – Bobby Economou
Piano – Herbie Hancock
Viola – Manny Vardi*, Julian Barber*, Selwart Clarke
Violin – Harold Kohon, Harry Cykman, Harry Lookofsky, Joe Malin, Paul Gershman
Violin, Concertmaster – David Nadien
Written-By [Speak Like A Child] – H. Hancock*
5 Portrait Of Tracy
Bass – Jaco Pastorius
6 Opus Pocus
Bass – Jaco Pastorius
Drums – Lenny White
Electric Piano [Fender Rhodes] – Herbie Hancock
Percussion – Don Alias
Soprano Saxophone – Wayne Shorter
Steel Drums [Alto Pans] – Othello Molineaux
Steel Drums [Tenor Pans] – Leroy Williams (21)
7 Okonkolé Y Trompa
Bass – Jaco Pastorius
Congas, Bata [Okonkolo, Iya], Afoxé [Afuche] – Don Alias
French Horn – Peter Gordon (8)
Written-By – D. Alias*
8 (Used To Be A) Cha-Cha
Bass – Jaco Pastorius
Congas – Don Alias
Drums – Lenny White
Piano – Herbie Hancock
Piccolo Flute – Hubert Laws
9 Forgotten Love
Arranged By [Strings], Conductor [Strings] – Michael Gibbs
Cello – Alan Shulman
Double Bass – Homer Mensch, Richard Davis (2)
Piano – Herbie Hancock
Viola – Al Brown*
Violin – Arnold Black, Matthew Raimondi, Max Pollikoff
(Uma pequena voz causa um enorme rebuliço) era a chamada de uma reportagem de capa da revista Life em 1957 sobre Julie London, cantora e atriz loura, incandescente.
Ela nasceu Julie Peck na ensolarada Califórnia e seus pais eram do show business. Originalmente de Santa Rosa, mudou-se para Los Angeles e como milhares de garotas esperava uma oportunidade no cinema, o que acabou acontecendo. Era amante de jazz e em 1955 gravou um LP – Julie is her Name – com a música Cry me a River, que chegou a ser a nona posição do Billboard Hot 100.
Nos anos que se seguiram seus discos eram esperados ansiosamente pelo seu público por suas canções sussurradas ao microfone com uma voz de contralto sensualíssima e pelas capas nas quais ela aparecia em poses provocantes. Seu terceiro LP, em 1956 – Calendar Girl – trazia uma foto sua para cada mês do ano. Julie London foi uma cantora absolutamente espetacular. Ela admirava Billie Holiday e usava sua própria voz com maestria e inteligência. E apesar dessa imagem de mulher fatal, era uma pessoa muito reservada.
Julie London certamente escolhia seu repertório explorando esse aspecto sedutor, com canções românticas – torch songs, com títulos bem provocantes, como I’m in the Mood for Love, Make Love to Me, Your Number Please, Love Letters. O humor certamente fazia parte, como em Nice Girls Don’t Stay for Coffee ou Easy Does It.
Seu último LP com o provocante nome Yummi, Yummi, Yummi, foi lançado em 1969 trazendo a gravação de Light my Fire. Ela continuou trabalhando como atriz. Entre 1972 e 1977 ela fez o papel de Dixie McCall, a enfermeira-chefe na série Emergency, ao lado de seu marido, Bobby Troup.
Para essa seleção de músicas comecei com um álbum duplo – The Very Best of Julie London. Este álbum foi lançado no Brasil em dois volumes, mas com menos músicas do que o lançamento americano. Eu acabei escolhendo as músicas que eu gosto mais, que ouço mais frequentemente. Depois acrescentei algumas de outros LPs, mas isso cabe a você descobrir.
Tentei fazer um balanço entre as músicas românticas e aquelas mais sapecas, como Fly Me to the Moon, Let There Be Love, Wonderful ou a deliciosa Makin’ Whoopee. Ela, como californiana e atriz de filmes de faroeste, tinha uma queda pelas músicas cantadas em espanhol. Um de seus LPs – Latin in a Satin Mood – tem esse repertório, é claro que com a perspectiva americana, mas eu acho sensacional. Escolhi daí algumas músicas que estão no fim do primeiro arquivo, além de Swain (Quien será?). Você poderá ouvir uma espetacular gravação de uma música que o boss da nossa corporation jura ter sido copiada quase literalmente por um compositor romântico em seu único concerto para piano, escrito para sua amada e idolatrada esposa. A inspiração deve ter sido captada pelo título da música: Besame Mucho.
