Meu interesse em instrumentos musicais já me levou a tocar alguns deles em graus de sucesso que variam do sofrível ao ridículo. Minha experiência com todos, em especial os metais e as cordas, levou-me a admirar sobremaneira a dedicação dos instrumentistas para ajustarem suas bocas e dedos àqueles teimosos aparatos, extraindo deles não só sons agradáveis e condizentes com a intenção de um compositor, mas, o que é ainda mais impressionante, sem sucumbirem no processo.
Se acho uma façanha ser um virtuose de um instrumento que se toca tocando, que se pode dizer de um instrumento que se toca sem que se o toque?
Para mim, amigos, magia negra. Para o resto do mundo, é o assombroso teremim.
ooOoo
Inventado pelo físico russo Léon Theremin (Lev Termen, para os íntimos), este pioneiro entre os instrumentos eletrônicos é controlado pela posição das mãos do intérprete em relação a duas antenas: uma que regula a frequência, outra para o volume. O peculiar timbre resultante, já descrito como o de um “violoncelo perdido em neblina espessa, chorando por não saber como voltar para casa”, soa de melancólico a decididamente fantasmagórico. Não é à toa, portanto, que o teremim seja figurinha fácil de trilhas sonoras de filmes que abordam o incomum, o bizarro, e o inacreditável.
Parece difícil, e é mesmo. Por isso, talvez, passada a curiosidade inicial, o incrível instrumento de Theremin tenha ficado meio esquecido, e certamente limado de todos os círculos de música “séria”, até a entrada em cena de uma certa Clara Rockmore.
Nascida Klara Reisenberg em Vilnius (Lituânia), foi uma criança-prodígio no violino e chegou a estudar com Leopold Auer (sim, o professor de Heifetz; sim, o sujeito que esnobou o Concerto de Tchaikovsky) no Conservatório de São Petersburgo. Problemas de saúde fizeram-na abandonar o violino e a Música como um todo até encontrar, já nos Estados Unidos, o inventor Theremin. Trabalharam juntos no aperfeiçoamento do instrumento como meio de expressão artística. Foram tão próximos que Léon, que não era bobo, nem nada, lhe propôs casamento. Klara deu-lhe o fora, casou-se com um certo Rockmore, passou a chamar-se Clara e, emprestando ao teremim sua extraordinária musicalidade, transformou-se em sua primeira virtuose.
O vídeo acima, apesar do som precário, dá a vocês uma melhor ideia do que lhes tento dizer (além, claro,de ser deliciosamente funéreo!). O timbre, como já falamos, talvez seja um gosto adquirido, mas é assombrosa a expressividade que Rockmore obtém sem nada tocar além do éter. Se vocês perceberem, ao contrário da maior parte dos instrumentos, dos quais os silêncios são obtidos tão só pela suspensão da emissão do som, as pausas no teremim também têm que ser produzidas, através da ação a mão do volume (no caso de Rockmore, a esquerda).
Espero que, vencendo a natural estranheza, vocês possam apreciar a complicada arte desta virtuose incomum.
THE ART OF THE THEREMIN – CLARA ROCKMORE
Sergey Vasilyevich RACHMANINOV (1873-1943)
01 – Canções, Op. 34 – no. 14: Vocalise
02 – Romances, Op. 4 – no. 4: “Ne poj, krasavitsa” [NOTA DO AUTOR: conhecida como “Canção de Grusia”, não se refere a qualquer pessoa, mas sim à região caucasiana da Geórgia, que tem este nome em russo]
Charles-Camille SAINT-SAËNS (1835-1921)
03 – O Carnaval dos Animais – no. 13: O Cisne
Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)
04 – El Amor Brujo – Pantomima
Yosif Yuliyevich AKHRON (1886-1943)
05 – Melodia hebreia, Op. 33
Henryk WIENIAWSKI (1835-1880)
06 – Concerto para violino no. 2 em Ré menor, Op. 22 – Romance
Igor Fyodorovich STRAVINSKY (1882-1971)
07 – O Pássaro de Fogo: Berceuse
Joseph-Maurice RAVEL (1875-1937)
08 – Pièce en forme de Habanera
Pyotr Ilyitch TCHAIKOVSKY (1840-1893)
09 – Dix-Huit Morceaux, Op. 72 – No. 2: Berceuse
10 – Six Morceaux, Op. 51 – No. 6: Valse sentimentale
11 – Sérénade Mélancolique, para violino e piano, Op. 26
Aleksandr Konstantinovich GLAZUNOV (1865-1936)
12 – Chant du ménestrel, Op.71
Clara Rockmore, teremim e arranjos
Nadia Reisenberg, piano
Vassily Genrikhovich