Seguimos nesta empreitada com as sinfonias do Século XX, agora no país dos Astecas…
Muito tempo atrás, na escola, minha professora explicava por que motivo Jorge Amado era o escritor mais traduzido e publicado no exterior: ele escrevia sobre aquele Brasil com carnaval, mulatas e sexualidade à flor da pele, que povoa o imaginário estrangeiro. Com o compositor mexicano Carlos Chávez, é parecido: sua Sinfonía india é muito mais popular do que as outras, muito por causa do exotismo da orquestração, cheia de percussões curiosas e temas tribais. Suas outras sinfonias são mais ligadas à tradição europeia: a 1ª, Antígona, foi composta inicialmente para acompanhar uma montagem da tragédia grega. A terceira alterna entre o clima sombrio da 1ª e as melodias pastorais da 2ª (índia), com destaque para as madeiras, que comparecem em peso: piccolo, duas flautas, dois oboés, corne inglês, três clarinetes, clarinete baixo e três fagotes.
Ou seja, imitando Tolstoi: Carlos Chávez e Jorge Amado são melhores e mais universais quando falam das suas tribos.
Carlos Chávez – Sinfonias nº 1, 2 e 3
1 Sinfonía india (1936)
2 Sinfonía de Antígona (1933)
3 Sinfonía n. 3 – Introduzione: Andante Moderato (1951)
4 Sinfonía n. 3 – Allegro (1951)
5 Sinfonía n. 3 – Scherzo (1951)
6 Sinfonía n. 3 – Molto Lento (1951)
Gustavo Dudamel tem sido muito associado a compositores das Américas: o norte-americano Bernstein, os mexicanos Revueltas e Chávez, o venezuelano Carreño, o brasileiro Villa-Lobos, o argentino Ginastera… Mas ele não se limita a isso: tive a sorte de vê-lo reger a nona de Mahler no Municipal do Rio de Janeiro e foi sem dúvida o maior Mahler que já vi ao vivo. Neste concerto ao vivo de 2009 podemos ouvi-lo regendo música de cantos bem distantes do planeta.
A Sinfonía india do mexicano Carlos Chávez, composta em 1935–36, usa melodias de tribos do norte do México. As percussões listadas incluem instrumentos indígenas: jicara de agua (metade de uma cabaça invertida e parcialmente submersa em água, batida com varas), güiro (um tipo de reco-reco), cascabeles, tenábari (uma série de casulos de borboleta), um par de teponaxtles, tlapanhuéhuetl e grijutian (corda de cascos de veado). O compositor autorizou a substituição por instrumentos orquestrais (não tão) similares, mas pediu para os originais serem usados sempre que possível.
A música indígena do México é uma realidade da vida contemporânea. Não é, como se poderia pensar, uma relíquia para satisfazer a curiosidade de intelectuais ou para fornecer dados etnográficos. As características essenciais dessa música indígena conseguiram resistir a quatro séculos de contato com expressões musicais europeias.
Carlos Chávez
Uma resenha do concerto disse assim: “Gustavo Dudamel incitou performances exageradas e dramáticas de uma das orquestras mais tradicionais do mundo. Conduzindo a Sinfonía india de memória, seus movimentos eram de ballet, esculpindo finamente as quatro seções da obra. A energia da abertura foi contagiante e o tema central, lírico, apaixonado e hiperbólico de forma extravagante, mas com bom gosto em suas idas e vindas. Os percussionistas estavam visivelmente entusiasmados com os sons exóticos que produziam.”
Da famosa introdução até o final grandioso, passando pelo adagio belíssimo e açucarado, o concerto em lá menor de Grieg é todo perfeitinho e todo previsível. Tem lugar merecido no repertório de grandes pianistas, mas é uma pena que concertos mais ousados como os de Bartók ou a Rapsódia em azul sejam bem menos tocados. Como disse o colega de Sul21 Milton Ribeiro: Grieg é como a defesa do Inter, não tira o sono de ninguém.
Composta em 1944, a quinta sinfonia de Prokofiev pode não ser tão famosa quanto a quinta de Beethoven ou a de Shostakovich, mas tem seus encantos. Assim como seu compatriota soviético, Prokofiev alterna aqui entre um clima belicoso/heroico e momentos absurdamente líricos em que as cordas da orquestra do Concertgebouw brilham.