Julie também era sensível às novas tendências musicais, como você poderá ouvir nas canções Slightly out of Tune, mais conhecida pelo título original – Desafinado, e a já mencionada Light my Fire, da banda Doors e sucesso na voz de José Feliciano.
Preste bastante atenção aos acompanhamentos, que variam de canção para canção, afinal trata-se de uma compilação. Desde violinos em alguns números, passando por outras mais intimistas, com formações típicas de grupos de jazz. Na seleção você encontrará canções que se tornaram famosas nas vozes de Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, Billie Holiday, e que encontraram em Julie London uma grande intérprete.
The Very Best of Julie London!
Volume 1
Fly Me To The Moon (In Other Words) (Bart Howard)
Cry Me A River (Arthur Hamilton)
Blue Moon (Richard Rodgers & Lorenz Hart)
Sway (Quien será?) (Luis Demetrio & Pablo Bestrán Ruiz)
When I Fall In Love (Victor Young & Edward Heyman)
Misty (Erroll Garner)
Slightly Out Of Tune (Desafinado) (Tom Jobim)
Let There Be Love (Lionel Rand)
How Deep Is the Ocean (Irving Berlin)
Makin’ Whoopee (Walter Donaldson & Gus Kahn)
The More I See You (Harry Warren)
A Taste Of Honey (Bobby Scott & Ric Marlow)
Black Coffee (Sonny Burke & Paul Francis Webster)
Blues In The Night (Harold Arlen)
‘Round Midnight (Thelonius Monk)
As Time Goes By (Herman Hupfeld)
Frenesi (Alberto Domínguez)
Be Mine Tonight (Noche De Ronda) (Agustin Lara)
Yours (Quierme Mucho) (Gonzalo Roig)
Bésame Mucho (Consuelo Velasquez)
Volume 2
I Left My Heart In San Francisco (George Cory & Douglass Cross)
Diamonds Are A Girl’s Best Friend (Leo Robin & Jule Styne)
Goody Goody (Matty Malneck)
Light My Fire (Robby Krieger – The Doors)
Body And Soul (Johnny Green)
God Bless The Child (Billie Holiday)
They Can’t Take That Away From Me (George Gershwin)
I’ve Got You Under My Skin (feat. Bud Shank Quintet) (Cole Porter)
Summertime (George Gershwin)
Love For Sale (Cole Porter)
One For My Baby (Harold Arlen & Johnny Mercer)
You Belong To My Heart (Solamente Una Vez) (Agustín Lara)
She had a cool, sultry singing style that never felt forced. Her sophisticated, hip phrasing was deeply nocturnal and consistently relaxed. And she loved off-beat songs and aced them with a beckoning delivery and terrific range backed by seemingly effortless vocal power. Her movie-star looks have nothing to do with her appeal for me. It’s her underappreciated jazz voice and scene-making phrasing that knock me out. [jazzwax.com]
Não sei vocês, mas eu acompanhei com certa distância as eleições nos EUA, assim como os filmes de Hollywood eu não assisto tanto assim e, quando assisto, não é raro o espanto com certos clichês de gosto duvidoso. Mas enxergo uma importante contribuição dos americanos do norte em termos culturais ali no pós 2ª guerra, período em que houve rápida melhoria nas gravações (estéreo a partir dos anos 1950) e surgimento de instrumentos como o sintetizador, a guitarra e o baixo elétrico. Isso tudo seria relevante apenas nos textos sobre técnicas de gravação e construção de instrumentos, se não tivessem surgido junto cenas musicais enormemente interessantes.
Mas ainda no tema das tecnologias à época recentes: era um período e lugar de bonança econômica que permitiram a existência de músicos gravando em dezenas de estúdios e LPs fabricados aos montes, permitindo assim a profissionalização não só de uma meia dúzia de artistas famosos, mas de cenas de jazz com público reduzido porém fiel, com pequenas gravadoras lançando álbuns de variados estilos como o free jazz de Ornette Coleman, Don Cherry e etc., o jazz com percussões latino-americanas e caribenhas, até chegar ao jazz bastante popular de Miles Davis e de Louis Armstrong, que gravavam, ambos, pela Columbia, gravadora de grandes nomes como Lenny Bernstein e Bob Dylan.
Falando em Dylan, ele foi um dos que alcançaram um público bastante amplo com um tipo de persona pública do artista preocupado com questões sociais, com canções de letras longas e sérias, cheias de uma ironia e de uma (falsa ou verdadeira) inteligência que muitos tentariam imitar. Também o Frank Zappa, já no seu primeiro álbum, Freak Out! (1966), tinha um grande foco em letras de crítica social com chutes no saco e cusparadas voltadas para as famílias norte-americanas defensoras dos bons costumes e do “american dream”.
O pianista e band leader Sun Ra, na sua extensa discografia (e a prolixidade de registros em estúdio e ao vivo é uma característica em comum com Zappa), além de dar entrevistas enigmáticas sobre o sonho americano e o racismo, também teve álbuns com música cantada, com letras de crítica social, por exemplo aqui. Neste “The Heliocentric Worlds of Sun Ra vol II” (1966), não temos a cantora June Tyson, que entraria na Arkestra de Sun Ra poucos anos depois. Também não temos aqui uma banda gigante cheia de sopros: apenas cinco músicos entre saxofones, trompete, clarinete baixo e flauta, o que é pouco em comparação com discos dos anos 1970 e 80 em que a Arkestra era uma big band maior. Aqui, então, temos um total de oito músicos incluindo Sun Ra (piano e clavioline, um tipo de sintetizador). Ele tira do instrumento eletrônico sons muito mais grotescos e imprevisíveis do que os sons elegantes do piano elétrico Fender Rhodes, que aliás tanto Ra quanto Zappa usariam na década seguinte. Aqui, curiosamente, os sons eletrônicos de Sun Ra lembram um pouco a sonoridade do saxofone, mais do que a de um piano. O outro destaque maior de “Heliocentric Worlds Vol. II” é o contrabaixista Ronnie Boykins (1935 – 1980) que, como também os saxofonistas, estava próximo do que havia de mais atonal nas sonoridades do jazz dos anos 60.
Sun Ra usou teclados elétricos anos antes de quase todo mundo, sendo um dos pioneiros desses instrumentos no jazz junto com Joe Zawinul e poucos outros, uns cinco a dez anos antes de se falar em jazz fusion. Sun Ra se comportava à parte dessas classificações e terminologias, misturando big band com free jazz, roupas coloridas com solos atonais, liderando improvisos instrumentais mas também dando entrevistas com declarações sérias como as de Dylan e Zappa… Ou seja, era brabo na música e brabo no gogó, com as roupas esquisitas dando-lhe um certo passaporte para falar coisas sérias, afinal, como disse seu contemporâneo Thelonious Monk, às vezes é até bom que as pessoas te considerem louco (“Sometimes it’s to your advantage for people to think you’re crazy”).
Sem aderirem totalmente às modas de cada momento, porque ambos era esquisitos demais para aderir a qualquer moda, Frank Zappa e Sun Ra as tangenciaram às vezes. Aqui, nesses dois discos de 1966, enquanto Zappa faz colagens e distorções de sons – aliás, algo que ele aprendeu ouvindo discos de Edgar Varèse nos anos 1950 (aqui ele fala a respeito).
Mais um detalhe: esta postagem traz o som ripado do LP original de Zappa, no qual a contracapa trazia textos excêntricos e enigmáticos do próprio Zappa. Também o disco de Sun Ra trazia na contracapa trazia um poema do líder da Arkestra. Mais uma semelhança entre esses dois discos de 1966.