Carlos Chávez:
1. Sinfonía india (Introdução: Vivo, allegro / 1º tema: Allegretto cantabile – lento / 2º tema: Allegro cantabile / 3º tema: Poco più vivo)
Edvard Grieg:
Piano Concerto in A Minor, Op.16 (Jean-Yves Thibaudet, piano)
2. I Allegro molto moderato
3. II Adagio
4. III Allegro moderato molto e marcato – Quasi presto – Andante maestoso
Sergei Prokofiev:
Symphony No.5 in B-flat Major, Op.100
5. I Andante
6. II Allegro marcato
7. III Adagio
8. IV Allegro giocoso
Royal Concertgebouw Orchestra
Gustavo Dudamel, maestro
Ao vivo na Concertgebouw Grote Zaal, Amsterdam, Países-Baixos
22 de maio de 2009 (radio broadcast)
Nota: esta postagem, assim como todas as demais com obras de Heitor Villa-Lobos, não contém links para arquivos de áudio, pelos motivos expostos AQUI
Atendendo a pedidos, a Sinfonia Índia de Carlos Chávez.
Mesmo que ela só tenha um movimento e cerca de doze minutos (mais curta do que, inclusive, muitas sinfonietas), é assim que seu a compositor a nomeou e concebeu, causando dor de cabeça e contrariedade aos estruturalistas mais ortodoxos (quando a escutei pela primeira vez, pensei que se tratava só do primeiro movimento). Na época em que a sinfonia (a segunda das seis de Chávez) foi escrita, 1936, o compositor já havia despontado com outro grande sucesso, também permeado de ritmos nativos: o balé Horse Power (quem tiver uma gravação decente de HP, pode me mandar).
Escrevi certa vez que as duas únicas sinfonias de que gosto de ouvir por completo quando estou de bobeira eram a nona de Dvorák e a segunda de Camargo Guarnieri, mas tenho de acrescentar a Índia de Chávez e a Sinfonia em Cinco Movimentos de Jorge Antunes. Mesmo nos momentos mais calmos, a Índia é belamente melodiosa, sem falar que os instrumentos Yaqui (da tribo homônima, que vivem perto da fronteira com o Arizona) dão um toque único à obra.
Completam o presente CD a famosa suíte de Estância, de Ginastera, o Choros n° 10 (muito bisonho nesta versão) e o concerto para violino do espanhol naturalizado mexicano Rodolfo Halffter (1900-1987) (irmão de outros dois compositores também pouco conhecidos para nós, Ernesto e Cristóbal). Apesar de Rodolfo ter sido o Koellreuter mexicano, introdutor do dodecafonismo em terras astecas, ele só passou a utilizar a técnica dos doze tons na década de 1950 – isso explica porque este concerto, de 1940, é neoclássico.
Pronto. Pra encerrar meu giro pelo México e pelos Estados Unidos, hoje vai um CD de obras sinfônicas chicanas e, amanhã, outro de Frank Zappa.
O presente álbum, também baixado do blog Música Mexicana de Concerto, foi gravado ao vivo no concerto de centenário da Sinfônica de Minería e não possuo mais dados sobre ele. Sei que é sensacional e muito representativo: tem até marcha à la Strauss, valsa e uma chacona de Buxtehude (orquestrada por Chávez), fora os já postados Huapango, de Moncayo (a Sinfonietta dele, que abre este CD, vale ser ouvida), e Danzón n° 2 de Márquez.
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Concierto Conmemorativo SMMS (2007)
01 Sinfonietta – J.P. Moncayo
02 Chacona en mi menor – D. Buxtehude arr. Carlos Chávez
03 Danzón No. 2 – A. Márquez
04 A la orilla de un palmar – M. M. Ponce
05 Vals sobre las olas – J. Rosas
06 Marcha Zacatecas – G. Codina
07 Huapango – J.P. Moncayo
08 Dios nunca muere – M. Alcalá
09 Sones de Mariachi – B. Galindo
10 Las mañanitas – D.P.