The Heliocentric Worlds of Sun Ra, Vol. Two (1966)
1. The Sun Myth (17:20)
2. A House Of Beauty (5:10)
3. Cosmic Chaos (14:15)
Sun Ra – piano, tuned bongos, clavioline, compositions and arrangements
Marshall Allen – alto saxophone, piccolo, flute, percussion
Pat Patrick – baritone saxophone, percussion
Walter Miller – trumpet
John Gilmore – tenor saxophone, percussion
Robert Cummings – bass clarinet, percussion
Ronnie Boykins – bass
Roger Blank – percussion
The Mothers of Invention – Freak Out! [single vinyl rip] (1966)
A1 Hungry freaks, daddy
A2 I ain’t got no heart
A3 Who are the Brain Police?
A4 Motherly love
A5 Wowie Zowie
A6 You didn’t try to call me
A7 I’m not satisfied
A8 You’re probably wondering why I’m here
B1 Trouble comin’ every day
B2 Help, I’m a rock / It can’t happen here
B3 The Return of the son of monster magnet (Unfinished Ballet in Two Tableaux)
all selections arranged, orchestrated and conducted by Frank Zappa
Se daqui a mil anos ainda houver mundo e algum curioso arqueólogo musical se dignar a lançar um perlustro sobre estes nossos tempos, verá que a velha ceifadeira tem feito gordas colheitas na seara musical. Se foram as pessoas, todavia, os nomes e obras embotam a prisca foice. ‘Ars longa vita brevis’, parafraseou Jobim sobre Hipócrates. Nosso gigantesco Arthur Moreira Lima, Quincy Jones, Osmar Milito, Leny Andrade, David Sanborn, o compadre Hélio Gazineo, meu professor o pianista Odeval Mattos; Manuel ‘Guajiro’ Mirabal, Agnaldo Rayol, Sergio Mendes… Este último um formidável músico que soube estar na hora e lugar certos – e permanecer no lugar certo. Tanto que construiu seu ninho nas plagas ideais para cultivar e disseminar seu trabalho, longe das limitações culturais de Pindorama, nos domínios do bode velho Tio Sam. Esta é uma narrativa que iremos aqui fantasiar para que se transfigure através do lúdico, afinal, nossa vida, com um pouco de verniz mitológico, se afigura uma saga de Tolkien – quem, ao longo dos dias, não encontra um dragão e um demônio, uma fada um príncipe, um mago e uma bruxa, um paraíso e um abismo?
Numa ensolarada manhã na década de 60, na cantina do Marshall College em Yale, o Professor Henry Walton Jones Jr., PHD em História e Arqueologia, após conseguir driblar uma chusma de alunos que o emboscavam atrás das notas do último seminário sobre a civilização Asteca, era abordado em meio ao seu café batizado com conhaque por um atarracado e simpático brasileiro de chapéu panamá branco:
Dr. Jones? ‘Yes?’ Me permitiria uma breve conversa? ‘Você é aluno de que turma?’ Não sou aluno, sou pianista. ‘Oh, yes? Sabe, toquei saxofone soprano na juventude! He he he.’ Que bom! Veja, soube que o Sr. nas horas vagas, entre uma aventura e outra, e as aulas, é um excelente carpinteiro! ‘Well, well… digamos que hoje em dia é um hobby.’ Bem, gostaria de contratá-lo para construir meu estúdio em LA! ‘Well, creio que não seria possível, ando muito atarefado em busca de arcas perdidas, caveiras de cristal, cálices sagrados e afins…’ Eis a questão, não se trata apenas de carpintaria. Para construir meu estúdio é preciso encontrar os alfarrábios mágicos de Jobim e de Carlos Lyra, uma donzela de grande beleza que habita as areias de Ipanema, os ritmos e harmonias ancestrais transmutados pelos encantos do jazz de Johnny Alf… Em suma, uma aventura! ‘Gostei da garota. Me interessa. Quando começamos?’
Foi assim que Indiana Jones ajudou a construir o estúdio de Sergio Mendes na Califórnia. Sergio, que permaneceria num certo ostracismo durante anos, todavia, protegido da ingratidão cultural de sua pátria para com o talento de tantos nomes de nossa história musical chamada popular.
“Sérgio Mendes, fluminense (nascido em Niterói), se foi em setembro (06/09/2024), aos 83 anos, em Los Angeles. Sérgio contou – e mostrou – uma foto do ator Harrison Ford em seu estúdio, quando ainda era carpinteiro, aos 28 anos. No fim de 1960, o futuro astro hollywoodiano construiu o estúdio do músico brasileiro em LA – foi o seu primeiro emprego na área. “Sou muito grato ao Sérgio. Ele me encomendou o serviço e se esqueceu de perguntar se eu já havia feito antes algo do gênero. Felizmente ficou legal, disse Ford há alguns anos.”
“Antes de Han Solo, havia um carpinteiro chamado Harrison Ford. E aqui está ele, com sua equipe, no dia em que terminou de construir meu estúdio de gravação, em 1970. Obrigado, Harrison! Que a força esteja com você…, disse Mendes ao publicar a foto em uma rede social, em 2015.”
“Sérgio Mendes foi o brasileiro que mais gravações emplacou no Top 100 das paradas americanas (14, ao todo). Destacam-se: “Mas que nada”, um 47º lugar em 1966; a “Olympia”, um 58º em 1984; em 2020, lançou o doc “Sergio Mendes: no tom da alegria (in the key of joy)”, que vai da infância em Niterói à consagração brasileira do Rock in Rio em 2017, com depoimentos de nomes como Quincy Jones, Pelé, e… Harrison Ford.”
E eu nessa conversa? Well… recentemente, numa mesa de bar, indaguei a um amigo, no decurso de uma conversa ‘cabeça’, se ele vira o último filme do Indiana Jones. Eu já esperava a estranheza, disfarçada, ou relevada pelos vapores do álcool e da amizade. Sim, sou fã. Talvez vi mais vezes Riders of the Lost Arc do que meus avós a Ben Hur, Sansão e Dalila e O Manto sagrado, no tempo em que ir ao cinema era um ritual social, estético e, diria mais, espiritual. Como dizia meu tio Oscar, que tinha um jeito um tanto Wilde de ser, arte é inútil porque serve apenas para provocar um estado de espírito. Estado este que utilizamos para os mais diversos fins, à revelia da finalidade primeva da arte, e uma vez fundamentando literariamente e academicamente o fato, que se danem os intelectuais e cinéfilos de plantão.
O presente disco é uma delícia. Hedonismo sonoro, ou melhor, sibarismo. Sem pretensões de profundidades abismais, evidentemente. Bossa nova instrumental, gênero confortável advindo de um Modus Vivendi confortável. Jamais tal gênero brotaria da agrura de terras nordestinas, por exemplo. Para maiores detalhes, leiam o formidável José Ramos Tinhorão sobre o assunto. O álbum é de 1966, eu nasceria no ano seguinte e levaria 57 anos para o conhecer. O título, para o prazer de quem deseje condenar pelo americanismo, é The Swinger from Rio – eu também não gosto, mas é o que temos. Além do mais, continuam a exaltar o fato de que Jobim gravou com Sinatra quando na verdade o privilégio coube a Blue Eyes, e não o contrário. O próprio sabia disso, porém…
O álbum foi gravado para a Atlantic Records e conta com a participação de artistas convidados, como os formidáveis jazzistas Phil Woods no sax alto, Art Farmer no flugelhorn, e Hubert Laws na flauta; além do próprio Antônio Carlos Jobim na guitarra base! Tião Neto no contrabaixo e Chico Souza na bateria. Sergio ao piano. É um disco breve, porém sumarento em conforto sonoro, beleza típica do gênero, para o privilégio de quem possa ter tempo livre e alma leve para apreciar com cerveja, whisky e tabaco, e quem sabe até a sorte de companhia aprazível – humana, canina ou felina. Na agulha:
Maria Moita
Sambinha Bossa Nova
Batida Diferente
Só Danco Samba
Pau Brazil
The Girl From Ipanema
Useless Panorama (Inútil Paisagem)
The Dreamer
Primavera de Carlos Lira
Consolação
Favela
O disco dura 38 minutos. A vida, pode durar anos, num processo no qual o passado se alarga a cada segundo e o futuro se encurta. Para os dispostos a fazer valer seu espaço sonoro tão transitório, realizar esta arqueologia sonora de aparentemente inúteis paisagens musicais vale muito a pena.
Dedico esta postagem ao amigo Fernando Ribeiro, o sujeito mais bossa nova que conheço – pelo mar, pelo violão, pelo jeito de cantar.
Abaixo, Indi descobrindo o busto da Garota de Ipanema.
Duplo interlúdio duplo? Culpa deste cão, que vai acumulando delícias (como quem enterra ossos) e depois tem dificuldades com o tempo para compartilhar tudo.
Embora nem sempre “mais” seja “melhor”, certamente não haverá reclamações com este conjunto: os novatos abaixo, (re)inventando moda, e um par de discos de dois preferidos da maison PQP Bach (para não dizerem que só falei de jovens). Diversão pra mais de metro de orelha comprida.
Live at Birdland precede Crescent e A Love Supreme, com o mesmo line-up e o inequívoco brilhantismo. Escolhido pela All About Jazz como um dos 10 melhores discos de jazz ao vivo de todos os tempos, este registro de John Coltrane possui, na verdade, apenas as três primeiras faixas registradas no clube Birdland. As outras duas são gravações de estúdio — incluindo “Alabama”, peça em homenagem a quatro crianças mortas num atentado da KKK à uma igreja batista. Ao contrário de muitos discos ao vivo de Trane, este não esgota o ouvinte; é um disco mais contido, a torrente frenética de solos freestyle que caracterizaria seu trabalho no final dos 60 ainda estava em gestação. É bem o período onde Coltrane está transicionando para seus trabalhos seminais, que mudariam os rumos do jazz; mais espaço para Tyner e Jones, que parecem ainda mais presentes, embora não se note o amálgama de grupo que atingiriam pouco tempo depois. Entre as composições, está a favorita “Afro-Blue”, do cubano Santamaría, já incluída no repertório ao vivo de Trane há bastante tempo.
De ainda antes na linha do tempo, vem Tonight at Noon, disco de Charles Mingus contendo outtakes dos discos The Clown e Oh Yeah. Apesar de pouco conhecidas, as faixas devem ser vistas não como rejeitos de dois discos seminais de Mingus; ao contrário, parecem terem sido deixadas de lado por serem provocadoras demais. Não bastasse isso, traz a dobradinha Booker Ervin e Roland Kirk nos saxofones; tem “Peggy’s Blue Skylight”, encantadora; e, é claro, é um disco de Mingus, o que por si só já é justificativa o suficiente.
John Coltrane – Live at Birdland /1963 (320) download – 85MB
John Coltrane: tenor saxophone, soprano saxophone
Jimmy Garrison: bass
McCoy Tyner: piano
Elvin Jones: drums
Tracks 1–3 recorded October 8, 1963 at Birdland/NY
Tracks 4–5 recorded November 18, 1963 at Van Gelder Studios
Produzido por Bob Thiele para a Impulse!
01 Afro-Blue (Mongo Santamaría)
02 I Want to Talk about You (Billy Eckstine)
03 The Promise (Coltrane)
04 Alabama (Coltrane)
05 Your Lady (Coltrane)
Charles Mingus – Tonight at Noon /1961 (320) download – 84MB
12/03/1957 (tracks 1, 2)
Charles Mingus, double bass; Jimmy Knepper, trombone; Dannie Richmond, drums; Shafi Hadi, alto sax; Wade Legge, piano
06/11/1961 (tracks 3-5)
Charles Mingus, piano; Booker Ervin, tenor sax; Rahsaan Roland Kirk, alto sax; Doug Watkins, bass; Jimmy Knepper, trombone; Dannie Richmond, drums
Todas as músicas de Charles Mingus. Produzido por Alfred Lion/Nesuhi Ertegun para a Atlantic
01 Tonight at Noon
02 Invisible Lady
03 Old’ Blues For Walt’s Torin
04 Peggy’s Blue Skylight
05 Passions of a Woman Loved